RioJá

Page 1

ARRAIAL DO CABO

CENÁRIO DE FILMES E NOVELAS, CIDADE CONQUISTA O CORAÇÃO DOS TURISTAS DARCY RIBEIRO

VEM AÍ A FLIP 2018

FABIANO HORTA

UM IMORTAL VISIONÁRIO, GRANDE BRASILEIRO E INESQUECÍVEL

HOMENAGENS PARA HILDA HILST E FERNANDA MONTENEGRO MARCAM NOVA EDIÇÃO DA FEIRA

O VETERINÁRIO QUE VIROU TOCADOR DE OBRAS E DO DESENVOLVIMENTO


RIO SEMPRE MELHOR!

Anuncie


revistarioja@revistarioja.com.br


4 JUNHO / 2018

sumário

24 8 14 18

ARRAIAL DO CABO Capital do mergulho, cidade da Região dos Lagos atrai milhares de turistas em todas as estações do ano e é considerada paradisíaca.

ENTREVISTA Fabiano Horta, prefeito de Maricá, faz balanço da sua gestão, anuncia novos projetos e fala até do seu Botafogo.

DARCY RIBEIRO O antropólogo e escritor continua sendo referência em projetos de Educação e de modelo de país.

26

MUMBUCA ÍNDIO Alcance da moeda social criada em Maricá é ampliado e passa a beneficiar os indígenas que habitam a cidade.

FLIP 2018 Paraty se prepara para mais uma edição da tradicional Feira Literária, quando recebe escritores de diversos países.


5 JUNHO / 2018

34 28 AGILDO RIBEIRO

Os palcos ficaram mais tristes com o adeus ao humorista, falecido em abril. Um grande personagem brasileiro.

37 38

30 32

CONCEIÇÃO EVARISTO

40

Lançada para disputar uma vaga na Academia Brasileira de Letras, escritora tem trajetória premiada.

JOSÉ TRAJANO Um dos maiores nomes da imprensa brasileira, o autor de Procurando Mônica e Tijucamérica lança Os beneditinos

Editora Mais que Palavras Diretor: Washington Quaquá

Revista Rio já Editor: André Iki Siqueira Supervisão editorial e revisão: Adriana Amback Redator: Celso Raeder

42

BIP BIP O botequim do famoso Alfredinho abre a série da Rio já sobre os melhores bares do estado e é o preferido de músicos e de intelectuais.

DICAS DO DEO Os vinhos de Mendoza, na Argentina, são famosos em todo o mundo. Deodonio explica as razões para o sucesso da bebida e da paixão dos consumidores.

CERVEJAS ARTESANAIS Aumento do volume de vendas faz com que novas fábricas sejam instaladas para produção diferenciada da bebida mais vendida no Brasil.

DÉ ARANHA Rio já vai relembrar a história de vários craques do futebol do passado. Dé, o Aranha, atacante de Bangu, Vasco e Botafogo, entre outros clubes, é o primeiro homenageado.

MAURO OSÓRIO Estado do Rio de Janeiro: Trajetória e desafios.

Projeto gráfico: Rodrigo Freire/Laerte Gomes Edição de arte: Laerte Gomes Tratamento de imagens: Eduardo Jardim

Endereço: Avenida Mem de Sá, 135 – sobreloja – CEP: 20230-150 - Lapa – Rio de Janeiro – RJ Email: revistarioja@revistarioja.com.br Impressão: Ediouro


RioJá_01_pag_08-09_Arraial_Layout 1 19/07/2018 12:27 Página 1

8 JUNHO / 2018

ARRAIAL DO CABO É CAPITAL DO MERGULHO E UM DOS DESTINOS MAIS PROCURADOS POR TURISTAS DO BRASIL E DO MUNDO, ARRAIAL É PROGRAMA PARA TODAS AS ESTAÇÕES DO ANO

ão importa quantas vezes você já foi a Arraial do Cabo, pois sempre que voltar vai descobrir uma coisa nova para fazer. Existe algo de mágico nessa pequena cidade de quase 30 mil habitantes, número que sobe significativamente na alta temporada, quando turistas do Brasil inteiro vão em busca das águas cristalinas e areias finas e brancas de suas praias. Muita

N


RioJá_01_pag_08-09_Arraial_Layout 1 19/07/2018 12:27 Página 2

9 JUNHO / 2018

É UM CASO DE AMOR gente não sabe, mas o primeiro “gringo” a se encantar por esta faixa de terra, que avança para o mar, foi o navegador italiano Américo Vespúcio, que deu logo um jeito de se descolar da frota comandada por Gaspar de Lemos, em 1503, só para ancorar sua caravela na praia dos Anjos. Gostou tanto do local, que acabou construindo um forte entre as praias do Forno e a Prainha, cujas ruínas estão lá até hoje para visitação. Emancipada de Cabo Frio em 1985,

pelo então governador do Rio, Leonel Brizola, Arraial do Cabo consolidou sua identidade e vocação para o turismo, principalmente depois do fechamento da Companhia Nacional de Álcalis, em 2006. A fábrica, que produzia barrilha, matériaprima para fabricação de vidros, respondia sozinha por 51,9% do PIB do município e chegou a gerar mais de três mil empregos diretos antes de sua privatização, decretada no curto período do governo Collor. >>>


10 JUNHO / 2018

Se fosse construída em qualquer outro lugar, o encerramento das atividades da estatal criada por Getúlio Vargas certamente causaria danos econômicos e sociais irreversíveis na comunidade. Mas, em se tratando de Arraial do Cabo, que tem na natureza o seu principal ativo, ficar livre de uma indústria poluente só trouxe benefícios para a cidade. Hoje, praticamente tudo gira em torno do turismo. Hotéis sofisticados, pousadas simpáticas, hostels para fazer novos amigos, restaurantes sofisticados e populares, comércio diversificado e até mesmo a atividade pesqueira profissional agradam aos visitantes que chegam em número cada vez maior, todos os anos. Um dos programas obrigatórios de quem vai a Arraial do Cabo é ajudar a puxar a rede repleta de peixes que fazem a alegria da garotada. Para o suplente de vereador Willian Luz, no entanto, “Arraial do Cabo precisa avançar na busca de uma consciência cultural diferenciada, somando com a beleza natural da cidade, que já é diferenciada. Precisamos de políticas públicas que preparem a cidade para fora e não somente para dentro, com uma visão mais acolhedora para o turista e, principalmente, para quem vive aqui. O nativo de arraial precisa ser o maior beneficiado, pois enfrenta a pressão da especulação imobiliária, os custos maiores na prestação de serviços e comércio, característicos em uma cidade que atrai pessoas do mundo inteiro”. Como em qualquer cidade turística, é no período de férias escolares que as demandas por serviços públicos aumentam. Ao contrário da vizinha Cabo Frio, Arraial do Cabo possui uma geografia muito peculiar que impede sua expansão. “Apesar de o turismo movimentar muito nossa economia, ainda é tratado de forma muito amadora. É necessário preparar mais nossa cidade de modo que receba melhor nossos turistas. Treinar aqueles que atuam no comércio, capacitar o pessoal que trabalha com passeio de barco de modo que possa dominar uma língua estrangeira, são alguns exemplos. Necessário também conseguir organizar melhor a marina de onde saem os barcos de passeio. Tornando o espaço mais estruturado é fundamental. Importante também, em parceria com as pousadas e a associação de turismo, implementar um calendário anual de eventos que efetivamente funcione, principalmente na baixa

temporada. É importante ter eventos noturnos, não podemos ficar restritos às nossas belezas naturais. Não é razoável uma cidade turística fazer com que nossos visitantes e moradores sofram tanto com o caos no trânsito que se instala no verão. Fazer um estacionamento público e assegurar transporte público (principalmente para o Pontal do Atalaia) são iniciativas cruciais para melhorar o setor”, avalia Reginaldo Mendes, ex-vice-prefeito de Arraial do Cabo.

GASTRONOMIA Os frutos do mar são o carro-chefe da gastronomia de Arraial do Cabo. Privilegiada por um fenômeno natural conhecido como “ressurgência”, que leva as águas frias das profundezas do mar para a superfície, Arraial é uma das regiões mais ricas em pescado no Brasil. Centenas de pequenas embarcações partem todos os dias atrás de dourados, bonitos, xaréus, entre outras espécies comuns na região, garantindo um produto sempre fresco na mesa do cabista, como são chamados os moradores da cidade. Arraial do Cabo é para ser curtido do alto do


11 JUNHO / 2018

PESCARIA ACIMA DO NÍVEL DO MAR Em Arraial do Cabo é possível pescar de caiaque, nos costões, de mergulhando e, pasmem... até de cima do morro. É desse jeito que Joaquim Rodrigues, o Quinzinho, garante o sustento da sua e de mais dezoito famílias. Ele ocupa a função de vigia de cardumes e sua principal tarefa é alertar os companheiros sobre o local exato onde lançar as redes. Como um operador de pista de aeroporto, Quinzinho acena com um pequeno pano branco que usa como bandeira, informando até mesmo a quantidade e o tipo de peixe que será capturado. “Somos pescadores artesanais e sem o meu trabalho a equipe não funciona”, disse. Quinzinho aprendeu o ofício com o pai, o mestre Joaquim Fernandes, hoje com 94 anos e um dos moradores mais idosos de Arraial do Cabo. FARTURA – Por conta do fenômeno da ressurgência, Arraial do Cabo é um dos locais preferidos para a pesca em suas mais variadas modalidades. Anchova, xaréu, bonito, cavala, olho de cão, tainha, são as espécies mais comuns na região, além da lula, que já ganhou até um festival desta iguaria no calendário de eventos da cidade.

Pontal do Atalaia, onde o pôr do sol é um espetáculo inesquecível, ou nas ruas estreitas repletas de arte e cultura. Mas os aventureiros preferem mesmo é o fundo do mar desse Caribe brasileiro, onde as operadoras de mergulho oferecem passeios inesquecíveis ao lado de tartarugas marinhas e corais. Abaixo, um roteiro completo para quem quiser aproveitar tudo o que a cidade oferece.

SÍTIOS ARQUEOLÓGICOS Além das ruínas da fortificação construída por Américo Vespúcio, outro importante vestígio que marca a preocupação dos portugueses com a invasão de corsários na costa de Arraial do Cabo foi revelado no ano passado, com a descoberta de um muro que, segundo o pesquisador da UFRJ, Paulo Hergreaves, pode ter sido um posto de vigia avançado, instalado num local conhecido como Fortaleza do Marisco. Segundo o professor, a área era dominada por piratas franceses e ingleses que vinham em busca do pau brasil. Além da herança deixada pelos portugueses,

Arraial do Cabo também guarda a memória de civilizações que viveram na região há milhares de anos, encontrada em sambaquis, que se caracterizam pelo acúmulo de conchas, ostras e demais artefatos utilizados por povos primitivos. O turista com vocação para Indiana Jones não pode deixar de conhecer os sítios arqueológicos da Boca do Boqueirão, da Ponta da Cabeça, do Morro do Vidigal, da Restinga da Massambaba, da Gruta da Pedra, do Morro da Vigia e o sambaqui da Ilha do Farol. Mas é sempre bom consultar a prefeitura para saber da disponibilidade e restrições para visitação desses locais.

