“O maior mérito do projeto socioeducativo é o seu próprio objetivo, que é abrir uma porta do mercado formal para os jovens, que não se abriria de outra forma, uma porta que certamente não se abriria sem o apoio dos CAMPs, nessas áreas de população de baixa renda e em situação de risco social.” JOSÉ SCALFONE, atual presidente do CAMP Mangueira
A Mangueira é muito grande Dá galhos pra todo lado E os frutos que ela dá Todos são aproveitados Vem gente de muito longe Para ver se é verdade o que ouvem dizer Em Mangueira vêm vários artistas Do exterior, até turistas Só para ver o que a Mangueira tem Sambar como nossas cabrochas ninguém A Mangueira, minha gente, dá galhos pra todo lado E oferece a semente (Cartola)
SIM PARA TODOS/ CAMP Mangueira: 30 anos de educação, trabalho e inclusão
“A Xerox sempre teve uma relação histórica com a comunidade da Mangueira. Seus funcionários participavam dos desfiles da Escola de Samba e depois a empresa apoiou os projetos sociais e esportivos da Mangueira, não apenas injetando recursos financeiros com constância, mas também contribuindo para que fosse implantado um modelo de gestão profissional dos programas sociais da comunidade, que permitiram os resultados positivos que estamos colhendo hoje.” JOSÉ PINTO MONTEIRO, um dos fundadores do CAMP Mangueira
“A comunidade da Mangueira tinha apenas uma ideia difusa do projeto de ajudar os jovens da comunidade. Ele não estava desenhado, não havia um plano estratégico, ninguém havia pensado, ainda, na viabilidade econômica. Na época, eu era diretor de Operações e o [José Pinto] Monteiro era gerente de filial. Ele então se dirigiu ao diretor regional do Rio de Janeiro, Carlos Henrique Moreira, e propôs a entrada da Xerox do Brasil na própria estruturação do CAMP. Ele apostou que o modelo de gestão do projeto seria o grande fator do seu sucesso. Monteiro propôs: por que a Xerox não se associa à Escola de Samba para tornar realidade o que é somente uma ideia? Carlos Henrique me procurou e disse: ‘Temos uma ideia interessante de ação social, que está apenas desenhada. Foram os notáveis da Mangueira os seus criadores’. E foi assim que o pessoal da Xerox aderiu ao projeto.” CARLOS SALLES, ex-presidente da Xerox do Brasil
SIM PARA TODOS CAMP MANGUEIRA: 30 ANOS DE EDUCAÇÃO, TRABALHO E INCLUSÃO
“Vejo no CAMP Mangueira um exemplo para todo o Brasil do que se pode fazer em benefício da melhoria social do nosso país. O Brasil precisa muito de projetos como esse, pois a desigualdade social ainda é muito grande. Tomei conhecimento do projeto em 1988, quando a Escola de Samba da Mangueira o iniciou. E logo nos entusiasmamos com as possibilidades dos bons resultados a serem obtidos em relação à juventude mangueirense.” PETER DIRK SIEMSEN, sócio da Dennemann-Siemsem
SIM PARA TODOS CAMP Mangueira: 30 anos de educação, trabalho e inclusão
Mário Margutti André Felipe de Lima
SIM PARA TODOS CAMP Mangueira: 30 anos de educação, trabalho e inclusão
1ª edição
Rio de Janeiro SN Arte & Comunicação 2018
Copyrigth © 2018 by Mário Margutti e André Felipe de Lima
Direitos desta edição reservados à SN Arte & Comunicação
Todos os direitos desta obra são reservados. Proibida toda e qualquer reprodução, por qualquer meio ou forma, seja ela eletrônica ou mecânica, fotocópia, gravação ou qualquer meio de reprodução, sem permissão expressa da Editora.
Edição: André Felipe de Lima Pesquisa e texto: Mário Margutti e André Felipe de Lima Entrevistas: Mário Margutti, André Felipe de Lima, André Teixeira e Guillermo Planel Revisão: André Felipe de Lima e Suellen Napoleão Acompanhamento editorial: SN Arte & Comunicação e Rebento Comunicação Projeto gráfico e edição de arte: Laerte Gomes Fotos: Acervo do CAMP Mangueira, Guillermo Planel e reproduções
Todos os esforços para preservar os direitos sobre imagens foram empenhados na edição desta obra. Não foi possível, contudo, identificar os autores de algumas delas. Estamos, assim, dispostos a identificá-los em futuras reedições.
M331s, L732s Margutti, Mário. 1950Lima, André Felipe de. 1968-
Sim para todos: 30 anos de CAMP Mangueira - educação, trabalho e inclusão/ Mário Margutti e André Felipe de Lima. - Rio de Janeiro: SN Arte & Comunicação, 2018. 155p.; 23 cm. ISBN 978-85-85376-00-0 1. Ação social – Mangueira (Rio de Janeiro, RJ). 2. Estação Primeira de Mangueira (Escola de Samba) – Aspectos sociais. 3. Jovens – Mangueira (Rio de Janeiro, RJ) – Condições sociais. 4. Jovens – Mangueira (Rio de Janeiro, RJ) – Educação. 5. Jovens – Mangueira (Rio de Janeiro, RJ) – Mercado de trabalho. 6. Responsabilidade social corporativa (Rio de Janeiro, RJ). CDD 370.328.331 CDU 37.331.5
ANÇA R E P S E A A COR D legria, , a ã h m n e a e m s A ar , ransform t i a v a z novo dia m u e d A triste u cé idade, rilhar no c b a i d a v s l a o u sr Eos uas, pela r s la e p air Vamos s erto, Peito ab idade. c li e f a d sol Cara ao , s, or assim m a e d to s fantasia n a a v c o n o , n E im rgir em m u s o ã v Sempre , do no ar ça, n a r ib v esperan a d Sinto r o c a ão é vã, n e u q i e Es manhã. a o d a ç n A espera to) ascimen N o t r e b ola e Ro (De Cart
REPRODUÇÃO
DO NÃO... Não. “Advérbio. Expressa negação. Como recusa absoluta a uma pergunta ou resposta. ‘Querem trabalhar? / – Não’. ‘Aceite meu pesar. / – Não’”. O Dicionário Houaiss, escrito pelo
filólogo Antônio Houaiss, um dos mais renomados intelectuais da intelligentsia brasileira, ressalta o propósito semântico do “não”, iniciando o verbete com o verbo “trabalhar”. O verbo mais
singular para a sobrevivência e dignidade do homem. Foram inúmeros “nãos” para a história de muitos jovens que desejavam seu lugar no mundo. Jamais aceitaram suas trajetórias
singulares como uma elegia. Das dificuldades, dos sucessivos “nãos”, brotaram a perseverança, a confiança em si... a transformação.
REPRODUÇÃO
...AO SiM O “sim” haveria de brotar na vida daquelas centenas de jovens que por lá passaram. São 30 anos ininterruptos de muita dedicação,
trabalho, perseverança e fé. Sim, fé em meninos e meninas que transformaram suas vidas e ajudaram, cada um com seu
humilde e justo quinhão, a também transformar o mundo. Meninos e meninas dali, daquele cantinho próximo à memorável
Mangueira, que fizeram prevalecer o “sim”. O “sim” que fez vencedor nestes 30 anos o CAMP Mangueira.
SUMÁRIO O SIM DE QUEM ACREDITA NO JOVEM XEROX DO BRASIL / O PRIMEIRO SIM DANNEMANN-SIEMSEN / MAIS UMA GRANDE PARCEIRA DO CAMP MANGUEIRA SCALFONE ADVOGADOS / TODO JOVEM MERECE UM ‘SIM’ DO MERCADO DE TRABALHO UNIMED-RIO / SAÚDE COMBINA COM INCLUSÃO ICATU SEGUROS / HÁ 14 ANOS PARCEIRA DO CAMP MANGUEIRA
21 23 32 34 37 38
O HUMANO (TIA ALICE) SAMBA E AÇÃO SOCIAL SINTONIZADOS EM UM ÚNICO SIM MANGUEIRA, O EXEMPLO QUANDO A JUSTIÇA DIZ SIM AO JOVEM O SIM DA ACADEMIA
41 45 48 50 53
O SOCIAL PRINCÍPIOS DO PATRULHEIRISMO APRENDIZ NA MEDIDA
61 63 66
PATRULHEIRO, PRESENTE! TREZE HISTÓRIAS. TREZE VITORIOSOS SEMPRE CAMP MANGUEIRA
70 90
O MUNDO VISITA A MANGUEIRA MANDELA NA MANGUEIRA, UM LÍDER PELA PAZ O MAIS VELOZ DO PLANETA NA VILA OLÍMPICA VERDE E ROSA CONVÊNIOS QUE FAZEM A DIFERENÇA CERTIFICAÇÃO ISO 9001:2008 INCLUSÃO DIGITAL PARA ADOLESCENTES E SUAS FAMÍLIAS DE MÃOS DADAS COM O CONSELHO MUNICIPAL DOS DIREITOS DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE UM SUCESSO PEDAGÓGICO E SOCIAL MODELO DE GESTÃO PÚBLICO-ALVO, FINALIDADES E PROGRAMAS DO PROJETO PROGRAMA DE APRENDIZES PROGRAMA DE ESTÁGIO PERSONAGENS & HISTÓRIAS CAMP MANGUEIRA É NOTÍCIA... MUITO BOA! A COORDENADORA PEDAGÓGICA
91 92 94 95 95 96 97 99 103 104 105 110 111 116 127
ALVORADA DO “SIM” TRANSFORMADOR UM VOLUNTÁRIO PIONEIRO UM APOIADOR INESQUECÍVEL UM ADMINISTRADOR DEDICADO QUANDO UM IMORTAL DA ABL SE CURVA À SABEDORIA DA TIA ALICE
130 132 143 146 151
O SIM PARA TRANSFORMAÇÃO "Não temos intenção de passar ideais religiosos ou políticos, e muito menos considerar o que é certo ou errado. Objetivamos mostrar aos adolescentes a necessidade do estudo na vida de cada um. Mostrar que com esforço e escolaridade pessoas podem subir na vida", Tia Alice, jornal O Globo, de 11 de setembro de 1991
JOSÉ PINTO MONTEIRO * este momento feliz, em que toda a equipe do projeto socioeducativo CAMP Mangueira comemora 30 anos de trabalho, creio que a nossa tarefa mais importante é identificar os fatores que levaram ao sucesso e à consolidação da nossa proposta de educar rapazes e moças de comunidades de baixa renda para que consigam vagas de aprendizes, estágios de nível médio e, por fim, o tão sonhado primeiro emprego de suas vidas. Como voluntário e pioneiro de primeira hora, cheguei ao projeto na condição de gerente comercial da Xerox do Brasil, que foi a primeira grande empresa a apoiar o CAMP, através da reforma do prédio onde são dadas as aulas de preparação para o mercado de trabalho, através da injeção contínua de recursos financeiros que possibilitaram a manutenção do projeto nos seus primórdios e também do esforço que resultou na implantação de um modelo empresarial de gestão que assegurou enfim a autossustentabilidade do processo. Como ex-funcionário da Xerox, que aderiu de corpo e alma ao projeto, reconheço a contribuição histórica e marcante da empresa na implantação do CAMP Mangueira. Mas creio que é imprescindível registrar aqui outro fator igualmente decisivo, sem o qual nada teria acontecido. Refiro-me à grande capacidade de organização da comunidade da Mangueira, que soube criar
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uma Escola de Samba capaz de agregar os moradores para uma convivência cooperativa. Uma Escola que foi capaz, através de seus dirigentes do passado, de criar um amplo Programa Social que hoje é vitorioso – e oferece aos rapazes e moças da Mangueira uma Casa de Artes, o Centro Cultural Cartola, uma Vila Olímpica, uma escola primária, um instituto profissionalizante, um CIEP, uma escola de nível médio, uma universidade inclusiva e o projeto CAMP Mangueira. Através de suas lideranças comunitárias, como Dona Zica, Dona Neuma, Cartola, a atleta Tia Alice e Agrinaldo Santana, as famílias da Mangueira criaram um espírito de solidariedade único e assim conquistaram uma capacidade de desempenho com autonomia que transformou sonhos em realidade, para benefício de toda a população local. Como prova desta afirmação, basta lembrar a participação de lideranças mangueirenses no Fórum Social de Porto Alegre, no ano de 2003, quando dialogaram com representantes de favelas de outros países, que ficaram impressionados com as realizações positivas da comunidade da Mangueira. Por conta desse primeiro contato, 23 líderes comunitários da Mangueira foram convidados a viajar para a Índia, para divulgar suas tecnologias sociais. Além de conquistar respeitabilidade no Fórum Social Mundial, os 23 líderes mangueirenses também tiveram a oportunidade de ir a Nova Iorque fazer um curso de capacitação pago pela ONG americana Community Voice Heard e voltado para a melhoria das técnicas de organização da comunidade. Vejo o sucesso do projeto CAMP Mangueira como resultado desses dois importantes fatores: a organização e a capacidade das lideranças locais e o apoio firme e contínuo da Xerox do Brasil. Os recursos financeiros doados pela empresa geraram a segurança necessária para implantar e expandir o projeto ao longo de pelo menos 21 anos. Hoje o projeto é sustentado pelo aporte de recursos das empresas parceiras que acolhem os menores aprendizes e os estagiários egressos do CAMP. E, neste contexto, posso assegurar que, no caso da manutenção de projetos sociais, o ente privado é sempre melhor do que o ente governamental, porque seu apoio é mais objetivo e voltado para a conquista de resultados concretos. Por outro lado, não posso negar ao apoio governamental que o projeto recebeu, nas três esferas de poder. O governo federal cedeu para o projeto o terreno e o imóvel que pertenciam à extinta Rede Ferroviária Federal. O governo estadual, através de Leonel Brizola, implantou o CIEP e a biblioteca Darcy Ribeiro. E a Prefeitura, no tempo de Marcelo Alencar, doou equipamentos, mobiliários, peças de infraestrutura. Fundamental foi também o esforço do
deputado estadual Chiquinho da Mangueira, que ao conseguir viabilizar a Vila Olímpica abriu caminhos largos para a viabilização de todo o complexo comunitário hoje existente. Preservada a administração privada do projeto CAMP Mangueira, ele representou a união de duas marcas muito populares: a da Xerox e a da Mangueira, agremiação popular vitoriosa de muitos carnavais. Ocorreu uma identidade, uma sinergia excepcional entre o modelo administrativo legado pela Xerox e a capacidade de mobilização e de organização dos moradores da Mangueira. Hoje vejo que o apoio da Xerox seria de pouca valia, se não houvesse acontecido, ao mesmo tempo, a resposta positiva da comunidade. Hoje vejo com satisfação que o modelo administrativo introduzido pela Xerox se impôs, trazendo no seu bojo critérios de trabalho essenciais ao bom desempenho, como avaliação, certificação de qualidade, indicadores quantitativos e qualitativos e busca de reconhecimento junto aos órgãos de governo e às empresas privadas parceiras. Na atualidade, o CAMP Mangueira é o maior círculo de patrulheirismo do Rio e está certamente entre os maiores do país. Mas acredito que não podemos dormir sobre os louros conquistados e que é preciso continuar lutando pela expansão do projeto, de todas as formas, porque as estatísticas atuais sobre desemprego no Brasil indicam claramente que a faixa da população entre 14 e 25 anos – exatamente a nossa clientela, o nosso público-alvo – é a que encontra maiores dificuldades para conseguir o tão desejado primeiro emprego. Como se não bastasse, os jovens de etnia negra constituem o grupo mais vitimado pela violência e pelo preconceito, pois nosso país está longe de qualquer ideal de igualdade étnica e social
* Diretor financeiro voluntário do CAMP Mangueira e ex-presidente do Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente (CMDCA-Rio)
O SIM DE QUEM ACREDITA NO JOVEM
A
REPRODUÇÃO
“Vou seguir caminhando/ O pranto correndo/ Apesar de cantando/ Nenhum samba era triste/ Então o sambista/ Acabou preferindo/ O choro cantar/ Meu amigo cavaco ajude teu dono/ A encontrar o tom certo”, de “Caminhando”, de Nelson Cavaquinho, Marília Trindade Barboza e Nourival Bahia
creditar no jovem e fazer dele um respeitável cidadão é missão para além do estado e das famílias, é também comprometimento do empresariado. Os quesitos da responsabilidade social estão ao alcance de todos que investem no futuro de seus empreendimentos, mas também abrindo oportunidades para meninos e meninas que desejam começar no mercado de trabalho, e que invariavelmente ouvem muitos “nãos” da sociedade, da vida, mas que jamais desistem de buscar dignamente um lugar ao sol. Nos últimos 30 anos, o CAMP Mangueira vem sendo um caminho assertivo e irrepreensível para a responsabilidade social corporativa. Quatro empresas perceberam o valoroso projeto e apostaram nele: Xerox do Brasil, Dannemann-Siemsem, Scalfone Advogados e Unimed-Rio. Conheça um pouco da trajetória de cada uma destas quatro patrocinadoras lado a lado com o CAMP Mangueira nestes 30 anos de muita educação, trabalho e inclusão.
XEROX DO BRASIL O PRIMEIRO SIM
m meados de 1965, o jovem empresário paulista apertou a mão de Joseph Chamberlain Wilson, fundador da Xerox Corporation, durante um coquetel no Clube Naval, no Centro do Rio de Janeiro. A empatia foi imediata. Logo em seguida, com a amizade consolidada do brasileiro com o americano, nascia a Xerox do Brasil, tendo no comando o jovem visionário Henrique Sergio Gregori. Sim, Gregori era um indefectível visionário porque foi ele o primeiro empresário brasileiro a ver que sem um envolvimento com o social nenhum empreendimento, sobretudo os mais eloquentes como o caso da Xerox no Brasil, prosperaria. A Xerox ainda restringia suas atividades ao leasing de máquinas de reprografia. Gregori sempre à frente da companhia, também comandava o banco de aplicações Crefisul, um dos braços financeiros do Citibank, o maior credor particular do Brasil nos idos de 1980. Mais precisamente, em 1984, o executivo comprou a Editora José Olympio, uma das mais antigas do país. A investida não só representou um ato inequívoco de responsabilidade social como contribuiu para preservar um dos mais significativos patrimônios literários do país. Gregori marcava seu nome com a tinta do pioneirismo. Foi um dos primeiros empresários brasileiros a praticar o mecenato cultural e a descobrir a importância do investimento empresarial em projetos sociais. Morreu prematuramente no dia 15 de fevereiro, 1990, aos 62 anos, num acidente automobilístico em que também morreu sua mulher, a artista plástica Ana Elisa Gregori, aos 58 anos, na estrada que liga Serra da Boa Vista a Caxambu, em Minas Gerais. Para reverenciar sua memória, foi criada a Medalha Henrique Sergio Gregori, comenda instituída em 1990 pela Associação dos Amigos do Museu Histórico Nacional (MHN) e concedida anualmente às empresas e instituições que apoiam financeiramente projetos do MHN e também às pessoas que se distinguiram por sua relevante colaboração e dedicação à instituição museológica. À frente da Xerox havia um homem com uma disposição sem igual para apoiar a cultura e o social. Faltava, contudo, encontrar uma estrada que canalizasse essa vocação que a Xerox herdara de Gregori. Nesse momento, os
E
O visionário Henrique Sergio Gegori ladeado por membros da diretoria da Xerox do Brasil REPRODUÇÃO
caminhos da companhia cruzam com os da Mangueira. Inicialmente, um encontro, digamos, informal, com grupos de funcionários da Xerox desfilando nas alas da tradicional escola de samba verde e rosa. Mas em 1982, o que se restringia ao samba transformou-se em um laço mais amplo, que invadiria o campo social e humano, com os foliões da Xerox empregando ações solidárias e voluntárias na comunidade da Mangueira. Como testemunhou José Pinto Monteiro, crianças e jovens que moravam na Mangueira foram adotados como afilhados e afilhadas dos funcionários da empresa. Em 1987, esses mesmos funcionários conseguiram o patrocínio da Xerox para o Projeto Olímpico da Mangueira. E as bases físicas do CAMP Mangueira foram implantadas no ano de 1988, quando a Xerox custeou a reforma da casa que hoje abriga as atividades do projeto e doou os computadores para uso dos adolescentes no Laboratório de Informática. Alguns anos depois, a Xerox passou a financiar também os projetos Casa das Artes e o Centro Cultural Cartola, respectivamente, a partir de 2000 e 2002. No caso da Vila Olímpica, a Xerox é apenas agente financiadora e não se envolve na gestão das atividades. Porém, no âmbito do CAMP Mangueira (Círculo dos Amigos do Menino Patrulheiro da Mangueira), a Xerox participa ativamente da direção dos trabalhos. O arranjo consistiu em estruturar o CAMP como uma organização sem fins lucrativos, cuja administração cabe a um Conselho de Diretores composto por pessoas voluntárias especialmente convidadas. Desse Conselho participam membros da Escola de Samba da Mangueira, da Xerox do Brasil e representantes de outras empresas parceiras.
