A PAIXテグ DO SERVO DO SENHOR
A PAIXÃO DO SERVO DO SENHOR retrato profético de JESUS nos Cânticos de Isaías
Samuel Alexandre Martins Outubro de 2006
Prefácio Vieito Antunes
Edição Pedro Martins, edição e comércio de livros
Título A Paixão do Servo do Senhor Autor Samuel Alexandre Martins Todos os direitos reservados. Proibida a reprodução por quaisquer meios, salvo em breves citações, com a indicação da fonte. Outubro de 2006
Pedro Martins, edição e comércio de livros Rua Quinta da Flamância, Nº3 - 3ºDtº Casal do Marco 2840 - 030 Aldeia de Paio Pires Telefone: 210 878 323 livros@pedromartins.com
Design e Paginação Pedro Martins Colaboração Editorial Dr. José Manuel Martins Categoria Doutrina/Estudo Bíblico
NOTA EDITORIAL
1. A obra que agora damos a lume aborda essencialmente a temática da revelação profética da figura do Messias (Jesus Cristo), o enviado de Deus, prometido desde a fundação do Mundo. O autor assenta a sua exposição no que escreveu Isaías, o maior de todos os profetas do Antigo Testamento, que anunciou, enfática e persistentemente, a redenção prometida, não como resultado do cumprimento rigoroso da Lei mosaica, mas como acto da graça de Deus. Em bom rigor, o próprio significado em hebraico do nome «Isaías» resumia perfeitamente toda a mensagem de que era portador e explanou ao longo de sessenta e seis capítulos: «O Senhor Salva». Não é, pois, despropositado falar dele como o profeta da redenção que rompeu as barreiras limitadas do povo escolhido, segundo a aliança divina com o patriarca Abraão, e anunciou a salva-
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ção aos povos do mundo, aos gentios sem excepção, através do «Servo do Senhor», a «luz das nações» ou, como traduz João Ferreira de Almeida, «luz dos gentios». Nesse propósito claro, o profeta evidenciou a figura do Messias como garante das bênçãos prometidas aos que n’Ele confiassem, embora, na aparência, parecesse fraco por se manifestar numa atitude de completa humilhação. 2. Sabemos todos que a questão da identificação dos escritores dos livros sagrados, assumidamente canónicos, mas também em relação aos que o não são para a cristandade em geral, é recorrente ao longo dos tempos e também o é em relação ao escritor do livro de Isaías. Os cinco primeiros livros da Bíblia – denominados por Lei, Tora ou Pentateuco – são atribuídos pela tradição a Moisés. Mas, como é óbvio, Moisés não poderia ter escrito sobre a sua própria morte. A menos que Deus lhe revelasse previamente como tudo aconteceria em relação a esse evento. O mais provável é que, nessa parte, tal livro tenha sido escrito por outrem (Josué, por exemplo), o que não prejudica que a obra globalmente considerada seja atribuída ao grande líder do povo de Deus. Se em relação a esse conjunto de livros se questiona a autoria do epílogo dum deles, no que concerne a outros livros, igualmente integrantes do cânon bíblico, nem sequer se conhece a identidade do escritor, podendo, logicamente,
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alguns serem o resultado de trabalho colectivo, identificado ou não com uma Escola de sábios, apesar de, num caso ou noutro, a tradição se ter decidido pela imputação da autoria respectiva – os livros de Juízes e Rute, por exemplo, são atribuídos ao sacerdote e profeta Samuel. Ao certo não se sabe quantos foram os escritores dos sessenta e seis livros que compõem a Bíblia e levar-nos-ia longe a questão da identificação do escritor de cada um dos seus livros! Mas não é esse o principal propósito desta Nota Editorial nem, fundamentalmente, o do próprio autor da obra que nos propomos apresentar aos leitores. No que concerne à autoria do livro de Isaías, que o Pr. Samuel Alexandre Martins aborda na parte geral da sua obra, sendo um assunto interessante, despertador de curiosidades de vária índole, não nos parece, sinceramente, que possa revestir importância decisiva para a valorização integral da revelação profética, a menos que, por essa via de estudo, se queira, ainda que indirectamente, tirar respaldo à vigorosa mensagem proferida no que tange, em particular, ao majestoso quadro do Messias e às circunstâncias próprias do tempo em que o mesmo se «materializaria» no seio do povo. Como parece evidente, mesmo para nós que somos pouco versados nesta área de estudo das Escrituras, no caso concreto do livro do profeta Isaías, a admitir-se que o escritor
