51 Edição

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1 AGOSTO 2022 51º Edição

2 Indíce AGOSTO 2022 04 ....... Pano para Mangas | Margarida Vargues 06 ....... Texto de Março | Filomena Lima 08 ....... Pelagens | Lícinia Quitério 10 ....... Liberalismo versus conservadorismo | Pedro Àlvares de Carvalho 14 ....... Ré em Causa Própria | Adelina Barradas de Oliveira 16 ....... O Mar Logo Ali | Ana Gomes 18 ....... Férias, por fim | Paula Sá Couto 20 ....... Flores na Abíssinia | Carla Coelho 22 ....... Cantinho do João | João Correia 24 ....... Férias em Aguarela | Ana Maria Clemente DIRECÇÃO: ADELINA BARRADAS DE OLIVEIRA DESIGN E WWW.JUSTICACOMA.COMDIOGOPRODUÇÃO:FERREIRAINÊSOLIVEIRASITE:FACEBOOK:JUSTIÇACOMA Fotografia gentilmente cedida por Fernando Corrêa dos Santos

(Continuamos – até Já )

3 Editorial DIRECÇÃO: ADELINA BARRADAS DE OLIVEIRA

Num Verão que interiormente prometeu Paz

O resto são sobressaltos de percurso que podemos, ou não evitar, mas não são o Mundo, e nem sempre temos de nos sentir culpados por eles.

É Agosto É Verão e tudo o mais que traz ao Mundo a ideia de Liberdade, verdes anos, águas azuis, areias imensas e trovoadas libertadoras, relógios parados ou a contarem em crescente a Vida por viver, tão rápida... Fazem-se filas para a Liberdade O Mundo esquece as Guerras, as Doenças, a fome, a miséria e os Medos e enche-se com o astro LembraRei. a Infância, as férias com a família, os livros à espera de serem lidos, os gelados de sabores com o pai e a mãe e os primos e tias e os amigos... JustiçA com A quase perdeu a noção da realidade e embebeu-se de liberalismo, embriagou-se deLeve-nosVerão. para a praia no seu TM ou no seu Ipad. Ainda somos grátis como o Sol, o Mar, os mergulhos na imensidão das horas sem tempo.

O Mundo não é guerra nem fugas, nem poluição, morte e doenças. O “Mundo” é isto de que vos falamos neste número, realidades outras que não se vendem nos jornais.

A História conta-se mas é feita de tudo e podemos fazê-la cheia do que é Bom e implica Felicidade e,... não é manchete.

Hoje dei comigo a pensar sobre a vida pré e pós whatsapp. Não que o pós implique o seu desaparecimento, porque ele por aqui anda - para o bem e para o mal em proporções quase iguais.

As conversas a dois não têm que causar qualquer confrangimento. Se se quer responder, respondese. Se não se quer responder, não se responde.

Se apetece enviar qualquer coisa só porque nos lembrámos de alguém do outro lado, fantástico. Se não apetece também está tudo bem. Se se quiser

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Margarida Vargues PARA

MANGAS

PANO

Já que estamos na silly season sejamos, então silly - assim mesmo, em inglês, que não soa tão rude como um “parvo” ou eufemístico como um “tonto”, em português.

surgem outros grupos com mais ou menos os mesmos elementos dos anteriores, mas diferentes, pois há “assuntos” que só podem ser tratados em Conseguem“privado”.seruma

É, ou não, uma das melhores notícias desta silly season, já de janela aberta para Setembro e, consequentemente, uma nova avalanche de whatsapp? Como? Instruções aqui!

E porquê o “quase”? Porque há alguém que fica a saber da saída. A sério? Mas quem? Os administradores dos grupos!!!

A escravatura chegou ao fim, aparentemente, no dia 9 de Agosto! Após um período de testes, a plataforma ouviu - de certeza que ouviu, embora todos neguem a pés juntos ouvir as nossas conversas e ler os nossos pensamentos - as pragas juradas por milhares de utilizadores e estendeu o poder da invisibilidade a (quase) toda a comunidade. Dito assim, soa a seita do demónio!!! Estava quase Atélá… nos podem incluir em mais mil grupos de whatsapp que já é possível uma saída (mais uma vez, “quase”) à francesa - como se faz nas festas que começam a ser demasiado pesadas - sem que ninguém dê por isso, a não ser o anfitrião

verdadeira dor de cabeça na correria do dia a dia, onde a disponibilidade não é grande e onde dois pequenos riscos azuis, ainda que não sendo da censura, representam uma espécie de ditadura do estar sempre presente.