PATROCINADORA PIONEIRA QUE SUPEROU A HOSTILIDADE DO ESTADO
REPRODUÇÃO
Então diretor-superintendente, Carlos Salles assumiu a presidência da Xerox do Brasil em 1990 após a morte de Henrique Gregori. Manteve entusiasmado apoio da companhia ao CAMP Mangueira, superando a hostilidade política do estado e conquistando a adesão em massa da comunidade mangueirense
qualidade principal desse projeto é que ele resulta do desenvolvimento do programa esportivo da Mangueira. É todo um conjunto de projetos sociais, e a virtude desse conjunto é que a ideia não veio de fora, tudo nasceu dentro da comunidade. E isso permitiu que o projeto se desenvolvesse com total apoio dos moradores locais. A comunidade da Mangueira tinha apenas uma ideia difusa do projeto de ajudar os jovens da comunidade. Ele não estava desenhado, não havia um plano estratégico, ninguém havia pensado, ainda, na viabilidade econômica. Na época, eu era diretor de Operações e o [José Pinto] Monteiro era gerente de filial. Ele então se dirigiu ao diretor regional do Rio de Janeiro, Carlos Henrique Moreira, e
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voluntário. Moradores da Mangueira passaram a atuar no vestiário da Vila Olímpica e também no refeitório. Senhoras da comunidade também vieram, e trabalharam como merendeiras, na faxina, na confecção de roupas. E, assim que a Xerox terminou de construir a Vila Olímpica, entrou em cena o professor de educação física Carlos Dória, o famoso Chiquinho da Mangueira, que passou a cuidar da gestão da parte esportiva.
propôs a entrada da Xerox do Brasil na própria estruturação do CAMP. Ele apostou que o modelo de gestão do projeto seria o grande fator do seu sucesso. Monteiro propôs: por que a Xerox não se associa à Escola de Samba para tornar realidade o que é somente uma ideia? Carlos Henrique me procurou e disse: ‘Temos uma ideia interessante de ação social, que está apenas desenhada. Foram os notáveis da Mangueira os seus criadores’. E foi assim que o pessoal da Xerox aderiu ao projeto, com o objetivo de tirar as crianças mangueirenses do destino terrível de se tornar aviãozinho do tráfico de drogas, depois soldado dos traficantes, para enfim morrer na faixa dos 22 anos. Todos nós optamos por dar um novo horizonte para essas crianças. Colocamos o conceito do projeto da Mangueira em uma reunião de diretoria. Ficou decidido que a proposta seria estudada e que caberia à Xerox formatar o projeto. Surgiu então a boa ideia de criar uma estrutura esportiva, porque isso, sem dúvida, atrairia as crianças e os jovens. O diretor-superintendente da Xerox do Brasil, naquela época, era Gunnar Vikberg, que aprovou o estudo feito e declarou: ‘O esporte é para as crianças a mesma coisa que os espelhinhos eram para os índios, atrai e quebra as barreiras que impede a comunicação’. Foi, então, criada uma equipe de trabalho dentro da Xerox, que contou com a participação de lideranças da comunidade mangueirense. E neste momento surgiu a ideia de construir uma Vila Olímpica, ultrapassando a proposta inicial de criar uma escolinha de futebol. Para servir de visão de futuro, estabelecemos uma meta ambiciosa: dali a oito anos, haveria crianças mangueirenses na equipe Olímpica do Brasil. Outras decisões tomadas foram: diminuir a burocracia ao máximo e colocar um gerente para administrar o projeto. “Nessa perspectiva, Luis Aguiar Cardoso, que na ocasião era o gerente de Comunicação da empresa, assumiu o papel de gestor voluntário e passou a ser a ponte entre a diretoria da empresa e a comunidade mangueirense: Ele comparecia ao local do projeto, para dar um toque de gestão em três ou quatro funcionários. O gerente seguinte foi José Mafra, responsável pela área de Logística da Xerox. Ele se entusiasmou e tornou-se gerente administrativo
“O juiz de menores Siro Darlan se encantou com o projeto e sugeriu ideias importantes. Ele dizia que as crianças de baixa renda tinham a necessidade de ‘pertencer a alguma coisa’. E assim nasceu a ideia de dar às crianças e jovens que frequentavam a Vila Olímpica uma carteirinha de identidade, com fotografia, nome e tudo o mais. Nas batidas da polícia no morro, a apresentação dessa carteirinha funcionava como salvo-conduto; a polícia liberava os portadores. Até tivemos um pequeno problema: essas carteirinhas passaram a ser roubadas por quem desejava se livrar da polícia. Mas, felizmente, conseguimos contornar isso também, graças à força e ao prestígio que o projeto conquistou junto à comunidade mangueirense. Naquela época, quem comandava a venda de drogas na Mangueira era um traficante conhecido pela alcunha de Ricardo ‘Coração de Leão’. Seu filho frequentava a Vila Olímpica, mas, atraído por más companhias, resolver ingressar no tráfico. Pois bem: o seu pai o agarrou pelo braço, o arrastou para a Vila e disse: ‘Você vai ficar é aqui, porque eu quero que você tenha uma vida diferente da minha’. Aquele episódio, que demonstra a força do projeto esportivo apoiado pela Xerox, também sinalizou que os esforços para evitar que os jovens caíssem nos descaminhos do crime começava a dar bons frutos. O projeto foi se desenvolvendo e ganhou uma notoriedade enorme, começou a ser objeto de reportagens na mídia. Certa vez, contou-me Siro Darlan que, por falta de crianças para recrutar, os traficantes da Mangueira precisaram recorrer a crianças de outra comunidade, o Morro do Telégrafo. A atividade do trá-
REPRODUÇÃO/ IVO GONZALEZ
fico foi, por assim dizer, terceirizada. Para nossa alegria, Siro Darlan também me mostrou um documento, assinado por ele, afirmando que, nos últimos 24 meses, nenhuma criança ou jovem da Mangueira havia comparecido à Vara da Infância e da Juventude por transgredir a lei. Foi justamente nessa época que brotou a ideia de criar o CAMP Mangueira como instrumento de qualificação profissional dos jovens, para que conquistassem emprego de carteira assinada. O primeiro passo foi a criação de uma Escola de Informática. Com parceria de diversas empresas, como a Petrobras e o apoio do CDI [Centro de Democratização da Informática], fizemos uma das primeiras escolas de microinformática da cidade. Até nisso fomos pioneiros. E, à medida que o projeto prosseguia, ganhava cada vez mais prestígio e mais notoriedade. “Mas houve também obstáculos difíceis de superar. Um deles dizia respeito ao governo. O Estatuto da Criança e do Adolescente tinha dois artigos que davam ao estado, nas três esferas, o monopólio da formação profissional da criança. Era um impasse: o governo não fazia e também não deixava ninguém fazer essa formação. Isso nos deu uma dor de cabeça danada, que somente foi superada com a promulgação da Lei do Menor Aprendiz. “Outro problema foi de cunho político-ideológico. O governador do Estado do Rio de Janeiro era Leonel Brizola, que era hostil às ações da iniciativa privada. Nosso primeiro gerente, Luiz Aguiar Caruso, foi conversar com representantes do governo para mostrar que não estávamos explorando nenhuma criança, mas a reação ao nosso projeto era sempre negativa. Houve um momento em que, ao invés de apoiar nosso projeto, Brizola mandou construir do outro lado da linha do trem um complexo educacional e esportivo para competir com o nosso. Ele estava em busca de uma justificativa para acabar com nosso projeto esportivo e mandou construir uma piscina semiolímpica, gigantesca. “Mas a integração entre a Xerox e a Mangueira já estava mais que consolidada e, por isso, ninguém se interessou pelo projeto de Leonel Brizola. Convocamos jornalistas para mostrar que, no centro construído pelo governo do estado, 50 funcionários estavam ociosos; que nenhuma criança se inscrevera para participar das atividades e que a piscina estava verde, malcuidada, um verdadeiro foco de dengue. “Mas o sucesso do projeto apoiado pela Xerox irradiou-se para outros estados. Com isso, recebemos a visita de um representante do Comitê de Atletismo do Amazonas, que solicitou a instalação de um projeto seme-
lhante em Manaus. A Xerox deu apoio financeiro, pagando o salário de cinco professores cubanos. Tudo andou bem até que, infelizmente, certo dia, o governo do Estado do Amazonas intrometeu-se e acabou com o projeto. Outro projeto esportivo foi implantado pela Xerox em São Paulo, apoiando Pedrão [Pedro Henrique de Camargo Toledo], um treinador de atletismo da USP [Universidade de São Paulo]. Nesse caso, a Xerox forneceu apenas assessoria no campo da gestão, mas faltou o apoio da USP, e isso atrapalhou a continuidade do projeto. Iniciado em 1992, o projeto foi descontinuado em 1998. Também recebi a visita de Viviane Senna, do Instituto Ayrton Senna, que contou haver recebido a visita de um governador de um estado do Norte ou Nordeste, que desejava fazer na sua terra um projeto semelhante ao da Vila Olímpica da Mangueira. Só que ele pediu ao Instituto uma verba quatro vezes maior do que a empregada no projeto da Xerox. Como Viviane conhecia bem os números da iniciativa consolidada na Mangueira, respondeu: ‘Governador, com esse custo, não há como fazer nenhuma Vila Olímpica’. “Q uando Bill Clinton, então presidente dos Estados Unidos, veio ao Brasil em 1998, sua agenda no Rio era muito simples: seria recebido pelas autoridades estaduais e teria um almoço em sua homenagem. Depois, visitaria alguns pontos turísticos e iria embora. Porém o governo Brizola sinalizou que não receberia o presidente americano. Por causa disso, recebi um telefone do cônsul americano, Cristobal Orozco, que era filho de mexicanos, solicitando ajuda para preencher o vazio na agenda presidencial. Alguém havia sugerido que Clinton visitasse a Mangueira e o cônsul perguntou minha opinião a respeito. Eu disse que achava a ideia fantástica e me coloquei à disposição dele para ajudá-lo a montar a visita. “Mas houve uma paranoia do serviço secreto americano. Eles queriam montar uma verdadeira operação de guerra, fazendo a ocupação militar do morro da Mangueira para bloquear o tráfico nas ruas próximas. O cônsul foi advertido de que, com esse aparato, seria difícil visitar a comunidade. Felizmente chegou um momento em que alguém disse: ‘Vamos parar com essa palhaçada, porque o presidente irá à Mangueira’. O cônsul Cristobal me ligou em seguida para dar a boa notícia. “O serviço secreto americano fez uma vistoria no local. Uma das senhoras da Mangueira, liderança local, deu uma entrevista ao Jornal do Brasil e disse: ‘Se o presidente quiser vir como amigo, será bem-vindo e não correrá risco nenhum; se quiser muita segurança, é melhor que fique em casa’.
“Caruso teve ainda uma excelente ideia de última hora: convidar Pelé, o Atleta do Século, que na época era o ministro dos Esportes. Pelé aceitou e sua participação foi muito importante. Montamos uma arquibancada para as crianças. Em frente dessa arquibancada foram colocadas cadeiras para as autoridades e um palco na frente de tudo. O roteiro previa que o presidente Clinton fosse direto para o palco. Mas Pelé foi recebê-lo assim que chegou e o conduziu direto para a arquibancada das crianças, para desespero dos seus seguranças. Uma vez que entrou no meio das crianças e segurou a bandeira da Mangueira, Clinton sentiu-se em casa, criou uma empatia com o público. Quando desceu da arquibancada, brincou de jogar bola com Pelé e depois fez um belo discurso, elogiando muito a Xerox do Brasil. Na Mangueira, como disse uma moradora local, ‘Clinton ficou mais feliz que pinto no lixo’. A repercussão nos Estados Unidos foi amplificada pela CNN, que colocou no ar a visita de Clinton. Choveram telefonemas da matriz americana da Xerox nos parabenizando. “O sucesso do programa esportivo gerou a oportunidade da criação do CAMP Mangueira, sob o estímulo do José Pinto Monteiro. O CAMP é fruto da vontade comunitária. O CAMP é um desenvolvimento dos próprios gestores da comunidade, naquela época. O Monteiro é o grande pai do CAMP, e posso dizer que muitas outras empresas, além da Xerox, se tornaram parceiras desse grande e exemplar projeto socioeducativo.”
DANNEMANN-SIEMSEN MAIS UMA GRANDE PARCEIRA DO CAMP MANGUEIRA om sede na cidade do Rio de Janeiro e filial na capital paulista, a Dannemann-Siemsen é um tradicional escritório de advocacia especializado em direitos sobre bens intangíveis com mais de um século de atividades. Na área de responsabilidade social, a empresa acompanhou a Xerox do Brasil ao apoiar o projeto CAMP Mangueira. O apoio da Dennemann-Siemsem também se estende à Ação Comunitária do Brasil e ao Centro Social Marli Martin, entidade filantrópica que socializa jovens e adolescentes da região de Itamarandiba, no Vale do Jequitinhonha, em Minas Gerais. “Vejo no CAMP Mangueira um exemplo para todo o Brasil do que se pode fazer em benefício da melhoria social do nosso país. O Brasil precisa muito de projetos como esse, pois a desigualdade social ainda é muito grande. Tomei conhecimento do projeto em 1988, quando a Escola de Samba da Mangueira o iniciou. E logo nos entusiasmamos com as possibilidades dos bons resultados a serem obtidos em relação à juventude mangueirense. Fomos um dos primeiros a apoiar este programa e integramos os jovens mangueirenses às nossas atividades diárias. Hoje, temos muitos jovens participantes do programa acolhidos por nós. “Ao longo desses 30 anos só tivemos um caso problemático, que não pesou em nossa avaliação positiva do projeto. Alguns jovens do CAMP foram efetivados como funcionários e estão conosco permanentemente. Outros se formaram em cursos superiores e alguns foram estudar outros idiomas. “O principal benefício é a satisfação de colaborar no apoio e desenvolvimento de uma juventude que de outra maneira estaria carente. Posso dizer que a participação nesse projeto é um dos motivos de orgulho que nós temos neste escritório. “Há alguns anos estive em Ouro Preto, Minas Gerais, participando de um seminário sobre atividades desportivas no Brasil. No decorrer do encontro, um representante da Xerox, empresa responsável pelo projeto esportivo da Mangueira, que inclusive abordou o projeto de formação profissional de jovens feito pelo CAMP, discorreu sobre a Vila Olímpica. O assunto provocou uma intensa discussão, que deu a entender que os presentes acreditavam que somente poderiam participar de programas desse tipo empresas grandes, esta-
Peter Dirk Siemsen, um dos principais sócios da Dennemann-Siemsem
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tais ou multinacionais. Então, me levantei e pedi a palavra para esclarecer que essa interpretação era errônea, pois nosso escritório apoiava o CAMP, e não era nem uma empresa estatal, nem uma multinacional. Falei que éramos somente um escritório profissional e que participava desde o início dessa ação social, e que isso deveria servir de exemplo para muitos outros, até mesmo para empresas individuais, porque, se cada um contribuísse na proporção do seu tamanho para um projeto dessa natureza, em um prazo relativamente curto estaríamos, aqui no Brasil, colaborando decisivamente para eliminar o atraso que impede o desenvolvimento dos nossos jovens. “Na Dannemann-Siemsen, os estagiários trabalham em todas as atividades, inclusive em sistema de rodízio. Marli de Souza, que antes de ser presidente do CAMP Mangueira, era funcionária do escritório Dannemann-Siemsen, foi a grande inspiradora da participação do nosso escritório nesse projeto socioeducativo, desde o seu início, no ano de 1988.”
SCALFONE ADVOGADOS TODO JOVEM MERECE UM ‘SIM’ DO MERCADO DE TRABALHO lém do apoio incondicional da Xerox do Brasil e do escritório Dannemann-Siemsen, o CAMP Mangueira recebe importante sustentação do escritório Scalfone Advogados, sob o comando de José Scalfone, atual presidente do CAMP Mangueira, e um intransigente defensor da ampliação de oportunidades de trabalho aos jovens. “Conheci o CAMP Mangueira através de Meli Almeida, gestora de recursos humanos, que trabalhava na mesma equipe em que eu atuava, em um escritório de advocacia. Na época, eu já trabalhava pro bono 1 para outro projeto social, o Terra dos Homens 2. No que se refere ao CAMP, atuamos, eu e um grupo de advogados, no sentido de defender o projeto de uma ação do Ministério Público do Trabalho, que mandava paralisar as atividades de menores aprendizes e de estágios de nível médio dos jovens. O Ministério Público considerava que a ação do CAMP prejudicava a formação educacional das crianças e jovens. “Participaram da elaboração de um recurso jurídico em favor do CAMP o juiz de menores Siro Darlan, a Doutora Henriqueta Lobo, a Doutora Léa Passos. E conseguimos ganhar o recurso no Tribunal Regional do Trabalho, liberando a entidade do entrave legal que impedia sua atuação social. Devo dizer que até hoje há uma briga em Brasília sobre esse assunto, pois o Ministério Público não desistiu de seu intento de paralisar as atividades dos CAMPs de todo o Brasil. De qualquer forma, a situação voltou ao normal. O tema ainda é objeto de debate jurídico, mas o CAMP na está mais proibido de fazer o seu trabalho. “O maior mérito do projeto socioeducativo é o seu próprio objetivo, que
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1 A expressão “pro bono” deriva do latim e — traduzida para a língua portuguesa — significa “para o bem”. Muito utilizada no meio jurídico, a expressão está diretamente relacionada às atividades que beneficiam a população em geral. 2 A Associação Brasileira Terra dos Homens é uma organização sem fins lucrativos fundada pela psicóloga Cláudia Cabral, em 1996, que já dispõe de certificados de utilidade pública federal e estadual. A meta da entidade é promover a convivência familiar e comunitária de crianças e adolescentes com direitos violados ou em vias de sofrer a violação, investindo na valorização e no fortalecimento de suas famílias e comunidades. A entidade já beneficiou mais de 13.000 crianças e mais de 4.000 famílias.
José Sacalfone
é abrir uma porta do mercado formal para os jovens, que não se abriria de outra forma, uma porta que certamente não se abriria sem o apoio dos CAMPs, nessas áreas de população de baixa renda e em situação de risco social. “A partir dessa primeira luta jurídica vitoriosa, venho doando meu trabalho de consultoria e assessoria para todos os Círculos de Amigos do Menor Patrulheiro do Estado do Rio de Janeiro. O CAMP Mangueira, porém, ganha uma atenção especial por causa do seu tamanho, da simpatia do administrador Ferreira [Antonio Carlos Ferreira Lopes] e do carisma do José Monteiro, o CAMP Mangueira acaba recebendo mais atenção da minha parte. ‘O que mais me gratifica no apoio ao CAMP Mangueira é ver que tem
UNIMED-RIO SAÚDE COMBINA COM INCLUSÃO
resultados verdadeiros. Chego a diversas empresas e vejo diversos jovens patrulheiros que estão começando sua vida profissional. "Há alguns anos levamos mais de 60 patrulheiros para a audiência no Tribunal Regional do Trabalho. Todos deram depoimentos favoráveis ao trabalho do CAMP. Poderíamos até ter levado um número maior de jovens, porque não faltaram voluntários. Muitos deles já tinham cursado universidades, formando-se em Direito e Administração. Outros eram membros do Corpo de Bombeiros. Lembro-me de uma avó que levou a filha e o neto para depor, configurando três gerações de pessoas que foram beneficiadas pelo projeto do CAMP. ‘A defesa do CAMP no tribunal não é feita por mero profissionalismo. Desde garoto sempre gostei de trabalhar, de fazer alguma coisa. Meu pai tinha recursos, eu nem precisava trabalhar, mas logo procurei a minha independência financeira. Não consigo acreditar que um projeto como o do CAMP, que faz um jovem se sentir útil, que abre seu caminho profissional, possa prejudicar sua educação. Muito pelo contrário, acho que as oportunidades oferecidas pelo CAMP só podem fazer bem. “A Lei do Menor Aprendiz foi uma boa solução, mas tem diversas restrições quanto à faixa etária, ao tipo de empresa, ao tipo de aprendizagem. Já a Lei do Estágio é mais ampla, mais abrangente. No caso de projetos sociais como o CAMP, acho que a legislação deveria ser mais abrangente, seria interessante isso, porque o público alvo das duas leis é praticamente o mesmo. Se a justiça julgar que o projeto CAMP pode sobreviver, só para o universo do menor aprendiz, por que não ampliar seu alcance e assim beneficiar um número maior de pessoas que estão em situação de risco social? “Os CAMPs cumprem a lei, sempre cumpriram, desde que foram criados. Acho que é a interpretação do Ministério Público que está equivocada. E as leis do Menor Aprendiz e do Estágio de Nível Médio existem, por isso acho que o Ministério Público deveria cumpri-las. Continuaremos trabalhando sem interrupção, em favor dos CAMPS do Estado do Rio de Janeiro.”
utra importante parceira do CAMP Mangueira, a Unimed-Rio apoia, especificamente, o Programa de Formação de Menores Aprendizes do CAMP. Em 2011, a empresa contratou a agência de responsabilidade social Comunicarte para elaborar um diagnóstico da qualidade dos projetos sociais apoiados pela cooperativa médica. O projeto CAMP Mangueira foi um dos que receberam “selo de qualidade” e, portanto, sinal verde para que o patrocínio fosse preservado. A parceria com o Camp Mangueira, que desenvolve o Programa Jovem Aprendiz, teve início em 2001, quando a cooperativa passou a receber estagiários de nível médio, selecionados após a capacitação na instituição. Os jovens recebiam ajuda de custo, vale-transporte, ticket-restaurante, vale-alimentação, plano de saúde e plano odontológico. Vários jovens fazem parte do programa e recebem acompanhamento escolar e familiar, além de participarem de palestras, treinamento em microinformática e atividades culturais diversas. No início de 2007, a parceria foi reformulada e os estagiários migraram para a condição de Jovens Aprendizes. Além dos benefícios já existentes, os participantes passaram a ser regidos pelo regime CLT, o que garante o 13º salário, FGTS, Bolsa Auxílio e férias remuneradas com o acréscimo de 1/3 do salário. Além da contratação, que é uma obrigatoriedade legal, a Unimed-Rio oferece à instituição capacitação em gestão e aos jovens, atividades culturais, de entretenimento e de desenvolvimento.
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ICATU SEGUROS HÁ 14 ANOS PARCEIRA DO CAMP MANGUEIRA Milena Rosa, coordenadora de Atração de Talentos da Icatu Seguros, destaca a importância da formação socioeducativa de adolescentes e jovens, capacitando-os para o mercado de trabalho: Icatu Seguros é parceira do CAMP Mangueira há 14 anos. Através do relacionamento com a escola de samba, que é nossa companheira de patrocínio há um bom tempo, conhecemos o CAMP Mangueira. Ao longo destes 14 anos já contratamos 151 jovens, e destes, nos últimos dois anos, já efetivamos 41% elegíveis a efetivação. Efetivá-los significa contratá-los para atuar dentro de uma posição administrativa na companhia. Com essa parceira, esses 151 jovens que já passaram por aqui saem ao final desse projeto com uma profissão. Eles são formados para atuarem como auxiliares administrativos, não só aqui, na Icatu, como em qualquer local no mercado de trabalho. Um projeto [CAMP Mangueira] como esse é uma troca onde damos uma oportunidade ao jovem de conhecer uma profissão e, em troca, recebemos jovens prontos, conhecedores do nosso negócio num curto espaço de tempo, porque o projeto tem uma duração de 16 meses. Ao final desse projeto, conseguimos ter jovens prontos para atuarem em uma profissão dentro da companhia, e em nosso caso temos uma efetividade na contratação deles, muitos dos quais já estão na companhia como analistas em diversas áreas. Para a sociedade, devolvemos profissionais prontos para o mercado de trabalho. Eles estão prontos de uma forma completa. Além de darmos oportunidade de estarem prontos com uma profissão, eles também saem prontos em educação financeira. Entendemos que a gente está gerando recursos para essa família, para esse jovem. Não só intelectual, mas financeiro também. “É um prazer muito grande trabalhar com esse projeto, porque a gente vê os jovens quando eles entram e vê como eles saem depois dos 16 meses atuando com os professores do CAMP e com os nossos multiplicadores internos, porque a gente, além da formação do CAMP, dá uma formação de negócio também interna. Eles saem ou são efetivados aqui, às vezes até com uma mudança física. Vemos muitos jovens chegando com aquele jeitinho imaturo, com
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o cabelo às vezes colorido, aquela coisa de jovem, que é característico, e ao final os vemos saindo mais prontos e mais arrumadinhos no sentido de terem amadurecido, não no sentido de terem mudado a cor do cabelo, porque acho que isso não tem nada a ver. Mas eles estão prontos, formados para uma profissão e, às vezes, essa mudança reflete até no físico deles. “Somos uma das melhores empresas para se trabalhar, no Rio de Janeiro. Em todos os jovens que passam por aqui deixamos uma marca. Inclusive ouvimos até dos jovens do CAMP que existe certa competição para trabalharem aqui. Quando fazem o curso lá, inicial, eles querem ser direcionados para cá, porque já conversaram com outros jovens que trabalham aqui. “Levamos esse projeto de uma forma muito séria e de uma forma que queremos realmente contribuir para a sociedade e para a vida desses jovens de uma forma diferente, e não só cumprir uma obrigação legal. A gente tem um compromisso de formar esses jovens com a sociedade e de formá-los para que ganhem alguma coisa com a passagem deles na Icatu.”