DIVERSIDADE Frutos do mar são o centro das atenções da culinária de Arraial do Cabo. Mas os pequenos que adoram bife com batata frita também não terão dificuldades para encontrar seu prato favorito. Restaurantes sofisticados, churrascarias, self service a quilo, quiosques na beira da praia e barraquinhas de cachorro-quente com todos os >>>


12 JUNHO / 2018

molhos do mundo atendem ao paladar e ao orçamento de todos. Outra possibilidade gastronômica muito curtida pelos turistas são os passeios de escuna que oferecem opções de almoço. Aliás, há quem diga que esse circuito por ilhas e praias pela costa de Arraial, que custa em média 150 reais, é melhor que uma viagem com show do Roberto Carlos.

TURISMO ECOLÓGICO Para conhecer Arraial do Cabo além do circuito tradicional praia-centro-Atalaia, o turista vai precisar de duas coisas: tempo e disposição física. Mas o resultado do esforço vai valer a pena. São dezenas de trilhas que levam a lugares pouco explorados, como a Restinga de Massambaba, uma faixa de areia entre a lagoa e o mar, coberta por vegetação onde se destacam orquídeas e bromélias. É preciso fôlego também para concluir as duas horas de caminhada por dentro da Mata Atlântica, a partir da enseada do Marmutá. Outros passeios que valem a pena é seguir na direção da Ilha do Farol, com picos de até 390 metros de altitude, até chegar às ruínas do farol velho, construído em 1833, de onde se avista toda a Região dos Lagos.

MERGULHO O único problema para quem faz um batismo de mergulho nas águas cristalinas de Arraial do Cabo, é a vontade de sair do mar correndo e ir direto a uma loja de materiais náuticos para comprar cilindro, máscara, pé de pato, tudo o que for necessário para se tornar um mergulhador profissional. E quem quiser aproveitar para obter um certificado, a hora é essa. Com a crise econômica, os preços do curso básico estão na faixa entre 700 a 900 reais. Várias operadoras oferecem cursos básicos e avançados de mergulho em Arraial do Cabo, com opções de profundidade que variam entre 2 metros (batismo) até os 40 metros registrados no Saco dos Ingleses, um desafio para mergulhadores já graduados. Os melhores pontos para a aventura são: Ilha do Cabo Frio Saco do Cherne (10 metros) Pedra Vermelha (6 a 12 metros) Saco do Anequim (6 a 12 metros) Saco do Cardeiro (6 a 12 metros)

Naufrágio do Harlingen (na Furna das Mulheres, 15 a 25 metros) Naufrágio do Thetis (Saco dos Ingleses, 7 a 18 metros, podendo chegar a 40 metros) Ilha dos Franceses (7 a 25 metros) Ponta Leste (12 a 35 metros)

Mas os locais favoritos para quem curte a vida marinha são o Saco do Cardeiro, o Saco do Cherne e a Ilha dos Porcos. Nesses pontos, a vida marinha é abundante e variada, podendo ser avistados cavalos-marinhos, barracudas e hidrocorais variados. A profundidade na região varia entre 7 a 35 metros. Os mergulhos em grutas também são muito procurados para os aventureiros subaquáticos. Para eles, as melhores opções são as grutas da Camarinha, Azul e do Coelho.


13 JUNHO / 2018

ARRAIAL NA ÓTICA DE SARACENI Paulo Cesar Saraceni era um rapaz com pouco mais de vinte anos quando enxergou o que havia por trás da propaganda ufanista de Getúlio Vargas, anunciando a criação da Companhia de Álcalis, um projeto industrial voltado para a produção de barrilha. Com uma câmera na mão e a sensibilidade que privilegia os gênios, Saraceni compreendeu que ali não estava o desenvolvimento e o progresso, mas sim o fim de uma cultura local, totalmente adaptada às concessões da natureza. O resultado está registrado em seu primeiro trabalho cinematográfico, Arraial do Cabo, de 1959, curtametragem que lhe rendeu nada menos que sete dos principais prêmios da categoria. A estética do filme é de choque e oposição o tempo inteiro. A cantiga de roda se contrapõe ao barulho ensurdecedor dos ônibus que chegam ao vilarejo. Pescadores de peito nu contrastam com operários de macacão, a pesca artesanal sucumbindo a uma atividade industrial, a subsistência pela mão do homem trocada pelo salário no final do mês. Nenhum detalhe escapou às suas lentes. Como documento histórico, Arraial do Cabo é um patrimônio não apenas para a população do município que empresta o nome à obra, mas um legado deixado para o povo brasileiro. Não é difícil encontrar, em qualquer ponto do país, referência de parte – ou mesmo o todo – do processo de modernização à custa do extermínio da cultura e dos valores dos que chegaram na frente.

Nove entre dez mergulhadores, no entanto, gostam mesmo é de explorar naufrágios. O navio Dona Paula, que foi a pique em 1827, na proximidade da Ilha dos Franceses, conserva ainda hoje os seus canhões. Em 1830, a fragata inglesa Thetis, usada para coletar impostos, viajava da Bacia do Prata para a Inglaterra, quando uma tempestade na costa de Arraial do Cabo a levou para o fundo. Carregava um tesouro de mais de 810 mil libras em ouro e prata, que foram quase todos recuperados numa expedição de resgate comandada pelo capitão inglês Thomas Dickinson. Mais de um século e meio depois, muitos mergulhadores aproveitam a visita aos destroços na esperança de encontrarem alguma moeda. Arraial do Cabo possui várias operadoras registradas para oferecer mergulhos com segurança aos seus clientes.


14 JUNHO / 2018

ENTREVISTA / FABIANO HORTA, prefeito de Maricá

QUALIDADE DE VIDA, DESENVOLVIMENTO E MUITAS OBRAS

Minha prioridade, desde o primeiro dia de mandato, vem sendo a de aproximar o governo do cidadão da cidade, de fazer com que ele se sinta também parte desse esforço de modernização, desse esforço para dotar Maricá das ferramentas necessárias para que possa crescer de forma sustentável.

Aprovado pela grande maioria da população de Maricá, o prefeito Fabiano Horta manteve o ritmo de obras dos dois mandatos de Washington Quaquá e acelera para consolidar o município como modelo de investimento social e desenvolvimento sustentável. Fabiano Taques Horta tem 42 anos e nasceu em Niterói, cidade onde se formou em veterinária pela Universidade Federal Fluminense. Empresário e vitorioso na trajetória política, Fabiano foi eleito vereador de Maricá em 2008 e 2012, presidiu a Câmara Municipal e, nas eleições de 2014, elegeu-se deputado federal, sempre sob a legenda do Partido dos Trabalhadores (PT). Antes de ser eleito prefeito, Fabiano Horta ainda exerceu a Secretaria de Desenvolvimento e Economia Solidária, a convite de Eduardo Paes.

Rio já - Prefeito, o Brasil e o estado do Rio de Janeiro estão mergulhados em crises sem precedentes na nossa história, atingindo os serviços essenciais e a economia. Como o senhor avalia esse quadro e quais são as saídas para retomar o desenvolvimento? Fabiano Horta - O Brasil precisa avançar no sentido de reformas que privilegiem a geração de emprego e renda, a inclusão social. Não podemos mais ser o país com o mais alto spread bancário do mundo, que gera lucros fantásticos para o mercado financeiro, mas nenhum benefício ao trabalhador. A economia precisa ser alavancada no sentido do cooperativismo, da solidariedade, da educação e, principalmente,

da facilitação ao empreendedorismo como estamos fazendo com o nosso Parque Tecnológico. No caso do estado do Rio, a crise geral é mais aguda por ter raízes em questões estruturais que, bem ou mal, já estão sendo superadas. Rio já - O senhor assumiu a prefeitura de Maricá depois da gestão do ex-prefeito Washington Quaquá, aprovada por mais de 83% da população da cidade e dos municípios do entorno. Qual o balanço que o senhor faz do seu trabalho até aqui e quais são as suas prioridades? Fabiano Horta - Minha prioridade, desde o primeiro dia de mandato, vem sendo a de aproximar o governo do cidadão da cidade, de fazer


15 JUNHO / 2018

com que ele se sinta também parte desse esforço de modernização, desse esforço para dotar Maricá das ferramentas necessárias para que possa crescer de forma sustentável. Fizemos e continuamos fazendo um grande esforço nesse sentido, e as quatro realizações do projeto Governo Itinerante, com milhares de pessoas atendidas, nos mostra que esse é o caminho. Hoje, a população tem orgulho da cidade em que vive, frequenta o calçadão da avenida João Saldanha, joga vôlei no calçadão de Araçatiba, se desloca em ruas asfaltadas, por todas os distritos, em vias sinalizadas e iluminadas. São pessoas que aprenderam a admirar belezas que, muitas vezes, estavam diante

do seu portão. Há uma sensação de pertencimento e, mais ainda, de que tudo isso vem de um esforço que não é só nosso, representa uma continuidade, porque o resultado de hoje vem da semente que foi plantada no governo anterior. Rio já - Maricá recebe um grande número de turistas, principalmente no verão. São visitantes de várias cidades do estado que têm casa de veraneio no município ou trazem as famílias para aproveitar as praias e outras atrações. Qual é o perfil desses turistas e qual a relação de Maricá com eles? O que fazer para mantê-los e aumentar o fluxo?

>>>


16 JUNHO / 2018

O HOSPITAL DR. ERNESTO CHE GUEVARA VAI LEVAR BENEFÍCIOS PARA MARICÁ E MUNICÍPIOS VIZINHOS E SERÁ UMA REFERÊNCIA REGIONAL. UM GRANDE AVANÇO PARA TODA A REGIÃO Fabiano Horta - O perfil do turista que frequenta Maricá é bem específico. Muita gente de São Gonçalo e dos municípios vizinhos, muita gente que tem o costume de visitar a cidade, mais até do que visitantes de outros estados e países. Nossa política para o turismo é a de atrair cada vez mais esse segmento, assim podemos crescer sem entrar em uma disputa desnecessária com outras cidades.

O porto será um importante indutor de desenvolvimento, gerando empregos qualificados e uma movimentação econômica que deixará Maricá mais independente das questões do petróleo.