desaparecer, da mesma forma se desaparece - dãolhe o nome de ghosting, mas agora há designações para tudo e mais alguma coisa… Sem cobrança, de preferência. Isto é algo que vem dos tempos do telefone com fio, em que podíamos discar o número e, do outro lado, se atendia, ou não. Voltávamos a ligar. Ninguém atendia. Paciência. A vida continuava. Afinal, não chegávamos a saber quem tinha ligado. Era uma espécie de anonimato. E se quiséssemos encontrar quem quer que fosse sabíamos onde ir, como chegar, onde estar. Havia - e há - sempre como alcançar o outro. Quem é do tempo do Henrique Mendes e do seu Ponto de Encontro? Corria-se Seca e Meca para chegar a quem quer que fosse. Depois, há os grupos de whatsapp que são como cogumelos indesejados num canteiro de peônias. Quando se dá por isso já estamos em mais um: o grupo dos pais da turma do mais velho, o grupo dos pais da turma do mais novo, o grupo dos pais do futebol, o grupo dos pais do ballet, o grupo dos professores, o grupo do ioga, o grupo da meditação, o grupo das caminhadas, o grupo dos colegas da universidade, o grupo do aniversário da X, o grupo do presente de aniversário do Y, o grupo dos amigos das férias na neve, o grupo da viagem ao fim do mundo, o Paralelamente,grupo…

5 ESTAR OU NÃO ESTAR -DEIXA DE SER QUESTÃO-

Que vergonha! Não quero que fiquem a falar mal de mim! A única solução, até há pouco, passava por silenciar as notificações, e assim a tão importante conversa era reduzida a cinzas, que é como quem diz, ficava no fim da linha, esquecida, até que surgisse um momento de tédio ou curiosidade mórbida ao jeito de “deixa lá ver o que se passa ali”. Dependendo da dinâmica são necessários vários momentos de tédio para apanhar o fio à meada, o que leva, mais uma vez, a que o “esquecimento” fale mais alto.

Até há bem pouco tempo era impossível - falha do sistema, ou não - livrarmo-nos desta praga sem que os demais dessem por isso. Sempre que saía alguém de um destes aglomerados de pessoas com algo em comum lá aparecia, em final de conversa, “a pessoa X abandonou o grupo”, deixando os restantes membros intrigados, zangados, a cortar na casaca do desertor.

FILOMENA LIMA

Só um abraço de muita força pode apagar o caos, a morte e o esquecimento. Apenas a ousadia, prenhe e desafrontada, pode vencer certezas vazias e ocamente alheias aos seus próprios e devastadores efeitos. A coragem faz falta a quem não escolhe a apatia. Neste tempo que passa, e cilindra tudo por onde passa, parece que pouco interessa apurar quais as razões para se morrer. Seja acidente, uma doença qualquer, seja guerra seja o desinteresse, a banalidade, a mesquinhez, o esquecimento. Seja de forma esperada ou repentina. Isoladamente ou em massa. Seja no mar alto ou na praia. Se tudo acabasse de uma vez só, não haveria drama algum, apenas porque não ficaria ninguém para o apodar de drama e para o noticiar? Então o medo e a dor só existem na medida da percepção dos mesmos? No seu reflexo exterior? Tal como o enterro do conde de Orgaz ou o espanto embevecido de Narciso? Existe também aqui um elemento teleológico, intencional, de acordo com um fim proposto, decisivo na interpretação? Que fique aquém ou que ultrapasse, ainda que o contrarie, o que se diz e escreve?

E ainda que produza o caos, parecendo que o fim visado é afinal esse mesmo? Ou tudo é apenas ignorância e vaidade? Vanity of vanities... Todo o mal é igual. É mal. Todo o bem é igual. É bem. Ambos são apenas isso. Substantivos, nada adjectivam. Todas as gerações passam. Fica delas um rasto de saber, uma linha contínua de humanidade que nos faz “prosperar”, crescer de conhecimento em conhecimento, ou fica uma linha fulminante de destruição. De um vazio total. Ou fica isso tudo. Não é, porém, indiferente o que liga, em fio condutor, uma vida a outra vida, nem o que consome ou alimenta cada uma das vidas nessa ponte ininterrupta de Ser. O que nos é trazido desde tempos antigos? É a dor isolada? São as alegrias que pontuam cada indivíduo, cada época, cada exposição de arte, cada linha musical ou entoação poética, tudo isso em cadeia,

DETEXTOMARÇO

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Um abraço pode ter um lado quente e um outro já frio que não é por isso que deixa de ser abraço.

7 numa epifania de glórias ou em crescendo contagioso de auto contemplações? Em cada circuito dito civilizacional? Há um ADN de que todos comungamos. O bem de uns é o bem de todos. O mal de uns é mal de todos. O que é que nos pulveriza? É o medo à nossa volta ou a capacidade de ele se transformar em algo próximo de ser esse o nosso primordial lastro de vida? Nada do que é humano nos é estranho. Nada do que sucede num extremo do fio deixa de tocar o extremo oposto, por via de uma rede intrincada de sistemas induzidos. É nesse filão de vida que gravitamos, na película em que estamos mergulhados desde que irrompemos de uma qualquer aurora indutora de luz, de uma centelha de energia, de um caos inspirador. É aí que tudo se passa. E vamos saltitando de luz em luz, de sombra em sombra.

