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CONFIGURAÇÃO ESPACIAL

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LOCAIS

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Apesar dessas práticas não precisarem de tantas especificidades para acontecerem, a configuração desses espaços é um fator atraente para ditar o ritmo dos atos. Logo na entrada, a presença da porta simboliza a exclusão daquele lugar com o que há do lado de fora; ela assegura a privacidade dos usuários, mas também funciona como um alarme. Além disso, visto que a vigilância é sempre mediada por um agente humano, e que o uso de câmeras e outros artifícios são antiéticos em um banheiro ou vestiário, a porta também permite que esses agentes possam entrar e sair repetidamente a fim de checar o espaço e manter o controle.

Além dos faxineiros, a presença policial e de possíveis delatores também é uma preocupação constante para os praticantes, especialmente quando ela se dá de forma paisana. Quando os conflitos entre frequentadores e policiais acontecem, quase sempre terminam de forma negativa, como relata o pesquisador e frequentador de banheirões Tedson Souza:

“Apesar de ter ouvido muitos relatos, [eu] nunca presenciei casos de extorsão em campo, nem sofri chantagens por parte de policiais, mas já ouvi xingamentos, fui vítima de agressões verbais e presenciei agressões físicas tanto por parte de seguranças quanto por policiais”.

8 SOUZA, Tedson. Fazer Banheirão: As dinâmicas das interações homoeróticas nos sanitários públicos da estação da Lapa e adjacências. UFBA: Salvador, 2012.

Quando a atuação da vigilância é falha por algum motivo, são adotadas estratégias para dificultar essas práticas: prender a porta aberta com cabos de vassoura e latas de lixo ou, em alguns casos, desinstalando a porta do local. Os mictórios, que promovem rapidez e praticidade, são objetos vistos como perigosos para a vigilância, pois podem vir a incitar o desejo de outros homens. Logo, a estratégia para lidar com isso é retirar os mictórios dos locais ou cobri-los, alegando problemas técnicos.

As cabines privadas não se salvam dos olhos da vigilância, e cada vez mais vem sofrendo modificações para castrar as práticas de banheirão. Através de sinalizações com os pés, os praticantes demonstram seu interesse e, quando correspondidos, desenvolvem um jogo de contorcionismo para sentar no chão e atravessar seus membros para o outro lado, quando não o corpo inteiro. Logo, as paredes internas que são divisas com outras cabines estão sendo alteradas para modelos que vão até o chão, a fim de impedir qualquer contato com outros homens.

Espaços que possuem nichos e cantos sem a visão direta da entrada e obstáculos visuais são os mais utilizados pelos praticantes, visto que as técnicas de repressão mencionadas acima não as influenciam diretamente. O pesquisador Alan Fragoso, em sua tese sobre pegações cariocas, cita um caso que presenciou no banheiro de uma estação de metrô:

“[...] com a retirada deles [mictórios], é muito difícil supor outra hipótese senão o controle das manifestações eróticas. No entanto, mesmo que não se possa mais fingir que está urinando no mictório, o espaço vazio ainda permite que os corpos interajam nesse vácuo que surge após a retirada dos aparelhos. Em vista disso, foram aplicados tapumes para isolar e preencher as possíveis lacunas de circulação.”

E de forma esperada, quando a vigilância já não consegue mais retomar o controle sobre o que acontece naquele espaço, ela priva o acesso, fechando-o por tempo indeterminado, a fim de enfraquecer e dispersar tais práticas.

9 FRAGOSO, Paulo Alan Deslandes. Pegações cariocas: dos banheiros públicos aos vagões do metrô. Revista Periódicus, Bahia, n. 8, v. 1 nov.2017.-abr. 2018. p. 177-212.

Ilustrações com base nas fotografias de Alan Fragoso.

Parede após a retirada dos mictórios

Parede após o posicionamento de tapumes

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