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da obra completa não é o mesmo, uma substancial parte do impacto profético desvanecer-se-ia ou perder-se-ia, especialmente no que concerne à revelação do Messias sofredor no papel do «Servo do Senhor», figura tratada com tal detalhe que era impossível ignorar no trajecto do povo a que Ele estava anunciado, primeiro como menino, revestido das características que d’Ele faziam Rei, depois como cordeiro vituperado, ovelha tosquiada, pronta a morrer por uma causa – a causa da salvação de muitos! A simbiose entre Jesus Cristo redentor e o «Servo do Senhor», retratado pelo maior de todos os profetas, favorece a compreensão da exigência divina por justiça e a entrega incondicional de quem nunca pecou, mas assumiu o peso das faltas humanas, de todas as faltas humanas, cometidas em todo o tempo e lugar. 3. O que faz do livro do profeta Isaías, para os cristãos hodiernos, uma referência permanente, como aliás sempre foi para os seguidores de Cristo, desde o seu advento? Ao longo das páginas desta obra, cuja leitura desejamos agradável e proveitosa, poderão os leitores aprofundar o conhecimento da mensagem profética e acompanhar-nos na tentativa de resposta, subscrevendo as nossas interrogações ou colocando outras, sempre em atitude interpeladora Segundo as várias teorias, em quantas partes se divide o livro de Isaías: duas, três partes?
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O olhar perscrutador para os judeus do cativeiro, afligidos no seu brio nacional, recordando as agruras do Egipto, históricas é certo, mas sempre recordadas, mais que não fosse pelos ritos pascais, ou, então, o olhar para além do cativeiro, numa visão esperançosa da restauração nacional, dividindo assim o livro profético em primeira e segunda partes, respectivamente? A autoria é singular ou colectiva? Isaías é o único escritor ou Isaías é o escritor, mas o livro recebeu contributos dos discípulos ou colaboradores eruditos, também profetas, igualmente homens de Deus? Em que data foi o livro escrito? Antes da morte de Isaías, depois dela, uma parte significativa antes do exílio do povo na Babilónia, outra parte quando o povo tinha regressado a Sião? Terá uma parte sido composta por uma colecção de profecias agregadas por temas, sem qualquer critério cronológico, outra destinada à consolação de Israel e às peripécias do regresso do exílio? Isaías pertencia à nobreza hebraica, integrando a linhagem real, era politólogo, teólogo, pregador de expressão apocalíptica, reconhecido como historiador, cronista do rei Uzias, contemporâneo do rei Acabe, do rei Ezequias e Manassés, foi serrado ao meio, morrendo às mãos deste último? Que significado tem no contexto da obra saber se tinha dois filhos, se os tinha em maior número, se profetizou cin-