Rio já - Como está a obra do Hospital Che Guevara e quais os benefícios que ele vai gerar para a população de Maricá? Fabiano Horta - A obra física está concluída. Estamos agora na fase, que é bastante demorada, de obter todas as certificações necessárias para a operação plena. Como são muitas especialidades, essa parte de validação acaba demorando mais. Um hospital não é uma obra comum, é um projeto complexo e o Che Guevara vai trazer benefícios não só para a cidade, mas para os municípios vizinhos, já que será, seguramente, uma referência regional. Rio já - A prefeitura estabeleceu uma parceria com a Universidade Federal Fluminense (UFF). O que está em desenvolvimento e quais são as expectativas de resultados para Maricá? Fabiano Horta - A parceria com a UFF está avançando bem. Fizemos reuniões de trabalho e já começamos a definir em que áreas a universidade poderá atuar e nos ajudar. Há vários projetos que podem ganhar impulso com essa participação acadêmica. Queremos a UFF como centro do nosso Parque Tecnológico. Rio já - O projeto do porto está saindo do papel? Que benefícios a cidade pode esperar e quais os cuidados ambientais e urbanos em função do empreendimento? Fabiano Horta - O projeto do porto ainda depende de uma autorização judicial para ser implementado. Da nossa parte, continuamos firmes no propósito de atuar dentro de todas as formas cabíveis à prefeitura no sentido de apoiar a iniciativa. Acreditamos que o porto será um importante indutor de desenvolvimento, gerando empregos qualificados e uma movimentação econômica que deixará Maricá mais independente das questões do petróleo. Tanto é assim que assinamos, através da Se-

cretaria de Indústria e Portuária, com a participação da empresa responsável pelo porto, um Protocolo de Qualificação Local e de Formação Profissional. Nossos jovens terão no porto um horizonte importante em suas vidas. Quanto aos cuidados ambientais, o projeto tem mais de 4 mil páginas de compromissos em seu relatório de impacto ambiental e o município exercerá todas as prerrogativas que lhe cabe para manter e proteger tanto o meio ambiente quanto administrar favoravelmente o impacto social e econômico do projeto. Rio já - Um dos grandes investimentos que a cidade recebeu nos últimos anos foi o programa de asfaltamento das ruas. Quantos quilômetros de ruas já foram pavimentados e quais os números para os próximos anos? Fabiano Horta - Em 2009, a cidade tinha só 60 quilômetros. Hoje, são mais de 500 quilômetros, dos quais pelo menos 50 quilômetros aplicados apenas este ano. Nossa intenção é a de manter esse ritmo inalterado nos próximos anos. É importante frisar que o investimento em urbanização não se resume só ao asfalto, nossos mutirões de Obras e Conservação estão agindo em várias outras frentes que impactam direta e positivamente a vida do cidadão da cidade. Rio já - A prefeitura está desenvolvendo uma série de obras por toda a cidade, como está o


17 JUNHO / 2018

em educação e conscientização, estamos tornando esse comportamento mais humano, mais solidário e isso se reflete em todas as outras instâncias. Estamos sinalizando mais, estamos disciplinando mais, enfim, educando pedestres e motoristas. No fim, todos saem ganhando.

cronograma de finalização e entrega? Fabiano Horta - O nosso cronograma segue inalterado, com o pé no chão e o olhar para o futuro. O ritmo é muito intenso, com dezenas de frentes de obras simultâneas, todas administradas pela secretaria de obras. Há muita coisa sendo finalizada, como é o caso das novas escolas, dos postos de saúde e até do campus do Instituto Federal Fluminense. Também é importante lembrar no nosso aeroporto, que finalmente tem um terminal de passageiros à altura de sua importância estratégica para a indústria do offshore. Graças a esse investimento, Maricá será a principal ponte logística para a indústria petrolífera do pré-sal. Rio já - Fale sobre o sistema de relacionamento da prefeitura com os moradores e quais são os resultados. O que melhorou, na prática? Fabiano Horta - Tudo melhorou. Ampliamos os canais de acesso dos moradores à prefeitura, tornamos a nossa comunicação mais dinâmica e intensa, em todas as plataformas possíveis, sem desprezar em nenhum momento o contato direto, o olho no olho, aquela conversa no portão da casa do cidadão enquanto fiscalizo a obra que está melhorando a vida dele. Também trouxe impactos positivos nessa relação e nossa preocupação com ações que melhorassem a questão da segurança no trânsito na cidade. O trânsito reflete um pouco as nossas relações em sociedade, e ao atuar

Rio já - Além das obras e projetos em andamento, o senhor e sua equipe estão estudando e planejando novas iniciativas. O que vem pela frente? O que o senhor pode nos adiantar? Quais são as boas notícias para a população de Maricá e para os turistas? Fabiano Horta - A nossa grande preocupação nesse momento é a de dotar Maricá da infraestrutura necessária para garantir o conforto a todos os moradores. Isso passa por lutar por um fornecimento de energia maior e, principalmente, pela solução para a demanda histórica por água na cidade. Vamos usar os recursos de royalties do petróleo para alavancar o projeto de captação de água a partir de Tanguá. Ao mesmo tempo, vamos municipalizar a coleta e o tratamento de esgotos, construindo estações de tratamento na cidade e despoluindo o complexo lagunar. Pensamos nessa e nas próximas gerações, tanto que criamos o Fundo Soberano de Maricá, no qual já alocamos 30 milhões de reais em recursos. Daqui a dez anos, quando eventualmente os royalties diminuírem, o rendimento do fundo continuará ajudando a cidade a crescer. Acreditamos que teremos em torno de 1,1 bilhão de reais em caixa no FSM. Rio já - O senhor é um torcedor apaixonado pelo Botafogo e por futebol, sempre nos estádios. Qual sua aposta para o desempenho do Glorioso no Brasileirão e qual seu palpite para o desempenho da nossa seleção na Copa do Mundo da Rússia? Fabiano Horta - O Botafogo está em um ritmo de ascensão. Fez algumas boas contratações e montou um time homogêneo e com potencial de melhorar mais. Tem um bom técnico também. Tenho certeza que estaremos entre os times da Libertadores do ano que vem ao término do campeonato. Quanto à seleção, o Tite montou um time forte e competitivo. Estamos bem longe da tragédia de 2014.

A parceria com a UFF está avançando bem. Fizemos reuniões de trabalho e já começamos a definir em que áreas a universidade poderá atuar e nos ajudar. Há vários projetos que podem ganhar impulso com essa participação acadêmica.

Vamos usar os recursos de royalties do petróleo para alavancar o projeto de captação de água a partir de Tanguá.


18 JUNHO / 2018

DARCY RIBEIRO

UM IMORTAL REBELDE QUE PREVIU O CAOS

D

arcy Ribeiro tem sido lembrado cada dia mais, até por antigos adversários políticos. O antropólogo e escritor consagrado vem sendo reverenciado com frequência quando os assuntos são o investimento na Educação para o crescimento social e o papel do Estado. Seus diagnósticos sobre o país e o desenvolvimento econômico, escritos há anos, estão atuais, como se fossem análises contemporâneas. Darcy Ribeiro foi um visionário e deixou um legado permanente. Para homenagear o grande pensador, Rio já abre a série de perfis sobre personalidades brasileiras e relembra a carreira e a importância de Darcy Ribeiro, um intelectual inesquecível.

DARCY RIBEIRO E A UTOPIA DO POSSÍVEL O clima, embora amistoso, estava visivelmente tenso naquela noite de 29 de agosto de 1995, quando o antropólogo, imortal da Academia Brasileira de Letras e político socialista Darcy Ribeiro ficou frente a frente com o psicanalista e escritor liberal Rubem Alves, ambos convidados para um debate sobre utopia, na PUC de São Paulo. Ali, duas visões de mundo antagônicas mediam forças para o encantamento da plateia, totalmente hipnotizada pela esgrima ideológica entre o pragmatismo individualista de Rubem e o idealismo coletivo de Darcy. É difícil apontar um vencedor da contenda, sem se deixar contaminar pelas próprias crenças. Mas, tomando por base o


19 JUNHO / 2018

O Brasil, último país a acabar com a escravidão tem uma perversidade intrínseca na sua herança, que torna a nossa classe dominante enferma de desigualdade, de descaso.

clima político atual, que rachou o Brasil entre conservadores e progressistas, a história decretou um empate. Ou seria melhor, um impasse? Seja como for, Darcy Ribeiro provou que estava certo ao defender suas utopias por um Brasil sem fome e com pleno emprego. O sonho ainda não foi plenamente alcançado, mas sete anos após sua morte, durante o governo de Luís Inácio Lula da Silva, a miséria e a fome haviam sido drasticamente reduzidas. Mas o tempo passou, a fome voltou e o desemprego se tornou um drama na vida de 15 milhões de brasileiros, dissolvendo utopias que levaram 500 anos para serem construídas em pouco mais de uma década. Como isso aconteceu, é o próprio Darcy quem dá as explicações: “É preciso lutar contra a colonização à qual o Brasil está submetido. Se não estivermos ativos,

claros, lúcidos e utópicos, nos colonizarão. A canalhada quer manter a ordem social que é vantajosa para ela, que é lucrativa para ela, e tem de ser vencida politicamente”. Pensamento mais contemporâneo, impossível. Darcy Ribeiro sempre foi um homem adiante no seu tempo. Mineiro de Montes Claros, formouse em antropologia pela Escola de Sociologia e Política de São Paulo, em 1946, e dedicou boa parte de sua vida ao estudo dos indígenas do Pantanal, do Brasil Central e da Amazônia. Defensor incondicional da educação como porta de saída da pobreza, foi ministro da Educação no governo João Goulart, e carrega em sua biografia a criação da Universidade de Brasília e a Universidade do Norte Fluminense. Mas sua obra mais consagrada >>> foi a implantação dos Cieps.


20 JUNHO / 2018

Só há duas opções nesta vida: se resignar ou se indignar. E eu não vou me resignar nunca.

Mais vale errar se arrebentando do que poupar-se para nada.

Em 1986, Darcy disputou as eleições para o governo do Rio, pelo PDT, concorrendo com Fernando Gabeira (PT), Agnaldo Timóteo (PDS) e Moreira Franco (PMDB). O peemedebista venceu o pleito, apoiado por uma ampla aliança composta por doze partidos, do qual fizeram parte, por mais estranho que possa parecer, os comunistas PCB e PCdoB. A derrota não abalou tanto o pedetista quanto o desmonte do programa educacional estabelecido por ele para os Cieps. Moreira Franco acabou com a escola em tempo integral, estabeleceu dois turnos e, alegando custos elevados do projeto, o fez minguar até desaparecer. O autor de o povo brasileiro perseguiu suas utopias até o último dia de vida. Uma delas era a juventude assumindo seu papel de liderança política na sociedade, o que não ocorreu, segundo ele, porque a ditadura militar aniquilou gerações inteiras. Ele mesmo foi vítima do golpe de 1964, quando coordenava as reformas estruturais do governo João Goulart. Exilado, não perdeu tempo com lamentações e se transformou em cidadão da América Latina. Foi assessor do presidente Salvador Allende, no Chile, e de Velasco Alvarado, no Peru, além de escrever os cinco volumes do seu Estudos de antropologia da civilização, que alcançou noventa edições em diversas traduções. Não existe melhor definição sobre quem foi Darcy Ribeiro senão o que ele próprio cunhou a seu respeito: Quem sou eu? Às vezes me comparo com as cobras, não por serpentário ou venenoso, mas tãosó porque eu e elas mudamos de pele de vez em quando. Usei muitas peles nessa minha vida já longa, e é delas que vou falar. A primeira de minhas peles que vale a pena ser recordada, é a do filho da professora primária, Mestra Fininha, de uma cidadezinha do centro do Brasil. Outra saudosa pele minha foi a de etnólogo indigenista. Vestido nela, vivi dez anos nas aldeias indígenas do Pantanal e da Amazônia. Não os salvei e esta é a dor que mais me dói. Apenas consolam algumas poucas conquistas, como a criação do Parque Indígena do Xingu e do