Não há bem nem há mal. Havemos nós, imbuídos do que quer que seja que sejamos. Partículas humanas de um universoSomoscomplexo.tudo e não somos nada de relevante Somos as pontes que fabricamos, a resina com que nos ligamos e em que nos fundimos. Para o bem e para o mal. Nada é tão digno como a seiva que liga, vivos e mortos, fracos e fortes, bravos e desvalidos.

QUITÉRIOLICÍNIA PELAGENS

Tomara acabem as férias dele. Para eu ter as minhas. Homens em casa, sabe como é. Isto diz a dona da pelagem loira coberta de uma pasta esbranquiçada que a havia de tornar de um loiro mais aberto, segundo ela declarara à menina cabeleireira. O cão ladrou e o dono disse entre portas, fica aí e bico calado. Ficou, a trela amarrada a uma das grades do alpendre, a pelagem cor de café com leite recentemente tosquiada, hirsuta e abundante apenas nas orelhas e na cauda. A t-shirt de manga à cava e os calções deixam escancaradas grandes porções dos membros superiores e inferiores, do peito e das costas, forrados todos de uma pelagem negra, longa e espessa. O fio de ouro, grosso, de malha batida, com crucifixo, brilha pelo meio daquela selva. Uma tentação para a ladroagem. Ela bem lhe dizia, mas ele, ai do filho da mãe que se atreva, leva que contar. Exemplificava, a mão em cutelo, uma perna atrás, os joelhos flectidos, num arremedo de artes de defesa com nomes impronunciáveis. Um homem pronto para ir à praia, com as suas havaianas verdes, a dar com a t-shirt, essa de um tom mais discreto. Faz rodar, no pulso direito, uma fitinha cor de laranja que diz Porto Galinhas.Este ano, conta ela, compondo o botão que se desabotoara mesmo no meio dos seios, ficaram pela Tunísia. Gostaram. A comida é que tinha sido um problema, especialmente para ele que só gosta dos cozinhados dela. O hotel, isso sim, uma lindeza. Até pétalas de flores lhes punham em cima da coberta da cama. Quem não gosta de um luxozinho de vez em quando, replicava a menina cabeleireira, com olhos lânguidos de telenovela. Ela ajeita na cadeira os quilos a mais, pega no leque e abana-se, com expressão de fastio. Ah o Verão, o Verão. Não veste bata de dona de casa, mas é como se vestisse. Talvez sugestão do padrão do tecido da blusa, miudinho, em fundo escuro, para não se notar tanto a sujidade. Ele aproxima-se dela, o rosto perto do dela, a fala num segredo, quase a roçar a pasta de tinta esbranquiçada rente à orelha. Por detrás dos óculos, tem o olhar assustado dos míopes. A careca não condiz com o traje decidido a grandes ares, grandes mares. Senta-te ali. Aqui fazes-me ainda mais calor. No alpendre há um latido frouxo. Ele vai escorregando pelo braço da cadeira a que se apoiou, escorregando, sentandose, enroscando-se. Ela grita, deixa-te de graças. O latido do cão no alpendre cada vez mais frouxo, mais espaçado. No 112 não pode ir o cão, o da pelagem cor de café com leite. Diz a lei.

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A

10 CONSERVADORISMO.VERSUSLIBERALISMO

convergência entre dois polos e maior operacionalidade dos mesmo, em relação ao tradicional binómio “esquerda”/”direita”, na análise da Ordem Internacional Liberal ÁlvaresPedro de Carvalho

O primeiro arreigado num húmus tradicional, numa concretude a que faz referência Isaiah Berlin ao longo da sua obra infelizmente muito dispersa (aparentemente gostava pouco de escrever, mas aqui podem encontrar-se muitas referências bibliográficas de outros e obras do mesmo - AQUI, e que encontramos, na verdade, nos conservadores britânicos e, depois, norteamericanos. Nesse sentido poder-se-á dizer que o liberalismo anglo-saxónico acaba por ser um conservadorismo não reacionário liberal que não dispensa a relação biunívoca entre ser e dever-ser, entre o real e o ideal, partindo do primeiro para o segundo e inversamente, num constante diálogo evolutivo. Acima de tudo, essa concepção assenta sempre na necessidade da protecção do indivíduo e da sociedade civil, com base em princípios bem alicerçados na tessitura social, contra qualquer poder que seja, ou deseje ser, autoritário.

Eis-nos chegados a um ponto da nossa história político-partidária em que o conceito de “liberal” ou “liberalismo” deixou, se assim o quisermos afirmar, de se estranhar começando a entranhar-se (perdoe-me, Fernando Pessoa, a apropriação). E, por outra banda ou, até por isso, em contrapartida, se usa o termo “conservador”. Por via de regra em oposição, um e outro. No entanto, ainda assim, o que se vai entranhando e usando, por via da opinião publicada, padece de vieses ideológicos e falta de rigor. Como é bom de ver – e acima ficou claro – não me arvoro em especialista na matéria. Bem pelo contrário, primo pela ignorância. Com duas vantagens – o desassombro (até, se assim se quiser, a falta de vergonha e/ ou estupidez natural) e a curiosidade.

