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Cantinho do João João Correia

CANTINHO DO JOÃO

João Correia

SOBRE TIRAR FOTOS

É curioso como, hoje em dia, somos quase espancados quando pretendemos tirar uma foto a alguém, no meio da rua, apenas porque achamos que a mesma, naquelas circunstâncias, ficaria muito bem. Não sei se já tiveram essa experiência, mas se não, também não vos recomendo, pois, a mesma pode dar origem a algumas complicações.

Na realidade, nem sempre foi assim pois houve tempos em que tirar um retrato a um casal de namorados em plena rua, a um polícia em serviço, ou a um empregado de mesa num café cheio de clientela era visto como algo desejado por aqueles que figuravam no retrato pois estes, de uma forma ou outra, sentiamse especiais por terem sido escolhidos por alguém que estaria disposto a retratá-los.

Percepcionei isto após uma visita a uma exposição de fotografia de Standley Kubrick (sim, o realizador de cinema), em Cascais, onde aprendi que o mesmo foi fotógrafo no início da sua carreira, para a revista “Look”, e onde conseguia retratar inúmeros americanos, desde os famosos a cidadãos de uma imensa vulgaridade, os quais, quando interpelados para o efeito, até faziam pose. Vi um casal anónimo a dançar, polícias, namorados, senhoras a passear cães, pugilistas, entre muitos outros.

Ou seja, por aquilo que compreendi, antes do evento das redes sociais, quem era fotografado sabia de antemão que o seu retrato não circularia de forma incontrolável por este mundo fora, ao contrário de hoje. Por outro lado, e antes do evento das câmaras automáticas, alguém que circulasse com uma máquina fotográfica na mão poderia ser, muito

provavelmente, um jornalista ou, com sorte, um artista pois, só estes (ou gente muito rica) dar-seiam ao luxo de carregar uma câmara destas.

Assim, quem era interpelado por um suposto fotógrafo, poderia, quiçá, acabar com o seu retrato numa revista, ou com sorte, numa exposição, ao contrário de hoje, em que, com sorte, termina no Instagram de um influencer qualquer.

Em suma, tenho pena das circunstâncias actuais pois, independentemente das fotos de paisagens, ou da lua (que é difícil de fotografar, ao contrário do que se pensa), da comida em restaurantes sofisticados, ou por fim, de locais icónicos, não há nada melhor do que fotografar pessoas, sobretudo quando as mesmas comportam-se de modo natural, situação essa a qual é praticamente impossível de conseguir actualmente pois, cada tentativa de foto nesse sentido resulta, quase sempre, com o protesto de alguém.

Resta-me olhar para as fotos de Kubrick com inveja, tais como as de Abbas Attar, francês de origem iraniana que, devido ao seu aspecto muçulmano, era sempre enviado para o médio oriente como repórter fotográfico uma vez que passava discreto no meio da multidão ou, por fim, as de Vivian Maier, criatura enigmática, ama seca pouco paciente, mas que tirava fabulosas fotos, com uma Rolleiflex, na rua.

Por fim, duas referências mais, a primeira, a uma amiga minha que, perante a minha insatisfação, disse-me que tínhamos que ser “ninjas” quando tirávamos fotos a pessoas, situação essa que era possível, melhor, com o telemóvel. Ou seja, ser o mais discreto possível. A segunda, a um russo que conheci no final dos anos noventa e o qual me ofereceu, após um mês de convivência no Reino Unido, uma câmara Lomo, muito básica, mas com uma lente muito boa, dizendo que a mesma custava cinco dólares nas ruas de São Petersburgo despedindo-se de mim, desta forma, com especial carinho. Nunca mais o vi e, francamente, não tenho muitas saudades pois o tipo era um pouco maluco, mesmo para o conceito da época, mas agradeço a câmara, a qual ainda guardo.

Enfim, desejo-vos boas fotos e, não se esqueçam de ser “ninjas”.

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