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O Perfeito Nazi Duarte Rodrigues Nunes
from 49ª Edição
Duarte Rodrigues Nunes
Bruno Langbehn, O Perfeito Nazi
O livro O Perfeito Nazi foi escrito pelo cineasta e escritor britânico Martin Davidson, filho de um escocês e de uma alemã .
Continuação...
Bruno Langbehn conseguiu os seus intentos, tendo entrado para as SS em 12 de setembro de 1937 com o posto de Untersturmführer (2.º tenente). Prosseguindo na sua condição de Apparatchik e beneficiando do muito maior prestígio das SS face às SA, Bruno Langbehn logrou ser nomeado para a Frente Alemã do Trabalho (Deutsche Arbeitsfront ou DAF), liderada por Robert Ley, organismo que, a partir de 10/05/1933, substituíra a totalidade dos sindicatos alemães, que haviam sido ilegalizados e os seus líderes detidos. Bruno foi nomeado supervisor/administrador sénior (Gaufachswalter). E foi igualmente nomeado Chefe do Departamento Regional (Landesdienstsellenleiter) de Berlim da Associação dos Odontologistas do Reich (Reichsverband Deutscher Dentisten), pese embora tivesse pouco mais de 30 anos, o que demonstrou o reconhecimento da sua dedicação à causa nazi. Na prossecução da política racial nazi, a Associação dos Odontologistas do Reich, incluindo o Departamento Regional de Berlim, levou a cabo a expulsão de odontologistas judeus do exercício da profissão. Mas, ainda no que tange à sua admissão nas SS, Bruno Langbehn, foi nomeado para o departamento mais importante das SS, o SD (Sicherheitsdienst) Hauptamt (Departamento Central do Serviço de Segurança ), mais concretamente para o departamento de elite Reichsführung SS, ligado à liderança das SS (e ao Reichsführer Heinrich Himmler), em cujo Amt II (que controlava a segurança interna do Reich, vigiando instituições e pessoas percecionadas pelo regime como opositoras da Weltanschauung nazi) foi colocado. Contudo, apesar da sua pertença às SS, de manter o contacto com os seus anteriores comparsas das SA e de residir em Charlottemburg (o local onde foi levada a cabo a maior violência contra os judeus em todo o país nessa fatídica noite), o autor não logrou apurar se Bruno Langbehn tomou parte no Pogrom antissemita que teve lugar na noite de 9 de novembro de 1938, a Noite de Cristal (Kristallnacht), que constituiu uma represália do regime contra os judeus em virtude do assassinato no conselheiro da embaixada alemã em Paris, Ernst von Rath, por um judeu polaco. Com a invasão da Polónia em 1 de setembro de 1939 e com a declaração de guerra da Inglaterra e da França à Alemanha no dia 3, iniciou-se uma nova etapa na carreira de Bruno Langbehn, que, apesar de ser membro das SS e ter mais de 30 anos de idade, se apresentou como voluntário, tendo sido integrado numa unidade de artilharia antiaérea nos arredores de Berlim. Contudo, na primavera de 1940, quando a Alemanha, após ter conquistado a Dinamarca e invadido a Noruega a 9 de abril de 1940 (a Noruega só foi conquistada em junho desse ano),
se preparou para conquistar a Holanda, a Bélgica, o Luxemburgo e a França (desencadeando a ofensiva no dia 10 de maio), Bruno Langbehn, apesar da sua idade, foi transferido para a Frente Ocidental, mas mal chegou a entrar em combate em virtude de ter sofrido um acidente com um cavalo, que se assustara com o tiroteio e o atirou contra uma parede, ferindo-o com gravidade e impedindo-o de continuar a combater, obrigando igualmente à desistência da profissão de odontologista, que exercia a tempo parcial. Por isso, foi integrado na sede do SD na Prinz-Albrecht Strasse (onde também se situava a sede da Gestapo ), onde, como Inspekteur (inspetor) de Berlim, ficou a chefiar as operações dos serviços secretos na capital, acumulando essas funções com as de Chefe do Departamento Regional de Berlim da Associação dos Odontologistas do Reich. Terá sido graças a este último cargo que Bruno Langbehn se apercebeu de que um odontologista judeu, Hartmann Levy (que se suicidou em outubro de 1942 para escapar às provações da deportação) possuía um consultório que ficara vago e, seguidamente, conseguir a sua expropriação e oferecê-lo à sua sogra, Ida, que (tal como Bruno quando, mais tarde, regressou à profissão) aí passou a exercer a sua atividade de odontologista. Com o fracasso da invasão da União Soviética (iniciada em 22 de junho de 1941) no inverno de 1941-42, vários altos dignitários das SS reuniramse em Wannsee em 20 de janeiro de 1942, tendo adotado a chamada Solução Final do Problema Judaico na Europa (Endlösung), que determinou o assassinato em massa dos judeus e de outras minorias étnicas. Todavia, o autor também não conseguiu descortinar qual o papel que o seu avô desempenhou na Endlösung, designadamente se participou em atrocidades contra os judeus ou outras minorias étnicas, pese embora o papel relevante que as SS e, dentro delas, o SD tiveram na organização e na execução do Holocausto.