Museu do Índio, no Rio de Janeiro. Pele que encarnei e encarno ainda, com orgulho, é a de educador, função que exerço há quatro décadas. Essa, de fato, foi minha ocupação principal desde que deixei a etnologia de campo. Eu investia contra o analfabetismo ou pela reforma da universidade com mais ímpeto de paixão que sabedoria pedagógica. Não me dei mal. Acabei ministro de educação de meu país e fundador e primeiro reitor da Universidade de Brasília. Outra pele que ostentei e ostento ainda é a de político. Sempre fui, em toda a minha vida adulta, um cidadão ciente de mim mesmo como um ser dotado de direitos e investido de deveres. Sobretudo o dever de intervir nesse mundo para melhorá-lo. Com a pele de político militante fui duas vezes ministro de Estado, mas me ocupei fundamental-


21 JUNHO / 2018

Fracassei em tudo o que tentei na vida. Tentei alfabetizar as crianças brasileiras, não consegui. Tentei salvar os índios, não consegui. Tentei fazer uma universidade séria e fracassei. Tentei fazer o Brasil desenvolver-se autonomamente e fracassei. Mas os fracassos são minhas vitórias. Eu detestaria estar no lugar de quem me venceu.

mente foi na luta por reformas sociais, que ampliassem as bases da sociedade e da economia, a fim de criar uma prosperidade generalizável a toda a população. Fracassando nessa luta pelas reformas, me vi exilado por muitos anos e vivi em diversos países. Minha pele de proscrito foi mais leve do que poderia supor. Meu ofício naqueles anos foi de professor de antropologia e, principalmente, reformador de universidades. Disto vivi. No exílio, devolvido a mim, me fiz romancista, cumprindo uma vocação precoce que me vem da juventude. Só no meu exílio, nos seus longos vagares, tive ocasião e desejo de novamente romancear. De volta do exílio, retomei minhas peles todas. Hoje estou no Brasil lutando pelas minhas velhas

causas: salvação dos índios, educação popular, a universidade necessária, o desenvolvimento nacional, a democracia, a liberdade. No plano político, fui eleito vice-governador do Rio de Janeiro e depois senador da República. Essas são as peles que tenho para exibir. Em todas e em cada uma delas me exerci sempre igual a mim, mas também variando sempre. Texto de Darcy Ribeiro publicado em 1995 no livro de sua autoria O Brasil como problema. No final do debate entre Rubem Alves e Darcy Ribeiro, o psicanalista teceu loas à direita, comparando a ideologia liberal a “uma fazenda com muitas coisas bonitas que nascem lá dentro, produzindo umas coisas fantásticas como a música e a arte”. “É", retrucou Darcy, “mas tem muita menina prostituída, fome e raiva”, encerrou o antropólogo, debaixo de calorosos aplausos da plateia. >>>


22 JUNHO / 2018

O GOLPE MILITAR QUEBROU A CRIATIVIDADE CULTURAL BRASILEIRA

Ultimamente a coisa se tornou mais complexa porque as instituições tradicionais estão perdendo todo o seu poder de controle e de doutrina. A escola não ensina, a igreja não catequiza, os partidos não politizam. O que opera é um monstruoso sistema de comunicação de massa, impondo padrões de consumo inatingíveis e desejos inalcançáveis, aprofundando mais a marginalidade dessas populações.

Se estivesse vivo, Darcy Ribeiro estaria mais do que nunca creditando ao golpe militar de 1964 a responsabilidade pela crise política que estamos enfrentando 54 anos depois. Para o antropólogo, escritor e político, a ditadura sepultou todas as utopias de uma geração, com reflexo nas gerações seguintes. Suas palavras, sobre o túmulo do cineasta Glauber Rocha, dão bem a dimensão de sua indignação: “Glauber passou uma madrugada comigo, chorando convulsivamente. O Glauber chorava as crianças com fome, chorava um país que não deu certo, ele chorava a brutalidade e a estupidez, a mediocridade e a tortura”, disse com os olhos marejados. Revisitar o golpe de 1964 pelos olhos de Darcy Ribeiro é um farol de lucidez para iluminar esses tempos sómbrios de intolerância por parte de alguns setores da sociedade. “João Goulart foi o presidente que mais trouxe intelectuais para dentro do governo. Foi o que mais seriamente tentou passar o Brasil a limpo. Diziam que Jango era comunista, mas como pode ser comunista se era dono de várias fazendas e milhares de cabeças de gado? O que ele propunha era a cessão de 10% de cada propriedade para assentamentos rurais, o que geraria 10 milhões de propriedades de 30 hectares. Eu defendia a resistência armada, mas hoje vejo que o Jango fez a coisa certa. Teríamos um Vietnã no Brasil, com a morte de dois milhões de brasileiros enfrentando os Estados Unidos que já estava prontos para intervir em nosso território. A esquerda fez uma opção pela paz”, disse.


23 JUNHO / 2018

O AMIGO DOS ÍNDIOS O processo de formação do povo brasileiro, que se fez do choque entre índios, negros e brancos, é um estado de guerra latente, que por vezes e com frequência, se torna cruento, sangrento.(Darcy Ribeiro).

O aumento no número de invasões a terras indígenas, a partir de 2015, sobretudo na reserva dos índios Karipunas, em Rondônia, prova o quanto é contemporâneo o pensamento de Darcy Ribeiro. Representantes da aldeia estão perambulando pelos gabinetes de Brasília, denunciando a violência cometida por madeireiros, grileiros e garimpeiros. Ibama, Funai, Ministério Público e até mesmo o Ministério da Justiça já foram notificados sobre os crimes que estão ocorrendo na região, mas até agora nenhuma medida foi tomada. “O presidente da Funai, general Franklimberg Ribeiro de Freitas, disse que não tem recursos para enfrentar o problema. Enquanto isso, as serrarias estão processando madeiras e emitindo notas fiscais falsificadas extraídas do nosso território”, denunciou André Karipuna, que representa sua comunidade. A cobiça por terras indígenas recrudesceu,

segundo Darcy Ribeiro, a partir da política de emancipação do índio, promovida pelo generalpresidente Ernesto Geisel. “A falsa emancipação geiseliana seria uma nova onda de perseguição. Embora já não contando com as armas maiores da guerra, da escravidão e da contaminação propositada, contava com todo o poder opressivo de um Estado moderno, deliberado a destruí-los”, Disse Darcy após o retorno do exílio. O autor, entre outros, dos livros O Brasil como problema e Maíra, define a situação do índio como "desesperadora de quem não quer identificar-se com a sociedade nacional, de quem se nega a dissolver-se nela, mas que precisa, igualmente, do seu amparo compensatório. E é um amparo que só o Estado pode dar e deve dar, mesmo porque o problema indígena somos nós, que invadimos suas terras e destruímos suas vidas. Fomos nós que criamos o problema indígena. Somos nós os agressores. Nós, em consequência, é que lhes devemos esse amparo oficial e legal – o único que pode garantir condições de sobrevivência”. Amigo dos índios e apaixonado pelo tema, Darcy Ribeiro, hoje, possivelmente estaria pintado com as cores da guerra em defesa dos Karipunas

Presente, passado e futuro? Tolice. Não existem. A vida é uma ponte interminável. Vai-se construindo e destruindo. O que vai ficando para trás com o passado é a morte. O que está vivo vai adiante.


24 JUNHO / 2018

MUMBUCA A MOEDA SOCIAL DE MARICÁ CHEGA AOS ÍNDIOS O PREMIADO PROGRAMA DE DISTRIBUIÇÃO DE RENDA E ERRADICAÇÃO DA MISÉRIA É AMPLIADO E VAI GARANTIR RENDA BÁSICA AOS INDÍGENAS

D

as grandes navegações marítimas do século XV até as operações globais realizadas na velocidade da internet, o desenvolvimento econômico das nações sempre esteve associado à expansão e conquista de novos mercados. Exportamos carnes, soja, aço, petróleo, entre outros produtos que equilibram nossa balança comercial, em negócios que movimentam bilhões de dólares todos os anos. O problema é que essa montanha de

dinheiro fica concentrada nas mãos de um clube seleto de bilionários, grupo do qual não faz parte a proprietária do sacolão Jalumar, Lúcia Mara da Silva, que nunca recebeu dólares, euros ou bitcoins pelas batatas, cebolas e tomates que vende. O sucesso do seu negócio vem das Mumbucas, uma moeda social criada pela prefeitura de Maricá que fez girar a roda da prosperidade no município. O programa recebeu prêmio e é exemplo de iniciativa para distribuição de renda e erradicação da miséria. Ao contrário do bolsa-família, onde o beneficiário recebe o dinheiro para gastar onde quiser, a moeda criada em Maricá é um recurso utilizado através do Cartão Mumbuca e que só pode ser empregado no comércio local, movimentando toda a cadeia produtiva. No caso de Lúcia Mara, por exemplo, o aumento no faturamento do sacolão, decorrente das Mumbucas, incentivou a empresária a investir no seu negócio, que ganhou status de supermercado. “Além de frutas e legumes, hoje temos um açougue e artigos de consumo para abastecer a dispensa da fa-


25 JUNHO / 2018

PAUL SINGER, UM GRANDE DEFENSOR DA ECONOMIA SOLIDÁRIA

mília”, comemora a comerciante. O benefício, concedido pela prefeitura desde 2013, conta com a assessoria da Rede Brasileira de Bancos Comunitários, instituto que congrega 103 instituições financeiras. Maricá, no entanto, foi a cidade pioneira na concessão de créditos através de cartões magnéticos e se prepara para dar um novo salto tecnológico através do e-dinheiro, onde as operações serão realizadas através de um aplicativo instalado nos celulares das famílias cadastradas. Os recursos que dão sustentação ao banco são provenientes do orçamento da prefeitura e dos royalties do petróleo. Com a implantação do sistema de débito por aplicativo, as operações de repasse do dinheiro para o comerciante, que hoje é de trinta dias, passará a ser creditado automaticamente. Por se tratar de uma moeda social, toda e qualquer vantagem deve ser compartilhada entre aqueles que integram o sistema. “Queremos que o comerciante conceda descontos aos seus clientes, preservando a filosofia do projeto, que é a promoção da distribuição de renda, onde todos ganham”, afirmou o secretário de Economia Solidária, Diego Zeidan. A solução encontrada pela prefeitura de Maricá é uma boa alternativa para aquecer a economia do estado e de vários municípios, que podem reconstruir sua base econômica, a partir da inserção de famílias que estão abaixo da linha da pobreza. Foi isso que Maricá fez com o instituto da moeda Mumbuca, beneficiando 15 mil famílias, que recebem 130 Mumbucas mensais. O resultado, além do investimento social, é a circulação de mais de 2 milhões de reais todos os meses. Para uma população de 120 mil habitantes, isso faz uma enorme diferença. É uma reação em cadeia. O beneficiário

gasta suas Mumbucas no comércio local. Este, por sua vez, estimula a agricultura, o fabricante de vassouras, o pescador e assim por diante. É um dinheiro eletrônico que circula de mão em mão, subvertendo a lógica da acumulação de capital, onde o dinheiro só tem valor para quem o retém. Não existe risco ou volatilidade no uso da moeda social, já que ela não existe para dar lucro. O investimento é no ser humano.