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quenta ou sessenta anos, se ditou as profecias que outros escreveram, se as escreveu ele próprio e que importância poderá isso ter na revelação que trouxe da parte de Deus? Como compreenderão todos os leitores, poder-se-iam enumerar, pelo menos, outras tantas situações, algumas das quais historicamente reconhecidas, todas, mas todas, seguramente importantes para os amantes da cultura, da história, das relações internacionais, da diplomacia, da guerra, das alianças naturais, das alianças espúrias, da desobediência a Deus, do exílio impensado, da profanação do templo, questões todas elas importantes e sobre as quais já se escreveram tratados. Todavia, mantém-se em aberto a questão que suscitámos e, por isso, interrogamo-nos: verdadeiramente o que é que está no centro da mensagem profética deste homem, que fala de si, mas de cuja vida pessoal quase nada sabemos? Do nosso ponto de vista, depois de termos lido e reflectido sobre o que escreveu o Pr. Samuel Alexandre Martins, o que mais importa resume-se em duas matrizes básicas, cujos fundamentos foram divinamente lançados: O retrato antecipado do Messias, o «Servo do Senhor», e a proclamação do vindouro reino de paz, onde reina a justiça e no qual o «Servo» assume a condição de Rei. 4. Apenas dessa primeira matriz básica faz esta obra simples, mas dirigida ao coração e à fé dos leitores, o ponto
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de partida para a descoberta do plano magnífico de Deus, assente nos sofrimentos horrendos do «Servo do Senhor». O autor suscita o nosso interesse e entusiasmo pela descoberta dessa figura, a qual representava ao tempo e representa também agora, por maioria de razão, o cumprimento da promessa de Deus feita no início e à qual se manteve fiel, não podendo ser doutro modo: «Como pensei, assim sucederá; e, como determinei, assim se efectuará». (cf. Isaías 14:24) Com efeito, foi precisamente lá no Éden, no remoto tempo das nossas origens, que Deus se comprometeu a manifestar o escape que tinha preparado para devolver ao Homem o canal de comunicação entretanto interrompido. A «cabeça da serpente», símbolo do enganador que gizou o plano para lograr esse objectivo sinistro e contra natura de separar o Criador da criatura, seria esmagada, num golpe poderoso, devolvendo ao Homem o poder de comunicar de novo com o Senhor poderoso através do «canal» que se interpôs entre Ele e o Homem – Jesus Cristo, o Messias, o «Servo do Senhor», mediador exclusivo, advogado e sumo sacerdote permanente. Eis o antídoto para o veneno que a «serpente» instilou no Homem, ferindo-o mortalmente: o sangue precioso do inocente, que aceitou ser «ferido no calcanhar», vestindo-se de horror para pagar o preço alto da sua missão! O Messias apresentou-se pronto a pagá-lo e Isaías, nessa prognose pro-
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fética, se assim se pode dizer, antecipando o futuro, retratoulhe o «ferimento do calcanhar». 5. Então, dessa perspectiva, Isaías comportou-se como um homem do futuro, desenquadrado da realidade do seu tempo, omisso em relação às questões da sua contemporaneidade, quando o povo vivia um dos maiores dramas da sua existência como nação? Obviamente que não! Isaías, como porta-voz do Senhor, falou aos seus contemporâneos da inevitabilidade do exílio, por causa da sua atitude de rebeldia e desobediência, como processo expurgatório dos males terríveis que aprofundavam o fosso de separação existente entre eles e Deus. Nunca o discurso profético foi tão contundente em relação à nação escolhida, ao ponto do Senhor, através de Isaías, lhe apontar comportamentos completamente irracionais – que nem os animais de carga, submissos, ajustavam na relação com os donos – completamente dada às práticas criminosas como se fosse um bando de malfeitores ou uma multidão de filhos desnaturados, que voltaram as costas, em manifestação de desprezo, ao Senhor, o Santo de Israel. Povo traiçoeiro, reles, putrefacto da cabeça aos pés, insensível de coração, descuidado nos relacionamentos, sujeito à supremacia estrangeira, inclusive religiosa e cultual, apesar da manutenção das matanças sucessivas ao serviço de práticas religiosas sem préstimo. A nação orava, mas Deus não escutava! Que diagnóstico terrível!