De acordo com o livro, o autor logrou apurar que o seu avô, em 1942, além de Inspekteur em Berlim, estava colocado no Departamento (Amt) VI do RSHA , que correspondia ao SD na sua vertente de proteção da segurança internacional (a vertente da segurança interna correspondia ao Amt III), tendo sido promovido a Hauptsturmführer (Capitão) no início de 1943 e não tendo sido novamente promovido até ao final da guerra. Em meados de junho de 1944, Bruno Langbehn foi enviado, juntamente com a mulher, para Praga, a sua última colocação durante a guerra. No entanto, pouco tempo depois de ter chegado a Praga, Bruno Langbehn foi preso pela Gestapo, por suspeitas de estar envolvido no complot para matar Hitler, no âmbito do qual, no dia 20 de julho de 1944, o Conde Claus Schenck von Stauffenberg (um Coronel do Exército alemão) fizera explodir uma bomba no Quartel-General de Hitler em Rastenburg com o objetivo de o matar. Todavia, Hitler escapou apenas com ferimentos, tendo sido despoletada uma vaga de repressão sem precedentes na Alemanha hitleriana, desta vez visando políticos e militares que haviam sido fiéis ao regime, mas que com ele haviam rompido. Bruno Langbehn acabou por ser libertado, uma vez que a sua detenção se devera a confusão entre o seu nome e o de um advogado implicado na conspiração (o Dr. Carl Langbehn), que foi julgado no Volksgericht (Tribunal do Povo), presidido pelo sinistro Roland Freisler, condenado à morte e executado. Após a sua libertação, Bruno Langbehn dedicou-se à missão que estava a ser levada a cabo pelo Amt VI do SD em Praga: preparação de ações antiguerrilha, que os alemães sabiam que estavam em vias de acontecer logo que as tropas soviéticas se aproximassem da cidade, dado que haviam intercetado comunicações entre o Governo checoslovaco no exílio e a Resistência, em que aquele incitava a Resistência a levar a cabo ações armadas contra os alemães, à semelhança do que sucedera no ano anterior em Varsóvia. Com o desmoronamento da Frente Leste alemã e a iminente chegada do Exército Vermelho a Praga, no dia 5 de maio de 1945 rebentou uma
Bruno Langbehn numa fotografia de 1941 com a sua mulher e as duas filhas mais velhas do casal Langbehn
Bruno Langbehn, O Perfeito Nazi
Duarte Rodrigues Nunes
insurreição em Praga contra os alemães, que se iniciou com a ocupação da estação de rádio por resistentes, que incitaram à revolta e à morte aos ocupantes alemães. Construíram-se barricadas e os alemães reagiram com bombardeamentos aéreos sobre as posições dos resistentes checos e fuzilamentos em massa no campo de concentração de Teresienstadt. O grupo de exércitos alemães comandado pelo Marechal (Generalfelmarschall) Ferdinand Schörner, que se encontrava nos arredores de Praga enfrentando as tropas soviéticas não apoiou os alemães no interior da cidade, pois Schörner estava mais preocupado em escapar em segurança para o Ocidente (para se render aos aliados ocidentais) do que em apoiar os defensores de Praga e ser feito prisioneiro pelos soviéticos. Por isso, a defesa de Praga ficou nas mãos dos membros das SS e da polícia, que levaram a cabo uma campanha sangrenta para tentar reconquistar o controlo da cidade e esmagar a rebelião, que não parava de aumentar de intensidade, sendo muito elevadas as baixas de ambos os lados. As SS cometeram terríveis atrocidades, retirando civis checos (incluindo crianças) que nada tinham a ver com os revoltosos de abrigos antiaéreos e de casas (que incendiavam) e assassinando-os à baioneta. Também os resistentes checos linchavam os alemães que faziam prisioneiros e chacinaram civis alemães (incluindo crianças). Os revoltosos conseguiram dominar a situação e, dias depois, passaram a controlar a cidade. Bruno Langbehn, sabia que ele, a mulher e as filhas (que, entretanto, se haviam juntado aos pais) corriam grande perigo se ele fosse detido e identificado como oficial das SS. Por isso, destruiu todas as provas (uniformes, insígnias e documentos) que o ligassem às SS e conseguiu roupas civis (que lhe terão sido arranjadas por um vizinho checo, o filho do porteiro do seu prédio, que fizera amizade com as filhas de Bruno ), o que o livrou de ser imediatamente abatido pelos revoltosos quando chegaram à residência de Bruno Langbehn. Contudo, esquecera-se de se desfazer de duas espingardas de caça, pelo que, apesar de trajar como um mero civil alemão, foi detido e levado para a prisão, tal como a sua família. Foram colocados em celas separadas, apenas se tendo reencontrado muitos meses depois. Bruno Langbehn foi colocado numa cela juntamente com outros alemães e, a dada altura, foram levados para fora da cela e começaram a ser abatidos com tiros na cabeça por um guerrilheiro checo, mas, para sua sorte e de um outro membro do grupo, apareceu um oficial soviético, que, chocado com a situação, impediu o guerrilheiro de continuar a abater os prisioneiros, que foram novamente conduzidos à cela. Algum tempo mais tarde, Bruno Langbehn foi julgado num Tribunal popular checo, mas, como não foi identificado como sendo oficial das SS, livrou-se de ser condenado à morte, tendo sido entregue aos soviéticos, que o transferiram para uma prisão na Hungria, de onde foi libertado em 14 de setembro de 1945. Nunca foi descoberta a sua pertença às SS em virtude de nunca ter feito a tatuagem das SS e de ninguém o ter denunciado enquanto tal. Regressou a Berlim no final de 1945, reencontrando a sua sogra Ida, mas desconhecendo o paradeiro da sua mulher e das suas filhas. Estas só conseguiram chegar a Berlim mais tarde, após terem estado detidas durante 18 meses num campo de trabalho na Checoslováquia. E, quando chegaram à sua antiga residência, Bruno, que temia ser preso, só as deixou entrar depois de se certificar de que eram realmente quem diziam ser. Reunida a família e porque as tropas aliadas de ocupação estavam a esquadrinhar a Alemanha à procura de criminosos de guerra nazis, Bruno Langbehn decidiu que a sua família iria utilizar o apelido Holm, a fim de evitar a sua própria responsabilização no âmbito dos processos de desnazificação do pós-Guerra. Assim, durante 4 anos, os Langbehn passaram a ser os Holm e mudaram-se de Berlim para um subúrbio dormitório de Hamburgo chamado Wedel. Metade da população de Wedel eram refugiados/deslocados, o que facilitou de sobremaneira a ocultação da verdadeira identidade dos Langbehn e, sobretudo, a de Bruno. Com o início da Guerra Fria, a procura de nazis e ex-SS como Bruno Langbehn afrouxou, o que permitiu que, em 1950-1951, os Holm tivessem voltado a ser os Langbehn, tendo-se mudado novamente para Berlim e Bruno voltado a exercer a sua função de odontologista, obtendo uma nova licença sem grande dificuldade e, mais do que isso, embora sem realizar estudos adicionais, deixou de
ser Dentist (odontologista) para passar a ser Zahnarzt (médico dentista). Apesar de nunca ter sido incomodado pelo seu passado nazi e de ter retomado sem problemas a sua antiga profissão e com melhor estatuto, Bruno Langbehn era um verdadeiro ditador em casa, sendo inflexível e sombriamente reprovador para as suas filhas, ao ponto de a mãe do autor ter optado por emigrar para a Escócia para fugir do regime ditatorial que o pai instituíra em casa. Para além disso, demonstrava orgulho na sua conduta anterior a 1945, mantendo o contacto com os seus antigos camaradas da guerra e continuando a ser um nazi convicto, embora, ao envelhecer, tivesse acabado por perder alguns dos seus tiques ditatoriais, tornando-se mais compreensivo. Na década de 1960, Bruno Langbehn envolveu-se com outra mulher, abandonando o lar conjugal. Como a sua mulher e avó do autor pediu o divórcio, Bruno Langbehn retaliou cortando todo o contacto com a família de um dia para o outro, apenas se tendo reatado os contactos, e de forma intermitente, a partir de meados da década de 1970. No fundo, Bruno Langbehn foi um nazi de quase primeira hora, tomou certamente parte nas violentas lutas de rua entre as SA e os opositores do nazismo, foi também um oportunista que se serviu da sua posição nas SA e depois nas SS para conseguir proveito pessoal e um nazi convicto que jamais renegou a sua ideologia e sempre se orgulhou do seu passado nazi e, ao mesmo tempo, um tirano entre paredes para as suas filhas e alguém que, apesar do