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O HUMANO (TIA ALICE)
começo, o amor de Tia Alice pelas pessoas. Tia Alice foi o coração transformador que resgatou a alma de muitos para o bem. Para a evolução digna cuja única estrada é o trabalho. “O homem só se realiza pela educação”, dizia, sabiamente a querida Tia Alice. Essa essência do mais singular e humano que todos temos fez brotar o CAMP Mangueira, idealizado por Tia Alice, que sonhava em ver os jovens da comunidade em condições de serem bem preparados para ingressar no mercado de trabalho e conquistar efetivamente o primeiro emprego de carteira assinada. A conquista de um imóvel pertencente à Rede Ferroviária Federal e o apoio financeiro da Xerox do Brasil para a reforma do prédio e obtenção dos equipamentos necessários ao funcionamento do projeto socioeducativo trouxe à existência, há 30anos, o CAMP Mangueira, verdadeira escola de cidadania que passou a beneficiar rapazes e moças de baixa renda, moradores da Mangueira em sua maioria, mas também oriundos de diversos cantos do Rio de Janeiro e até de outros municípios da Baixada Fluminense e do pé da Serra. Alice de Jesus Gomes Coelho foi uma das lideranças comunitárias mais importantes no processo de criação do CAMP. Em primeiro lugar, pelo seu exemplo pessoal: ela superou as carências socioeconômicas de sua família e tornou-se uma atleta bem-sucedida, comprovando que, através do esforço e da determinação individual, é possível ultrapassar as barreiras impostas pela pobreza e conquistar boas condições de vida.
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Mas a verdade é que Tia Alice já trabalhava pelas crianças e jovens da Mangueira anos antes. Ela contou essa história em depoimento integrante do vídeo comemorativo dos 15 anos do projeto CAMP Mangueira. Em palavras simples e diretas, ela mostra como tentava ajudar as crianças mangueirenses de todas as maneiras que podia:
Ela lutou também pela implantação da Vila Olímpica da Mangueira, já que o esporte era a sua vida, ao lado de Chiquinho da Mangueira e de Agrinaldo. Porém, percebendo que os jovens da Mangueira precisavam de emprego, ela uniu-se a José Pinto Monteiro, da Xerox, e, juntos, conseguiram criar, no dia 24 de agosto de 1988, o projeto CAMP Mangueira, que nasceu com o objetivo de dar aos adolescentes moradores da comunidade e das adjacências, a oportunidade de conquistarem sua plena cidadania através da Educação pelo trabalho.
“Eu sempre tive muito medo de que, quando chegasse a uma idade avançada, passasse fome ou dormisse na rua. Isso porque eu fui uma criança que foi criada praticamente solta. Minha mãe era alcoólatra e eu vivia jogada. De vez em quando eu fazia umas visitas ao SAM3, não por ter cometido infração, mas porque eu era uma criança jogada na rua e eles me levavam para lá. Por tudo isso, eu tinha muito medo. Quando cheguei à Mangueira, vi tanta criança, tanta pobreza, que fiquei horrorizada. Decidi ajudá-las e, então, o que eu fazia? Naquela época, não existia supermercado, mas havia quitanda, armazém, carvoaria, barbeiro, essas coisas assim, muito simples, na avenida Vinte e Oito de Setembro. Eu ia aos comerciantes e pedia para nos ajudar, para ficar com um menino meu. Quer dizer: o menino estudava de manhã e de tarde ia varrer o chão da quitanda, ia fazer entregas do armazém. No sábado, o dono do estabelecimento comercial dava um pão, um pedaço de carne, uma galinha, para eles fazerem a comida do domingo. Eu sempre tive esse cuidado e nós sempre fomos aceitos, os comerciantes sempre aceitavam nossas crianças e eu não tinha problema nenhum. “Depois nós partimos para outro campo, foi quando a UERJ surgiu, em 1974. Aí eu pedia: ‘Não pode botar um menino meu para varrer aqui, não?’. Deu certo, tanto que nós temos várias pessoas ainda hoje lá na UERJ, efetivadas. Também pedi vagas no Hospital Pedro Ernesto. Meus meninos começavam tomando conta de rato4. Aí era uma dificuldade bárbara, sabe por quê? Porque, quando o rato nascia, era preciso contar: zero dia e, 24 horas depois, um dia de vida. Quando o rato completava 28 dias de vida, era preciso entregar o animal para outro departamento. Eu tinha que ir lá e ensinar o garoto: zero, hoje não conta, só amanhã que a gente conta um dia. Então eles foram aprendendo e hoje tenho crianças lá que ganham bem. Criança, não, agora são chefes de família e ganham muito melhor do que muito professor de edu3 Tia Alice se refere ao Serviço de Assistência ao Menor, criado em 1941 pelo Decreto Lei N.º 3733/41, que funcionava como uma espécie de sistema penitenciário para menores de idade. O SAM utilizava a forma correcional-repressiva, baseando-se em internatos para adolescentes infratores e também em patronatos agrícolas e escolas de aprendizagem de ofícios urbanos. 4 Tia Alice se refere à cobaias de laboratório do Hospital Pedro Ernesto.
Tia Alice e Inalda
cação física aqui do nosso projeto esportivo. Mas essas crianças começaram de baixo, começaram do nada. Mas é assim. “Graças a Deus eu encontrei um amigo que é a minha vida e o meu braço direito hoje. Porque ele me dá incentivo, sempre me deu incentivo, que é o nosso amigo Dr. Monteiro, da Ala da Inalda5. Ele agora está um pouco afastado. Eu não o conhecia bem, mas ele saía já há vários anos no Carnaval, na Ala Deixa isso pra lá. Depois, numa festa no Tijuca Tênis Clube, houve uma briga lá das crianças. Fui separar, separei rápido, aí o Monteiro e seus amigos acharam melhor nos ajudar e aí começou o projeto. O CAMP começou assim: o amor de um, o amor do outro. Agora nós estamos juntos, assim, caminhando, vamos ter que caminhar muito ainda, é só Deus nos ajudar.”
SAMBA E AÇÃO SOCIAL SINTONIZADOS EM UM ÚNICO SIM esse novo contexto de mobilização e integração social, a Escola de Samba da Mangueira também começou a participar das ações sociais em benefício da comunidade. O trabalho voluntário marcou os primeiros meses da Escola. Mas com o tempo surgiram os departamentos e depois os técnicos. Em meados da década de 1960, foi criado o Departamento Esportivo, que é considerado “o embrião do trabalho comunitário”. E aqui é importante constatar como a prática de atividades esportivas nas comunidades de baixo poder aquisitivo podem desempenhar papel relevante nos esforços de mobilização, integração, colaboração e fortalecimento da autoestima das pessoas. Dois nomes se destacaram à frente do Departamento Esportivo: a atleta nadadora Alice de Jesus Gomes Coelho, a famosa Tia Alice, e de Agrinaldo de Sant’Anna, o primeiro diretor do Departamento. Impulsionados por essas duas lideranças comunitárias, rapazes e moças da Mangueira começaram a participar de competições, como os Jogos da Primavera, com destaques para o futebol e a natação. Na publicação Mangueira, dez anos de programa social (G.R.E.S. Estação Primeira de Mangueira, 1997), está registrado este pungente depoimento de Tia Alice:
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5 Uma das alas da Escola de Samba Estação Primeira da Mangueira.
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Alcione
ACERVO DA FAMÍLIA
Agrinaldo
“Minha mãe não tinha condições de criar a mim e a meus irmãos. Nasci e cresci solta no mundo, sem perspectivas de ser alguém na vida, sem ninguém que me indicasse o melhor caminho e aconselhasse. A minha única alternativa, e eu não sabia disso, era me dedicar no esporte.” O trabalho pioneiro desenvolvido por Tia Alice e Agrinaldo chamou a atenção de empresas, como a Xerox do Brasil e de órgãos do governo. Em consequência, técnicos foram atraídos para trabalhar na comunidade, e a Escola de Samba começou a receber financiamento para seus projetos sociais. Cabe aqui registrar, portanto, que o êxito de programas sociais depende muito da capacidade de organização da comunidade e dos resultados alcançados pela atuação positiva de suas lideranças de ambos os sexos. O sonho de construir um complexo social para beneficiar a comunidade surgiu na mente de Agrinaldo de Sant’Anna, conforme depoimento seu registrado na mesma publicação Mangueira, dez anos de programa social (G.R.E.S. Estação Primeira de Mangueira, 1997): “Um dia, Dória (ex-diretor da Escola de Samba) e eu tivemos a ideia de aproveitar um terreno pertencente à Rede Ferroviária Federal, localizado em frente à escola, para construir o complexo social. Era um terreno baldio, cheio de entulho. Então, arregaçamos as mangas todos os dias, buscando concretizar o sonho. Era muito grande a vontade de arrancar da miséria a nossa gente.” Como já testemunhou José Pinto Monteiro no início deste livro, a cessão do terreno que pertencia à RFFSA para a Escola de Samba aconteceu graças
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à interveniência da cantora maranhense Alcione junto ao então presidente da República José Sarney, maranhense como ela, que soube antever os resultados positivos do projeto. Assim, em 1989, foi inaugurada uma pista de atletismo e o campo de futebol. Relembra-se Agrinaldo: “Desejo que jamais teria sido realizado sem o apoio das empresas abnegadas que acreditaram em nossa visão e a ajuda do poder público, que alavancaram o programa social da Mangueira. Passamos do lixo para o luxo.” Desta maneira se comprova o valor do investimento de empresas privadas no programa social e também a colaboração do Governo do Estado (Moreira Franco construiu a infraestrutura da Vila Olímpica e Leonel Brizola forneceu o CIEP Nação Mangueirense e a biblioteca pública Darcy Ribeiro) e a Prefeitura, através de Saturnino Braga, providenciou a Escola Tia Neuma e forneceu mobiliário, material escolar e equipamentos indispensáveis às atividades do projeto social. A partir de então, a Escola de Samba da Mangueira incluiu em seu estatuto a obrigação de desenvolver programas sociais para a comunidade.
MANGUEIRA, O EXEMPLO projeto da Mangueira tornou-se modelo exemplar para outras comunidades de baixa renda. Em algumas delas, a reivindicação por uma Vila Olímpica partiu dos próprios moradores; em outras, a Vila foi instalada por iniciativas de órgãos governamentais. Assim, o G.R.E.S. Acadê-
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micos do Salgueiro inaugurou sua Vila Olímpica em 1996. Outros cinco municípios fluminenses — Belford Roxo, Duque de Caxias, Nilópolis, Nova Iguaçu, Queimados e São João de Meriti — já possuem igualmente suas Vilas desde 1997. O modelo de valorização do esporte como força nuclear de trabalho comunitário. Com afirmou Maria Alice Rezende Gonçalves, “parece que ter uma Vila Olímpica passou a constar da pauta de reivindicações das comunidades pobres cariocas”. A partir destes fatos históricos, fica evidente que algumas Escolas de Samba cariocas, além de se tornarem as primeiras organizações populares legais da cidade, ultrapassaram as diversões carnavalescas para desenvolver projetos voltados para combater as carências de suas comunidades. Houve um tempo em que os recursos financeiros para o carnaval eram dados por contraventores que exploram o jogo do bicho. Mas a chegada de técnicos de agências governamentais nas comunidades, para desenvolver trabalhos ligados às áreas de educação, saúde e geração de renda, somada à mudança da política econômica brasileira para uma orientação neoliberal, foram fatores que redirecionaram as linhas de atuação social nessas comunidades de baixa renda – e assim recursos da iniciativa privada vieram somar-se às ações dos órgãos governamentais. Nesta perspectiva, as Escolas de Samba evoluíram das práticas clientelistas para os projetos sociais desenvolvidos de forma autônoma, a partir das ações das lideranças da própria comunidade. Nesse horizonte, as práticas esportivas comprovaram seu poder de integração comunitária, e de substituição simbolicamente a violência pela competição dentro de regras, contribuindo assim para a paz social. Chiquinho da Mangueira, presidente da escola de samba Estação Primeira de Mangueira, descreveu da seguinte forma a implantação do programa social criado para benefício da comunidade local: “Foi embaixo do Viaduto Cartola, na Mangueira, que nasceu, há 30 anos, o sonho que seria responsável pela transformação na vida de milhares de pessoas. Em parceria com os dirigentes da Verde e Rosa, decidi que era hora de ampliar oportunidades, criar novas expectativas e assistir a comunidade que me recebera de braços abertos. O mundo ganhou o programa social da Mangueira, reconhecido modelo de combate à pobreza, à desigualdade social e à exclusão nos países em desenvolvimento. Após convite do então presidente da Estação Primeira de Mangueira, Carlos Dória (sem infraestrutura e equipamentos), abracei seu ideal em ‘transformar vidas oferecendo cidadania’, conquistando a admiração de voluntários imprescindíveis para a execução desse projeto. A ajuda de Tia Alice, Agrinaldo, Dona Zica, Dona Neuma, dos
ex-presidentes da agremiação Álvaro Luiz Caetano e Elmo José dos Santos, da cantora Alcione, entre outros, foi fundamental para a implantação e crescimento do projeto que trouxe vida e esperança para milhares de pessoas. “Nascido inicialmente como um programa esportivo, com a criação da Vila Olímpica da Mangueira, o programa social seguiu seu objetivo através do desenvolvimento de atividades esportivas organizadas e da melhora na qualidade de vida para a terceira idade; educando e formando cidadãos com autonomia. “Além do Centro de Referência Esportiva, que possui equipes de atletismo, basquete, futebol, ginástica rítmica, natação, boxe e levantamento de peso, e realiza trabalhos específicos com a terceira idade e com pessoas portadoras de deficiência, o Programa Social da Mangueira atua na cultura, saúde, educação, capacitação profissional, inclusão social e cidadania. Premiado pela Unesco, o programa foi reverenciado pelo ex-presidente dos Estados Unidos, Bill Clinton, e pelo ex-ministro dos Esportes, Edson Arantes do Nascimento, o Pelé. Nosso sonho completa 30 anos. Fico feliz por cada etapa, cada valor agregado a milhares de vidas que foram beneficiadas pelo programa, e que puderam ser planejadas através da esperança de dias melhores em busca de cidadania e de um futuro com dignidade.”
Siro Darlan, louvável trajetória defendendo os direitos da criança e do adolescente
QUANDO A JUSTIÇA DIZ SIM AO JOVEM Juiz de Menores Siro Darlan é desde sempre um dos mais entusiasmados apoiadores do marcante projeto socioeducativo da CAMP Mangueira, em um texto do dia 20 de fevereiro de 2008, Darlan expõe a relevância do projeto social: “Conheço a comunidade da Mangueira desde o tempo em que ainda juiz da Vara da Infância e da Juventude fui procurado em meu gabinete pelo professor Francisco de Carvalho e pela cantora Alcione, que estavam preocupados com o assédio do tráfico aos meninos e meninas que frequentavam a Vila Olímpica e os projetos da Mangueira do Amanhã. “Na ocasião montamos uma estratégia que consistia em levar ao Juizado todo jovem que estivesse em situação de risco para atendimento psicológico e uns aconselhamentos. A operação deu excelentes resultados porque os dois responsáveis, Chiquinho e Alcione, vigiavam e protegiam os jovens com muito carinho e dedicação. O resultado foi que durante anos a comunidade com mais baixo índice se adolescentes infratores no Rio de
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Janeiro foi justamente a Mangueira. “Sempre sob o comando dos baluartes criados na própria comunidade em 1967, o presidente Carlos Alberto Dória, Tia Alice, Tia Zica, Tia Neuma, e outros ícones da comunidade laboriosa fundaram a Vila Olímpica da Mangueira, exemplo inimitável de determinação no investimento social em favor de crianças e adolescentes. Logo surgiram os campeões em diversas modalidades esportivas e a ampliação do projeto com o apoio da iniciativa privada ocorreu naturalmente. “A consagração veio com o apoio de visitantes ilustres como o então ministro Pelé, que ao conhecer a Mangueira tentou reproduzir o sucesso plan-
tando na Baixada Fluminense outras cinco vilas olímpicas, que não atingiram os objetivos desejados. O então presidente dos Estados Unidos, Bill Clinton, foi apresentado ao projeto e ficou encantado como é praxe a todos que o conhecem. “O projeto, antes voltado apenas para crianças e adolescentes, foi ampliado e hoje habitantes de todas as idades os frequentam. O Ciep Nação Mangueirense educa cidadãos e atletas que participam das maiores e mais importantes acontecimentos esportivos do país. Nos Jogos Pan-Americanos quase duas dezenas de atletas representaram o Brasil e ganharam medalhas. “A cada dois anos, a Mangueira realiza a Olimpíada da Igualdade, destinada a promover a inclusão social de portadores de necessidades especiais. Em novembro de 2007, realizou a oitava edição, com a presença dos campeões paraolímpicos Clodoaldo Silva (7 medalhas de ouro e 1 de bronze), Mauro Vilarinho, Felipe e Sandro, todos medalhistas do Para-Pan e ainda do presidente do COB, Carlos Arthur Nuzman, que teve a participação de 27 instituições e 3000 atletas. “Ainda no fim do ano que passou, o projeto CAMP Mangueira, que mantém cursos profissionalizantes para a comunidade, formou 1.200 jovens aptos a ingressar no mercado de trabalho, o que repete anualmente há 18 anos. “Esses fatos de relevância social inquestionável, porém, não foram noticiados na grande mídia. Limitaram-se alguns profissionais da mídia a dar eco a surfistas da noticia que na busca de algum espaço nos jornais não pouparam sua imaginação para tentar apagar o brilho que a natureza criou no belo cenário da Mangueira. Primeiro foi uma autoridade militar que em busca de notoriedade eleitoreira inventou uma história de favorecimento aos comerciantes de drogas quando o objetivo da reivindicação da comunidade era que as ações policiais continuassem a matar inocentes e impedissem que crianças frequentassem os projetos sociais e as escolas. Essa campanha gerou um forte desgaste nas lideranças do bem que procuram investir na comunidade para evitar que a ausência do poder público permita o domínio do poder dos criminosos. “Mais recentemente, foi com outra autoridade policial, que tem o dever de primeiro investigar sigilosamente os fatos para entregar ao Ministério Público, e, diante das provas de existência de crimes, e ainda sem o alarde habitual, levar ao Judiciário para que diante do princípio ao devido processo legal, sejam apuradas as responsabilidades e punidos os agentes criminosos. Contudo o que fez o responsável pelas investigações? Subiu nessa árvore frondosa
e que, como diz a presidente Chininha, ‘verga mais não quebra’ e para ter seus 15 segundos de fama espalhou notícias tentando envolver pessoas sérias e íntegras da comunidade, mais uma vez na tentativa de desestabilizar o trabalho sério e cidadão que de forma exemplar se produz na Mangueira. “Mangueira, como toda árvore, produz os melhores frutos de alegria, de cultura, de gente humilde e valorosa, as poesias de Cartola, a força da voz de Jamelão, a cidadania de Tia Alice e Delegado, os exemplos de Chiquinho e Alcione e fãs de peso como Chico Buarque, Braguinha, Caetano, Gal e Gil, também pode ter frutos podres que logo são extirpados e nem por isso contaminam o tronco. “Por isso Mangueira, ‘teu cenário continua sendo uma beleza que a natureza criou’. E hoje não és mais reconhecida apenas "pelos sons e de seus tamborins e rufar do seu tambor", és acima de tudo exemplo de pomar de cidadania e respeito. Só quem conhece o sabor de teus frutos e a garra dessa gente sabe que ainda serás reconhecida como a verdadeira árvore frondosa que alimenta a cultura popular brasileira com os mais brilhantes acordes que saem de seus instrumentos mais, sobretudo do suor e da grandeza de teu povo.”