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Mas Deus queria chamar a nação à prática do bem, do justo, da solidariedade com os fracos, os oprimidos, os desvalidos… Só o exílio os chamaria à razão, tornando-o inevitável. Todavia, as nações opressoras, idólatras, não se ficariam a rir do mal que fariam ao povo escolhido, profetizando Isaías que o exílio seria temporário. Daí as promessas de retorno para os que se constituiriam no remanescente fiel, capaz de caminhar pelas veredas da justiça. É assim claro que Isaías trouxe uma mensagem de salvação para os seus contemporâneos, os quais, doentes de surdez profunda, não lhe deram nenhuma atenção, antecipando o que aconteceria ao «Servo do Senhor» – «Quem deu crédito à nossa pregação?» –, num desespero compreensível face à dureza de coração que manifestaram. Só que, a nosso ver, o objectivo fulcral, essencial, era falar para o mundo inteiro, para o mundo de todos os tempos vindouros, para fora da «jurisdição de Jerusalém», anunciando um novo pacto, uma nova aliança com os gentios na base da manifestação do Messias prometido, embora num retrato de desfiguração incompreensível, quer para os que o «visionaram» imediatamente, à «saída da boca» do profeta, quer para os que auguravam o aparecimento do Messias-Rei, em esplendor real, davídico, conquistador, que restituísse à nação a glória perdida. Esse retrato pungente de humilhação projectava o futuro, e no sacrifício do «Servo do Senhor» estavam garantidas
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todas as bênçãos almejadas, profetizadas por Isaías, que, primeiro, se manifestariam entre o povo escolhido e, depois, se destinariam às nações, que veriam a manifestação do grande, poderoso e glorioso Messias sobre o trono do governo futuro dos novos céus e da nova terra. 6. Finalmente, o que dissemos é de somenos valor diante da confirmação de que tudo quanto Isaías profetizara (agora ignoremos todas as conjecturas sobre as condições pessoais do escritor, a história político-militar-religiosa-social do seu tempo) acerca do «Servo do Senhor» foi assumido por Jesus Cristo, identificando-se no exercício do seu ministério como o «Cordeiro de Deus», para que se cumprisse tudo o que fora profetizado: «Importa que em mim se cumpra aquilo que está escrito: E com os malfeitores foi contado. Porque, o que está escrito de mim, terá cumprimento». (cf. Lucas 22:37) Basta-nos que Jesus tenha assumido sem reservas essa identificação pessoal para relegarmos aos «ringues» dos debates teóricos das escolas teológicas a elucidação dos fundamentos em que se sustentam as múltiplas teses sobre o alcance dos Cânticos de Isaías, a respectiva divisão em estrofes, e até a modificação visível do estilo literário. Foi Jesus quem confirmou a visão profética desse escritor sagrado acerca do «Servo do Senhor», fixando definitivamente a compreensão dos textos em que ele o apresentou. Como se dissesse: – Cessem as
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polémicas! Aqui está o Servo do Senhor de que vos falou o vosso profeta messiânico. EU SOU! Reside precisamente nisso, no aprofundamento dessa identificação, a nosso ver, o maior mérito da obra do Pr. Samuel Alexandre Martins, visto que a centralidade do «Servo do Senhor» projecta os leitores para um maior empenhamento na valorização pessoal do sacrifício redentor, descrito pelo profeta como ninguém mais logrou conseguir. Ademais, não nos permitimos concluir esta Nota Editorial sem lembrar o que nos parece ser a declaração mais acabada feita por Jesus, no sentido de direccionar o ministério dos que escolheu, e que compatibiliza na perfeição os «dois evangelhos», o de Isaías, apresentado no uso da palavra profética, o d’Ele próprio, apresentado no desempenho cabal da palavra profetizada: «Porque o Filho do homem não veio para ser servido, mas para servir e dar a sua vida para resgatar a humanidade». (cf. Mateus 20:28) Podiam, perplexos, os seus contemporâneos perguntar-lhe, já no final do seu percurso terreno, se Ele era o Rei do Judeus. Os que, porém, o ouviram, em particular os que escolhera como discípulos mais próximos, deveriam ter dado conta mais cedo que o Messias não se sentaria num trono humano, não lideraria um qualquer movimento político, militar ou religioso. À medida que Jesus falava mais abertamente da nova aliança de que era mediador e do sacrifício que lhe era exigido, isto é, o