seu orgulho no seu passado nazi, se comportou de forma cobarde, escondendo-se dos processos de desnazificação, mudando o apelido da sua família, alojando-se numa pequeníssima habitação nos arredores de Hamburgo (tendo abandonado Berlim) e falsificando os questionários de desnazificação. A (triste) história de vida de Bruno Langbehn, ainda que tendo ocorrido num momento histórico muito específico, não é, de modo algum, sobretudo nos tempos de crise em que vivemos, uma história irrepetível. De facto, a História vem demonstrando que os cidadãos optam sempre, em primeira linha, por regimes democráticos e que a instauração de regimes antidemocráticos, tanto por via legal (como na Alemanha e na Itália) como por via revolucionária ou de guerra civil (como na URSS, Espanha ou Portugal), é consequência do descrédito dos cidadãos nos governantes, nas instituições e nos partidos democráticos (República de Weimar na Alemanha, governos italianos do pós-Primeira Guerra Mundial, Rússia czarista, República espanhola, I República em Portugal), o que, por sua vez, resulta, entre outros fatores mas sobretudo, de escândalos de corrupção e de um fraco desempenho das instituições democráticas na resolução dos problemas que assolam a sociedade. E é por via do descrédito nos regimes democráticos e nas suas instituições que a mensagem extremista e demagógica (e acompanhada da promessa de soluções “milagrosas”) de indivíduos e movimentos populistas/ extremistas/antidemocráticos é ouvida e aceite pelos cidadãos descontentes, que acabam por, nas eleições, votar em partidos extremistas, permitindo-lhes eleger alguns dos seus membros (quando não logram ganhar as eleições, obtendo uma maioria parlamentar e constituindo Governo, o que lhes permite liquidar mais rapidamente os regimes democráticos) e, dessa forma, ascender a um palco privilegiado para a disseminação das suas ideias antidemocráticas/populistas/racistas, para a manipulação dos cidadãos e para incrementam a sua popularidade ao criarem nos cidadãos uma imagem de que “põem o dedo na ferida”, são corajosos e honestos, desmascaram as mentiras, as negociatas e as meias-verdades dos políticos dos partidos democráticos, dão voz aos desfavorecidos e/ou injustiçados pela sociedade, etc. Vivemos indubitavelmente tempos de profunda crise económica e social e, sobretudo, de valores, que tem gerado uma enorme e crescente massa de cidadãos descontentes e revoltados com as condições difíceis da vida que levam e, sendo confrontados quase quotidianamente com novos escândalos que envolvem indivíduos das chamadas “elites”, sentem que vivem em condições particularmente difíceis para que outros possam não pagar impostos ou enriquecer através da corrupção e de negócios altamente lesivos para o Estado e para os cidadãos, com a participação ou, no mínimo, com a complacência das instituições dos regimes democráticos. Não é, pois, à toa que se assiste ao surgimento/ ressurgimento de líderes e movimentos antidemocráticos, ao recrudescimento das atividades de grupos e grupelhos extremistas (neonazis e não só) e a uma reescrita da História mediante a reabilitação (ou mesmo a negação das suas atrocidades) e o saudosismo de ditadores do passado (Hitler, Estaline, Mussolini, Franco, Salazar). E, mais grave do que isso, para além da incontrolável Internet (que permite a disseminação ilimitada de propaganda extremista), os media sedentos de audiências não têm qualquer pejo em dar tempo de antena (usualmente mediante entrevistas) a indivíduos defensores de ideais extremistas (que o aproveitam para, despudoradamente, disseminarem a sua propaganda extremista e manipularem os cidadãos menos atentos, informados ou instruídos) e as autoridades públicas autorizam a realização de manifestações de organizações extremistas ou não reprimem aquelas que não foram autorizadas, tal como sucedia com o Partido Nazi nos tempos de Bruno Langbehn. Em suma, sendo impossível evitar em absoluto a criação de Brunos Langbehn deste tempo, haverá que criar as condições necessárias para que se não tornem na maioria dos cidadãos, a bem do Estado de Direito e das liberdades fundamentais.