O SIM DA ACADEMIA
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uando todo o complexo social da Mangueira foi instalado, os dirigentes da Escola de Samba tiveram a ideia de encomendar uma pesquisa de opinião, realizada em 1996, com o objetivo de saber quais seriam as vantagens para as empresas patrocinadoras de apoiar projetos sociais como aquele. Os resultados da pesquisa registrados no livro A Vila Olímpica da Verde-e-Rosa: considerações sobre política social de uma escola de samba do Rio de Janeiro, escrito pela assistente social e socióloga Maria Alice Rezende Gonçalves (Editora FGV do Rio de Janeiro, 2003), corroboraram o que já se suspeitava: 1. As empresas deveriam pensar em
Maria Alice Rezende Gonçalves
patrocinar Escolas de Samba, pois a maioria dos entrevistados considera que uma empresa se beneficia quando as patrocinam. Para elas, as vantagens seriam: maior visibilidade, melhor imagem e maior volume de vendas; 2. No ranking das mais queridas, a Mangueira está em 1.º lugar. É considerada a mais tradicional e a que mais representa o Carnaval do Rio; 3. Se uma empresa fosse patrocinar uma escola, deveria procurar a Mangueira em primeiro lugar. Essa pesquisa de opinião posicionou a Mangueira numa posição de liderança, apresentando-a com um grande potencial para captação de recursos para o desenvolvimento de projetos sociais. A imagem positiva de guardiã da tradição do samba colocou, de fato, a Mangueira em posição privilegiada para desenvolver seu programa social. E, neste contexto, podemos aprender com a pesquisadora Maria Alice os mecanismos fecundos desse processo. Para começar, o “poder articulador” da Escola de Samba tem servido para “fortalecer os laços vicinais das comunidades”. No Rio de Janeiro, os blocos carnavalescos e as Escolas de Samba agregam famílias e vizinhança, “deflagrando redes de sociabilidade e auxílio mútuo e servindo de meio para resolução de demandas ou pendências nessas localidades”. Para Maria Alice, o samba é um “sistema de trocas onde se mesclam a amizade e a hostilidade, que pressupõe a incerteza quanto ao retorno”. Portanto, ele “constitui-se em oposição às trocas utilitaristas baseadas no cálculo”. Por isso, a socióloga considera o universo do samba “um fato social total que possui a propriedade de unir pessoas em extensas redes de sociabilidade, mobilizando suas disposições internas e concretizando ações em diversos planos e simultâneas”. Pensar a política a partir dos circuitos de reciprocidade promovidos pelo samba pode proporcionar elementos para refletir sobre as práticas cariocas de fazer política através das organizações carnavalescas — ou seja, revelar o “caráter político das ações desenvolvidas pelas associações carnavalescas no plano social”. Hoje é inegável que as escolas de samba e outras associações originárias das redes que se formam em torno do samba, foram plenamente aceitas e incorporaram-se à vida da cidade. Os grupos organizados promovem rodas de samba, atividades de lazer (jogos de futebol, almoços comunitários, bailes e festas), além de desenvolver ações sociais no campo da saúde, educação, cultura e preparação para o trabalho.
Importante: num primeiro momento, com seu trabalho social, as Escolas de Samba carioca, como a Mangueira, pretendiam responder apenas às demandas sociais de suas próprias comunidades, restringindo suas ações aos moradores locais. Posteriormente, as ações foram estendidas para além da comunidade, aos bairros circunvizinhos. O CAMP Mangueira, por exemplo, já acolhe rapazes e moças que moram em outros estados. Na visão da professora Maria Alice, as escolas de samba hoje se apresentam “como extensas redes que envolvem estranhos — o quarto setor”. Para a pesquisadora, a história dessas associações tem mostrado que todas elas têm origem na esfera doméstica: “são vizinhos, amigos e/ou parentes que se reuniram para e entretenimento”. Tais reuniões têm o dom de estreitar relações e mobilizam seus integrantes a realizar outras atividades sem nenhuma sistematização ou apoio externo. Conclui Maria Alice: “o cerne do trabalho nelas desenvolvido é voluntário, é ação espontânea de seus integrantes; não há dúvida, trata-se de um sistema de dádiva, são organizações com traços tradicionais e modernos fundados na dádiva”. Isso não quer dizer que se trata de um tipo ideal de sistema de dádiva. Conforme Maria Alice, a análise de todo sistema social concreto apresenta um mistura de diferentes modelos. No caso da Mangueira, a despeito dos projetos sociais receberem apoio do Estado e de empresas, o que é oferecido como contrapartida é “a imagem positiva da localidade, o culto aos baluartes, a presença da Velha Guarda, a valorização da tradição, ou seja, os testemunhos de sua história”. Novamente, estamos diante da imagem positiva conquista pela Mangueira nos corações e mentes da população carioca. Conclui Maria Alice: “No panteão das escolas de samba, a Mangueira é uma das mais antigas escolas cariocas, considerada guardiã do samba tradicional. É essa tradição que serve como contrapartida na captação de recursos humanos e materiais para seus projetos. Relação que tem como base a confiança que a sociedade deposita nela. Diferente daquelas que se estabelecem na esfera do mercado, ela não procura a equivalência. Se a tradição não tem nenhum valor nas relações mercantis, o que circula? É o valor do vínculo, não o valor de troca. O valor do vínculo é o valor simbólico que se junta à dádiva, ligado ao que circula em forma de dádiva (GODBOUT & CAILLÉ, 1999) Este é o valor que nos interessa e que possibilita o fortalecimento dos laços numa sociedade baseada nas relações de mercado e no individualismo atomizador.”
REPRODUÇÃO
EDUCAÇÃO
LAZER
TRABALHO
O SOCIAL Quando o ‘sim’ do mercado de trabalho é irrevogável e inquestionável direito de todos
“A vida de todo ser humano é um caminho em direção a si mesmo, a tentativa de um caminho, o seguir de um simples rastro. Homem algum chegou a ser completamente ele mesmo; mas todos aspiram a sê-lo, obscuramente alguns, outros mais claramente, cada qual como pode. Todos levam consigo, até o fim, viscosidade e casas de ovo de um mundo primitivo. Há os que não chegam jamais a ser homens, e continuam sendo rãs, esquilos ou formigas. Outros são homens da cintura para cima e peixes da cintura para baixo. Mas cada um deles é um impulso em direção ao ser.” Hermann Hesse
Marino Costa Terra
PRINCÍPIOS DO PATRULHEIRISMO m 1962 nasceu um conceito que mudaria a vida de muitos jovens Brasil afora: o patrulheirismo. Com o empenho do juiz de menores Marino da Costa Terra, foi implantado na cidade de São Carlos (SP) o primeiro CAMP (Círculo de Amigos do Menor Patrulheiro), que consiste em uma proposta que vai além do assistencialismo, estendendo-se a modelos de inclusão social e profissional calcados em uma imprescindível filosofia educacional, como narra Dona Lea Passos, ex-coordenadora da Feem (Fundação Estadual de Educação ao Menor) e responsável por trazer para o Rio de Janeiro, em 1976, o conceito do patrulheirismo: “O patrulheirismo surge após o doutor Marino se aposentar. Ele foi juiz de menores e corregedor de presídios em São Paulo. Dizia que para aqueles [presidiários] havia pouco, mas que era importante prevenir. A filosofia de prevenção do patrulheirismo é fundamental. Doutor Marino dizia que ‘Deus não fez os homens para acabarem na cadeia’. Com a esposa, que era advogada e pedagoga, na cidade de São Carlos, ele juntou o primeiro grupo e idealizaram um programa. Esse programa deu tão certo, que muitos municípios de São Paulo aderiram. Fui conhecer o programa e o trouxe para o Rio de Janeiro.” O programa atua de forma preventiva tirando os jovens da ociosidade e dos caminhos que podem leva-los ao crime, preparando-os para atividades profissionais e alocando-os, como aprendizes e/ou estagiários, no mercado de trabalho. As empresas parceiras de cada CAMP tornam-se, portanto, pilares da autossustentabilidade do projeto. Um ano após Costa Terra desenvolver o modelo original no interior paulista, o patrulheirismo começa a se espalhar em outros estados. O patrulheirismo, com seus 56 anos de existência e eficácia comprovada, tem sido uma excelente oportunidade oferecida aos jovens em situação de risco social. Com o tempo, as meninas foram atraídas para o projeto, que assim conquistou a equidade de gênero, que é um dos Oito Objetivos do Milênio preconizados pela Organização das Nações Unidas. São inúmeros profissionais bem-sucedidos nas empresas brasileiras que começaram suas trajetórias como alunos dos Círculos de Amigos do Menino Patrulheiro.
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Lea Passos
‘PATRULHEIROS’, A ORIGEM
No início da década de 1960 a TV Tupi exibia a série americana chamada “Patrulheiros Toddy”, produzida na década anterior. O título trazia o nome do patrocinador exclusivo do programa, mas, tempos depois, foi reprisada com o nome “Patrulheiros do Oeste”. A série mostrava os famosos Texas Rangers, uma centenária divisão policial do estado americano do Texas, ainda atuante.
patrulheirismo é hoje a alma de várias ações transformadoras na vida de muitos jovens, inclusive dos que ao longo de 30 anos passaram pelo CAMP Mangueira e dos que por lá passarão em um futuro que sempre se mostrará cada vez mais promissor, mantendo como focos, sempre e irrevogavelmente firmes, a formação para o mercado de trabalho; a cidadania e, sobretudo, a formação para a vida, que inclui no projeto político-pedagógico uma abordagem dos direitos humanos e dos deveres sociais do indivíduo. Autora do livro “35 anos do Programa de Patrulheirismo no Rio de Janeiro – Oportunidades de Promoção para Adolescentes e Jovens”, Dona Lea acompanhou a evolução do CAMP Mangueira desde o começo. Ela conhece com exatidão a relevância do patrulheirismo para os jovens moradores das comunidades na maioria das vezes desassistidas pelo poder público: “O CAMP Mangueira é uma alegria. Ele começou em uma escola perto da sede atual, em um horário que não tinha aula, e depois a Tia Alice viu a casa abandonada pelo Metrô, foi lá e conseguiu a cessão dessa casa. É uma revolução sim, para ajudar aos garotos. Sempre digo que devemos levar esses meninos no colo”.
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APRENDIZ NA MEDIDA niciado em 2017, o programa Aprendiz na Medida é uma proposta inédita no Brasil que tem como meta oferecer trabalho com carteira assinada e qualificação profissional a jovens que cumprem medida socioeducativa. Concebido e implementado pelo Ministério do Trabalho, com a parceria do Ministério Público do Trabalho (MPT), do Tribunal Regional do Trabalho do Rio de Janeiro (TRT-RJ), do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro e da Associação dos Magistrados da Justiça do Trabalho (Amatra), o Aprendiz na Medida mantém aulas no Departamento Geral de Ações Socioeducativas (Degase), no Rio de Janeiro, ministradas pelo CAMP Mangueira, tendo a Denjud como empresa contratante dos jovens. “O Programa Aprendiz na Medida é
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Isabele Ranzeiro
inovador e traz para os adolescentes em cumprimento de medida socioeducativa do Rio de Janeiro a possibilidade da construção de uma nova proposta de vida aliada a formação profissional compatível com a realidade. Acreditar na mudança do ser humano e contribuir para a construção de uma sociedade mais justa são as propostas que fundamentam o programa”, ressalta assistente social e gerente técnica do CAMP Mangueira, Isabele Ranzeiro. O programa, que está em sua segunda turma, contempla quatro horas diárias de aulas (divididas entre teóricas e práticas), durante cinco dias por semana e a formação é de Montagem e Manutenção de microcomputadores. Isabele lembra que os adolescentes cumprem a medida como consequência de um ato infracional praticado, mas que durante o período de cumprimento de medida têm a oportunidade de construir uma nova proposta de vida: “Durante esse tempo, usufruem de aulas de Ética e Cidadania, Preparação para o mundo do trabalho e Empreendedorismo e obtêm uma formação compatível com o que possam realizar quando estiverem ‘na pista’, nomenclatura utilizada por eles para definirem a vida do lado de fora do alojamento. O papel do orientador do CAMP Mangueira é fundamental nesse processo: o de se colocar no lugar do adolescente, escutá-lo, estabelecer normas de convivência compatíveis ao momento de cada um, construir vínculos, ser referência como orientador”.
SIM, PRESENTE!
Dona Inalda
(OS TRANSFORMADORES)
PATRULHEIRO, PRESENTE! TREZE HISTÓRIAS. TREZE VITORIOSOS aula, Irven, Letícia, José, Liziane, Matheus, Karina, David, Neidemar, Mayara, Waldemir, Carine e Bruna têm algo em comum em suas vidas: o CAMP Mangueira. Mas a história destes 13 bravos também deságua na certeza de que conseguiram evoluir graças aquele primeiro e decisivo passo, que proporcionou a cada um deles a convicção de que o futuro sempre poderá ser melhor quando o sim do mercado os acolhe. Conheça cada um deles, cujas trajetórias sintetizam a de muitos outros vitoriosos jovens que passaram pelo CAMP Mangueira nestes 30 anos de educação, trabalho e inclusão.
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PAULA CRISTINA MONTEIRO / 45 ANOS Hoje você tem psicólogo, você tem professor, tem assistente social. Naquela época tínhamos somente Tia Alice para fazer tudo isso por nós.
a minha vida, o CAMP foi muito importante porque foi a base, a estrutura da minha vida profissional. Quando a gente tem uma estrutura boa, como a que o CAMP nos proporciona, o restante é a gente que corre atrás. Fui da primeira turma, com a Tia Alice. Foi tudo muito difícil. Dependia do espaço para a gente poder estudar e lanchar. Ela tinha de arrumar lanche, e dava bronca. Na nossa época, ela era a nossa mãe, nos mostrando os dois caminhos: ou seguia por um cami-
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nho melhor, ou seguia para o pior. Ela deixava bem claro: se você fosse para o caminho melhor, ela estaria ali, de braços abertos, e isso o CAMP nos proporcionou. Tanto que nós, da primeira turma, a maioria logo no início foi logo trabalhar em grandes empresas, como a Xerox, a Dannemann... eu fui para a Dannemann na época. Fiquei na Dannemann cinco anos. Tive meu filho [trabalhando] na Dannemann. Hoje o meu filho é um superprofissional e o meu segundo filho faz o [curso] preparatório, serviço de convivência do CAMP, ele está sendo preparado para participar do CAMP no próximo ano. Quando a gente tem uma estrutura boa, como a que o CAMP proporciona, nossa vida deslancha. Trabalho há 10 anos numa grande empresa, o que é muito gratificante para mim, que é a Parmê. O CAMP foi o deslanche da minha vida profissional. Só não vai para o CAMP quem não quer, quem não se interessa, até porque o CAMP é dentro da nossa comunidade [da Mangueira]. Eles anunciam quando tem vaga, quando vai abrir inscrições. Tem pessoas na comunidade que não se interessam, que não vão. Mas tem pessoas que vêm de longe para fazer a inscrição e trabalham, cursam o CAMP. Às vezes você tem como melhorar, mas tem que querer. Não adianta eles proporcionarem e não ir até lá querer estudar. Eles cobram isso. Tem que fazer o CAMP, mas tem que continuar estudando, mas há pessoas que, infelizmente, não querem isso. [Participar da primeira turma] Foi maravilhoso. Foi muito bom [Paula se emociona]. A Tia Alice foi maravilhosa, sabe? Uma pessoa muito boa, que se dedicava para a gente. Não tinha lanche, ela dava o jeito dela e arrumava o lanche, porque para muitos era a [única] refeição da tarde que tinham. A gente ia para o colégio Ernesto de Faria. Emprestaram uma sala para fazermos o CAMP na época, porque não tinha sede e muitos iam para lá sem almoço. Ela cobrava, era nossa psicóloga. Ela era tudo. Ela quem ensinava tudo. Ela explicava o caminho do bem, e falava: ‘Hoje temos isso aqui’, e repartia aquele pãozinho, que ela pegava de doações, e dava para a gente. No dia seguinte não sabíamos se teria lanche, mas estávamos todos lá. Era muito difícil. A única opção que tínhamos há 30 anos era o CAMP. Quando nos formamos, foi na quadra da Mangueira, foi lindo, não fiquei uma semana sem emprego. Na semana seguinte, fomos chamados. [O CAMP] Foi o nosso alicerce, a base de tudo. Tia Alice era o máximo. Ela ajudou muitas pessoas. Minha turma tinha muitas pessoas de fora. Meu filho faz o CAMP hoje em dia. Ele está com 15 anos. Está se preparando para entrar no CAMP no ano que vem. Falo para ele: ‘Hoje é fácil. Hoje você tem um uniforme, tem a blusa do CAMP. Hoje você tem todos os dias
um lanche, que às vezes você leva para casa. Hoje você tem psicólogo, hoje você tem professor, você tem assistente social. Tudo isso. Naquela época tínhamos somente a Tia Alice para fazer tudo isso por nós. Na minha vida profissional, minha estrutura foi a Tia Alice.”
IRVEN SILVA DE ARAÚJO / 27 anos
para a minha vida o jeito como ele administrava as pessoas. Ele é o meu modelo como chefe. Só tive esse trabalho quando estive no CAMP. Minha turma foi uma das primeiras de aprendizes. Já entrei aprendiz. Passaram-se os dois anos de contrato, então saí. Tive a oportunidade de ser efetivado, mas não quis. Optei ir para o quartel, um sonho de infância. Servi à Força Aérea oito anos. Uma experiência fantástica na minha vida. Fui soldado especializado em eletricidade. Gostei disso. Outra pessoa me deu um conselho: o Roberto, um advogado. Outro cara sensacional também. Ele falou para mim: ‘Você quer ir para o quartel? Lá procure exercer algo que você vai usar na sua vida. Caso saia de lá possa exercer em qualquer outro lugar’. Busquei essa formação e me especializei. Hoje sou técnico em eletrotécnica, porque ouvi conselhos de 10 anos atrás. Tornei-me eletricista da rede de academias Bodytech.”
LETÍCIA LORRAYNE / 24 anos
onheci o CAMP ainda moleque, devia ter uns 11 ou 12 anos. Estudei no CIEP, ao lado, aí fiquei sabendo que lá, no CAMP, era um lugar que dava um curso pelo qual podia se trabalhar. ‘Beleza’, pensei, ‘vou lá ver’. Fui, mas só que eu não tinha idade, porque era só com 15 anos [que se ingressava no CAMP]. Aguardei os exames passarem até eu completar 15 anos para poder me inscrever no CAMP. A minha turma foi a 47ª, do segundo semestre de 2006. É uma coisa que mexe muito comigo, uma experiência assim, fantástica, sabe? Pegam um monte de adolescentes, nessa idade crítica que é de 15 e 16 anos, quando se acham cheios de si, que têm o maior conhecimento do mundo, e mostram uma visão do que é o mundo para a gente. Muita experiência. Na minha época era o curso de patrulheirismo. Passávamos muito mais tempo dentro do curso do que a garotada de hoje. O que acontecia ali, no CAMP, o laço que era formado era muito... muito forte. Com certeza, se não fosse o CAMP na minha vida, não teria essa cabeça que tenho hoje. Eles [professores] me ajudaram muito a formar essa personalidade que tenho hoje. Trabalhei na Dannemann Siemsen, que é uma empresa de propriedade intelectual, e foi sensacional. Mais uma vez conheci pessoas incríveis. O meu primeiro chefe, o Amâncio, o cara foi um líder mesmo. Levo
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onheci o CAMP Mangueira através do meu namorado, hoje meu marido. Há oito ou nove anos participei da turma 56, fiz parte de todos os projetos, fizemos mutirões. Foi uma das fases mais legais da minha vida, onde fiz muitas amizades e quando comecei a entender o sentido de trabalhar. Após a capacitação, começaram as entrevistas [nas empresas]. Era aquela expectativa, jovens querendo conquistar o primeiro emprego. Na primeira entrevista, não passei, e costumo falar isso hoje, na hora bateu uma decepção. Você acha que foi tudo em vão, que você não vai conseguir. Fui para mais duas [entrevistas], e não passei. Depois compreendi que, na verdade, não era a hora certa, porque na terceira entrevista foi para a melhor
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empresa dentre todas aquelas em que havia feito. Foi quando passei, e foi para a Odebrecht. Lá fiz toda a aprendizagem durante dois anos como aprendiz. Aprendi muita coisa e conheci muita gente. Fiz viagens, e no final da aprendizagem fiquei grávida. Pensei que isso poderia ser um empecilho, porque estava para ser efetivada ou não, e aí uma gravidez no meio do caminho dava a entender que não seria efetivada, mas o que falou mais alto foi o trabalho, e o meu chefe me efetivou mesmo assim. Voltei da licença maternidade efetivada e lá fiquei quatro anos, e não troquei mais de empresa. Foi a única empresa para a qual eu passei e fiquei até o final. Após esses quatro anos veio a crise que afetou o Brasil inteiro, inclusive a gente, e todos fomos mandados embora, inclusive minha chefe. O motivo do término do contrato foi mesmo a falta de obras já que a Odebrecht é uma construtora. Me vi desempregada, mas tudo o que eu havia aprendido no CAMP Mangueira não me deixou ficar parada. Foi aí que cresceu a visão de empreendedora em mim. Hoje sou dona do meu próprio negócio. O meu marido, que na época era meu namorado que me incentivou a entrar no CAMP Mangueira e com quem estou junta há 10 anos, também foi aprendiz do CAMP Mangueira, passou por algumas empresas e depois pediu para sair da última para ficar comigo nesse novo empreendimento, uma empresa de bolos, a Bolove. Fazemos bastante eventos, temos pontos de venda e vendemos bastante. É a nossa única fonte de renda, que está dando supercerto e só cresce cada dia mais. O CAMP Mangueira foi o melhor projeto que já inventaram para ajudar muitos jovens, e vai continuar ajudando. Me orgulho muito de ter feito parte dessa equipe, de fazer parte do CAMP Mangueira. Tudo que conquistei até hoje começou lá, porque quando entramos ainda muito jovens não temos pretensão de muita coisa; queremos o primeiro emprego pelo dinheiro, enfim, mas hoje a gente vê o quanto aprendeu lá e quanto o CAMP contribuiu para o nosso sucesso.”
JOSÉ AFONSO DOMINGOS / 28 anos
ntes de eu conhecer o CAMP Mangueira, havia alguns amigos meus que já tinham feito [estudado no CAMP] e vieram conversar comigo. Me interessei. Na época, eu tinha 15 anos, e a minha mãe me levou até lá para poder ver qual seria a possibilidade de eu participar do curso. Isso foi em 2005. O curso tinha um período de seis meses em dois turnos: um na manhã e outro na tarde. Não sabia como era o mundo do emprego, o mundo do trabalho. Se eu não tivesse feito esse curso, para mim seria muito mais difícil. Lembro que naquela época em que fiz o curso havia jovens que vinham da Baixada Fluminense e de Niterói. Para nós, jovens, o CAMP Mangueira é a primeiro porta para o futuro. Acredito que se não houvesse instituições iguais ao CAMP, que dão oportunidade para o jovem se aproximar mais do mercado de trabalho, seria muito mais difícil para a gente. Ainda mais nos dias de hoje, com essa crise financeira em nosso país. Está cada vez mais difícil o emprego, a primeira oportunidade. Antes de eu terminar o curso, fiz uma entrevista em uma empresa de Botafogo chamada Serpros, onde fiz um estágio de dois anos. Saí de lá porque completei 18 anos e teve o quartel. Mas passei por outros lugares sem ser pelo CAMP. Voltei a entrar em contato com o CAMP, e foi quando me deram uma nova oportunidade, que é onde estou hoje, o escritório de advocacia Trench Rossi Watanabe. Concluí o ensino médio, fiz um curso de Administração e agora estou ingressando na faculdade de Administração.”