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derramamento do seu próprio sangue em favor da Humanidade, foram sendo paulatinamente despertados para o significado do «quadro» pintado por Isaías, ao ponto de, cheios do Espírito Santo, invocarem a protecção de Deus contra a poderosíssima aliança político-militar formada por Herodes, Pôncio Pilatos, gentios de várias partes do mundo e judeus, no nome daquele que ungira para ser o «Servo do Senhor» e a garantia da realização de curas, milagres e prodígios. Sim, foi o «Servo do Senhor» que invocaram os crentes perseguidos, em vias de ser exterminados, naquela sanha perseguidora dos primórdios da Igreja de Cristo, pois Ele fora morto nessa condição. A seu tempo, ou seja, no tempo certo do relógio divino, Ele deu a vida por todos e essa mensagem saiu do contexto e tempo proféticos para se tornar no conteúdo tangível da Nova Aliança, selada com sangue inocente, imaculado, justificador dos pecados de todos. Por isso, é intolerável deixar que se mantenha prisioneira tal mensagem com os laços da religiosidade hodierna, a qual desfoca o olhar dos necessitados do quadro de Isaías, visto à luz do exemplo de Cristo, que o tornou compreensível, e releva o que é conatural à natureza humana e às exigências de protagonismo pessoal dos que em seu nome falam, mas sem o estatuto de servos. Fazê-lo – «libertar» a mensagem do «Servo do Senhor» – não é necessariamente divulgar uma «figura de estilo» do pro-
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feta evangélico, sem convicção assente na obra realizada por Cristo, nem, numa espécie de autoflagelação religiosa, com aparência de piedade, apregoar, em discurso mais ou menos inflamado, um «protótipo» de humilhação, insucesso, derrota. Outra é a atitude que se reclama nessa acção libertadora da mensagem do «Servo do Senhor» – seguir o exemplo que nos deixou! Sim, não temos alternativa se queremos ser agentes da mudança, portadores da boa nova redentora, assente no martírio dum justo, é certo, que se projecta para lá do horizonte do momento feliz que vivemos, individualmente e como membros da eclésia em preparação, qual noiva virtuosa, e constrói o futuro radioso, de paz, segurança e bem-estar num mundo novo, também profetizado e que alcançaremos pela mão do que se fez «Servo» e que glorificará os seus… servidores! É censurável procurar cada um o seu interesse, esquecendo-se de contribuir para a satisfação das necessidades dos outros, em particular quando somos, por vocação, elementos dum todo que se quer unido pelo vínculo do amor. Nos tempos de procura constante da vanglória, da satisfação de orgulhos desmedidos e ambições incontidas, convém lembrar o sentimento que havia no «Servo do Senhor», o qual já acima deixámos sinteticamente enunciado: «Ele, que por sua natureza era Deus, não quis agarrar-se a esse direito de ser igual a Deus. Pelo contrário, privou-se do que era seu e tomou a condição de escravo, tornando-se igual aos homens. E, vivendo
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como homem, humilhou-se a si mesmo, obedecendo até à morte, e morte na cruz. Por isso, Deus elevou Jesus acima de tudo e lhe deu o nome que é o mais importante de todos; para que em sua honra se ponham em adoração todas as criaturas: no céu, na terra e debaixo da terra; e para que todos proclamem, para glória de Deus Pai: Jesus Cristo é o Senhor!». (cf. Filipenses 2:6-11) Mais facilmente se pode agora «entoar» os Cânticos de Isaías sobre o «Servo do Senhor» e entender cada um dos seus versos e cada uma das suas estrofes, fixando-lhes o estribilho, que corresponde à síntese possível dum manancial tão rico de lições: Jesus fez-se servo do Pai, servindo os homens, todos os homens, enquanto os fazia seus servos, mas à condição de o serem voluntariamente.