MUMBUCA ÍNDIO COMEÇA EM MAIO A boa notícia do mês é que a prefeitura de Maricá vai estender o benefício da moeda social Mumbuca para aproximadamente cem índios remanescentes da região, distribuídos entre as aldeias de São José e a Aldeia Sítio do Céu (Pevaé Porã, Tekoa Ará Hovy Py), em Itaipuaçu. É a Mumbuca Índio. “Mais do que contemplar essas comunidades pela situação econômica em que vivem, estamos fazendo uma recomposição da dívida social que o Estado brasileiro contraiu com os povos nativos”, disse Diego Zeidan, secretário de Economia Solidária de Maricá. Criador da moeda Mumbuca, o ex-prefeito Washington Quaquá lembrou que os índios brasileiros sofrem há quinhentos anos com o que o homem branco fez na terra deles. “Maricá compensa isso com a Mumbuca Índio, que é a maior compensação que um município já deu para sua população indígena. Nós estamos dando um exemplo para o mundo, sendo a primeira cidade a garantir uma renda básica para os verdadeiros donos dessa terra aqui. Em Maricá, todo dia é dia de índio”, declarou Quaquá. A prefeitura de Maricá informou que começará a pagar as Mumbucas para os indígenas no final de maio.

Uma sociedade economicamente organizada precisa fortalecer seu mercado interno, através da distribuição de renda. Mais do que uma utopia, o economista Paul Singer, que faleceu em abril, aos 86 anos, comprovou sua teoria quando visitou Maricá e viu como a Mumbuca estava transformando a vida das pessoas. “Numa cidade capitalista, todo mundo é levado a competir. Na economia solidária, o conceito é exatamente o oposto. Ela se movimenta entre pessoas que se apreciam, que gostam uns dos outros e, portanto, vivem bem entre si”, afirmou. Paul Singer imortalizou seu pensamento progressista em diversas obras acadêmicas e em livros que inspiraram gerações de economistas, como o “Dinâmica Populacional e Desenvolvimento” – 1970) e “Economia Política da Urbanização” – 1973). Um dos seus maiores legados na vida pública foi a implantação do conceito de economia solidária, que alcançou Maricá e outras 102 cidades do Brasil.


26 JUNHO/ 2018

CONTAGEM REGRESSIVA PARA A FESTA LITERÁRIA DE PARATY EXPECTATIVA É QUE A CIDADE TENHA OCUPAÇÃO HOTELEIRA DE 100%

E

vento de sucesso progressivo, a Feira Literária Internacional de Paraty 2018 (Flip) - de 25 a 29 de julho - promete ser uma das melhores edições dos últimos tempos. Não só pela genialidade dos autores e palestrantes que circularão pela cidade histórica, pois essa é uma qualidade inerente a todos aqueles que já participaram da programação em outros anos, mas por representar um farol de esperança para o resgate do diálogo, num país rachado pela intolerância. A homenageada deste ano é a poetisa Hilda Hilst, que ao longo de meio século de carreira colecionou prêmios e reconhecimento da crítica e do público. A atriz Fernanda Montenegro, um dos maio-

res nomes da dramaturgia do país, e a maestrina, compositora e pianista Jocy de Oliveira, pioneira da música de vanguarda eletroacústica e da ópera multimídia, abrirão o festival no dia 25. Em Paraty, Fernanda vai lançar uma fotobiografia alentada, que sai pelas Edições Sesc. Está prevista ainda, em data a ser confirmada, a publicação, pela Companhia das Letras, de Meus papéis livro de memórias de autoria da atriz com a jornalista e dramaturga Marta Góes. Jocy, por sua vez, lança um volume com textos sobre sua obra, obra, editado pelo Sesi-SP, Leituras de Jocy, escrito por autores e especialistas que acompanharam sua trajetória. Entre as presenças confirmadas estão a da escritora Isabela Figueiredo, um dos nomes mais vigorosos da literatura lusófona atual. Nascida em Lourenço Marques (atual Maputo), Moçambique, mudou-se para Portugal em 1975. Estudou línguas e literaturas lusófonas, sociologia das religiões e questões de gênero. Trabalhou como jornalista e hoje é professora de português. Em julho, sai seu livro de estreia, Caderno de memórias coloniais (Todavia), publicado originalmente em 2009, no qual a autora acerta as contas com o passado colonial de Portugal e com seu pai, um eletricista português radicado em Moçambique.


27 JUNHO / 2018

Na obra, espécie de Carta ao pai de Kafka, a figura paterna encarna, através do olhar da autora, o colonizador que discrimina e oprime as negras e negros do país dominado, onde somente os brancos são vistos como cidadãos. Leila Slimani é outra presença garantida na Flip 2018. Vencedora do prêmio Goncourt, o mais prestigioso de língua francesa, com Canção de ninar, que sai agora no Brasil pelo selo Tusquets, da Planeta, vendeu mais de 600 mil exemplares somente na França. A obra teve os direitos negociados em pelo menos 36 países e já há previsão de chegar às telas. Na Flip, Slimani vai falar de histórias de família, cultura árabe, erotismo, suspense e horror. André Aciman, autor de origem egípcia radicado nos EUA, também confirmou presença na Flip. Me chame pelo seu nome (Call me by your name), seu romance de formação sobre desejo e memória, se tornou cult e foi levado às telas pelo diretor italiano Luca Guadagnino – o filme ganhou o Oscar de Melhor Roteiro Adaptado (James Ivory) e foi indicado às categorias de Melhor Filme, Melhor Ator (Timothée Chalamet) e Melhor Canção Original (“Mystery of Love”). “Aciman vai tratar de exílio, da escrita da memória e do desejo, de paisagens e identidades múltiplas e multiculturais, temas interditos e Proust”, diz Joselia Aguiar, curadora da Flip 2018. A Flip é um exemplo comprovado de investimento cultural que gera retorno gigantesco para a cidade, movimenta a economia local e incentiva a formação de novos talentos literários. A Rio já recomenda e apoia.


AGILDO RIBEIRO

O CAPITÃO DO RISO E A SUA ESCOLA DE HUMOR ENGAJADO ATOR E HUMORISTA ERA AMADO PELA CLASSE ARTÍSTICA E VAI FAZER FALTA

S

e alguém duvida que seja possível contar a história de uma nação pelo olhar dos seus humoristas, não conheceu Agildo Ribeiro. O trabalho do ator provou que o humor talvez seja a melhor fonte de pesquisa para os estudiosos que quiserem entender o que está aconteceu no Brasil nos últimos sessenta anos. Mesmo em tempos de tudo politicamente correto, a fome, miséria, corrupção, desemprego, crise política, são ingredientes e estímulo para a crítica social, camuflada no humor sarcástico das velhas novas gerações de comediantes. A censura implacável e burra da ditadura militar pós golpe de 1964, não conseguiu calar os humoristas, ao contrário, funcionou como gasolina em fogueira. Agildo Ribeiro, podemos imaginar, levou os censores à loucura, com seu talento para debochar do regime e driblar o cerco diário contra os artistas que denunciavam o arbítrio e a falta de liberdade. Monstro sagrado do humorismo brasileiro, Agildo Ribeiro faleceu no dia 28 de abril, por pro-

blemas cardíacos, deixando uma lacuna que jamais será preenchida porque é insubstituível, uma verdadeira escola, como disseram seus amigos. Debochado e irreverente, Agildo dividiu a cena inúmeras vezes com o amigo Jô Soares. Os dois gênios criaram e participaram de programas memoráveis, de grande audiência, como O Planeta dos Homens, da Rede Globo. No dia 30 de abril de 1981, ainda durante a ditadura no Brasil, um atentado a bomba no pavilhão de exposições do Riocentro quase causou uma tragédia, que poderia ter matado milhares de pessoas que assistiam ao show em comemoração ao primeiro de maio, Dia do Trabalho. Poucos dias depois do evento, os dois comediantes travaram o seguinte diálogo: Jô – Que coisa mais boba essa guerra entre o Irã e o Iraque. Vem um iraniano e joga uma bomba pra cá; vem um iraquiano e joga uma bomba pra lá. Qual é a vantagem? Agildo – É que lá, pelo menos, eles sabem quem está jogando a bomba. Agildo da Gama Barata Ribeiro Filho nasceu


29 JUNHO / 2018

no Rio em 26 de abril de 1932, filho de Agildo Barata, militar, ex-vereador cassado e líder comunista que participou ativamente das revoluções de 1930 e 1932 e da Intentona de 1935. “Agildinho”, como era carinhosamente chamado, foi educado em colégio militar e chegou a trabalhar como telefonista, antes de se transformar no “Capitão do riso” e levar o público às gargalhadas. O primeiro marco nos palcos aconteceu em 1957, quando interpretou João Grilo, da clássica peça Auto da Compadecida, de Ariano Suassuna. Dali em diante, Agildo Ribeiro colecionou sucesso, prêmios e o reconhecimento da classe artística. Atuando ou escrevendo, Agildo brilhou na TV desde a inauguração da Globo, quando colaborou na adaptação do humorístico Balança, mas não cai, dirigido por Lúcio Mauro. O ídolo dos adultos também ganhou o coração das crianças quando atuou na companhia do ratinho Topo Gigio, em programa marcante para a garotada, no início da década de 1970. Mulherengo e casamenteiro – teve ao menos cinco esposas -, Agildo Ribeiro viveu o antológico

personagem Aquiles Arquelau, um professor de mitologia apaixonado pela atriz Bruna Lombardi e que chamava o mordomo de “múmia paralítica”. Nos últimos anos, o país perdeu grandes nomes do humor. Chico Anysio, Paulo Silvino, Jorge Dória, Francisco Milani, José Vasconcelos e Agildo Ribeiro, entre outros, fazem parte de uma lista de atores inesquecíveis, que divertiram as famílias brasileiras e provocavam reflexões sobre temas políticos e de comportamento. Personagens criados há mais de cinquenta anos continuam contemporâneos, como os famosos e hilários “Primo Pobre e Primo Rico”, protagonizados por Brandão Filho e Paulo Gracindo, em Balança, mas não cai. Há quem diga que os dois seriam os antepassados dos atuais mortadelas e coxinhas. Boa parte desse acervo está disponível no Youtube, de graça, para quem quiser rever, conhecer e entender como a história se repete e com humor traduzia o que estava nas ruas, as contradições na sociedade. Negociações ilícitas envolvendo empresários e políticos, lavagem de dinheiro, fisiologismo partidário e o descaso com os mais pobres, foram temas de personagens encarnados por Agildo Ribeiro. Na pele do fundador do Partido Saudosista Brasileiro, Diomedes Bastos, surgiu um dos seus maiores bordões: “Tadinho do povo!”. Num esquete com a participação da atriz Cristiane Torloni, o líder do PSB enumera a cascata de impostos que o povo é obrigado a pagar para manter a estrutura paquidérmica do Estado. “É taxa de luz, taxa de incêndio, taxa de água, taxa do adeus, qualquer dia vão cobrar a taxa da taxa...”, ironizava. Diomedes Bastos encerra a entrevista defendendo a “democracia como antigamente”. Curiosa, a entrevistadora pergunta como era essa democracia e ouve de bate-pronto: “As pessoas vão à televisão dizer que adoram a democracia. Mas antigamente o dirigente tinha de provar que é democrata, garantindo as eleições na data certa e a posse dos eleitos”. Agildo Ribeiro partiu, mas deixou o seu recado. Aliás, muitos recados. Ao longo de sua carreira, o humorista interpretou muitos personagens, mas ele é, sem dúvida, o melhor de todos. “Minha missão na Terra é divertir as pessoas, é alegrar, desde a hora que acordo até a hora que vou dormir”, dizia. Missão cumprida, Agildo Ribeiro.