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LIZIANE DA SILVA FARIAS / 23 anos
MATHEUS SILVA PEREIRA / 24 anos
heguei ao CAMP Mangueira com 17 anos. Uma amiga minha foi... na verdade duas irmãs que são minhas amigas foram e me indicaram, e aí eu fui. Foi assim que conheci o CAMP. Morava em Magé. É muito distante realmente. Magé não tem muitas empresas. Não tem muitos locais para trabalhar. Na época fiquei muito interessada pelo CAMP por conta disso, porque se eu ficasse lá, iria acabar procurando um trabalho na prefeitura ou em alguma loja. Não era o que eu tinha vontade de fazer. Quando cheguei ao CAMP, fiz uma turma extra. Foi muito rápido. Ficávamos o dia todo e aprendemos a parte de como passar por uma entrevista [de emprego] e de como se comportar na empresa. Acho que nessa primeira parte tive estímulo. Fiquei com muita vontade de entrar em uma empresa, mas isso eu já queria antes. O estímulo mesmo profissional foi quando comecei a fazer o curso depois que já tinha entrado na empresa. Teve várias matérias. Isso em 2012. O curso que fiz, que era extra, durou cerca de 15 ou 20 dias. Não me lembro. Mas fui a primeira pessoa aprovada para passar pela entrevista. Tinham comentado que quem tivesse um desempenho legal passaria para as primeiras entrevistas com as empresas onde havia mais chances de efetivação. Fui para o [banco] Opportunity, onde estou até hoje. Quando entrei no CAMP já tinha concluído o segundo grau. Hoje sou formada em Administração, estou fazendo pós-graduação em Recursos Humanos. Uma coisa muito legal é que tenho uma bolsa de inglês, que já faço há quatro anos e meio, do convênio do CAMP Mangueira com a Cultura Inglesa.”
heguei ao CAMP Mangueira em 2010. Tinha 16 anos, e o meu primeiro emprego na época foi um estágio na [Universidade] Estácio de Sá por apenas nove meses, pois estava prestes a terminar o ensino médio. Atualmente, trabalho na Saipem do Brasil, onde sou responsável pela área de viagens nacionais e internacionais da empresa, parte de logística de pessoas e no setor administrativo como um todo. Entrei nessa empresa em agosto de 2011 graças ao CAMP, que me proporcionou diversas entrevistas, mas na época não conseguia vaga porque estava próximo do alistamento militar. As empresas optavam por não seguir com a contratação, mas graças a Deus e ao CAMP tudo deu certo. Atualmente, curso Turismo na [Universidade] Veiga de Almeida e estou no segundo período. Comecei a estudar Administração na Estácio, mas parei no quinto período por não gostar da área. Meu intuito em 2010 era conseguir um emprego e ter a minha independência. Graças ao CAMP foi possível, e na época optei por estudar à noite para poder trabalhar durante o dia. A indicação foi através de uma conhecida da família, que também tinha sua filha neste curso, e sempre falou superbem da instituição. Hoje posso dizer que no CAMP Mangueira consegui algumas das melhores coisas da vida: responsabilidade e verdadeiros amigos, com os quais, mesmo após o curso, mantemos contato, e hoje em dia todos somos melhores amigos e sempre estamos juntos. Sempre que posso, e tenho oportunidade, vou ao CAMP para rever o pessoal e matar a saudade, que é enorme. Aconselho todos os jovens que conheço a tentarem entrar para esse curso, que realmente vale muito a pena e que pode acabar salvando alguns jovens de outros caminhos.”
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KARINA LÚCIA MOREIRA / 38 anos
alar em Tia Alice é muito fácil. A conheci na colônia de férias, na Mangueira. Tia Alice estava sempre presente. Era muito preocupada com a vida das crianças. Ela previa um futuro melhor. Embora a agente morasse numa comunidade, Tia Alice via muito além. Uma vez ela falou assim para mim: ‘Karina, você pode ser o que quiser, independente de onde você morar, onde você nasceu... você pode ser o que quiser’. Não esqueci, e era bem criança na época, e não esqueço. Ela me levou para o CAMP Mangueira. Quando eu tinha 13 anos e meio, minha mãe fez a inscrição e ingressei para ser patrulheira. Hoje em dia diz que é menor aprendiz, mas na minha época era menino patrulheiro. Fazíamos um curso que nos preparava para o mercado. Tia Alice era uma pessoa de muita postura. Cobrava da gente e ensinava a termos postura. Ensinava a gente ser gente, porque, hoje em dia, aí fora, geralmente as pessoas que moram em morro, que moram em comunidade, são vistas com um olhar de discriminação, e a Tia Alice, já há muito tempo, via a gente com outros olhos. Via a agente lá na frente. Ela nos levou para o CAMP Mangueira, onde fizemos um curso preparatório de três meses. Aprendíamos português, matemática... lembro que na época eu não tinha noção de como se escrevia uma carta. Não sabia o que era o remetente e o destinatário. Aprendi isso no curso. Uma coisa tão básica, mas não sabia. Lá nós tínhamos aula de educação, de postura, de como se comportar, porque eu era muito espevitada, era uma menina muito pra frente, muito difícil até de se lidar, e a Tia Alice tinha uma disciplina com a gente que era sem tamanho. Brigava, dava bronca. A bronca da Tia Alice era aquela que te arrebentava, mas que ao mesmo tempo te botava lá em cima. Era educação. A gente preci-
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sava disso. Erámos muito jovens e achávamos que faríamos o que a gente quisesse fazer. ‘Eu posso tudo’. A verdade é que se você não tiver disciplina, você não pode nada. A Tia Alice conversava. Me botou na escolinha para fazer arremesso de peso, porque ela foi atleta de arremesso de peso. Ela trazia o jovem e a criançada para a educação. Fiz maculelê [dança folclórica] com a Tia Alice. Eu e muita gente dessa comunidade. Tia Alice foi muito importante na minha vida. Hoje tenho 38 anos, mas não esqueço da Tia Alice. Estou com minha filha, de 14 anos, e meu filho de seis. Vão entrar para o CAMP Mangueira. Vão fazer o curso. É o caminho. E hoje a gente vive uma vida diferente. Permanecemos na comunidade, mas com pensamentos diferentes. Somos pessoas de bem. Temos futuro. Tem professor que me deu aula no CAMP Mangueira e está lá até hoje. A Cristina foi minha professora. A gente chamava ela de ‘Budega’. Era o apelido dela. Era o carinho que a gente tinha por ela. São pessoas que a gente amava na época e nos emocionam. Alice de Jesus Gomes Coelho. Não esqueço o nome da Tia Alice. Caía na prova o nome da presidente [do CAMP], agente tinha de ter na ponta da língua. O nome dela, o que significava a sigla CAMP. No dia da minha formatura, teve o juramento. Cantávamos o hino e fazíamos o juramento. E, no final, perguntávamos: ‘Tia Alice, a senhora aceita o nosso juramento?’. E ela, em um local cheio, disse: ‘Não, eu não aceito’. Aquilo foi um baque tão grande, porque nós não fizemos o juramento com a postura que ela nos ensinou. Estávamos na frente dos nossos pais, nossos parentes, da Mangueira toda. Fizemos o juramento brincando, de bobeira, e nada daquilo que aprendemos. Fizemos um novo juramento, aí ela falou: ‘Sim, agora eu aceito’. Aquilo marcou a nossa vida. Isso é comentado até hoje no CAMP Mangueira: ‘A Tia Alice um dia negou um juramento’. Ela era voltada 100% para educação. Dizem que ninguém é insubstituível, mas ainda não consegui enxergar alguém como ela. Tia Alice foi única. Cheguei a trabalhar um tempo no CAMP, na recepção, fui office-girl. A Tia Alice me colocou lá porque eu era levada, quis me acolher e eu não fui para as empresas, porque do lado dela me ensinava, me trabalhava. Foi muito bom, porque lembro que no início todo mundo queria ir para as empresas para trabalhar. Ali fiquei com ela. Passaram-se os anos, fiquei ‘de maior’ e aí criei asas. Voei novos horizontes. Hoje em dia trabalho, sou uma supervisora hospitalar. Estou bem, trabalho, tenho uma vida. Não sou rica, mas tenho uma vida estável que dá para me manter e manter meus filhos. Continuo morando na comunidade da Mangueira. Se não fosse esse projeto [CAMP Mangueira], se não fosse a Tia Alice, hoje eu não estaria aqui para contar essa história. O CAMP Mangueira está na minha raiz. Não tem como esquecer.”
DAVID DA SILVA CHAGAS / 36 anos
NEIDEMAR NAPOLEÃO / 25 anos
heguei ao CAMP Mangueira através da minha prima, Patrícia Teixeira dos Reis, que era psicóloga do CAMP na época, isso em 1994, e fui lá me inscrever. O CAMP só permitia ingressar no curso quem fosse da comunidade da Mangueira ou ao redor, e eu morava em Inhaúma. Pude me inscrever por causa disso. Um mês depois de fazer a inscrição fui chamado, porque foi a última turma do CAMP no colégio Ernesto de Faria, próximo à quadra da Mangueira. Logo depois, que foi a 20ª turma, o CAMP foi para o espaço onde está até hoje. Minha turma foi a 19ª. Eu era uma criança muito indisciplinada, e me lembro até hoje que o curso do CAMP era o dia inteiro. Entrávamos oito horas da manhã, tinha um intervalo, depois tinha horário de almoço, é só saíamos por volta de cinco horas da tarde. Num desses intervalos do almoço, o CAMP oferecia lanche para as crianças, e a gente sempre saía com a dona Nalva para comprar pão, para fazer café, essas coisas. Me lembro até hoje... estava na despensa com eles para arrumar o café, que sempre era a turma escolhida para fazer isso, e a Tia Alice estava fazendo um patê para colocar no pão das crianças, e ela me pegou cheirando o patê. Ela virou-se para mim e falou: ‘Não se cheira comida. É falta de educação’, e levei isso para o resto da minha vida. Toda vez que vejo alguma pessoa cheirar comida, sempre me lembro muito do que ela falou comigo. Vim trabalhar na Dannemann Siemsen em 1995, meu primeiro e único emprego. Quando completei 18 anos fui efetivado pelo escritório; fiz minha faculdade de Administração; depois fiz licenciatura em Educação Física e agora estou na minha terceira faculdade, em Direito, cursando na Universidade Estácio de Sá. Foi no CAMP Mangueira que me foi apresentada a máquina de datilografar, que hoje em dia é peça de museu. Hoje, no CAMP, aparecem cursos de computação, que na minha época era curso de datilografia, que era o auge, o boom do momento.”
ui para o CAMP Mangueira por volta dos 16 anos. Eram a 51ª e a 52ª turma. Repeti a primeira por falta e comportamento; na segunda, fui aprovada. Justamente no dia da formatura ganhei aquela cartinha que nós, jovens, sempre ganhamos para fazer uma entrevista em uma empresa conveniada ao CAMP Mangueira. Passei na entrevista para a Wickbold, indústria de pão, e lá fiquei dois anos, porque o contrato do Jovem Aprendiz é de dois anos. Quando concluí, o CAMP Mangueira me chamou para trabalhar com eles na parte de estágio. Fiquei um ano e pouco na recepção, e engravidei. Assim que engravidei fui para outra empresa chamada Panep, também como estagiária. Tive minha filha, e acabou. Passei um período em casa, quando o CAMP Mangueira me chamou para trabalhar, cobrindo férias. Sempre que preciso, estão ali para me ajudar. Eles estão dispostos a ajudar qualquer cidadão, qualquer jovem. Hoje, ligo para lá e pergunto se há possibilidade de encaixar um jovem, e sempre estão com a porta aberta para ajudar. Sempre dão a oportunidade de crescer. Quando cubro férias lá sempre vou a algumas reuniões. Hoje, o CAMP recebe mais jovens de fora do que da própria comunidade [da Mangueira]. Falta interesse. Estão perdendo uma grande oportunidade. Não fui efetivada nas empresas, mas há bons exemplos de jovens da comunidade que foram efetivados e até hoje se encontram nas empresas, como na Dannemann e na Xerox. Há momento em que passo dificuldades, e o CAMP Mangueira sempre compreende aquele meu momento difícil. Nunca viraram as costas para mim, e eu agradeço muito, desde a dona Marli ao seu Ferreira, que trabalha na parte administrativa. Estou no ensino médio, no segundo ano. Para con-
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seguir um trabalho está muito difícil. Meu sonho é trabalhar lá dentro, no CAMP. Só falta esse empurrãozinho para eu seguir em frente. Hoje indico jovens para estarem com eles, fazendo entrevistas e cursos. O CAMP Mangueira é minha segunda família.”
MAYARA CHRISTINA CONEGUNDES DA SILVA / 30 anos
enho muita gratidão pelo CAMP. Hoje acho que 50% da minha história é devido ao CAMP. Comecei no CAMP muito nova. Ainda não tinha o Jovem Aprendiz. Fui estagiária de duas empresas nas quais aprendi muito. Também dei muito trabalho ao CAMP, acho que dou até hoje, porque até pouco tempo estava perturbando [risos] para fazer [o curso de] inglês. Hoje faço o inglês em uma das principais instituições do Rio de Janeiro por conta do CAMP, e sou muito grata. Trabalho numa empresa que acolhe muitos jovens aprendizes. Foi através do CAMP que sempre sonhei estar nesta empresa, uma das melhores para se trabalhar no Rio de Janeiro, que é a Icatu Seguros. Percebo que muitos jovens lá são efetivados e sobem de carreira. Dão oportunidade. Através do CAMP sempre sonhei em trabalhar lá, e hoje esse sonho foi realizado. Trabalho em uma das maiores empresas que o CAMP apoia e que dá um futuro brilhante para os jovens. Graças a Deus estou lá, fazendo parte de um setor maravilhoso, que é a contabilidade, e acredito que tenho grandes chances de crescimento lá. Isso tudo através do CAMP. Sou formada e estou construindo minha carreira profissional. Faço pós-graduação, construindo uma família daqui a pouco, e isso é uma relação muito forte com o CAMP. Por mais que eu tenha
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dado muito trabalho ao CAMP, as meninas, as psicólogas, as assistentes sociais, nunca desistiram de mim e eu nunca desisti deles. Por isso que hoje sou grata, e vejo que muitos jovens saem do mundo das drogas, saem da violência em que a gente vive no cotidiano das comunidades em que vivemos através do CAMP. Claro que o CAMP não faz milagre, mas ele dá oportunidades de vida para muitos jovens. Sou fruto disso. Graças a Deus até hoje eles me ajudam. Prometi não chorar, e não vou chorar. Falar do CAMP é muito bom. Sempre motivo as pessoas, os jovens, a fazerem o CAMP. Já indiquei milhares de jovens, mesmo que não sejam daqui próximo, porque [no CAMP] vejo um futuro. Um futuro que percebo para juventude é pelos estudos. O CAMP nos obriga a estudar, porque se não estivermos estudando não conseguimos nos manter no emprego, e o acompanhamento que fazem dos jovens, todos os meses, do rendimento deles nas empresas. Sou muito grata, e vou repetir essa palavra sempre, porque tenho o costume de dizer que gratidão é palavra fundamental para o ser humano, e o CAMP tem isso na minha vida. Isabele, muito obrigada [Mayara se emociona], porque o CAMP me incentivou muito a trabalhar. Minha mãe não queria que eu fizesse o CAMP, ela sempre dedicou nossas vidas aos estudos, meu e do meu irmão. Sempre, sempre. Quando resolvi fazer o CAMP, ela não queria. Vim escondida, pedi ao meu pai para assinar, e consegui fazer o CAMP. Hoje sou uma pessoa bem resolvida na vida. A minha mãe fala que não dependo de ninguém para me dar suporte, porque corri atrás. O CAMP me incentivou isso. Hoje consigo fazer uma entrevista, porque me lembro das palavras. Quando tinha dificuldade de fazer um currículo ia ao CAMP pedir ajuda, e eles me ajudaram a fazer meus primeiros currículos. Hoje sei me comportar, como me vestir numa empresa. Isso tudo devo ao CAMP. Lembro que estive no CAMP um tempo atrás, falando: ‘Preciso do inglês para que eu possa conseguir um status melhor na empresa em que estou ou em outra, mas dependo do meu inglês, e não tenho condições de pagar’. Liguei e fui correspondida. Hoje sou muito grata. Não tenho um padrão de vida maravilhoso, mas o pouco que consegui até hoje o CAMP foi um suporte para isso. Por mais que digam que o trabalho influencia os estudos, sim, mas tem como conciliar, e minha mãe tinha muita preocupação com que eu fosse trabalhar e largasse os estudos. Ela me deu uma meta: ‘Se você repetir os estudos, você terá de parar de trabalhar’. Tive de conciliar os dois. Hoje consigo fazer inglês, pós-graduação e continuar trabalhando. Espero que muitos jovens consigam isso também, porque ganhar dinheiro é muito bom, mas hoje, no Brasil, para se ter um bom emprego, é preciso um bom estudo.”
WALDEMIR DE SOUZA / 45 anos
u tinha 13 anos. Minha trajetória foi que aos 11 anos eu já não pedia mais dinheiro a minha mãe. Com 12 cismei que queria trabalhar. Ia trabalhar numa oficina, mas como trabalhava sábado, não fui. Meu pai arrumou, e depois surgiu o CAMP. Minha mãe ficou sabendo, me levou. Só que era a primeira turma, e acharam que não ia dar em nada. Apesar de que fizemos muita bagunça, foi uma coisa muito boa. Tenho uma foto da nossa formatura. Dali foram três meses aprendendo postura, como agir numa empresa, se dirigir às pessoas, mas, na verdade, fomos muito criticados. Diziam que não ia dar certo, que ninguém queria nada com nada, e eu, graças a Deus, na primeira empresa que fui, estou até hoje. Se não me engano ela [a empresa] está com 28 anos. Não senti preconceito. Nada, nada, e quando entrei tinha aquele cabelo enroladinho, aquele tonhonhoim [sic]. Enrolava o cabelo lá para à noite ir ao baile. O rapaz [barbeiro] ia lá, na hora do almoço, fazia meu penteado, e nunca sofri nenhum preconceito. Entrei como office-boy. Hoje tenho vários conhecimentos de informática. Aprendi tudo dentro da empresa. Sou realizado. Não peço mais nada ao Papai do céu. O que tenho de emprego, de moradia... sei que hoje tem muita gente no final da vida que paga aluguel; não tem um endereço fixo. E eu, com 18 anos, comecei a conquistar as minhas coisas. Tudo através do CAMP e do samba, porque quando chega a época de carnaval complemento a minha renda. Faço shows. Só complemento. Tenho duas filhas no CAMP. É como falo: nossos filhos são nossos espelhos. O que aconteceu comigo, encaminhei para elas. Uma trabalha há três anos na Dannemann. Ela entrou no dia 8 de dezembro e em março deste ano foi contratada. [Sobre a Tia Alice] Ela era uma mãezona. Tanto dava carinho quanto dava
pancada. Com ela era puxão de orelha. Tinha o cabinho de vassoura que batia o maculelê. Era o mesmo com que se batia na cabeça [de aluno levado]. Era respeito. A gente dava bença [sic] a ela. Falava com ela e já chegava de cabeça baixa: ‘Oi, Tia Alice, primeira coisa é bença [sic]. Errou, ela levava até a casa, segurando pela orelha. Depois as mães só cumprimentavam: ‘Está certo’. Até pelo tamanho dela, que colocava respeito. Quando ela falava, ninguém a questionava. Ela esteve no projeto Maculelê, no projeto Mestre-Sala e Porta Bandeira, que era o Dalmo José, que também era uma pessoa imponente, de respeito, de ensinamento. São duas pessoas de respeito. Tive de aprender a me comportar dentro da empresa. Conquistei a minha vaga. Em uma festa da empresa, fui agradecer ao meu patrão, que hoje está aposentado, mas ele disse que não precisava agradecê-lo porque eu soube agarrar a minha oportunidade, que foi me desempenhar bem, aprender o que pude dentro da empresa. Lembro que na empresa teve mais 10 garotos do CAMP, ninguém ficou.”
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BRUNA VENTURA / 33 anos
omecei no CAMP com 15 anos e meio. Fui da 35ª turma do CAMP. Foram anos que aprendi meus sonhos administrativos, de como me comportar para a empresa. Foi meu primeiro contato com informática. Vim para a empresa [Fundação Coppetec], em 2000, em processo seletivo. Foi também quando participei da seleção com uma das melhores amigas que fiz no CAMP. Foi meu primeiro desafio: vir para uma entrevista numa empresa com a amiga, que eu sabia que tinha uma necessidade maior que a minha. Mas fiquei na empresa, onde estou há 15
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anos. Participei do CAMP durante três anos, como estagiária e depois fui efetivada pela empresa, e estou nela até hoje. Comecei na gerência de materiais. Viram o meu trabalho e hoje estou na área de RH. Comecei na parte de DP [departamento pessoal], com aposentadoria, toda a parte de documentos. Depois fiz Pedagogia. Algo que atribuo ao CAMP, pela experiência que tive no CAMP Mangueira. Fiz o curso de Pedagogia e hoje trabalho com jovens aprendizes também. Uma das minhas funções na Coppetec é trabalhar com jovens. O bom do CAMP Mangueira é porque ele já dá um norte para o jovem. Não pegamos um jovem tão cru. Se vê a diferença do comportamento do jovem que vem pelo CAMP, um jovem que sabe se portar numa entrevista. Com um mês de inicialização no CAMP, o jovem consegue trazer para mim o que aprendeu lá. Vejo que ele participa melhor do processo de seleção, está mais capacitado para estar na empresa. Antes mim, houve vários jovens [que passaram pelo CAMP] que foram contratados. Agradeço muito ao CAMP por tudo que vivi lá. Quando fui para o CAMP foi in dicação de uma outra empresa, a SmithKline, meu irmão trabalhava na SmithKline. Foi um ganho na minha vida. Encontrei pessoas que me direcionaram até mesmo para a faculdade. A minha faculdade foi de uma experiência que tive no CAMP. O meu trabalho foi feito em cima daquilo que já tinha vivido, então o CAMP me deu isso, me deu essa experiência, essa vontade de mudar, porque a inclusão social acontece de dentro para fora, mas tive esse primeiro contato de fora para dentro, sabendo que lá, no CAMP, tinha histórias de sucesso, e que eu poderia ser também essa história de sucesso. A primeira pessoa da minha família que teve um diploma de nível superior fui eu. Venho de uma família desestruturada, de pais separados. Venho de área de risco. Então o CAMP me ajudou nisso, não somente na inserção no trabalho, mas como cidadã. Vi que ha via pessoas para me ajudar, e que eu poderia mudar minha história.”