Sesimbra, Agosto de 2006 José Manuel Martins
APRESENTAÇÃO
Neste livro desenvolvemos o tema da «paixão do Servo do Senhor», o Messias, tendo essencialmente por base os «Cânticos de Isaías», que são parte significativa do livro do profeta. O nosso propósito fundamental foi alcançar uma compreensão mais profunda do escritor, dos textos que analisámos, dos objectivos que tinham em vista, das repercussões que tiveram na época em que foram escritos, ao longo da História e que ainda terão no futuro. Metodologicamente, orientámo-nos apresentando os vários pontos de vista dos eruditos que escreveram sobre o livro de Isaías e fizemos menção das polémicas suscitadas sobre a autoria desse livro profético – polémicas que ainda hoje se suscitam não só quanto à autoria, mas também relativamente à sua unidade intrínseca.
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Conhecendo as várias interpretações possíveis do texto bíblico em causa, fizemos a exposição do assunto partindo da interpretação que lhe foi dada pelos escritores do Novo Testamento e dos pressupostos que a sustentou em relação ao «Servo do Senhor», o Messias sofredor. Não nos propusemos adoptar posições extremistas, mas apresentar aos leitores o resultado duma intensa pesquisa, realizada no interesse da melhor, mais correcta e abrangente explanação do referido texto bíblico. Para uma melhor compreensão dos «Cânticos de Isaías», anotámos vários textos do Novo Testamento, em comentários sintéticos, e a propósito de alguns versos, procurando destacar o substancial valor da revelação profética, invocada amiúde pelo próprio Senhor Jesus Cristo e pelos escritores canónicos. Esperamos, sinceramente, que a leitura do trabalho de investigação e análise, que agora depositamos nas mãos dos leitores, possa provocar, pelo menos, entusiasmo igual ao que experimentámos na sua preparação e realização.
Corroios, Julho de 2006 O Autor
APRESENTAÇÃO
I O profeta Isaías Isaías, filho de Amós, era natural de Judá e, muito provavelmente, da capital, Jerusalém, onde exerceu o seu ministério profético durante um período superior a meio século, que se estendeu sensivelmente desde a morte do rei Uzias, (cf. Isaías 6.1, ano 740 a.C.) passando pelos reinados de Jotão, (cf. 2 Rs. 15.7, 32-38; 2 Cr. 27.1-9) Acaz, (cf. 2 Rs. 16.1-20; 2 Cr. 28.1-27) e Ezequias, (cf. Isaías 1.1 e 2 Rs. 18.1-20, 21; 2 Cr. 28.132,33) até, pelo menos, o ano 701 a. C. Admite-se que esse período possa ter abrangido, inclusive, a parte final do reinado de Manassés no período de 696-692 a.C. (cf. ainda 2 Rs. 21.1-18; 2 Cr. 33.1-20)
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Isaías, de acordo com a tradição, seria primo do rei Uzias ou sobrinho do rei Amazias e teria influência na vida pública de Judá, dada a sua proximidade à realeza. É de salientar a sua forma de escrever que revela ser uma pessoa extremamente talentosa e com excelente formação académica (só possível aos nobres e aos sacerdotes). Era casado com uma profetisa, pai de dois filhos – cujos nomes simbólicos reflectiam toda a mensagem do livro: o primeiro, recebeu o nome de Sear-Jasube, que significa «(somente) um remanescente voltará», e o segundo, chamou-se Maer-Salal-Has--Baz, que significa «rápidodespojo-presa-segura», (cf. Isaías 7.3 e 8.3) – muito culto e que se expressava, literariamente, através da poesia. Ainda segundo a tradição, o profeta terá sido martirizado durante o reinado do malévolo rei Manassés e por ordem expressa deste, que o mandou serrar ao meio. Isaías é o mais ilustre dos profetas literários e é conhecido como o profeta messiânico, pois é o Livro dos profetas que mais menção faz à vinda do Messias.
