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CRISE DO PROGRAMA

Essas práticas ocupam espaços que a arquitetura não consegue antever e trata-se de uma sequência de acontecimentos, podendo se tornar um ciclo ou não, visto que não se pode prever quando e se esse uso subversivo irá acontecer. Essa dinâmica é mais complexa do que como ela é apresentada aqui pois envolvem diversas variáveis descritas anteriormente, mas na maioria dos casos acontecem na seguinte ordem:

O lugar é determinado para um uso específico O uso alternativo subverte-o, se instalando nas brechas no espaço

Readequação; dispersão; dissolução O uso alternativo ocupa o espaço

Além dessas práticas subverterem o uso do espaço, também subvertem o próprio espaço, e toda lógica que a arquitetura determina é pervertida. Essas vontades sexuais possuem tamanha força e potência que acabam invisibilizando a arquitetura. Além disso, há uma separação do uso proposto e do uso subversivo que, possibilitados pelas brechas espaciais, conseguem ter uma vida simultânea.

A parede que divide torna-se um local de encontro, os espaços de circulação tornam-se espaços de permanência, os equipamentos de uso individual tornam-se coletivos. Para os praticantes, o banheiro perde brevemente a sua condição de banheiro e se transforma um campo de possibilidades sexuais, assim como nas ruas antigas do Centro do Rio, onde o espaço de trânsito era também o espaço do sexo.

A questão é, se dois tipos de usos diferentes compartilham das mesmas condições para que possam acontecer e acontecem em um mesmo espaço, o que faz com que um seja mais propício que o outro? Eu julgo ser o programa de necessidades.

A partir de uma breve busca no dicionário, notamos que a palavra “programa” pode adquirir múltiplos significados, entre eles:

1. Lista escrita em que se enumeram as partes de que deverá compor-se algo; programação; 2. Lazer previamente planejado; 3. Proposição de um projeto que se pretende executar; 4. Encontro de duas pessoas com a finalidade de fazer sexo, mediante pagamento.

Independente do significado, tal palavra sempre possui um caráter de planejamento e no âmbito da arquitetura não seria diferente. Sob o nome de “programa de necessidades”:

“[…] exprime as exigências do cliente e as necessidades dos futuros usuários da obra. Em geral, descreve sua função, atividades que irá abrigar, dimensionamento e padrões de qualidade, assim como especifica prazos e recursos disponíveis para a execução. A elaboração desse programa deve, necessariamente, proceder o início do projeto, podendo, entretanto, ser complementado ao longo de seu desenvolvimento.”

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Roteiro para desenvolvimento do projeto de arquitetura da edificação, IAB.

Essa idealização é uma antecipação de uma distribuição espacial e comportamental e, desse modo, podemos dizer que o programa sempre diz a alguém que dita e alguém que tem a escolha de se submeter; envolve uma questão de imposição de poder e submissão. Devemos nos atentar que:

1. O lugar é o que é porque está inserido no espaço e é subordinado a outro lugar; é uma construção social em prol de uma normatização; 2. As pessoas possuem vontades próprias. Sempre há alguém no controle (fisicamente ou não), porém a apropriação espacial nem sempre vai ao encontro do uso proposto.

Logo, levando em conta essas duas considerações, percebemos que os espaços possuem múltiplas potências que vazam do que é proposto à ele. Sendo assim, o programa de necessidades é ainda relevante?

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