CARINE BARBOSA / 28 anos
ntrei no CAMP eu tinha uns 15 anos e comecei a trabalhar na Icatu Seguros com 16 anos. A primeira entrevista de emprego que fiz foi para a Icatu, e passei. Até hoje só trabalhei na Icatu. Foi a primeira porta que se abriu e que para mim foi maravilhoso, porque cresci muito aqui. Tudo o que sei hoje, como profissional e pessoa, aprendi bastante na Icatu e no CAMP, porque o CAMP prepara a gente para o mercado de trabalho. No CAMP tive aulas e aprendi coisas que, se eu entrasse na Icatu sem ter passado pelo CAMP, teria apanhado muito mais. Se eu não tivesse passado pelo CAMP, talvez não tivesse tido a oportunidade de entrar na Icatu, que é a empresa em que trabalho hoje e na qual adoro trabalhar. Eu tinha uns 18 anos quando terminei o ensino médio, estava acabando meu contrato na Icatu. Renovou como aprendiz, porque eu era estagiária. Perguntei muito a Icatu o que deveria fazer e o que recomendavam. Na época eu trabalhava no RH. Entrei muito na linha: ‘Vou fazer Psicologia’, até para eu continuar na Icatu, e era uma área de que eu gostava. Fiz vários testes de aptidão tanto no CAMP quanto aqui. Recebi conselhos de várias pessoas e acabei seguindo para a linha de Comunicação e concluí, em 2016, o MBA em Gestão Empresarial pela Uerj [Universidade do Estado do Rio de Janeiro]. Ingressei também no curso da Cultura Inglesa graças ao CAMP Mangueira. O trab alho que o CAMP faz é essencial pros jovens. É a fase em que estamos realmente sem saber para onde ir, onde começar. Até para decidir sobre uma faculdade às vezes você não tem para onde ir, onde procurar. O CAMP é essencial, ajuda muito os jovens e o trabalho que fazem é lindo, e devem continuar fazendo esse trabalho, que, com certeza, ajudará muita gente ainda.”
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“Os versos de Mangueira são modestos/ Mas há sempre força de expressão/ Nossos barracos são castelos/ Em nossa imaginação/ Ôh, ôh, ôh, ôh!/ Foi Mangueira quem chegou/ Ôh, ôh, ôh, ôh!/ Foi Mangueira quem chegou”, “Sempre Mangueira”, de Nelson Cavaquinho / Geraldo Queiroz
SEMPRE CAMP MANGUEIRA UMA CRONOLOGIA PARA O SIM; FATOS MARCANTES NESTES 30 ANOS DE HISTÓRIA DO CAMP MANGUEIRA Uma trajetória de empreendedorismo social; os personagens que ajudaram a manter vivo um sonho de transformação, um exemplo de educação para a vida e o trabalho.
EM 30 ANOS... 125
hOjE... 80
adolescentes e jovens já passaram pelo CAMP
alunos matriculados mensalmente para ingresso no PIMT (Programa de Integração ao Mercado de Trabalho)
8.500
192
turmas formadas
15.300
adolescentes e jovens alocados em empresas parceiras do CAMP
empresas ativas mantêm aprendizes
12%
funcionários e 2 estagiários de nível superior trabalham no CAMP
dos alocados são efetivados nas empresas parceiras
900
empresas já foram conveniadas ao CAMP
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O MUNDO VISITA A MANGUEIRA BILL CLINTON, PELÉ OU A EXEMPLAR EDUCAÇÃO QUE BROTA DA MANGUEIRA projeção nacional e internacional da comunidade da Mangueira despertou a atenção de personalidades, que fizeram questão de visitar o morro e, em especial, os projetos que compõem o Programa Social da Escola de Samba. No dia 15 de outubro de 1997, o então presidente dos Estados Unidos, Bill Clinton, visitou o CAMP Mangueira e a Vila Olímpica na companhia de Pelé, que naquela época era o ministro dos Esportes do Brasil.
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Além de ficar impressionado com o complexo social da Mangueira, Clinton chegou a jogar bola com Pelé: bateu um pênalti e o atleta do século gentilmente deixou a bola ir para as redes. Na ocasião, Clinton fez um discurso emocionado e elogioso dos projetos sociais da Mangueira. Destacamos, a seguir, alguns trechos desse discurso (que foi proferido em inglês): Após elogiar as pessoas que contribuíram para o êxito do projeto, Clinton afirmou que ele dava “um futuro às crianças da Mangueira”. E concluiu seu discurso com as seguintes palavras: “Precisamos fazer mais. E precisamos ser honestos com nossas crianças. Sabemos que educação e tecnologia, por si sós, não eliminam a pobreza e a desigualdade. Mas dão às pessoas o que elas precisam para se erguer por si mesmas, para se unir à sociedade global que está emergindo, e para fazer o melhor para suas próprias vidas. “Precisamos entender o que está em jogo aqui. Uma educação de Primeiro Mundo para todas as crianças é necessária para o bem-estar econômico das nossas nações, vital para a manutenção da justiça que mantém as sociedades unidas e essencial para preencher as necessidades mais básicas do espírito humano. Em uma só frase: nós não podemos desperdiçar uma única criança. “Toda criança vem ao mundo com um grande dom de Deus: o poder de sonhar. Mas esse dom pode ser perdido através da pobreza, da carência crescente, da derrota diária da esperança. Nós temos a grande responsabilidade de alimentar esse poder de sonhar, com educação para as crianças da Mangueira, Brasil, dos estados Unidos, as crianças de todas as Américas. Porque são os sonhos de nossas crianças que irão moldar nossas vidas no próximo século, um novo milênio. Obrigado, Mangueira, por fazer esses sonhos virem à vida.”
MANDELA NA MANGUEIRA, UM LÍDER PELA PAZ m 1990, Nelson Mandela foi libertado da prisão política imposta pelo governo racista da África do Sul. Ele sofreu pacientemente 27 anos de confinamento. Sua libertação marcou o começo do fim do regime do apartheid racial da África do Sul. Logo o líder negro se tornaria presidente do Congresso Nacional Africano. No cargo, percorreu o mundo, levando mensagem de igualdade entre os povos. Sua viagem por outros países incluiu o Brasil, onde desembarcou em 1º de
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agosto de 1991, numa visita que durou seis dias. As primeiras horas vivenciadas no Brasil impressionaram Mandela, já consagrado como símbolo da luta contra a segregação racial. No Rio, 50 mil pessoas foram recebê-lo no sambódromo, ao som de sambas de Martinho da Vila. Extasiado, ele afirmou: “quando vejo seus rostos, tenho a sensação de estar em casa, porque a mistura da população é como a nossa. E nós damos boas vindas a esse fato, porque uma miscigenação enriquece o país”. Na Cidade Maravilhosa, Nelson Mandela fez questão de visitar a Vila Olímpica da Mangueira, onde foi recepcionado pelos dirigentes da Escola de Samba e por Chiquinho da Mangueira. Mandela ainda visitaria São Paulo e Brasília. Na capital federal, pouco antes de partir, foi condecorado com a Grã Cruz da Ordem do Rio Branco, que é a mais alta honraria concedida pelo governo brasileiro. Nos momentos finais de sua visita, passou a olhar com olhos mais criticos a versão de que o Brasil é uma democracia racial. E fez questão de afirmar publicamente que sentiu “um pouco de amargura entre os negros brasileiros”,
concluindo que “a discriminação racial, de fato, existe no Brasil”.7 Sempre vale a pena recordar esta belíssima declaração de Nelson Mandela, o homem que conseguiu a grande vitória política de eliminar o apartheid entre negros e brancos na África do Sul: “Ninguém nasce odiando outra pessoa pela cor da sua pele, por sua origem ou, ainda, por sua religião. Para odiar as pessoas precisam aprender e, se podem aprender a odiar, podem ser ensinadas a amar.” O mais veloz do planeta na Vila Olímpica verde e rosa REPRODUÇÃO DE TV
da escola de samba e ainda jogou basquete com o time feminino da Vila Olímpica. Foi um dia inesquecível para os meninos e meninas da Mangueira.
CONVÊNIOS QUE FAZEM A DIFERENÇA a esfera municipal, a entidade CAMP Mangueira está regularmente inscrita no CMDCA (Conselho Municipal de Direitos da Criança e do Adolescente), assim como no CMAS (Conselho Municipal de Assistência Social). Além disso, recebeu o Certificado de Utilidade Pública Municipal. A entidade firmou alguns convênios relevantes, que estão em vigor. São eles: Convênio com o Sesc-RJ, para ter acesso ao programa Banco Rio de Alimentos, que visa a minimizar os efeitos da fome e do desperdício. Sua atuação consiste em recolher produtos alimentícios em perfeitas condições de consumo e entregá-los a instituições sociais idôneas; Convênio Senai/Sesi – possibilita a oferta de Curso de Inglês para os adolescentes no CAMP, desde março de 2012; Convênio com a Cultura Inglesa – disponibiliza bolsas de estudo gratuitas de Curso de inglês para jovens indicados pelo CAMP. Em vigor desde setembro de 2013.
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CERTIFICAÇÃO ISO 9001:2008 O MAIS VELOZ DO PLANETA NA VILA OLÍMPICA VERDE E ROSA tleta brilhante do passado, Tia Alice ficaria feliz e orgulhosa se ainda estivesse entre nós e visse que, em 2016, o maior velocista de todos os tempos, o jamaicano, Usain Bolt, não somente visitou a Vila Olímpica da Mangueira como também se encantou com o trabalho de inclusão promovido pela comunidade verde e rosa com o apoio de empresas. Bolt foi recebido por três mil e quinhentas crianças e adolescentes da comunidade, pela bateria
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7 Folha de S.Paulo, de 7 de agosto de 1991.
ma das conquistas mais relevantes do CAMP Mangueira foi a obtenção do Certificado de Conformidade ISO 9001:2008, concedido pela ABNT (Associação Brasileira de Normas Técnicas) para organizações que desenvolveram sistemas de gestão de qualidade A implantação de um sistema desse tipo representa a obtenção de uma poderosa ferramenta que possibilita a otimização de diversos processos dentro da organização. Além destes ganhos, fica evidenciada também a preocupação com a melhoria contínua dos produtos e serviços fornecidos. A certificação do Sistema de Gestão da Qualidade do CAMP Mangueira garantiu uma série de benefícios à organização. Além do ganho de visibilidade frente ao mercado, surgiu também a possibilidade de firmar parcerias com novas empresas, lastreada pela capacidade que a organização adquiriu no
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sentido de garantir a excelência e as características de seus serviços socioeducativos. Algum tempo depois, o CAMP Mangueira teve a satisfação de receber a aprovação, pela ABNT, da renovação de sua Certificação ISO 9001:2008. A renovação apresenta validade até agosto de 2016. Esta Certificação atesta fortemente o envolvimento do CAMP Mangueira com os princípios que são fundamentais para que todos os objetivos da normalização dos processos de gestão da qualidade sejam atendidos. E contribui para aumentar a eficácia na aplicação dos procedimentos que passaram a ser adotados e permite o reconhecimento do esforço de todas as pessoas envolvidas no projeto, cujo objetivo maior é beneficiar adolescentes e jovens.
dores e à internet. Foi promovida, assim, a inclusão sociodigital de centenas de pessoas. Anteriormente, em 1996, o CAMP já havia instalado dois Laboratórios de Informática para o aprendizado formal dos jovens. Os computadores foram doados pela empresa EDS. A realidade brasileira hoje, evidencia que a parcela mais desprovida de recursos da nossa população sofre um verdadeiro apartheid digital – configurando uma trágica forma de exclusão social, pois quem não domina as tecnologias de informação existentes no mundo terá pouca ou nenhuma chance de ingresso no mercado de trabalho. A presença do computador no CAMP Mangueira cresce de importância quando se leva em conta os dados do Sistema de Avaliação do Ensino Básico, do Ministério da Educação, que evidenciam que os alunos que têm computador em casa têm desempenho superior, conquista notas mais elevadas.
DE MÃOS DADAS COM O CONSELHO MUNICIPAL DOS DIREITOS DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE m outubro de 2013, o CAMP Mangueira conquistou o privilégio de tornar-se uma das entidades eleitas como representante da sociedade civil no Conselho Municipal pelos Direitos da Criança e do Adolescente do Rio de Janeiro (CMDCA-Rio). A entidade é representada nesse órgão por seus conselheiros (titular e suplente), que tomaram posse no dia 11 de novembro, durante a realização da Assembleia Geral do Conselho. A posse dos novos conselheiros e a composição da nova mesa diretora foi anunciada pela subsecretária municipal de Proteção Social Básica, Olga Maria Salgado, representando o secretário Adilson Pires. A presidente anterior, Miná Benevello Taam, entregou o cargo a José Pinto Monteiro, do CAMP Mangueira, que se tornara o novo presidente do Conselho, juntamente com Danilo Groff Filho (vice-presidente) e tendo ainda a primeira e segunda secretária, respectivamente, Merina Camargo Aguiar e Selma Ribeiro Martins. Os novos conselheiros assumiram seus cargos com desafios já em vista. Ciente deles, Monteiro fez sua primeira fala como presidente do CMDCA-Rio, realçando o trabalho gigantesco que precisa ser feito para melhorar as condições de vida das crianças e adolescentes cariocas: “Estamos aquém das opor-
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INCLUSÃO DIGITAL PARA ADOLESCENTES E SUAS FAMÍLIAS m novembro de 2000, graças a uma parceria com a ONG CDI (Comitê para a Democratização da Informática) e ao apoio do Instituto Xerox, o CAMP Mangueira instalou nas suas dependências o ECD (Espaço de Cultura Digital). O novo espaço possibilitou aos alunos e alunas do CAMP, bem como a seus familiares e à comunidade mangueirense, o acesso gratuito a computa-
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tunidades que podemos oferecer para crianças e adolescentes. É inadmissível termos R$ 11 milhões aprovados num fundo sem aplicabilidade”. Ao iniciar suas atividades à frente do Conselho, Monteiro realçou que pretende fazer uma campanha intensiva para encorajar doações para o Fundo Municipal da Criança e do Adolescente. Segundo ele, “o caminho já está pavimentado pela gestão anterior”. O Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), aprovado em 1990, reconhece as crianças e os adolescentes como sujeitos com os seguintes direitos civis: direito à vida, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura e à dignidade, entre outros. Para coordenar as ações nesta área foram criados em todo o país os Conselhos Municipais de Direitos das Crianças e dos Adolescentes. E, para que as políticas delineadas por estes Conselhos tivessem recursos financeiros além do previsto no orçamento municipal, foram aprovadas leis de isenção fiscal no caso de doações para o Fundo Municipal da Criança e do Adolescente. É no sentido de fortalecer o Fundo que José Pinto Monteiro inaugurou sua campanha de solicitação de doações.
UM SUCESSO PEDAGÓGICO E SOCIAL projeto socioeducativo CAMP Mangueira completa 30 anos de existência com motivos de sobra para comemorar. Através dos seus programas de formação de aprendizes e estagiários, todos os anos o projeto aloca rapazes e moças no mercado de trabalho do Rio de Janeiro. Após o período rotineiro de teste, uma parte é realmente efetivada, possibilitando assim a conquista real e duradoura do primeiro emprego por jovens que, juntamente com suas famílias, são provenientes de áreas de baixa renda, com predomínio da comunidade da Mangueira. A Escola de Samba, com o apoio pioneiro da Xerox do Brasil, criou o projeto no ano de 1988, através do seu programa de atividades sociais em benefício da comunidade. Além do prédio do CAMP, a Mangueira conseguiu também disponibilizar para seus jovens uma ampla Vila Olímpica com quadras esportivas, uma piscina para a formação de atletas nadadores, uma biblioteca (que leva o nome do educador e escritor Darcy Ribeiro), a Escola Tia Neuma (de primeiro grau, patrocinada pelo Centro Educacional Santa Mônica) e o CIEP 241 – Centro Integrado de Educação Popular Nação Mangueirense Governador Leonel de Moura Brizola (voltado para o Ensino Médio). Como se não bastasse, a UniverCidade, instituição de ensino superior, disponibiliza bolsas de estudo nas áreas de Pedagogia e Serviço Social, fora da área física do projeto.
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Monteiro e Siro Darlan, uma parceira que defende o direito dos jovens do Rio de janeiro
ssim, existe todo um complexo que oferece atividades esportivas e pedagógicas para a comunidade da Mangueira, que é fruto de anos de trabalho e esforço conjunto da população verde-e-rosa, empresas privadas com senso de responsabilidade social, órgãos de governo, entidades voltadas para a infância e a juventude, profissionais da área social e pedagógica. As empresas que acolhem os rapazes e moças são todas parceiras do projeto e contribuem decisivamente para a sustentabilidade do CAMP
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Mangueira, pois elas assinam um convênio e um Termo de Compromisso com a instituição, que assegura o repasse de um percentual do salário dos (as) jovens efetivados (as) é repassada para a administração do projeto. Esse percentual é variável, mas a soma das contribuições garante o pagamento da equipe administrativa e gerencial, dos professores, da equipe técnica, além de custear as despesas de manutenção. Assim o projeto socioeducativo conquistou, de maneira sólida, o patamar da sustentabilidade – algo que nem todo projeto social brasileiro logrou alcançar.
vivem, construindo para si um futuro mais digno e mais promissor. O CAMP está localizado ao lado da Vila Olímpica da Mangueira, onde conta com um espaço físico adequado para atender cerca de 800 adolescentes por ano nos turnos manhã e tarde.
MODELO DE GESTÃO gestão do CAMP é conduzida por uma diretoria eleita a cada três anos, cujos membros são, em sua maioria, dirigentes de grandes empresas que priorizam a política de responsabilidade social. Todos vêem no trabalho que desenvolvem dentro da instituição a oportunidade de oferecer o melhor de sua experiência profissional em favor daqueles que mais necessitam. A estrutura organizacional do CAMP conta com funcionários registrados para atendimento as áreas de serviço social, psicologia, pedagogia e administração, assegurando através desses profissionais um atendimento em total sintonia com os objetivos do projeto. Além disso, estagiários e voluntários dessas áreas encontram no CAMP oportunidade de desenvolver um trabalho social relevante e, ao mesmo tempo, oferecer suporte nas questões ligadas à sua formação profissional.
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s resultados alcançados pelo CAMP Mangueira não podem ser avaliados apenas quantitativamente, pelo número de jovens inseridos (as) no mercado de trabalho. O grande diferencial do projeto é ter-se tornado uma escola de cidadania, uma entidade que prepara seus alunos para a vida como um todo, e não apenas para o mercado de trabalho. O projeto socioeducativo consolida valores éticos nos rapazes e moças que acolhe, preparando-os para enfrentar diversas situações conflitantes, como a escolha entre viver dentro da lei ou ingressar nos descaminhos da criminalidade e do tráfico de drogas. Através de diversas atividades de extensão, os jovens aprendem a jogar xadrez, a dominar os recursos da informática, a compreender o funcionamento da Bolsa de Valores ou como se comportar durante uma entrevista de candidatura a um posto de trabalho. Nesse horizonte, não é nenhum exagero afirmar que o CAMP Mangueira contribui para elevar o capital social dos seus alunos e alunas – sobretudo porque a conquista do primeiro emprego significa uma elevação da renda familiar, com melhoria das condições de vida dos pais, irmãos e parentes próximos.
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instituição defende a filosofia de que, através da iniciação profissional qualificada, os jovens em situação de maior vulnerabilidade e risco social têm a possibilidade de transformar a realidade social em que
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Ferreira, o administrador do CAMP, e sua equipe
PROGRAMA DE APRENDIZES ma dessas capacitações ocorre através do Programa de Formação de Aprendizes. Sendo uma entidade sem fins lucrativos devidamente registrada no Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente (CMDCA), validada pelo Cadastro Nacional da Aprendizagem pelo Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), o CAMP Mangueira possui toda a habilitação legal para encaminhar e formar adolescentes na condição de aprendizes. Em consonância com a Lei n.º 10.097/00 e com o Decreto Federal n.º 5.598/05, o Programa de Aprendizagem proporciona ao adolescente uma formação profissional qualificada, articulando conteúdo teórico à prática realizada em seu setor de trabalho. A formação é realizada através de um curso que dura dois meses e abrange disciplinas que trabalham aspectos comportamentais e profissionais, além de desenvolver questões de ordem pessoal e social. Quem for aprovado nesse curso básico tem seu nome inserido em um banco de dados e fica aguardando pela oportunidade de trabalho em alguma empresa parceira do projeto. Quando uma empresa disponibiliza uma vaga, o CAMP recruta neste banco candidatos de acordo com o perfil solicitado pela organização parceira. Após a entrevista na empresa, o aprovado pode começar a desenvolver suas atividades.
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PÚBLICO-ALVO, FINALIDADES E PROGRAMAS DO PROJETO público-alvo da instituição é composto por adolescentes e jovens de ambos os sexos, na faixa etária dos 16 aos 22 anos, que ainda estão cursando ou já concluíram o Ensino Médio. Estes jovens, oriundos de famílias com dificuldades socioeconômicas, moradores da comunidade da Mangueira ou de outros bairros, depois que se inscrevem no projeto recebem uma capacitação prévia ao seu encaminhamento às empresas parceiras. Trata-se de uma capacitação profissional de nível básico que visa preparar e instruir rapazes e moças para ingressar com sucesso no ambiente corporativo.
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PROGRAMA DE APRENDIZAGEM DE REPOSITOR DE MERCADORIAS – Voltado para atividades da área do comércio varejista ou atacadista. Tem a duração de um ano e é realizado concomitantemente a atividade prática realizada na empresa; PROGRAMA DE ACOMPANHAMENTO – A equipe de supervisão desenvolve oficinas temáticas e dinâmicas para discutir temas vinculados à formação profissional dos aprendizes. Além disso, são realizadas visitas periódicas aos locais de trabalho para tratar junto aos gestores das empresas todas as questões relativas ao desenvolvimento profissional, pessoal e social de cada aprendiz;
PROGRAMA DE APRENDIZAGEM: CONHEÇA AS ALTERNATIVAS AOS JOVENS: APRENDIZAGEM DE AUXILIAR ADMINISTRATIVO – Permite trabalhar como Arquivista, Almoxarife, Auxiliar administrativo, Mensageiro (a) interno (a) e externo (a). Esta última atividade somente é permitida para os aprendizes que tenham mais de 18 anos de idade, conforme previsto no Decreto n.º 6481/08. Este Programa tem a duração de dois anos e é realizado pelo jovem concomitantemente à sua prática dentro da empresa parceira; APRENDIZAGEM DE ALIMENTADOR DE LINHA DE PRODUÇÃO – Voltado para empresas dos ramos de fabricação de produtos alimentares e bebidas, artigos de borracha e plástico, máquinas e equipamentos, bem como de aparelhos e materiais elétricos. Tem a duração de um ano e também é realizado juntamente com a atividade prática realizada na empresa; PROGRAMA DE APRENDIZAGEM DE TURISMO E HOSPITALIDADE – Objetiva proporcionar ao aprendiz a qualificação básica para desenvolver em restaurantes, empresas de alimentação, hotéis ou e empresas de transportes, as funções de Cumim, Recepcionista, Guia de Turismo (local) ou Organizador de eventos. Tem a duração de um ano e é realizado concomitantemente à atividade prática realizada na empresa;
JOVEM APRENDIZ PARA O JOVEM – Ao ser contratado como aprendiz em uma empresa, o jovem tem a oportunidade de obter uma experiência no mercado de trabalho e, simultaneamente, recebe uma qualificação teórica que certamente abrirá portas para o efetivo ingresso no meio corporativo após o período de aprendizagem.