O segundo – o Liberalismo de raiz Europeia Continental – é idealista, ao ponto da fantasia, sendo manifesta a perversão que provocou, por exemplo, no evoluir da Revolução Francesa e do Iluminismo de raiz continental europeia. Esta via, caracterizada por um racionalismo construtivista, deu azo, a partir das concepções absolutistas de “povo” e “democracia popular” (deixadas por Rousseau), ao facilitamento, quer em séculos passados, quer actualmente, de uma mera e instrumental defesa do “povo” (sendo que a ideia do que seja o “povo” é apropriada e conformada ou densificada por quem a utiliza e conforme os respectivos objectivos políticos mais imediatos) contra as elites, facilitando a instauração de sistemas políticos autoritários, caracterizados pelo ataque a instituições ou arranjos e equilíbrios institucionais que são, não

Um texto em forma de exercício da Ignorância, assim mesmo, com letra maiúscula, enquanto conceito fundador de um pensar baseado no que vai surgindo ao correr da pena com base em reduzida informação e resultado de muito desconhecimento. Uma soberba, portanto, só permitida aos ignorantes.

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Dentro desse espírito, então, diria que o liberalismo foi, no seu início, uma resposta e não uma pergunta, ou seja, não é, nunca foi, uma construção idealista, sendo que, pareceme, a influência do idealismo alemão na parte continental da Europa levou (com a excepção de Benjamin Constant que, não por acaso, fez parte da formação superior em Edimburgo –Escócia – e viveu no Reino Unido) à existência de uma partição ou bifurcação entre o liberalismo de matriz anglo-saxónica e o de matriz continental europeia ou, dito de outra forma, entre um liberalismo/racionalismo evolucionista (o primeiro) e liberalismo/racionalismo construtivista (o segundo).

ou conceptualismo abstracto/ construtivista teve reflexos, inclusive, no âmbito do Direito. Na europa, ainda na primeira metade do século XX, surge-nos, por exemplo, a Teoria Pura do Direito – de Hans Kelsen – que almeja a criação de um sistema jurídico “total”, cogente, partindo, como ponto essencial, da extirpação de qualquer referência ética no Direito. O que interessava é que, no seu todo, o sistema jurídico fizesse globalmente sentido e se impusesse como uma construção necessária e racionalmente evidente. No entanto, e apesar de tudo, Kelsen é um defensor da Constituição cuja função política é estabelecer limites jurídicos ao exercício do poder.

por acaso, tipicamente liberais em termos anglosaxónicos, como por exemplo a separação de poderes, e alavancando a diabolização dos meios de comunicação social que não transmitem a “verdade” do poder já instalado (autoritário) ou em processo de instalação.

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A ideia chave deste segundo “liberalismo” é a de racionalismo construtivista. É-o enquanto característica particularmente distintiva do “liberalismo” anglo-saxónico e é-o também enquanto ponto de partida para uma realidade ideológica que, por via da adopção académica de constructos pós-modernos de geração sobretudo europeia continental, se foi disseminando na Academia, quer na Europa Continental, quer nos países anglo-saxónicos.

Este esvaziamento, esta procura da pureza dos princípios como fundamento de toda uma construção social, no caso Kelsen, ou a procura da construção de todo um sistema social baseado numa única fonte de autoridade posicionada acima da sociedade e prescindindo dos inputs éticos da mesma, no caso de Schmitt, cria uma cisão entre Justiça e Ética, entre Direito e organização do Estado e a Sociedade.

No contexto deste enquadramento ideológico o Homem (ou, como se imporia afirmar – sob pena de cancelamento – dentro deste preciso contexto, a Pessoa) deixa de ser corpo e mente arreigado, alimentado, por um determinado ambiente histórico-concreto para passar a ser tábula rasa imaginária sobre a qual se impõe a escrita (que será, pela ilusão que lhe vai associada, uma imposta reescrita) de uma série de exigência ditas Estemorais.racionalismo

Por essa razão é tão importante, nos dias de hoje a questão do Constitucionalismo e do fenómeno do “constitutionalism decay”. Simultaneamente, surge Carl Schmitt que elabora uma Teoria do Direito e do Estado que, não sendo neokantiana, é totalmente amoral, no sentido em que, defende uma teoria normativa, na qual o fundamento de validade do direito não está na norma, mas na decisão, no monopólio decisório que repousa, por sua vez, no soberano, assim adoptando, mas pervertendo à sua essência, a teoria do poder neutro do monarca, de Benjamin Constant. Isto é, se o soberano (no caso de Schmitt, o Führer) o afirma, e com base nessa afirmação se vão produzindo normas de acordo com essa raiz, então as mesmas são juridicamente válidas e cogentes.