II A época do profeta Isaías O profeta Isaías viveu durante um período muito crítico da história regional. Com efeito, esse período corresponde ao tempo em que os grandes monarcas/impe-
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radores assírios Tiglate-Pileser III, Salmaneser IV, Sargão e Senaqueribe se lançaram nas tarefas militares e políticas de universalização do império assírio. O primeiro desses monarcas/imperadores, Tiglate-Pileser III, ascendeu ao poder no ano de 745 a.C., conquistando até ao ano 720 a.C. toda a região norte da Síria, tendo, no ano de 738 a.C., subjugado a cidadeestado de Hamate e forçado outros pequenos reinos da região a pagarem-lhe tributo de modo a poderem escapar do mesmo fim. Entre eles, estava o reino de Israel, na altura governado pelo rei Manaém, que, invadido, pagou trinta e quatro toneladas de prata para se manter no trono e garantir a saída dos assírios do território nacional. (cf. 2 Rs. 15.19-20) Após uma rebelião bem sucedida, Peca, rei de Israel, foi ferido e morto por Oseias, que assumiu a liderança do reino, pagando tributo ao monarca/imperador assírio Tiglate-Pileser, o qual havia conquistado parte do território situado no norte, durante o reinado do rei assassinado, e levado em cativeiro uma parte significativa do povo de Israel. Entretanto, o novo imperador assírio, Salmaneser, fez guerra contra Oseias e este rendeu-se, passando a pagarlhe um tributo anual. Mais tarde, porém, Oseias conspirou contra aquele imperador e recusou-se a pagar-lhe o
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tributo estabelecido. Como consequência, o imperador assírio mandou prender o rei Oseias e metê-lo na prisão, após o que invadiu o território de Israel, conquistou Samaria e levou prisioneiro o povo israelita para a Assíria. (cf. 2 Rs. 7.1-6) Com a queda de Israel, o reino do norte, a Assíria estendeu o seu império até à fronteira norte do reino de Judá. Depois da morte do imperador Sargão II (ano 721705 a.C.) ocorreram várias revoltas contra o domínio assírio, uma das quais protagonizada pelo rei Ezequias, de Judá. (cf. II Rs. 18.4-8) Senaqueribe, rei da Assíria no período de 704-681 a.C., que saqueou a Babilónia em 689 e estabeleceu Nínive como sua capital – com palácio real e biblioteca – acabaria por atacar todas as cidades fortificadas de Judá e conquistá-las, forçando o rei Ezequias à rendição e ao pagamento de um tributo de dez toneladas de prata e uma tonelada de ouro. (cf. II Rs. 18.13-14) Senaqueribe, insatisfeito com o tributo pago por Ezequias, avançou para a conquista de Jerusalém, mas foi estrondosamente derrotado pela intervenção milagrosa de Deus, que feriu numa noite cento e oitenta e cinco mil dos soldados do exército invasor, conforme profetizara Isaías. (II Rs 19.35-37)
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III O livro do profeta Isaías No cânone bíblico, o livro de Isaías, que terá sido escrito por volta do ano 700 a.C., é notável por várias razões, das quais destacamos: O tamanho, pois só é menor que o livro dos Salmos; A influência, visto que era, sem dúvida, um livro importante e conhecido; A referência que constituiu para os escritores do Novo Testamento, em cujos livros o de Isaías é citado mais de quatrocentas vezes, reflectindo-se neles a linguagem do profeta; De todas as Escrituras proféticas é a mais formosa e sublime pois em nenhum dos outros livros proféticos obtemos uma visão tão gloriosa do Messias e do seu reino; Por causa da ênfase dada à graça de Deus e à sua obra redentora, com relação a Israel e às nações, tem sido chamado «O Quinto Evangelho».
IV A unidade do livro de Isaías A) Autoria A ideia tradicional de que foi Isaías quem escreveu o livro na sua totalidade é hoje motivo de muitas e variadas discussões entre os especialistas e eruditos.