DEVERES DO APRENDIZ
DEVERES DO APRENDIZ
Executar com zelo e diligências as tarefas designadas que forem compatíveis a sua formação;
Registro na CTPS e direito a todos os direitos trabalhistas e previdenciários determinados pela lei;
Ter comprometimento com suas atividades e o andamento de suas rotinas de trabalho;
Obtenção de locais e atividades dignas, de acordo com seu desenvolvimento físico, moral e psicológico;
Cumprir a parte teórica do contrato, de acordo com as exigências do Curso de Aprendizagem.
Recebimento de certificado de qualificação teórica, comprovando a proveitosa conclusão do curso de aprendizagem.
SIGNIFICADO DO APRENDIZ PARA EMPRESA De acordo com a filosofia de trabalho do CAMP Mangueira, um aprendiz pode representar para a empresa parceira os seguintes benefícios: Chance de atuação da empresa na esfera da Responsabilidade Social Corporativa, pois a organização estará aliando o cumprimento da legislação a uma iniciativa de inclusão social; Oportunidade de capacitar e qualificar profissionalmente um jovem, dentro dos critérios da filosofia da empresa; Desenvolvimento de um trabalho de capacitação para formação de futuros colaboradores da organização. Acompanhamento e participação no desenvolvimento profissional e pessoal do aprendiz, contribuindo assim para o aperfeiçoamento técnico de um futuro profissional.
essa forma, através de seus Programas de Aprendizagem, o CAMP Mangueira contribui para uma real formação socioeducativa dos (as) adolescentes e jovens, capacitando a todas (as) para o desenvolvimento, profissionalização, consciência crítica, habilidades básicas e técnicas, cidadania, cultura e o autoconhecimento, viabilizando atividades de cunho teórico e prático nas diferentes formações oferecidas Para as empresas parceiras, os responsáveis pelo CAMP Mangueira elaboraram uma mensagem básica, que consta no site do projeto (www.campmangueira.org.br) e tem o seguinte teor:
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PROGRAMA DE ESTÁGIO CAMP Mangueira também encaminha adolescentes como estagiários de nível médio às empresas. Respaldado pela nova lei 11788/08, o CAMP interage com micro e pequenas empresas que, apesar de não possuírem a obrigação de contratar um aprendiz, têm condições de oferecer um aprendizado rico e digno aos adolescentes do projeto. Tal como acontece com os aprendizes, os estagiários recebem acompanhamento das equipes de serviço social e psicologia da instituição, que verificam sempre se o caráter pedagógico das atividades desenvolvidas pelos jovens está sendo privilegiado e ampliado. Além disso, as equipes avaliam o desenvolvimento profissional dos jovens que faze estágios nas empresas parceiras. São inúmeros os exemplos de jovens que aproveitaram a oportunidade concedida pelas empresas parceiras ao CAMP e hoje ocupam posições de destaque no mercado de trabalho. Muitos deles fazem questão de comunicar à instituição que estão evoluindo em suas carreiras. Apenas a título de exemplo, registramos a seguir alguns depoimentos de ex-patrulheiros (as) que, graças às experiências obtidas durante o tempo em que estiveram no CAMP, foram efetivamente contratados pelas empresas em que estavam ou adquiriram lastro para conseguir vagas em outras organizações.
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Marli de Souza
PERSONAGENS & HISTÓRIAS arli de Souza foi gerente de Recursos Humanos da Dannemann. Tempos depois assumiu a presidência do CAMP Mangueira. Hoje, ela vice-presidente do CAMP: “Conheci o CAMP o através do Monteiro quando eu trabalhava na Dannemann. Me envolvi 100% com o projeto. Em cada lugar que eu ia procurava divulgar o projeto. E como participava da Câmara Americana, que tinha grupos de reuniões de recursos humanos, e da Associação Brasileira de Recursos Humanos, da qual também fui vice-presidente por muitos anos, eu divulgava o nosso projeto. Esse foi o meu contato inicial. Quando
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me aposentei, informei à empresa [que seria presidente do CAMP Mangueira] e tive o maior apoio financeiro dos sócios do escritório para que assumisse. A diretoria da Dannemann me ajudou muito”. “Ganhei muitos nãos no começo até que finalmente o presidente [da Dannemann] Peter Siemems se sensibilizou e concordou com que eu colocasse um jovem [do CAMP] na empresa. Mas coloquei dois. Foi um sucesso. Por lá já passaram mais de 700 jovens, com centenas deles efetivados, que constituíram suas famílias, casados, com seu imóvel próprio, seu carro, formados, ocupam cargos importantes lá dentro [na Dannemann].” “As empresas hoje estão preocupadas com os projetos sociais porque sabem que através disso há possibilidade de uma melhora no futuro. A empresa privada tem que fazer alguma coisa, porque o governo sozinho não faz tudo, e faz cada vez menos. Cabe a todos, de uma forma geral, contribuir para que esses jovens saíam do tráfico e procurem constituir uma vida em sociedade normal.”
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oão Quintanilha é um dos fundadores do CAMP Mangueira. Foi presidente e hoje é conselheiro fiscal do CAMP:
“Estou muito feliz com esses 30 anos do CAMP Mangueira. Frequento a Mangueira muito mais do que 30 anos. Uns 40 ou 45 anos. A família da Inalda foi a primeira que conheci lá. Fui trazendo amigos, como o José Pinto Monteiro e o Wilson Tinoco. Fomos vendo a oportunidade de fazermos trabalhos comunitários. Ajudar. Ou seja, ser feliz e ajudar aos outros. Fomos juntando e conseguimos fazer o CAMP. Sou um dos fundadores.” “O CAMP completando 30 anos, com tantos jovens que já passaram
por aqui e que hoje estão formados no mercado de trabalho. É uma alegria muito grande. Sempre participei, desde a fundação, e sempre vou participar. Comecei isso tudo por ser mangueirense. Por participar da Mangueira, por desfilar pela Mangueira”. “A vantagem do CAMP Mangueira é que sempre o encaramos como um negócio que tem que existir. Tem que ter vida e ser autossustentável. Sempre melhorando, crescendo, fazendo com que tenhamos oportunidade de sermos sempre sadios financeiramente.” “Tia Alice era uma figura maravilhosa. A felicidade dela sempre foi ajudar aos outros, e muito empenhada, com muita vontade de fazer. Eu, Monteiro e Wilson Tinoco, na Xerox, mostrávamos à diretoria o trabalho que ela desenvolvia, os objetivos. Isso nos ajudou muito para que a Xerox pegasse os jovens e os colocassem lá para estágio. Tia Alice é um marco da Mangueira, da nossa história do CAMP Mangueira. É emocionante falar dela. Uma pessoa nota mil.”
psicóloga Odaiza Paganote integrou a equipe de estagiárias de Psicologia do CAMP Mangueira e atuou como coordenadora de 2001 a 2010. Saiu, mas voltou em fevereiro de 2013 para assumir a coordenação de Recursos Humanos do CAMP: “Quando voltei, já tinha a vivência anterior, uma visão macro do trabalho que deveria fazer. Mas retornei feliz, para um ambiente em que a cooperação entre as pessoas é muito grande. Esse tipo de cooperação não se percebe no universo das empresas, só o Terceiro Setor tem essa força de cooperativa. Eu vim de projeto social, tenho isso no sangue.” “Um dos principais benefícios do projeto é mostrar ao jovem que ele pode levar uma vida melhor, que vai ter chance de ter alguma coisa na vida. É muito gratificante acompanhar a transformação individual que os
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Odaiza Paganote
jovens passam no CAMP, da insegurança para a autoconfiança, a aquisição de valores, o aumento da perseverança. Ao participar diariamente do curso, rapazes e moças começam a entender que no CAMP podem fazer amigos e amigas, tirar dúvidas, enfim, compreendem que aqui todo mundo é bem acolhido. “Há um amor muito grande, inexplicável, das pessoas pelo projeto. Não podemos, portanto, ser hipócritas. Os benefícios sociais que oferecemos precisam ser contados. “Além do clima de cooperação entre as equipes, é maravilhoso ver o desenvolvimento que o jovens conquistam aqui dentro. Isso não tem preço: receber o jovem e depois de seis meses, quando ele acaba o curso, ver que ele evoluiu muito e que está em condições reais de conquistar seu primeiro emprego. “O CAMP Mangueira tem tudo para ser referência no trabalho de desenvolver jovens para o mercado de trabalho. A equipe é ótima, integrada e motivada em prol deste crescimento profissional do público atendido.”
CAMP MANGUEIRA É NOTÍCIA... MUITO BOA!
CONHEÇA UM POUCO DA HISTÓRIA DO CAMP MANGUEIRA PELO OLHAR DAS PÁGINAS DOS JORNAIS
1989. OS PRIMEIROS PASSOS Foi o começo. Árduo, porém valoroso começo na Escola Municipal Ernesto de Farias e uma das primeiras menções na imprensa. O Rio de janeiro começava a conhecer o trabalho inclusivo do CAMP Mangueira, como narrou matéria do jornal O Globo, de 25 de janeiro. Muitos meses depois, os primeiros resultados reconhecidos pelo mesmo jornal, em reportagem do dia 8 de novembro.
1997. BILL CLINTON E PELÉ, VISITAS ILUSTRÍSSIMAS
1991. EM TRÊS ANOS, 365 PATRULhEIROS FORMADOS
Sucesso. Em três anos, o CAMP mostrava a que veio. Dos 365 patrulheiros formados, 245 estavam estagiando nas 56 empresas conveniadas, é o que estampou reportagem do jornal O Globo, de 11 de setembro.
Que barato! Bill Clinton, então presidente dos Estados Unidos, estava imensamente feliz por estar lado a lado com os jovens do CAMP Mangueira e da Vila Olímpica. Pelé e os cidadãos mangueirenses fizeram as honras da casa. “Não devemos parar até que todas as crianças do Brasil e que todas as crianças do continente americano tenham as mesmas oportunidades que vocês têm aqui na Mangueira”, ressaltou Clinton, como destacou reportagem do jornal O Globo, de 16 de outubro.
1998. DEZ ANOS A tecnologia chegou ao CAMP Mangueira. A parceria da Xerox com a EDS Informática desdobrou-se na instalação de um moderno centro de computação, com 24 micros. Um avanço espetacular, como estampou o jornal O Globo, do dia 24 de setembro. Em dezembro, a moçada se preparava paras as novidades para o ano seguinte, entre as quais os cursos de xadrez e de locução para rádio, informou reportagem de O Globo, de 31 de dezembro. Ano novo... vida para lá de nova! No CAMP é sempre assim. Alto astral.
2000.
RELATO DO SAUDOSO jORNALISTA Márcio Moreira Alves é um símbolo do jornalismo brasileiro nos últimos 50 anos. Combativo como político, que, com palavras, enfrentou a ditadura militar, fazia o mesmo nas páginas dos jornais, com sua visão a frente de tudo, sobretudo alusivas às questões mais sensíveis da sociedade brasileira. No final de 2000, o CAMP Mangueira e a Vila Olímpica mereceram emocionadas linhas do grande jornalista, em artigos publicados em O Globo, respectivamente, nos dias 28 e 31 de dezembro: “Ando pelos mais remotos cantos do país em busca de iniciativas que dão certo. Bastou-me tomar um táxi no Centro do Rio, como fiz na terça-feira, para conhecer uma das melhores: o CAMP Mangueira, onde fui a convite de seu administrador, Antônio Carlos Ferreira”.
2002. REVERÊNCIA DA MIRIAM LEITÃO
Miriam Leitão notabilizou-se por ser uma das mais renomadas jornalistas do país, premiada internacionalmente pela sua brilhante carreira. Em edição do jornal O Globo, do dia 5 de maio, a colunista citou o empenho do nosso administrador: “Ferreira, do CAMP Mangueira, já formou 4.000 meninos e meninas e tem uma sala de internet onde mil pessoas navegam por mês”. O CAMP já era uma inquestionável referência em inclusão do jovem no mercado.
A COORDENADORA PEDAGÓGICA uitos são os desafios que a pedagoga Alessandra Almeida, coordenadora pedagógica do CAMP Mangueira desde junho de 2000, encara no cotidiano educacional da instituição. Mas Alessandra jamais desanimou ao logo de sua trajetória no CAMP: “A deficiência no nível de conhecimento básico dos discentes, resultante de um ensino regular precário. As principais deficiências dos alunos ocorrem nos campos da leitura e da escrita. As redações são ruins, com muitos vícios de linguagem, a grafia é infantil, típica de quem ainda está aprendendo a escrever. Essas ocorrências me deixam para baixo. Também percebo que os discentes ainda não valorizam como deveriam a aprendizagem qualificada que é oferecida pelo nosso programa de estudos.” Para compensar a deficiência, em todos os programas de formação existe a disciplina Língua Portuguesa. Conta Alessandra: “Nossos docentes trabalham com o conhecimento que o aluno traz, na linha pedagógica de Paulo Freire; a língua é sempre trabalhada com assuntos da atualidade.” Para que esse processo seja bem sucedido, é preciso agir no sentido de conhecer a cultura dos jovens, como também recomendava Paulo Freire, a quem Alessandra comumente se refere: “Trabalhamos muito a redação, isso é trabalho de todos os nossos professores. O comprometimento e a parceria dos docentes, o apoio e confiança depositada pela administração em minha coordenação, proporcionando sempre a autonomia indispensável para as ações e decisões cabíveis ao meu cargo e o suporte oferecido pelas demais áreas do projeto. Nossa missão é ser uma escola de cidadania, e podemos perceber a cada dia o desenvolvimento humano e profissional que nosso trabalho causa nesses jovens. O fato de tantas empresas acreditarem e apoiarem nossas ações, quando contratam nossos alunos, é outra prova irrefutável de nossa eficiência no processo. Nos jovens, conseguimos promover o seu desenvolvimento, seu amadurecimento profissional e pessoal. Para as famílias da nossa clientela, fica a satisfação de presenciar a evolução do seu filho. E a comunidade da Mangueira também ganha, aliás, não só a comunidade, a sociedade carioca em si, pois uma das preocupações do projeto é orientar em sua formação cidadã. Nunca é demais lembrar que o jovem que mora na Mangueira não precisa sair do bairro para nada, ele encontra tudo aqui dentro: lazer, educação, esporte, saúde e profissionalização.”
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Alessandra e equipe
Odaiza e equipe Isabele e equipe
Professora Cristina com alunos
Alessandra registra uma diferença entre ambos os sexos: “As meninas procuram mais o ingresso no CAMP, em número bem maior do que o de meninos; não sei se elas estão em busca de sua independência financeira, mas é fato que elas nos procuram mais.” Em relação ao atendimento das expectativas dos jovens que ingressam no CAMP Mangueira, Alessandra realça dois aspectos positivos que ela considera primordiais: “Eles valorizam a convivência com os profissionais do CAMP e, é claro, a oportunidade de trabalhar em grandes empresas. O clima é excelente! A parceria, o comprometimento e o amor dos funcionários contribuem para um ambiente favorável de trabalho.” Alessandra assinala que as empresas ganham ao “receber um quase profissional formado pelo CAMP”. Além disso, há a possibilidade de que a empresa molde esse jovem e o transforme em um profissional com a sua cara, pronto para encarar qualquer desafio. Para a coordenadora, essa é “uma grande vantagem competitiva”: “Sem dúvida o jovem reconhece isso e se mantém fiel a esse emprego, se empenhando cada dia mais em fazer sempre melhor seu trabalho. Essas ações de responsabilidade social corporativa são muito bem vistas pela atual sociedade em que vivemos, já que ela é tão carente de ações governamentais.” O CAMP Mangueira irradia educação e trabalho para além dos muros da instituição. Alessandra ajuda a construir esse contexto com dedicação e amor: “É muito gratificante andar num shopping e, de repente, encontrar um jovem dizendo que está com saudades das broncas que eu lhe dei e em seguida me apresentar sua mulher e seus filhos. Certa vez encontrei um policial da UPP da Mangueira, que foi a primeira comunidade a ser pacificada no Rio de Janeiro, dizendo: ‘A senhora deu jeito em mim, impunha respeito de verdade dentro do CAMP; isso nos motiva muito a fazer o nosso papel, nem que seja apenas uma gota no oceano’. Essa é uma responsabilidade que assumo: chamar a atenção e dar bronca quando necessário. No CAMP, cada integrante da equipe mexe muito com a vida dos jovens; nossa filosofia é fazer com que os rapazes e moças estejam realmente preparados para a vida, não só para o mercado de trabalho. Uma vez subi o morro da Mangueira juntamente com outro professor. Um ex-aluno nosso, que deixou o CAMP para entrar no movimento do tráfico de drogas, se assustou quando nos viu, escondeu a arma que portava e nos cumprimentou. Ele perdeu a oportunidade que o projeto lhe deu, mas não perdeu o respeito pelos professores daqui. Nossos professores
ensinam também pelo exemplo, não só através das matérias dadas em sala de aula. O grupo docente é muito bom. Eles gostam do que fazem. Temos professores formados em administração, o que facilita o preparo dos jovens para a área administrativa das empresas parceiras. No CAMP contamos com professores que já trabalham aqui há 18, 20 anos. O espírito de cooperação entre eles é muito grande e, por isso, tudo que plantamos dá bons frutos. Um professor substitui o outro quando é preciso e todos mobilizam os jovens para trazer ao CAMP seus amigos e parentes. No total, contamos com 11 professores para sete turmas diárias, com 25 a 30 alunos cada uma. Embora já tenha 30 anos de existência e muitas parcerias conquistadas, nosso projeto ainda tem muito que crescer, pois nossa sociedade ainda apresenta um déficit muito grande de oportunidades para jovens sem experiência e, nesse campo, temos um grande know-how. Precisamos crescer para atender um maior número de jovens e em várias áreas, sempre pensando em qualidade.”
ALVORADA DO “SIM” TRANSFORMADOR DANIEL PLANEL
O CAMP MANGUEIRA É O “SIM” QUE TANTOS JOVENS PRECISAM OUVIR PARA TRANSF ORMAR SUAS VIDAS
UM VOLUNTÁRIO PIONEIRO raduado em Direito e pós-graduado em Administração pela UFRJ, mestre em Responsabilidade Social pela UFRJ, professor da FGV, UFRJ e Fesp-RJ, José Pinto Monteiro é um dos principais responsáveis pela implantação do projeto socioeducativo CAMP Mangueira. Recém-nomeado presidente do Conselho Municipal da Criança e do Adolescente do Rio de Janeiro, Monteiro é diretor de uma empresa que leva seu nome e que presta consultoria na área de Responsabilidade Social Corporativa. Além de ser membro do Conselho de Responsabilidade Social Corporativa da Associação Comercial do Rio de Janeiro e vice-presidente do conselho análogo da Firjan, Monteiro também é diretor financeiro da BRH, diretor da Escola de Vendas e, no passado, foi diretor da Xerox do Brasil, onde trabalhou por 30 anos e foi um dos executivos responsáveis pelo apoio dessa empresa a diversos projetos que hoje estão consolidados na comunidade da Mangueira. Relembra Monteiro: “A Xerox sempre teve uma relação histórica com a comunidade da Mangueira. Seus funcionários participavam dos desfiles da Escola de Samba e depois a empresa apoiou os projetos sociais e esportivos da Mangueira, não apenas injetando recursos financeiros com constância, mas também contribuindo para que fosse implantado um modelo de gestão profissional dos programas sociais da comunidade, que permitiram os resultados positivos que estamos colhendo hoje.“ Monteiro é um profissional com real vocação pessoal para o trabalho na área social. É um homem de fala mansa, porém obstinado. Não tem o hábito de se autoelogiar e jamais deita sobre os louros já conquistados. Adepto efetivo do processo de aperfeiçoamento contínuo de processos e projetos, ele nunca está satisfeito com os resultados alcançados, por mais positivos que sejam – e busca permanentemente ir além, buscando superar metas e ultrapassar limites. Decididamente, Monteiro não acredita em limites. É com esse espírito que ele atua como voluntário do projeto CAMP Mangueira, estimulando avanços, cobrando melhorias no desempenho da equipe e lutando incansavelmente para ampliar o número de empresas
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parceiras. Sobre o início do projeto CAMP Mangueira, ele testemunha: “Depois que foi implantada a Vila Olímpica da Mangueira, com apoio da Xerox do Brasil e apoio dos governos federal e estadual, logo eu tive a percepção de que os adolescentes da Mangueira já estavam buscando oportunidades que iam além das práticas esportivas. Eles queriam trabalhar e encontraram no CAMP Mangueira as condições para melhorar de vida. Nos primórdios do projeto, Monteiro atuava como gerente de Operações da área comercial da Xerox do Brasil: “Eu frequentava a Mangueira e buscava ajudar a comunidade e as famílias locais. Outros funcionários da Xerox também ajudavam as famílias. Nós tínhamos laços estreitos com as crianças e os adultos: eu e meus colegas até nos tornamos padrinhos de algumas crianças.” Neste ponto, Monteiro realça uma importante característica da comunidade mangueirense.