Repare-se que, embora Kelsen e Schmitt não estivessem de acordo (apenas em virtude da limitação “constitucional” que Kelsen entendia como necessária para limitação do poder) ambos constroem modelos de Teoria da Justiça e do Estado que prescindem da componente éticovalorativa social.

Avançando umas décadas, surgem-nos Teorias da Justiça que, mesmo no mundo anglo-saxónico,

Pedro Álvares de Carvalho Liberalismo versus conservadorismo

Foi neste caldo académico e intelectual que surgiram construções como a de Habermas, que, no seguimento de uma concepção idealista da sociedade, fala, por exemplo, de uma soberania constitucional. Habermas sublima as possibilidades da razão, da emancipação e da comunicação racional-crítica, que sustenta como estando latentes nas instituições modernas e na capacidade humana de deliberar e agir em função de interesses racionais. Sendo claramente neokantiano, Habermas vai mais além, defendendo a relativização da soberania nacional e a criação de uma república plurinacional, com ordens normativas públicas, desenvolvidas num plano supranacional, vinculando directamente quer os cidadãos, quer os EstadosNação. Obviamente, não sendo estulto, ressalva que, para o efeito, seria necessário que, quer os EstadosNação quer as respectivas populações passassem por determinados “processos de aprendizagem”.

13 partem, para se poderem manter cogentes, de puras abstracções, como é o caso da ficção do indivíduo original em Rawls. Aparentemente, numa perfunctória abordagem, classificaram-se tais teorias como de liberais ainda que, no caso de Rawls, claramente tributárias de um liberalismo-social que, ainda assim, é um subtipo de Liberalismo.

Parece-me estar, no percurso que ensaiei fazer, o berço do nascimento da Ordem Liberal Internacional (doravante, O.L.I.), em termos conceituais. Mas, não sejamos ingénuos.

CONTINUA....

14 EM AGOSTO O VERÃO É PARA EXISTIR Adelina Barradas de Oliveira RÉ EM CAUSA PRÓPRIA EM AGOSTO O VERÃO É PARA EXISTIR

O passar pelo sono numa fração de segundos e pensar que se está noutra dimensão, quem sabe de uma outra vida, tudo misturado, mais leve e mais criativo Quando abro de repente os olhos num súbito solavanco, ainda estou sentada no mesmo sítio, mas nada tem que ver com o que me passava pelos olhos enquanto, numa fração de segundos, mergulhava noutro espaço....

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Pode ser que seja um pesadelo, um adormecer estonteado e profundo e pode ser que, quando acordar haja só mar e uma praia para eu caminhar e estender as pernas, ler um livro e ouvir todos os sons à minha volta, individualizados e identificáveis, e que nesse universo azul e azul, e fresco e eterno, os ministros sejam iguais aos que os elegeram, possam rir e dançar e chorar sem trazerem sempre consigo um ar de Estado que não corresponde à realidade e os afasta da existência global.

É A QUEBRA DOS SENTIDOS E A MISTURA DAS IDEIAS.

Devia ser Sevilha às 3 da tarde e eu dormia pela certa. Ou Córdoba pelas 15 e um calor daqueles que transforma o ar em gelatina como se houvesse um descolamento de vítreo à minha frente. É igual o peso que tenho nas pálpebras e já tomei dois cafés.

PODE SER QUE O VERÃO SIRVA PARA EXISTIR. (Num Verão de 2022 de sonho em sonho.)

É isto que nos fazem as tardes quentes à espera de trovoada, afastam-nos das notícias repetitivas que, dizem alguns, deprimem a consciência, outros, que exaltam o espírito. E estendo a mão ao último livro que ando a ler e onde aprendo que Putin não é comunista (como se isso fosse uma novidade para quem está atento há anos), que as guerras são sobressaltos exacerbados de uns para morte de outros. Como se tudo não passasse de um qualquer jogo de computador para meninos que não sabem fazer mais nada que usar uma play station....

Podia ser Granada às 3 da tarde e iria até Alhambra como uma princesa moura e descalça. Percorreria os jardins, os regatos saltitantes de água fresca e adormeceria num qualquer canto com sons de cigarras. Teria muitas pedras preciosas entre os dedos e um diadema vindo de África sobre os cabelos... e sonharia com férias, chá quente para refrescar e muito, muito tempo e espaço para ler e serenamente existir. É assim que se cosem os textos pela tarde quente de trovoada.

E O MAR LOGO ALI Ana Gomes

E eu vou aprender tudo sobre o branco para o matar.

Eu vou matar, sagrado Meio da Noite, eu vou abeirar as aldeias e abrir os corpos dos mil brancos.

Valter Hugo Mãe, As doenças do Brasil, 2021, Porto editora

Minha cor é ferida. Sou ferido por essa cor e não terei como sarar.