30 JUNHO/ 2018

S JORNALISTA FLÁVIA OLIVEIRA LANÇA CONCEIÇÃO EVARISTO PARA UMA VAGA NA ABL

ó alcança a imortalidade aqueles que vieram ao mundo com o desígnio de transformá-lo. Não importa o tempo biológico na Terra, mas o que foi feito desse tempo através de suas ideias, lutas, resistência e inconformismo, influenciando gerações num processo contínuo de aprimoramento da sociedade. Conceição Evaristo nasceu pobre e se criou numa favela em Belo Horizonte. Trabalhava exaustivamente como empregada doméstica, mas nunca desistiu de estudar. Concluiu o normal com 25 anos, mudou-se para o Rio de Janeiro, onde passou num concurso público para o magistério e se tornou mestre em literatura pela PUCRJ e doutora em Literatura Comparada pela Universidade Federal Fluminense. Tanto sacrifício para buscar o conhecimento não foi motivado pela satisfação de uma conquista pessoal, o que já a tornaria especial. Mas Conceição Evaristo usou suas habilidades com as letras para fazer algo ainda maior: lutar contra o abismo que separa brancos e negros no Brasil. Só por isso, ela já é imortal. Escritora consagrada, Conceição Evaristo só conseguiu publicar seu primeiro livro, Ponciá Vicêncio, aos 44 anos de idade, assim mesmo bancando os custos da obra com recursos próprios. “Os escritores negros enfrentam muitas dificuldades para publicar suas obras, não conseguimos divulgar nem chamar a atenção da mídia. Negam-nos o direito à visibilidade”, conta Conceição, lamentando que jovens autores tenham de enfrentar as mesmas dificuldades do início de sua carreira. Recentemente, a escritora foi escolhida pelo jornal O Globo para receber o prêmio “Faz a Diferença”, faturou também o prêmio de literatura do governo de Minas Gerais, no ano passado, e hoje não lhe faltam portas abertas para publicar suas obras magistrais.

CONCEIÇÃO EVARISTO POR ELA MESMA Se a pobreza na infância não lhe dava acesso a livros, a palavra falada fluía da voz de sua mãe, que lhe contava com orgulho a história de luta

do seu povo. Em toda sua obra, é fácil identificar a influência desses tempos, na composição de suas poesias. Vozes-mulheres A voz de minha bisavó ecoou criança nos porões do navio. Ecoou lamentos de uma infância perdida.

“TÁ FALTANDO PRETO NA CASA DE MACHADO DE ASSIS”

A voz de minha avó ecoou obediência aos brancos-donos de tudo. A voz de minha mãe ecoou baixinho revolta no fundo das cozinhas alheias debaixo das trouxas roupagens sujas dos brancos pelo caminho empoeirado

rumo à favela. A minha voz ainda ecoa versos perplexos com rimas de sangue e fome. A voz de minha filha recolhe todas as nossas vozes recolhe em si as vozes mudas caladas engasgadas nas


31 JUNHO / 2018

Romancista, poetisa, com participação em várias antologias e obras publicadas no exterior, Conceição Evaristo se credencia, com muitos méritos, a ocupar uma cadeira na Academia Brasileira de Letras. Essa candidatura começou a ganhar corpo quando a jornalista Flávia Oliveira, em nota publicada na “Coluna do Ancelmo”, de O Globo, sentenciou: “Tá faltando preto na casa de Machado de Assis”. Flávia lembrou ainda que, em pleno 2018, a intelectualidade brasileira representada na Academia Brasileira de Letras é composta por homens brancos e, residualmente, por mulheres brancas. “Passou da hora dessa importante instituição do pensamento nacional ter mais representatividade em seus quadros, reproduzindo minimamente a composição da sociedade, que é diversa do ponto de vista de gênero, cor, raça e etnia”, afirma. Além de Conceição Evaristo, Flávia Oliveira cita outros grandes expoentes da cultura brasileira, como Martinho da Vila, Nei Lopes, Muniz Sodré e Ana Maria Gonçalves, todos com méritos para honrar a vaga deixada pelo cineasta Nelson Pereira dos Santos na ABL. “A Conceição merece essa cadeira pela trajetória brilhante que fez como escritora, tornou-se uma referência para as mulheres brasileiras, em particular as mulheres negras, cuja bibliografia se baseia em suas vivências e experiências. Laureada com inúmeros prêmios, foi homenageada na Feira Literária de Paraty no ano passado e é uma das personalidades negras brasileiras mais requisitadas em palestras no exterior”, disse a jornalista. Longe de ser considerada defesa de cota racial para membros da academia, o debate sobre a eleição de uma representante negra para a ABL representa a derrubada de mais um muro na consolidação das políticas afirmativas que reduzam a dívida histórica que o Brasil tem com suas minorias.

gargantas. A voz de minha filha recolhe em si a fala e o ato. O ontem – o hoje – o agora. Na voz de minha filha se fará ouvir a ressonância o eco da vida-liberdade. A noite não adormece nos

olhos das mulheres A noite não adormece nos olhos das mulheres a lua fêmea, semelhante nossa, em vigília atenta vigia a nossa memória. A noite não adormece nos olhos das mulheres, há mais olhos que sono onde lágrimas suspensas virgulam o lapso

de nossas molhadas lembranças. A noite não adormece nos olhos das mulheres vaginas abertas retêm e expulsam a vida donde Ainás, Nzingas, Ngambeles e outras meninas luas afastam delas e de nós os nossos cálices de lágrimas.

A noite não adormecerá jamais nos olhos das fêmeas pois do nosso sanguemulher de nosso líquido lembradiço em cada gota que jorra um fio invisível e tônico pacientemente cose a rede de nossa milenar resistência.


32 JUNHO / 2018

JOSÉ T AMERICANO DOENTE, CARIOCA LEGÍTIMO, TRAJANO RETORNA ÀS LIVRARIAS COM OS BENEDITINOS, E VOLTA “INVOCADO”

E Os beneditinos de José Trajano. Editora Alfaguara (Grupo Companhia das Letras), 151 páginas. Preço: R$ 34,90.

le é um craque do jornalismo. Sorte a nossa. José Trajano lançou recentemente Os beneditinos, seu novo livro, e os leitores encontram mais um motivo para elogiar um mestre. A obra completa a trilogia iniciada com Procurando Mônica (2014) - sobre uma paixão juvenil em Rio das Flores - e Tijucamérica (2015) - que recebeu elogios do compositor Chico Buarque e do escritor Luis Fernando Verissimo, entre outros, e remete ao passado de Trajano morador do bairro da Tijuca e às lembranças do América, clube do coração do escritor. Polêmico e crítico permanente da cartolagem que domina o futebol e os esportes olímpicos no Brasil, José Trajano é um carioca típico, embora quase paulista, depois de tantos anos morando em São Paulo. As pessoas que convivem e trabalham com ele são unânimes em afirmar que “o Zé” tem personalidade forte, “muito forte”, mas é também bem-humorado e emotivo - “um chorão”, ele assume. Na abertura do livro é possível compreender o descontentamento e a perplexidade de Trajano diante da crise política no país. “Ando invocado!”, escreveu, e nas páginas seguintes começa a resgatar grandes momentos do passado. “Sonho com os velhos tempos fervilhantes do Rio de Janeiro”, revela o jornalista considerado por muitos como um gigante da imprensa brasileira. E é verdade. Em Os beneditinos, José Trajano cria uma história que mistura ficção com fatos que ele viveu no tempo de estudante do Colégio São Bento - do famoso mosteiro com vista deslumbrante para a baía de Guanabara - e de rivalidade com o Colégio Santo Inácio, de Botafogo. O romance viaja para o final dos anos 1950 e início dos anos 1960

E AS HISTÓRIAS DE UM TEMPO MARAVILHOSO DO RIO DE JANEIRO


33 JUNHO / 2018

RAJANO

- “um período maravilhoso”, destaca o jornalista - e apresenta personagens que participaram de uma época mais feliz do Rio de Janeiro, apesar da televisão ainda em preto e branco. A carreira de José Trajano começou no Jornal do Brasil, em 1963, e desde então passou por todos os grandes veículos do país. Amante do futebol, Trajano foi comentarista do programa esportivo Cartão Verde e diretor da ESPN Brasil, onde também integrava a mesa-redonda Linha de Passe. Sempre abrindo espaço para dizer o que pensa, provocar a reflexão sobre o país e denunciar as mazelas do esporte, o jornalista criou o blog Canal Ultrajano, no Youtube e Facebook, onde apresenta vários programas de entrevistas ao vivo e comentários esportivos e políticos. A mais recente produção é o Bonde do Zé, exibido no Canal Brasil.

Sobre as possibilidades da seleção brasileira conquistar a Copa do Mundo da Rússia, José Trajano não é dos mais otimistas, embora reconheça que nosso time se recuperou sob o comando do técnico Tite: “Temos chance, temos o Neymar, que é um fominha, mas é um grande jogador, um dos melhores do mundo, a gente depende muito dele. Vamos ver”.