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“Trata-se de uma comunidade organizada, que é respeitada por isso. E a Escola de Samba sempre demonstrou uma real vocação para ajudar as crianças. Os diretores ajudavam as pessoas que lidavam diretamente com as crianças. No caso dos esportes, a comunidade contava com a força da Tia Alice, atleta nadadora que se tornou líder da comunidade, e também Agrinaldo de Santana, que se tornaria o primeiro diretor de esportes da Vila Olímpica da Mangueira.” Outra personalidade importante do processo foi o professor de educação física Francisco Manoel de Carvalho, mais conhecido como Chiquinho da Mangueira, hoje deputado estadual em seu terceiro mandato. Contando com apoio de outras personalidades, como Dona Zica, esposa de Cartola, Dona Neuma Gonçalves (personalidade do Carnaval da Estação Primeira), dos expresidentes da agremiação Álvaro Luiz Caetano e Elmo José dos Santos, e também da cantora maranhense Alcione, Chiquinho idealizou o Programa Social da Mangueira e conseguiu implantá-lo e ampliá-lo, trazendo vida e esperança para milhares de pessoas. Relembra José Pinto Monteiro: “Foi Carlos Alberto Dória, um policial aposentado que foi presidente da
local o CIEP Nação Mangueirense. A prefeitura, através de Marcelo Alencar, também contribuiu. A Xerox bancou a reforma do prédio onde hoje está instalado o CAMP e deu recursos financeiros para que o projeto tivesse continuidade. Para Monteiro, o sucesso de projetos desse tipo depende bastante da ação de pessoas voluntárias, que trabalham sem nada receber. Ensina ele: “Na minha visão, 20% das pessoas são voluntárias por natureza, como se fosse uma espécie de “determinação genética”. As demais 80% tornamse voluntárias porque sofreram uma grande perda, uma grande dor. Os dois tipos de pessoas voluntárias são bons, a única diferença é a porta de entrada, ou por natureza, ou pelo sofrimento.”
ACERVO DO G.R.E.S. ESTAÇÃO PRIMEIRA DE MANGUEIRA
Mangueira de 1986 a 1988, quem nos pediu a elaboração de um projeto social para a comunidade, que complementasse o trabalho feito na área esportiva. Nesse momento, a participação das lideranças comunitárias, foi fundamental para o êxito da nossa proposta. Chiquinho, Tia Alice, Agrinaldo e Tia Neuma souberam desde o começo abraçar a causa social. Todas essas pessoas foram firmemente apoiadas e abraçadas pelas famílias mangueirenses. Dentro desse espírito colaborativo é que nasceu o CAMP Mangueira. A participação da cantora Alcione foi igualmente relevante: “Alcione é mangueirense e, graças a ela, houve uma aceitação muito grande do projeto por parte do governo federal (na época, o presidente era o também maranhense José Sarney, muito amigo da cantora). Aproveitamos a oportunidade histórica e conseguimos a cessão de um terreno em comodato por cem anos, para construir o projeto. O terreno pertencia à Rede Ferroviária Federal e hoje é da empresa que sucedeu a empresa estatal, a Supervia. O processo de cessão ocorreu na gestão de João Alves, de Alagoas, que na época era o ministro do Interior.” Assim surgiu o projeto CAMP Mangueira, de uma parceria públicoprivada. O governo federal fez as obras de alvenaria. Os governadores Moreira Franco e Leonel Brizola também apoiaram o projeto. Moreira providenciou a infraestrutura das salas de aula e Brizola implantou no
Neste ponto, Monteiro explica a causa genética da facilidade com que ele adere a projetos sociais em regime de voluntariado: “Minha mãe foi um grande exemplo de servidora pública. Ela era enfermeira e trabalhava no Hospital Geral de Bonsucesso. Antes da reforma da rede se saúde pública, somente tinham direito a atendimento médico nos hospitais do governo as pessoas que eram filiadas aos antigos institutos de aposentadorias e pensões. Ela ficava com pena das pessoas idosas que buscavam atendimento e não eram filiadas a esses institutos. Muito envolvente e muito simpática, ela fazia a cabeça dos médicos e sempre conseguia um jeito de providenciar assistência médica para as pessoas necessitadas. Era muito fácil fazer amizade com minha mãe, mas ela também tinha o senso de justiça à flor da pele: também arrumava encrencas com a mesma facilidade. Para ajudar os idosos e as idosas, minha mãe quebrava as normas: falsificava prontuários e providenciava a internação dessas pessoas quando era necessário. Por causa de suas boas ações sociais, ela foi exonerada do serviço público dez vezes e foi reincorporada dez vezes. Isso aconteceu porque era muito querida, e os médicos se juntavam
Edifício da Xerox no Rio de Janeiro. Companhia sempre foi no Brasil referência de responsabilidade social, diversidade, sustentabilidade e cidadania
e davam depoimentos favoráveis que justificavam seu retorno ao trabalho. Cresci com esse exemplo.” A atmosfera familiar também contribuiu para a formação do caráter obstinado e colaborativo de Monteiro: “Minha mãe trabalhava muito e meu pai era caminhoneiro, estava sempre viajando. Eu e meus irmãos ficávamos, os três, sozinhos em casa. Era uma verdadeira festa quando minha mãe podia estar com a gente. Nesse clima, cresci com um sentimento de independência e aprendi a valorizar a ajuda aos mais necessitados. Monteiro ingressou precocemente na Xerox do Brasil: “Como gerente, eu tinha um poder que era desproporcional à minha maturidade. A empresa nos deixava trabalhar com grande liberdade, delegava muito. Eu era responsável pelos negócios da Xerox do Rio de Janeiro para baixo, até o Rio Grande do Sul. Outro colega era responsável pela outra metade do país. Ao invés de competirmos, nós ajudávamos um ao outro, com vantagens para a empresa.” A ideia de ingressar na área do investimento social privado surgiu por contraste, por causa da falta de ética profissional de um colega: “No início dos anos 80, um dos diretores da Xerox apoiou uma regata internacional da Austrália para o Rio de Janeiro, no valor de 4 milhões de dólares. Chegaram apenas três barcos, em dias diferentes, com retorno mínimo para a empresa. Também houve a distribuição de brindes caríssimos para pouca gente. Reclamei com um superior, que me respondeu que a origem do dinheiro era internacional. De qualquer forma, na minha visão aquilo era um desperdício de dinheiro e comecei a pensar em investimento social privado em causas nobres, que representassem um aporte digno do mundo empresarial. E assim começou o investimento da Xerox na Mangueira. Durante anos a empresa só usou dinheiro bom na área social, ou seja, recursos próprios. É muito recente na Xerox a aplicação de verbas em projetos com incentivos fiscais.” A origem modesta da família de Monteiro também contribuiu para que ele passasse a dar importância ao trabalho na área social: “Fui um garoto criado em comunidade de baixa renda, no Beco da Esperança, na Grota, no Complexo do Alemão. Os jovens da região só tinham duas opções naquele tempo: ou se tornavam jogadores de futebol ou iam trabalhar como operários no Curtume Carioca, na Penha. Eu era o único da vizinhança que já estava no ginasial do Colégio Clóvis Monteiro. Eu era considerado o intelectual da rua. Lembro-me que havia um programa
de perguntas e respostas na TV e eu demonstrava a meus vizinhos que sabia as respostas – e passei a ser respeitado por isso. Vi vários colegas procurando emprego, sem ter a mínima chance de conseguir o que buscavam, pois não tinham a qualificação básica necessária.” Porém, quando a família de Monteiro se mudou para a Zona Sul de Olaria, essa perspectiva mudou radicalmente, do vinho para a água: “Tive uma queda de status, porque, em comparação aos garotos da nova vizinhança, eu estava atrasado um ano nos estudos e assim passei a ser considerado o burro da rua.” A vida melhorou por causa de um familiar: “Meu tio era namorado de uma secretária da Bolsa de Valores do Rio de Janeiro e ela conseguiu para mim um emprego. Vi com tristeza vários amigos entrarem para o mundo do crime. E eu jogava futebol estudava e trabalhava. O pai de um amigo chegou a me dizer que o maior receio dele era que um dia o filho me assaltasse à mão armada, se por acaso não me reconhecesse na rua. Essas coisas me marcaram muito, sempre pensei muito nessa desigualdade social. Meus dois irmãos se tornaram caminhoneiros como meu pai.” Quando perguntam a José Monteiro por que ele tem tanta paixão pelo projeto CAMP Mangueira, ele costuma dar uma resposta como a que segue abaixo: “Certa vez tive que resolver um problema no Banco do Brasil, na agência que fica na sobreloja do Ministério da Fazenda. Pedi ajuda ao guarda para falar com o gerente que poderia me ajudar a resolver o caso. Quando o gerente apareceu, o guarda o apontou e cheguei perto dele para conversar. Era um jovem negro e bem vestido que, assim que me viu, falou: ‘Como vai, Monteiro?’. Eu não o reconheci e ele disse: ‘Já vi que você não se lembra de mim; também, é muita gente lá no CAMP Mangueira, não é?’. E disse: ‘Todo dia eu me lembro do senhor, fui seu aluno, nunca me esqueço disso’. E assim descobri que um dos jovens que capacitamos havia se tornado nada menos que um gerente do Banco do Brasil. Essa é a minha paixão pelo projeto, constatar que ele consegue esse tipo de resultado. Se aquele garoto não tivesse passado pelo CAMP, estaria num subemprego qualquer.” Sem esconder o orgulho, Monteiro chama a atenção para outros aspectos positivos do projeto socioeducativo: “Hoje em dia, já é muito difícil conseguir qualificar um jovem. Quantos garotos aos 14 anos têm uma chance como a que o CAMP Mangueira oferece?” Em seguida, Monteiro fala do primeiro discurso que fez como presidente
do Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente: “Fiz o discurso no auditório do CIEE, para dezenas de jovens. Passei o domingo caprichando no conteúdo, para falar sobre coisas que fossem relevantes para todos eles. Quando terminei, alguns jovens vieram me agradecer. E os adultos comentaram: ‘Você caprichou, e você falou coisas que eles realmente precisam ouvir’. Por isso sempre digo: quando se trata de network, nós construímos nossos bons relacionamentos profissionais no momento da doação, não é no momento em que estamos pedindo alguma coisa.” Sobre o futuro do projeto CAMP Mangueira, Monteiro é de opinião que ele pode crescer sem qualquer limitação. Afirma ele: “ Sei que a equipe do projeto está agindo como fazem os filhotes de gambá, que ficam agarrados ao corpo da mãe esperando o fogo na floresta chegar e matar toda a família. Nós precisamos enfrentar os desafios do momento presente, pois há outras entidades que estão capacitando jovens para o mercado de trabalho, em quantidade muito maior do que nós. Não podemos entrar num processo de anestesia.” Demonstrando claramente o seu temperamento pessoal, de busca do aperfeiçoamento e do crescimento incessante, Monteiro faz a seguinte advertência: “Na minha visão, o CAMP cresceu muito, estagnou e vem diminuindo. Em contrapartida, a demanda aumentou muito. Sei que os profissionais da equipe do projeto acreditam que existem limitações físicas e que o projeto deveria crescer através da criação de novas unidades em outros bairros. Mas eu, pessoalmente, acho que devemos aumentar o número de empresas parceiras. Não vejo, também, problemas de limitação de espaços físicos: é possível usar os espaços do Centro Cultural Cartola, do CIEP, da própria comunidade e assim por diante. Não podemos fugir dos desafios da atualidade nem se acomodar no sucesso que já alcançamos. Por isso contratei uma empresa, a Comunicarte – Agência de Responsabilidade Social, para dirigir o trabalho de planejamento estratégico que nos conduzirá ao crescimento no futuro.”
UM APOIADOR INESQUECÍVEL
tual presidente da Escola de Samba Estação Primeira da Mangueira, o deputado estadual Francisco Manoel de Carvalho (no terceiro mandato), atua em favor da comunidade desde a época em que trabalhava como professor de Educação Física. Formado pela Uerj, ele foi um dos idealizadores da Vila Olímpica da Mangueira e destacou-se pela promoção da cidadania através do esporte, quando assumiu a presidência da Suderj até dezembro de 2002. Foi o responsável pela transformação do Complexo Esportivo Maracanã para sediar os Jogos Panamericanos de 2007. É o idealizador de quatro projetos de significativo alcance social: o Projeto Zico (futebol), o Projeto Jaqueline (voleibol), o Feliz Viver (para pessoas a partir de 40 anos de idade) e o Viver Criança (a partir de seis anos de idade). Como Secretário Municipal de Esportes e Lazer do Rio de Janeiro, inaugurou a Vila Olímpica no Mato Alto, em Jacarepaguá, e atuou na modernização e aparelhamento das outras sete unidades esportivas. Quando fala do CAMP Mangueira, Chiquinho se emociona. “O CAMP, além de ser uma escola de cidadania, é uma escola de formação profissional aonde, ao longo de quatro meses, nós preparamos os menores para o mercado de trabalho. E com uma vantagem: esses menores são encaminhados com uma referência, que é o próprio CAMP Mangueira. Isso tem dado um resultado fantástico: você manda o adolescente para o mercado de trabalho, mas manda o jovem preparado. Ele não vai para as empresas para servir cafezinho, vai para usufruir de todo o lado profissional que ele aprendeu no CAMP. Ele se educou ao longo dos quatro meses
REPRODUÇÃO
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de formação que oferecemos. Eu julgo do projeto do CAMP, não só o da Mangueira, mas de todos os CAMP’s, como consistentes. Me refiro em especial ao nosso CAMP porque ele se tornou, de fato, uma referência dentro das coisas que aconteceram ao longo dos 15 anos do Programa social da Mangueira.” Na condição de presidente da Escola de Samba Estação Primeira de Mangueira, Chiquinho fala do programa social da agremiação com indisfarçáveis orgulho e otimismo: “O Programa Social da Mangueira tem uma importância tão grande, mas tão grande, que não dá para medir o tamanho dessa importância. O que temos aqui é um exemplo de programa social para o país, pois é um dos mais bem-sucedidos de todos os tempos. Nosso programa, inclusive, foi apontado pelo ex-presidente norte-americano Bill Clinton, quando ele nos visitou, como o programa social mais importante do Brasil. É um exemplo de cidadania ativa e consciente.” Sobre o CAMP Mangueira, especificamente, Chiquinho também não economiza elogios: “O CAMP faz parte desse conjunto de projetos sociais, é um dos seus elementos constituintes. Tornou-se uma referência de empregabilidade para os jovens, que educa para a cidadania em primeiro lugar. O CAMP Mangueira foi o primeiro projeto a ser implantado em benefício da comunidade, na esteira da proposta de transformar a Mangueira numa grande escola, que desenvolve um enredo 365 dias por ano, tendo como resultado principal a conquista da cidadania.” A esta altura, Chiquinho observa o pioneirismo da Mangueira na área social: “A Mangueira é pioneiríssima no campo da responsabilidade social. Antigamente, as escolas de samba só tinham preocupação com o Carnaval. Mas hoje em dia, muitas delas dão exemplo de cidadania ao desenvolver projetos que melhoram as condições de vida de suas comunidades. Assim, o Carnaval, que é o maior espetáculo do mundo, é feito pela LIESA (Liga das Escolas de Samba) e por essas diversas agremiações do samba que já desenvolveram uma consciência social. O esporte teve lugar de destaque nesse processo: “O Programa Social da Mangueira começou pelo esporte, preparando os jovens da comunidade para a prática dos esportes olímpicos. Mas, paralelamente a isso, surgiu o CAMP Mangueira, para prepará-los também para o mercado de trabalho. No princípio, nem espaço tínhamos, mas con-
seguimos começar o trabalho educativo com a conquista de quatro salas de aula na Escola Ernesto de Faria. E, se não fosse a Xerox do Brasil, não teríamos o CAMP como ele existe hoje. Graças a um empresário de visão, o Dr. Gregori [Henrique Sergio Gregori, ex-presidente da Xerox do Brasil], que deu o exemplo de que toda empresa deveria agir de forma consistente no campo da Responsabilidade Social. Atualmente o CAMP é um exemplo de vida, de oportunidade de realização de sonhos, onde se concretiza o futuro dos jovens. O CAMP é o primeiro passo para que os jovens possam ter uma vida digna e um futuro com prosperidade.”
UM ADMINISTRADOR DEDICADO
ntonio Carlos Ferreira Lopes é o administrador financeiro do CAMP Mangueira. Formado em Administração pela Uerj, parcialmente formado em Ciências Contábeis, ele atuou na Xerox do Brasil como gerente de Análises Contábeis durante 20 anos. Em 1994, foi convidado por José Pinto Monteiro para fazer parte da diretoria do CAMP Mangueira na condição de voluntário. Assim ele assumiu sua primeira função dentro da instituição, a de Diretor de Comunicação Social. Segundo Ferreira, como é carinhosamente chamado pela equipe do CAMP, nos anos de 1999 a 2001 o projeto socioeducativo passou por um processo intensivo de crescimento, e a proposta de formação de rapazes e moças para o mercado de trabalho ganhou realmente vulto. Essa situação positiva conflitava com a gestão do projeto, pois o administrador do CAMP naquele período ficou muito sobrecarregado e não conseguiu se impor. Surgiu assim a demanda por um administrador profissional, até mesmo porque no período referido os diretores só compareciam ao CAMP à noite, para reuniões noturnas, praticamente desconhecendo os problemas administrativos que surgiam no período diurno. Um primeiro processo seletivo trouxe para o CAMP José Carlos Mafra, ex-gerente da Xerox, da área de manufatura. Com ele, a gestão do projeto melhorou de nível, mas a demanda por um profissional da área administrativa permanecia não atendida. A Xerox fez então um aporte financeiro para o CAMP, objetivando a remuneração do novo administrador com salário compatível com o mercado. Ferreira, que na época trabalhava numa empresa na Barra da Tijuca, apresentou-se como candidato, convicto de que possuía o perfil adequado para o cargo. Ele teve que concorrer com mais de dez candidatos, num processo seletivo conduzido pela firma Liage Consultoria. Após os procedimentos padronizados, de análise de currículo e de desempenho em entrevista, Ferreira foi indicado para o cargo. A diretoria da Xerox aprovou o seu nome e assim começou uma nova etapa profissional na vida de Ferreira. “É uma atividade da qual gosto muito, me encanta. O desafio maior é a gestão de pessoas, que é sem dúvida o aspecto mais desgastante do meu cargo”.
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O administrador do CAMP tem algumas aptidões que o tornam indicado para o cargo que ocupa: a facilidade para lidar com números, a atenção aos detalhes, a paciência no trato com os problemas, o gosto pelo enfrentamento de desafios no campo administrativo-financeiro. Entre as muitas funções de Ferreira, destacam-se as seguintes: administrador geral do projeto (finanças, recursos humanos, políticas internas e externas, gestão operacional e controle da produtividade); representa
o CAMP junto às empresas parceiras e aos jovens, fazendo uma ponte entre os dois universos; administração dos sistemas de registros de dados; agente fiduciário do projeto, em conjunto com a diretoria, nas relações com a iniciativa privada e com órgãos governamentais; responsável pela integridade do projeto socioeducativo e pelo cumprimento das diretrizes estabelecidas para cada modalidade; mantenedor da satisfação dos parceiros e da motivação dos funcionários e voluntários. Ferreira também é responsável pela análise de relatórios, identificação de oportunidades de otimização dos recursos financeiros, ações corretivas, controle e cumprimento do orçamento da instituição. Também são suas atribuições: propor melhorias de processos, monitoria de todas as tarefas que envolvam operações financeiras, monitoria do cumprimento das legislações fiscais, contratar fornecedores com imparcialidade, negociação, administração e controle de contratos e administração de pessoal, buscando sempre a satisfação dos empregados e a qualidade dos serviços prestados. Como acontece com todas as pessoas que integram o quadro de recursos humanos do CAMP Mangueira, Ferreira sente-se feliz em participar do projeto: “O trabalho que faço aqui me realiza. Não consigo ficar parado, pois sou o tipo de pessoa que precisa de atividade. Fico contente quando chega o fim do dia e percebo que produzi muito. Vivenciei o CAMP desde 1994, como voluntário, e jamais tive uma relação fria com o projeto, gosto de fato de trabalhar aqui. Tanto que recusei diversos bons convites no passado, para trabalhar em boas empresas. Aqui consegui conjugar a vontade de trabalhar com a obtenção de retornos concretos.” Ferreira se compraz em relatar que o CAMP Mangueira é uma instituição devidamente credenciada pelo Ministério do Trabalho e Emprego e que as empresas começaram a solicitar cada vez mais jovens, criando assim a necessidade de manter um bom banco de dados sobre os rapazes e moças que se tornaram preparados para ingressa no mercado de trabalho. O administrador também se orgulha de “ver a expansão e o fortalecimento da instituição, tornando-se uma entidade social sólida, com uma equipe de pessoas que trabalham com amor”. Outros aspectos importantíssimos realçados por Ferreira: “hoje podemos honrar todos os nossos compromissos financeiros e todos os salários são sempre pagos em dia”. A força do projeto CAMP Mangueira, na visão de Ferreira, reside em
aspectos qualitativos: “O CAMP faz um trabalho social mais profundo, que já tem condições de subsistência e de sustentabilidade. Já tivemos, por exemplo, uma turma de portadores de deficiência, diretamente encomendada pela empresa Souza Cruz. O CAMP foi especialmente contratado para preparar esse grupo especial, demonstrando que as grandes empresas confiam efetivamente em nosso trabalho.” Por fim, ao ser inquirido sobre o futuro que imagina para o projeto, Ferreira alinhou as seguintes sugestões: “Creio que, em primeiro lugar, será preciso fazer um planejamento estratégico para os próximos anos. A nossa unidade da Mangueira já atingiu seus limites físicos, apesar de termos construído novas três salas de aula alguns anos atrás. Somente poderemos ampliar o número de jovens atendidos se criarmos novas unidades em outros bairros, onde haja oferta e demanda. Uma possível expansão seria instalar uma unidade na Barra da Tijuca ou em Jacarepaguá, pois é nesses bairros que ficam as empresas que têm absorvido o percentual maior dos rapazes e moças que encaminhamos para o mercado de trabalho.”
QUANDO UM IMORTAL DA ABL SE CURVA À SABEDORIA DA TIA ALICE “Uma vez levei o escritor Arnaldo Niskier a uma formatura do CAMP Mangueira. Ele ficou impressionado com a liderança da Tia Alice junto às crianças e jovens. No dia seguinte, ele escreveu um artigo e citou a frase 'O homem só se realiza pela educação'. Perguntei de onde ele tirou observação tão linda. Ele respondeu que o mérito não era dele e que a frase tinha sido dita por Tia Alice durante a formatura dos meninos e meninas do CAMP. A Tia Alice é legítima, genuína. É um ícone que a gente segue. A Tia Alice não tinha só carisma. Ela carregava com ela uma aura benfeitora. Se não houvesse essa inspiração dela, talvez não obtivéssemos o êxito que hoje conquistamos após 30 anos.” José Pinto Monteiro