Estou sempre ferido. Meu nascimento é um golpe inimigo no corpo de minha mãe que foi atacada sem permissão pelo branco.

familiares lá tinha de levar com os mais velhos a dizerem que quando nasceu a irmã gémea era igual à mãe e ela, a última a sair, não tinha semelhanças com os bebés que haviam nascido em vida daqueles que então a tomavam no colo. Numa família de gente morena, uma menina de pele clara, quase transparente. Alice foi-se habituando a ser diferente. Isso nunca lhe trouxe qualquer desconforto emocional. Com nove anos, assumia, é um facto. Tal como ela se espantava com a cor de outros meninos mais escuros, assim esses também lhe perguntavam porque ela era assim clarinha, clarinha. Aconselhavamna a pôr-se ao sol que assim iria escurecendo, mas nem no verão Alice avançava um tom. O chapéu de abas largas protegia-a dos raios solares. Os avós, respeitadores da sua condição, levavam-na à praia a partir das sete da tarde e aí tal como os outros olhavam para ela, Alice olhava para todos e percebia que o mais magro via aquele que tinha dificuldade em caminhar até à água de tão gordo; o de pele lisa observava com atenção o que cobria o corpo de tatuagens, o branco atentava num grupo de negros em festa, o português tentava decifrar a conversa de dois alemães, a senhora sentada na cadeira a ler a revista parava por instantes e sorria com as brincadeiras ruidosas dos netos. As semelhanças e as diferenças, ali, em poucos metros quadrados. Numa ocasião foi dar um passeio de mão dada com os avós à beira mar e, praia deserta, dão com uma pessoa a banhar-se na água aquecida pelo sol. A avó tenta baixar ainda mais a aba do chapéu à menina, para ela não ver, mas Alice ainda a tempo, percebendo o objetivo da avó, sai-se com um é uma mulher sem fato de banho, é um facto, e há mal nenhum nisso. A expressão espontânea da neta desarma a mulher mais velha que lhe levanta o chapéu e lhe permite ver com nitidez a areia lá ao longe, as ondas a aproximaremse da costa e a mulher, sem fato de banho, muito semelhante ao que Alice viria a ser um dia.

A experiência da Injustiça é sempre sofrida e implica quase sempre um desejo de vingança com multiplicação da violência e, por vezes, com outras injustiças. Alice não vai contar-vos o que acontece no capítulo vinte e três das Doenças do Brasil nem tecer considerações sobre se, ao tempo, o desfecho seria verosímil, se não foi o autor que nos levou a tempos idos com os olhos de hoje e a fortuna das palavras. Alice tem 17 anos. Nos tempos livres lê. Sai pouco, embora se mantenha à distância de um clic dos amigos. Não vê televisão. Ouve o que lhe apetece e o que o que o spotify sugere, senhor conhecedor dos gostos e das horas que a rapariga consome a ouvir música ou um novo podcast. O facto relatado com pormenor, pungente, no capítulo vinte das Doenças do Brasil, constitui um crime e é do interesse público, e das vítimas, que os crimes não permaneçam impunes. A pena foi criada como punição pública, um meio de excluir a vingança privada e a perpetuação da barbárie, com eu vou aprender tudo sobre o branco para o matar. Eu vou matar, mas ainda hoje há muito por estudar e refletir sobre o sistema penal. O que é que fará com que o desejo de vingança se estenda a todos os que têm alguma semelhança com o que praticou o crime e se pretenda abrir os corpos dos mil brancos ? Porque é que uma vítima ou uma comunidade pode pretender vingar-se dos mil negros, dos mil estrangeiros, dos mil jovens ? Alice, amante de história (não só a que vem nos manuais escolares) e futura estudante de direito, propõe-se fazer esse trabalho. Desde cedo, Alice escuta o que lhe dizem com atenção e surpreende os adultos com a sua visão do mundo e como argumenta contra o discurso corrente uno, de um só sentido. Diz que uma das associações que fazemos é por semelhança e por diferença e há mal nenhum nisso, desde que não haja direitos ou não direitos (na lei ou de facto), sem justificação, por causa dessa Nasdiferença.reuniões

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SEMELHANÇAS E DIFERENÇAS. E HÁ MAL NENHUM NISSO. É UM FACTO.

18 PAULA SÁ COUTO JUIZA DE DIREITO - UM DIREITOFérias,porfim

SABES QUE PRECISAVAS DE UM ANO PARA DESCANSAR E DESLIGAR DE TODA A FEALDADE HUMANA A QUE ASSISTES, NO DIÁRIO Mas continuas. Sem saber porquê. Não estás a salvar vidas. Nada existe que directamente te estimule, a não ser uma ideia romântico-abstracta a que chamas justiça. E ainda tens que aturar as atoardas de quem te indigita como privilegiada. Sim, hoje estou amarga. Talvez, amanhã seja um novo dia, mas já nem as Scarlatt O’Hara abanam a minha desmoralizada lucidez. No próximo ano, já poderei reformar-me antecipadamente. Tal “escapatória”, nunca a tinha configurado, como hipótese real. Se mo dissessem (há quase 30 anos atrás), sorriria. Mas se me dissessem então, que o Estado iria alterar unilateralmente o contrato administrativo que com ele celebrei, e iria cilindar parte significativa das premissas pelas quais me tornei dele servidora (mas não, nunca, dele subserviente), rir-meia, também. Nunca em tal creria (sim, sou ingénua).