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Muitos deles aceitam que o livro se divide em dois: O primeiro é constituído pela parte correspondente aos capítulos primeiro a trigésimo nono; O segundo é constituído pela parte correspondente aos capítulos quadragésimo ao sexagésimo sexto. De uma forma geral, estas duas partes são designadas por «Primeiro Isaías» e «Segundo Isaías» ou «DeuteroIsaías». Noutras análises, os autores respectivos chegam mesmo a distinguir três livros diferentes: O primeiro é formado pelos capítulos um a trigésimo nono; O segundo é formado pelos capítulos quadragésimo a quinquagésimo quarto; E o terceiro é formado pelos capítulos quinquagésimo quinto a sexagésimo sexto. Além destas, existem outras posições extremas segundo as quais o livro de Isaías foi escrito por quatro ou mais autores. Finalmente, segundo alguns eruditos, nenhum autor é identificável no livro pois a obra é vista como uma compilação progressiva levada a cabo por membros desconhecidos dentro da comunidade dos fiéis. Analisemos então cada um destes pontos de vista de uma forma mais aprofundada.
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1. O ponto de vista tradicional Apenas no século XVIII a unidade do livro de Isaías começou a ser questionada. Até então, o livro era aceite como produção literária exclusiva de Isaías. E isso era assim porquanto todos os manuscritos do livro o apresentavam como sendo uno, sem partes e indivisível. Não existe qualquer menção ou evidência histórica de que algum outro autor tivesse estado envolvido na preparação de qualquer parte do livro de tal modo que ela pudesse deixar de ser atribuída ao autor, legitimamente reconhecido. Além disso, também não se encontra, de forma clara e inequívoca, qualquer evidência sobre a eventual interrupção na escrita do livro, mormente no capítulo trinta e nove e no começo do quadragésimo, como alguns estudiosos, nos últimos dois séculos, têm vindo a sugerir. 2. Um autor distinto para os capítulos quadragésimo quarto a sexagésimo sexto. Foi o erudito Döderlein quem primeiro sugeriu que os capítulos quadragésimo a sexagésimo sexto não foram escritos por Isaías, mas por outro autor, provavelmente durante o século sexto a.C. Desde então tais capítulos passaram a ser identificados pelo livro DeuteroIsaías, o qual, presumivelmente,
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teria sido obra de um autor desconhecido, escrita durante o cativeiro dos Hebreus, na Babilónia. 3. Uma outra divisão: O trito-Isaías ou Terceiro Isaías Outros eruditos, que estudaram o livro do profeta, destacam a existência duma terceira divisão no livro, defendendo que os capítulos quinquagésimo sexto a sexagésimo sexto terão sido escritos, depois do exílio, em Judá, por outros profetas anónimos. Por isso, à parte do livro correspondente a tais capítulos chamaram Trito-Isaías ou Terceiro Isaías.
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Sobre o autor O autor nasceu no ano de 1977, em Lisboa. Em 1996, ingressou no Instituto das Assembleias de Deus em Portugal, onde concluiu o curso de dois anos, e, em 2002, licenciou-se em Ciência das Religiões, variante Teologia Cristã – Ecuménica, pela Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias, em Lisboa. Durante os últimos oito anos tem servido a Deus na Igreja Evangélica, Assembleia de Deus Pentecostal de Almada, tendo sido, responsável pela congregação da Costa da Caparica. Recentemente, foi eleito membro da Mesa da AssembleiaGeral da Convenção das Assembleias de Deus em Portugal. Integra a Direcção do Instituto Bíblico da referida Convenção, no qual lecciona as disciplinas de Heterodoxia e Ética Cristã.
Obras do autor G12 – Uma análise crítica da Visão Manuais do professor e do aluno «Religião e Fé», usados pela COMACEP no ensino público da disciplina de Educação Moral e Religiosa Evangélica (co-autoria).