34 JUNHO / 2018

BARES DO RIO

BIP BIP, UM BAR DIFERENTE E CHEIO DE HISTÓRIAS O MELHOR DA MÚSICA POPULAR BRASILEIRA, CONVERSAS POLÍTICAS E MUITA ALEGRIA

uem conhece, sempre volta e quem não conhece, está perdendo! Um dos mais tradicionais bares do Rio e celeiro de boas e incríveis histórias, o Bip Bip, do famoso Alfredinho, é um dos símbolos da cidade maravilhosa. Ali, um dia nunca é igual ao outro. A já conhecida rabugice do Alfredinho, cultivada como uma lenda pelos frequentadores do Bip Bip, na verdade não passa de fachada para proteger um coração que transborda generosidade e senso de justiça. Mas naquela noite do dia 7 de abril, quando a reportagem da Rio já, visitou o botequim, o mundo assistia a prisão do presidente Luís Inácio Lula da Silva e nós vimos o re-

Q

trato de um Alfredinho diferente, era homem arrasado emocionalmente. Ambiente onde a alegria fez morada, palco de resistência do espírito irreverente do carioca, berço do samba por onde passam rotineiramente grandes músicos e intérpretes, o Bip se viu mergulhado no mais profundo silêncio, enquanto Lula era carregado pela multidão para cumprir seu triste destino numa solitária em Curitiba. “Nós estamos tristes e putos da vida com essa canalhice que fizeram com o Lula”, desabafa Alfredinho, com os olhos marejados. O Bip Bip não é lugar para gente de direita, diz a maioria do pessoal que circula por lá. Isso fica explícito pela cor vermelha predominante no cenário, na bandeira com o rosto do Che Gue-


35 JUNHO / 2018

vara, nas pilhas de livros de autores notadamente de esquerda. Definitivamente a “indesejável parcela da classe média que não faz nada pelos pobres”, como Alfredinho cansa de repetir, não tem vez ali. Mas antes que digam que o dono do bar não é um democrata, ele revela que tolera a frequência de dois tucanos que vivem pousando no seu balcão: “Eles sempre aparecem aqui para me deixar bravo”, ressalta Alfredinho, tentando disfarçar uma certa simpatia pela dupla de pensamento liberal. Alfredo Jacinto Melo nunca levou desaforo para casa em seus 74 anos de vida. Pelo contrário. É ele que distribui bronca para todos os lados, principalmente quando os frequentadores do bar não se calam para ouvir os músicos que ali se apresentam de graça. Celular tocando? Outra bronca certa. Cheiro de perfume? Não importa a beleza da moça, seu destino inevitável é o convite para se retirar do ambiente. “Perfume é para quem não gosta de banho”, sentencia. O Bip completa bodas de ouro em dezembro deste ano, sendo 34 deles sob o comando de Alfredinho, que assumiu o bar em 1984. Com fama de mal-humorado, já enfrentou vários problemas, inclusive com vizinhos que reclamam do falatório dos seus clientes, mas nunca levou nenhum para o travesseiro. Católico, socialista e desapegado de valores materiais, vez por outra discursa e propaga seus valores morais para os frequentadores do espaço: “Quem aplica na Bolsa de Valores está roubando dos pobres! Vão ajudar quem precisa, pois vocês já têm o suficiente. Qual o motivo de investir dinheiro para ganhar mais?”, diz com a autoridade de quem já ajudou mais de quarenta jovens em situação de risco social. O coração de Alfredinho não cabe dentro do peito. Se um amigo precisa de dinheiro para fazer uma cirurgia, lá está ele recrutando artistas para um show beneficente para arrecadar fundos. Não são poucas as retribuições por sua generosidade. A maior delas foi a romaria de clientes do Bip Bip rumo à 14ª DP, no Leblon, depois de uma confusão provocada por um policial rodoviário insatisfeito com o discurso de Alfredinho em homenagem à vereadora Marielle Franco e ao motorista Anderson Gomes, assassinados recentemente. “Naquela noite eu chorei, mas foi de alegria. Recebi mais de cem telefonemas e meus amigos ficaram comigo até seis horas da manhã na delegacia”, disse.

Um grande desejo de Alfredinho é ver o seu Botafogo campeão brasileiro de 2018. Se isso acontecer, não será surpresa se os bebedores do boteco, que torcem para outros times, cantarem o hino do Fogão em ritmo de samba, reverência mais do que merecida ao gente boa Alfredinho do Bip Bip.

UM BAR ONDE SE BEBE CULTURA O Bip Bip se transformou num bar cultural sem que fizesse qualquer esforço para isso. Essa vocação nasceu do encontro de amigos com a mesma paixão pela música, como Elton Medeiros e Cristina Buarque de Holanda. Desde então, já passaram por lá monstros sagrados da MPB, como Chico Buarque, Clara Nunes, João Bosco, Milton Nascimento, João Nogueira, Roberto Ribeiro, Beth Carvalho, Moacyr Luz, Paulinho da Viola, todos dividindo espaço e passando conhecimento aos músicos mais novos. Detalhe: ninguém recebe cachê para se apresentar e ainda pagam a conta do que consumirem. E todos fazem isso com o maior prazer e espírito solidário, colaborando com a missão humanitária assumida por Alfredinho, que distribui cestas básicas, cadeiras de roda e remédios para dezenas de famílias. Muitos amigos já tentaram seduzir Alfredinho para a carreira política, mas ele nunca aceitou nem pensar sobre o assunto. Católico praticante, compreende a vida como um processo de evolução espiritual, onde a caridade é o caminho de luz para a salvação. Tem crédito suficiente para continuar distribuindo broncas por muitos anos pela frente.

AGENDA Segunda e terça – choro. Quarta-feira – bossa nova. Quinta, sexta e domingo – samba. O Bip-Bip fica na rua Almirante Gonçalves, 50, Copacabana.


36 JUNHO / 2018

BARES DO RIO

MARCEU VIEIRA

A MINHA PRAIA

A

rua Almirante Gonçalves, eu acho, é a menor de Copacabana. Começa na avenida Atlântica, ali na esquina do Hotel Debret e do finado restaurante Alcazar, e nem chega a alcançar a Barata Ribeiro, contida pela floresta de prédios, cada um mais feio que o outro. A beleza mesmo fica represada na ruazinha. Nela, está aquele que, a exemplo da rua, deve ser o menor botequim do bairro, o Bip Bip, comandado pelo Alfredinho – cujo diminutivo entrega, talvez, a condição de também menor dono de bar de Copacabana. Eu já escrevi muito sobre o Bip Bip, que conheci em 1996, dias depois de ser apresentado a seu dono num lançamento de livro no Leblon. Alfredinho é uma criatura imensa no seu 1 metro e 60 e poucos centímetros de altura. Na época, eu escrevia crônicas no Jornal do Brasil. Ele era meu leitor. Mais do que amigos, o enorme amor à primeira vista fez a gente se adotar como pai e filho, o Alfredo e eu – e assim tem sido desde então. Escrevo de novo sobre o Bip porque o boteco acabou de completar 49 anos. Abriu as portas pra primeira cerveja no dia 13 de dezembro de 1968, enquanto, em Brasília, o então generalditador Costa e Silva assinava o AI-5. Em 2018, portanto, vai fazer cinquenta – e, se a grande mídia tiver juízo, deverá registrar a efeméride e render homenagens ao meu pequeno grande botequim e ao pai que o universo me deu.

O Bip Bip é uma célula comunista extraviada no tempo. Não foi por qualquer razão, além da sentimental, que, em outubro agora, escoltado por uma guarnição de frequentadores do bar, o Alfredinho enfrentou quase vinte horas de voo até Moscou pra participar das celebrações pelos cem anos da Revolução Bolchevique. O Bip, como se percebe, igualzinho ao Alfredo, de pequeno mesmo só tem o tamanho físico dos seus 18 metros quadrados. Porque é grande demais. O maior do mundo. De São Paulo, pra onde o destino me lançou em 2017, eu me sinto dentro dele. Por um punhado de razões que só o conhecendo pra saber, não há no planeta boteco comparável. O genial Mário de Andrade, na sua Lira paulistana, numa declaração bárbara de amor a São Paulo, escreveu assim: Quando eu morrer, quero ficar. E ainda: Não contem aos meus inimigos/Sepultado em minha cidade/Saudade. São Paulo era a praia do Mário de Andrade – ou as praias, uma delas a rua Aurora, onde, conforme o desejo registrado na sua lira, gostaria que enterrassem seus pés; e como a Paissandu, onde preferia que tivessem deixado seu sexo; e como o Pátio do Colégio, marco primeiro da fundação da cidade por José de Anchieta, onde ele, Mário, queria que afundassem seu “coração paulistano, um coração vivo, e um defunto, bem juntos”. A minha praia é o meu enxovalhado Rio de Janeiro, cidade tão linda, apesar de hoje espezinhada e avacalhada e pisoteada e humilhada. O Rio, tão plural, são as minhas praias. O Bip Bip, contido nele, é uma delas. Uma das praias mais extensas e de areia mais pura.

Marceu Vieira é jornalista e músico


37

DICAS DO DEO

JUNHO / 2018

MENDOZA

A ADEGA ARGENTINA, COM O MELHOR MALBEC DO MUNDO

E

m qualquer situação, quando se fala na região de Mendoza, na Argentina, é imediata a associação à bebida pelo qual, muito provavelmente, você que está lendo este artigo se interessa ou é apaixonado. O vinho encontrou no clima semidesértico, árido e continental da região, cortada por rios, onde os dias são ensolarados no verão e o inverno frio, com oscilações de temperaturas importantes, um lugar perfeito para se desenvolver. A cidade de Mendoza, capital da província de Mendoza, é a maior e mais importante cidade da região, que, por sua vez, está localizada no oeste do país, aos pés da cordilheira dos Andes, sendo um conhecido centro mundial de produção de vinho, bem como um dos destinos turísticos mais procurados e visitados na Argentina devido às suas características montanhosas. Localizada numa extensão territorial que está entre 900 e 1300 metros acima do nível do mar, Mendoza possui clima árido e seco, onde a água somente é encontrada nos chamados oásis, onde os rios que nascem nos pontos mais altos dos Andes escoam suas fortes correntes de água. As chuvas são escassas. Os ventos secos, o verão quente e úmido e o inverno muito frio, com geadas noturnas, e os dias ensolarados dão o caráter geral do clima na região. Responsável por 80% da produção vinícola da Argentina, a província de Mendoza é de longe a principal região vitivinicultora do país, uma das principais das Américas e, consequentemente, uma das mais importantes do chamado Novo Mundo. São mais de mil bodegas, entre gigantes vitivinícolas e pequenos empreendimentos familiares, contrastando

tecnologias avançadas no processo de cultivo, fermentação e comercialização do vinho, com conhecimentos tradicionais, rudimentares, passados de geração para geração na produção da bebida. As características dos vinhos são diversas, assim como as variedades plantadas. Dentre as tintas se destacam a Malbec (a casta mais cultivada e mais apreciada na região), Bonarda, Cabernet Sauvignon, Merlot, Syrah, Sangiovese e Tempranillo; quanto às brancas, são importantes a Chardonnay, Riesling, Sauvignon Blanc, Torrontés, Chenin Blanc e Viognier. O “turismo vinícola” oferece o chamado “Caminho do Vinho”, onde é possível degustar os mais diversos sabores da bebida e suas variações nos processos de elaboração nas diferentes sub-regiões da província (Região Norte, Leste, rio Mendoza ou Vale Central, Vale do Uco e região Sul), que possuem características próprias e dão personalidade única a cada tipo de vinho. Com ótima estrutura, hospedagem e gastronomia de alto nível, proposta cultural variada, pessoas preparadas para proporcionar aos visitantes uma estadia inesquecível, Mendoza não é apenas uma das principais produtoras de vinhos no mundo, como também um excelente destino turístico.