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Enquanto escreves, o teu cão adoece e só tens tempo para lhe dar a atenção que ele mais que merece, depois de leres na sextafeira, o estupor do acórdão. Sábado, entras emOturno.teucão é internado. Terminas o turno com um interrogatório, em que te deparas com uma foto que tiraria o apetite a um hércules.Dói-te o corpo, mas essencialmente, dóite o coração. Tentas recordar as razões pelas quais escolheste o que fazes, mas já não as consegues convocar. Sabes apenas que te apaixonaste, mas já não sentes a emoção, É como a história de amor que sabemos que alterou a nossa vida, mas de cujo rosto já não te consegues lembrar. Depois, vais ver a agenda, e percebes que, com pandemia incluída, intervieste em mais de 200 sessões de julgamento. Os milhares de pessoas ouvidas, que acrescem às centena de milhar (sem exagero), de uma vida inteira de “tarimba’. Hoje inicias o gozo de 22 dias úteis de férias.

HOJE, JÁ NÃO SEI. O CANSAÇO TOLDA-ME O ESPÍRITO. ALTERA-ME A RESISTÊNCIA. HOJE, JÁ NÃO SEI. Depois de reconhecer a derrota do sonho, logo verei.

15 dias seguidos a escrever um acórdão, lido no último dia (com direito a ser picada por um bicho qualquer e andar febril).

Pois, leitores e leitoras, é um gelado de baunilha que recheia. uma bolacha em forma de taco (mexicano, não de basebol) debruado a chocolate. De acordo com o que li, fez parte durante décadas do conteúdo obrigatório das carrinhas de gelados que conhecemos dos filmes. E, a julgar pelo que leio nas redes sociais, reacções de incredulidade, desespero e descrença, foram muitos os meninos e meninas norte-americanos que sonharam e cresceram ao sabor do indicado gelado.

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O FIM do Choco Taco

Há guerras um pouco por todo o mundo e também na Ucrânia. Há o aquecimento global e os incêndios. Há o anunciado e já sentido aumento global do custo de vida. E também aquele estranho anúncio em inglês sobre as vantagens de viver na Rússia no Inverno que termina, coincidência ou não, com a frase winter is coming, sobejamente conhecida de todos os que acompanharam A Guerra dos Tronos. Todavia, o assunto que mais me chamou à atenção nos últimos dias na imprensa norte-americana que acompanho foi o anunciado fim do Choco Taco

É verdade que muitos dos que escrevem sobre a descontinuação (nome chique, mas nem por isso menos doloroso do que o singelo “fim”) do Choco Taco admitem que há décadas não comem um. Deixaram de comer gelados ou substituíram a baunilha, bolacha e chocolate por outras combinações. Escrevem que isso é irrelevante. Percebo que para o produtor do gelado as coisas não possam ser pensadas assim (há quem diga que tudo isto é um golpe publicitário para aumentar as vendas, aliás). Mas como não estou nesse ramo de negócio tendo a concordar com o público lacrimoso. Também não como um Epá ou um Perna de Pau há décadas (ia dizer séculos, mas não sou assim tão antiga). No entanto, sempre que passo ao lado de um placard anunciando gelados fico feliz por os ver lá. Por isso, compreendo o público norteCarla Coelho ABISSÍNIA

FLORES NA

O QUE É O CHOCO TACO?

VOLTO À PRAIA DA MINHA INFÂNCIA. Estou à beira-mar, com o chapéu na cabeça, e o balde nas mãos, entretida a fazer uma construção na areia. Mas, de repente, ouço o refrão conhecido “é fruta ou chocolate”. Vejo os meus pais nas toalhas de praia, a mão da minha mãe à procura da carteira no seu saco de praia e o meu pai a fazer sinal ao homem dos gelados. Largo o balde e subo a areia a correr. Agora, como nesses dias longínquos em que o comia sentada entre os meus pais (fora de questão voltar para os trabalhos à beira mar com o gelado entre as mãos), sei que está tudo bem. Ainda que apenas durante os minutos em que estou a comer o gelado volto ao sentimento de segurança dos meus dias de criança à certeza de que há sempre uma luz que afasta o escuro e que para cada problema encontraremos solução.

Por isso, meus caros norte-americanos e norte-americanas, percebo muito bem a indignação, tristeza e inconformismo com a anunciado fim do tal Choco Taco, ainda que até há dias, nem soubesse da sua existência. O meu desconhecimento do facto é irrelevante. As vossas lembranças são o essencial e precioso.

