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O Mar Logo Ali Ana Gomes

Em pleno verão, logo após sair o resultado do concurso para movimento de Juízes, Vanessa escolheu um pequeno apartamento para morar. A partir de setembro, mudar-se-ia: um novo Tribunal, uma nova terra! Preocupou-se em conhecer o espaço onde iria trabalhar. A colega que a antecedeu indicou-lhe o apartamento que arrendara, que a distância entre casa e Tribunal não iria permitir ir e vir, ainda que um ou outro dia pudesse trabalhar à distância.

Decidiu, então, instalar-se e passar a fazer parte da comunidade: a cada dois dias ia às compras na mercearia, todas as manhãs bebia o café na pastelaria mais frequentada, três vezes por semana fazia exercício no parque, quando enchia o balde levava as embalagens à reciclagem. O apartamento foi-se transformando na sua nova casa e todos os fins de semana apanhava o comboio para matar saudades da família.

De segunda a sexta usava a bicicleta para as pequenas deslocações e ao fim do dia desfrutava do espaço só seu, do sossego, do silêncio entrecortado pelos sons das máquinas de lavar, que a mãe sempre lhe disse que não as podia dispensar quando tivesse uma casa. A máquina de lavar roupa avariou, deixou de emitir som, deixou de rodar, mantendo tudo encharcado, não lavado, e deixando Vanessa sem saber o que fazer. As vezes que pôde

E O MAR LOGO ALI

Ana Gomes

insistiu com o senhorio para que resolvesse o problema, que sem a máquina como faria, como lavaria a roupa, que vive sozinha, mas uma máquina é indispensável, ao que o homem lamentava que a máquina tinha acabado de sair da garantia, que não tinha pago o que chamavam uma extensão da garantia, que muito arrependido estava, pois agora – já se tinha informado – era um arranjo caríssimo que mais valia comprar uma máquina nova de uma marca modesta, veja menina, quase mil euros ao lixo quatro anos depois, e olhe que a sua colega que aqui esteve antes era muito cuidadosa. Vanessa compreendia a frustração do homem e respondia que ainda se lembrava de quando a bisavó decidira comprar uma máquina de lavar roupa e os anos que durou, tantos que passou de herança para a avó. Que tanto avanço na tecnologia e tanto discurso sobre o não desperdício de recursos tinha levado, paradoxalmente, a que uma máquina de lavar visse diminuída a esperança de vida.

Tentou poupar a roupa, porque na pequena vila não havia lavandarias, passou-lhe pela cabeça pedir ajuda ao jovem vizinho, mas retraiu-se. Ao fim de uns dias, quando saiu do Tribunal foi à drogaria. Levaram-lhe o novo objeto a casa e na mala guardou, depois de pagar, o sabão de Marselha. Chegou a casa, arregaçou as mangas e começou a bater as camisas na tábua e a esfregá-las com vigor crescente com o sabão. Roupa, água, espuma, roupa, espuma e água. O aroma espalhou-se pelo pequeno varandim onde coube o tanque de cimento e uma Vanessa cada vez mais entusiasmada. O cheiro da casa da sua bisavó invadiu os apartamentos vizinhos e perfumou a tarde de quem passava na rua.

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