VINÍCOLAS IMPERDIVÉIS N Viña Cobos: melhor Malbec argentino nas avaliações do crítico Robert Parker N Achaval-Ferrer: Excelência de Vinhos N Escorihuela Gascón e o Restaurante de Francis Mallmann, 1884, melhor parrilla de Mendoça RESTAURANTES BACANAS N Bar de Vinhos do Hotel Hyatt Park N Restaurante Abrasado N Restaurante Entre Hileras


38 JUNHO / 2018

CERVEJA FABRICADA EM NITERÓI COLECIONA PRÊMIOS PELO MUNDO O NÚMERO DE FÃS DAS CERVEJAS ARTESANAIS CRESCE EM TODO O PAÍS. A NOI É UMA DAS PREFERIDAS

S

e a Noi imprimisse em seus rótulos cada um dos 31 prêmios que recebeu pela excelência de suas cervejas, não haveria espaço para mais nada. Ano após ano, a cervejaria instalada em Niterói vem se consagrando como uma das melhores cervejas artesanais do Brasil, e o maior desafio para o consumidor é decidir qual a melhor entre os doze tipos da bebida disponíveis no catálogo. Bionda, Nera, Avena, Rossa, Bianca, Cioccolato, entre outras, são um convite ao paladar daqueles que conhecem e apreciam um produto exclusivo. Mas não pensem que foi fácil transformar o sonho de Osmar Buzin, um experiente empresário do ramo gastronômico em realidade. “Meu ramo sempre foi restaurante, desde que saí do Rio Grande do Sul, com dezessete anos. Conheço muito sobre vinhos, mas não sabia


39 JUNHO / 2018

O HOMEM QUE FAZ DO LIMÃO UMA LIMONADA

ONDE ENCONTRAR ◆ Itaipu

nada sobre cerveja e sofremos um bocado no começo, em 2011”, disse. O tempo mostrou que Buzin aprendeu rápido, aliás, como tudo o que faz na vida. Além do reconhecimento nacional e internacional, a Noi vem se expandindo em ritmo acelerado, e já conta com nove casas próprias, uma rede de revendedores credenciados e também serviço de delivery no Rio de Janeiro e em Niterói. A jornalista Amanda Henrique, que tem um canal no Youtube com o sugestivo nome de Maria Cevada, é só elogio às cervejas artesanais da Noi: “Particularmente eu adoro a Amara, que foi feita em parceria com o mestre cervejeiro Leonardo Botto, que tem um aroma de frutas amarelas e é super-alcoólica, com 10,5%. É bem frutada, agradável, bem adoçada, mas bem potente também”, disse. As origens gastronômicas de Osmar Buzin não foram desconsideradas durante o processo de desenvolvimento de suas cervejas. Todas as fórmulas buscam harmonização com tipos específicos de pratos, o que aumenta ainda mais o prazer à mesa. A Amara, por exemplo, cai bem com carnes gordurosas de sabor intenso, queijos e molhos condimentados, ensina Buzin.

Osmar Buzin (foto), é descendente de italianos que migraram para o Rio Grande do Sul em busca de oportunidades de trabalho, incentivados pela Lei das Colônias, em 1891. Sua família fixou residência na cidade de Sarandi, de onde Buzin saiu, em 1977, para se aventurar no ramo das churrascarias. Começou por Belo Horizonte, veio para o Rio de Janeiro e inaugurou o primeiro sistema de rodízio de carnes de um dos mais famosos restaurantes da época, o Rincão Gaúcho, em Niterói. Acabou comprando o estabelecimento junto com seus primos, os negócios prosperaram, e ninguém duvida de que a Cervejaria Noi vai pelo mesmo caminho. A Noi distribui seus produtos para revendedores cadastrados e basta entrar no site da cervejaria, www.cervejarianoi.com.br e preencher um formulário. Em tempos de crise, pode ser uma excelente oportunidade de negócios.

Estrada Francisco da Cruz Nunes, 1964 Itaipu, Niterói / RJ ◆ Jardim Icaraí Rua Ministro Otávio Kelly, 174 – Loja 9 Icaraí, Niterói / RJ Telefone: 21 3741 2945 ◆ São Francisco Av. Quintino Bocaiúva, 201 São Francisco, Niterói / RJ Telefone: 21 2611 0619 www.noisaofrancisco.com.br

◆ Leblon Rua Conde Bernadotte, 26 Leblon, Rio de Janeiro / RJ Telefone: 21 2259 4561 ◆ Búzios Rua Manoel Turíbio de Farias, 110 – Centro Armação dos Búzios / RJ Telefone: 22 2623-9997 ◆ Itacoatiara Av. Beira-Mar, 309 Itacoatiara, Niterói / RJ ◆ Plaza Shopping Rua Quinze de Novembro, 8 – 3º piso Centro, Niterói / RJ ◆ Miguel de Frias Rua Miguel de Frias, 106 Icaraí, Niterói / RJ Telefone: 21 2729-8080 ◆ Moreira César Rua Cel. Moreira Cesar, 251 – Lojas 117, 118 e 119 Icaraí, Niterói / RJ


40 JUNHO/ 2018

CRAQUES DO PASSADO

DÉ ARANHA E A ARTE DE TIRAR OS ADVERSÁRIOS DO SÉRIO

G

erson, o “Canhotinha de ouro”, craque da seleção brasileira e ídolo do Botafogo na década de 1970, ficou estigmatizado pelo comercial que fez para uma marca de cigarros, onde citava a frase: “Gosto de levar vantagem em tudo, certo?”. Pronto! Estava instaurada a famosa “lei de Gerson”, aplicada sobre o princípio da oportunidade acima da ética. Tremenda injustiça com o jogador, que construiu sua carreira e reputação sem a necessidade de subterfúgios. O mesmo pode-se dizer de outro atleta que brilhou no passado, com a ressalva de que, dentro das quatro linhas, o desejo pela vitória justificava qualquer expediente. Estamos falando de Dé, o “Aranha”, o jogador que mais tirou os adversários do sério com suas provocações verbais e muita mão na bunda. “É gostoso tirar um cara do sério. Quanto mais raiva o adversário sente, menos joga bola.” Foi o que aconteceu, por exemplo,


41 JUNHO / 2018

com o então jogador do Bonsucesso, Paulo Lumumba, que fazia o ferrolho na zaga para bloquear a dupla de ataque do Vasco, composta pelos atacantes Dé e Silva. “O jogo continuava empatado sem gols até a metade do segundo tempo, quando acertei o dedo bem no meio da ‘olhota’ do negão. Quando ele olhou para trás e me viu, ainda perguntei: 'Gostou?'. O cara veio como um louco para cima de mim, mas não me alcançou. O juiz, em seguida, expulsou Lumumba e facilitou a nossa vida”, disse o Aranha, sem qualquer sinal de remorso. Domingos Elias Alves Pedra, ou simplesmente Dé, foi ídolo do Bangu, Vasco e Botafogo nas décadas de 1960/70 e se tornou o maior colecionador de histórias folclóricas do futebol brasileiro. Até pedra de gelo já usou para marcar um gol contra o Flamengo, numa disputa de título da Taça Guanabara, em 1970, com o Bangu: “Eu peguei uma pedra de gelo no balde do massagista e o juiz mandou o jogo seguir. Já estava jogando o gelo fora quando vi a bola passar por cima da minha cabeça, caindo nos

pés do zagueiro Reyes, do Flamengo. Eu mirei a bola e joguei a pedra de gelo como se fosse uma bola de boliche e acertei. Ela se deslocou uns 30 centímetros, o suficiente para eu alcançá-la e marcar o gol”, conta às gargalhadas. Outra vítima do Dé foi o goleiro Andrada, do Vasco: “Eu jogava no Bangu e o nosso adversário era o Vasco. O jogo estava empatado em um a um, quando o juiz apitou uma falta a nosso favor. Peguei um punhado de areia que encontrei na pequena área e quando o Aladim fez a cobrança joguei a areia na cara do goleiro e a bola entrou”, diverte-se Dé. O próprio Dé admite que não chegou à seleção brasileira por causa do grande número de craques de sua geração. Hoje, no entanto, o Aranha garante que seria convocado pelo Tite. “Muita coisa mudou. Antes havia espaço para formação de jogadores, os campos de pelada se espalhavam pela cidade, mas isso não existe mais”, conta com a experiência de quem nasceu dentro de um campo de futebol - o pai era zelador do estádio local -, em Além Paraíba, no interior do estado do Rio. Apesar de se identificar mais com o Vasco, time em que atuou por sete anos, Dé é torcedor do América. Prestes a completar setenta anos, o ídolo continua alegre e irreverente dentro do futebol, atuando como comentarista do Sportv e Rádio Globo. Numa mesa redonda, o Aranha foi taxativo ao afirmar, olhando nos olhos do então diretor-executivo de futebol do Flamengo, Rodrigo Caetano, que o time da Gávea é “frio e sem alma”. Pode ser coincidência, mas depois desse petardo, o Flamengo demitiu não apenas Rodrigo Caetano, como também dispensou o técnico Paulo César Carpegiani. É, o Dé continua passando a mão na bunda de muita gente, com todo o respeito.


42 JUNHO / 2018

MAURO OSÓRIO

ESTADO DO RIO DE JANEIRO: TRAJETÓRIA E DESAFIOS

Economista. Professor Associado da Faculdade Nacional de Direito da UFRJ. Membro-fundador do Instituto de Estudos sobre o Rio de Janeiro-IERJ.

A

cidade e o estado do Rio de Janeiro, desde 1834, quando a cidade do Rio passou a ser Município Neutro, até a fusão em 1975, eram duas unidades federativas distintas. De 1834 a 1960, Distrito Federal e estado do Rio de Janeiro e, com a transferência da capital para Brasília, em 1960, Guanabara e estado do Rio de Janeiro. Em 1975, com a fusão, surge o novo estado do Rio de Janeiro. No século XX, até 1960, o conjunto da cidade e do antigo estado do Rio apresentou dinamismo econômico inferior ao do estado de São Paulo, porém próximo ao do total do país. A partir de então, principalmente na década de 1970, com a consolidação de Brasília como capital do país, o conjunto do território carioca e fluminense passa a ser lanterna em termos de dinamismo econômico, entre os estados brasileiros. Isto ocorreu por três razões:

1

Com a transferência da capital, perdemos o principal fator gerador de dinamismo econômico, não só para a cidade mas também para o estado do Rio.

2

Criamos forte tradição de pensar o país e o mundo e construímos pouca reflexão sobre as especificidades regionais, não só porque a cidade do Rio foi a capital do país por quase duzentos anos,

mas também pela sua história de capitalidade – conceito do historiador de arte Giulio Argan, que propõe que todo país tem uma cidade que é a sua referência cultural e internacional. Por exemplo, nos EUA é Nova York e não Washington. Pela força das permanências na história, essa situação infelizmente mantém-se até os dias atuais.

3

A cidade do Rio foi particularmente atingida pelos processos de cassação dos governos militares pós golpe de 1964. No Rio, foram cassados, não apenas a esquerda, mas também todos os parlamentares lacerdistas que acompanharam o rompimento de Lacerda com o regime militar e sua participação na criação da Frente Ampla pela redemocratização, ao lado de Juscelino Kubitschek e João Goulart. Nesse processo, Chagas Freitas e uma lógica política particularmente clientelista ganha hegemonia no Rio, deitando raízes até os dias atuais, haja visto o afastamento recente de vários conselheiros do Tribunal de Contas do Estado e a prisão de líderes da Alerj.

A combinação desses três aspectos gerou a desestruturação da máquina pública estadual e grave perda de participação do Rio na economia nacional. Desse modo, resumidamente, um desafio hoje é adensar o debate sobre alternativas que permitam a superação do círculo vicioso em que o estado entrou há décadas.



Aquele abraรงo! revistarioja@revistarioja.com.br


Turn static files into dynamic content formats.

Create a flipbook
Issuu converts static files into: digital portfolios, online yearbooks, online catalogs, digital photo albums and more. Sign up and create your flipbook.