21 americano. Não tenho planos imediatos para comer um daqueles gelados, mas sabe-me bem saber que se quiser posso fazê-lo hoje mesmo. É uma parte da minha infância a que posso voltar sempre e a que, em bom rigor, regresso sempre que os vejo as fotografias.

Susan Cain no seu livro Agridoce (Temas e Debates/Círculo de Leitores, 2022) escreve sobre a importância de incorporarmos as emoções ditas negativas (pesar, nostalgia, saudade) nas nossas vidas, o que não só é irremediável (nenhuma existência humana lhes passa ao lado), como contribui para as tornar mais ricas. Essa riqueza tem, contudo, um preço duro de pagar. Os que amamos morrem, os sentimentos mudam, a vida altera-se. Há coisas, porém, que nos transportam do tempo presente para dias felizes do passado. A comida, cuja dimensão afectiva é conhecida, é seguramente, uma delas.

Por isso, percebo que o Choco Taco é para os norte-americanos da minha idade o passaporte para regressarem ao passado. Saber que ele existe, permitelhes recordar tardes sem preocupações em que, entre brincadeiras, estavam atentos à passagem da carrinha de gelados. E a sua tarefa era convencer o pai ou a mãe de que se tinham portado tão bem que mereciam aquela recompensa. Naquele momento, não havia outros problemas, tristezas ou contrariedades. Também não havia diabetes, triglicéridos ou calorias. Toda a alegria do mundo se concentrava no comer do gelado. Coisa preciosa essa, a recordação de comermos um gelado em miúdos, sem pensar nos problemas do quotidiano ou no que vamos ter de cortar ao jantar para compensar aquele devaneio gastronómico.

POR MIM, SEI QUE NO MOMENTO EM QUE COMO O MEU GELADO FAVORITO EM CRIANÇA,

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Surge como um parêntesis num texto, como um pequeno intervalo num dia de escola, como umas férias de umas férias pois, mesmo perturbando a rotina sazonal, sabe-nos bem sentir a humidade no ar no meio de um período de calor tórrido como se a mesma nos lembrasse de que também há lugar, no verão, para outras temperaturas que não as próprias dessa estação.

Mudam-se, por instantes, por vezes mais pequenos que um dia, os hábitos. Vestemse roupas não tão adequadas à moda estival, mais apropriadas ao fresco que invade, como se não tivesse sido convidado, o território do sol, do calor, e das noites abafadas. Mudam-se também os pensamentos, as atenções, e por fim, as prioridades dando-se relevo a outros detalhes tais como a cor do mar debaixo das nuvens cinzentas, a forma da areia depois de fotografia de João Correia

DETEMPESTADEVERÃO

SEJA COMO FOR, NADA MELHOR DO QUE UM DIA DE CHUVA EM PLENO VERÃO.

23 João Correia CANTINHO DO JOÃO um pequeno aguaceiro, a cara das pessoas a tentar descobrir o que fazer, forçadas a mudar os seus planos devido à inesperada chuva. Alguns, mais temerários, insistem em não mudar os seus planos e mergulham no mar como se nada fosse diferente do dia anterior. Outros, mais conformados, limitam-se a ler ou a tentar tirar umas fotos aproveitando a mudança de cenário que a natureza nos proporcionou. Mas seja como for, o parêntesis provocado pela chuva lá está, e como este, serve sempre para algo mais do que apenas atrapalhar o ritmo próprio das coisas, chamando-nos a atenção para detalhes que antes não reparávamos mas que, porventura, já andavam por lá. Vivenciei o levante há umas semanas e aproveitei para descobrir que o mesmo é vento do mediterrâneo, proveniente do sueste que atravessa o estreito de Gibraltar aquecendo, assim, a água. Faz o deleite dos banhistas e a pausa dos pescadores pois, de nada serve pescar nestas datas. De acordo com os mais antigos, se não chover ao terceiro dia então teremos que suportar cinco dias de levante, o qual só termina quando chove abrindo-se então um novo ciclo. Não confundir com as nortadas, com o mistral francês ou com o siroco argelino.

“Guardo o que vejo num desenho borrado a aguarela, o tempo que lhe dedico fica marcado em mim” Ana Maria Clemente, arquiteta paisagista de profissão, e Urban and Nature Sketcher nas horas livres. As atividades criativas sempre a acompanharam, desenho, pintura, crafts e escrita. Viajar sem um caderno e uma caixa da aguarelas na bagagem é tão improvável como não levar a escova de dentes.

Sempre à procura de novas linguagens, técnicas e materiais, faz frequentemente formações com UrbanSketchers de referência nacionais e estrangeiros.

Em 2019 conheceu por acaso o movimento dos UrbanSketchers e desde ai participa regularmente nas atividades e encontros regionais e nacionais.

Dá-lhe especial prazer partilhar o que vai aprendendo, especialmente com as crianças, sempre disponíveis para enfrentar a temível folha de papel em branco.

O seu universo artístico está cheio de paisagens, plantas e personagens, os seus desenhos registam momentos, contam histórias.

Ana Maria Clemente

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