Introdução
Em 2001, juntei-me às fileiras de mais de um milhão de pessoas nos Estados Unidos a quem nesse ano foi diagnosticado cancro. As suas vidas nunca mais seriam as mesmas. Nem a minha. Fui uma dessas mulheres em cada sete ou oito a quem durante a vida é diagnosticado cancro da mama. Como iria descobrir, as mulheres respondem ao cancro pelo menos de quatro formas. A primeira resposta é negação. A mulher em negação diz: «Está tudo bem». Ela nega ou suprime os seus pensamentos e sentimentos. Talvez se obrigue a sorrir e a rir para evitar deixar desapontados os parentes, os amigos e os seus irmãos da igreja. Ela pode reprimir os seus pensamentos e sentimentos porque acredita que os outros não irão pensar bem a seu respeito. Talvez ela se esforce por aceitar as suas limitações humanas. Ele sempre satisfez as necessidades dos outros e ignorou-se a si própria. Interroga-se o que os outros farão se ela não estiver disponível. Convence-se de que, se chorar, poderá não ser capaz de parar. Recusa-se a fungar ou a derramar uma lágrima uma vez que receia que isso vá arruinar o seu testemunho. A mulher em negação sorri no exterior enquanto por dentro tem o coração despedaçado. Ela pode vestir cores garridas para convencer os outros que se sente feliz. Assobia ou canta hinos quando preferiria gritar ou soluçar. Tem vivido em negação há tanto tempo que já não sabe o que pensa ou sente. Pergunta aos outros quais são os seus pedidos de oração, mas não partilha os
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seus. Quando as complicações surgem, finge que não existem. Pensa que o mundo está cheio de alegria e que tem de continuar a irradiar felicidade. A segunda resposta ao cancro é a negatividade. A mulher negativa diz: «Vou morrer». Tudo parece ameaçador à mulher negativa. Ele vive em desespero. Antecipa a sua morte iminente com esta doença. A menor dor significa que o cirurgião não removeu todo o tumor e que este se espalhou pelos seus órgãos vitais. Ela pensa que o médico oncologista não percebe como a aspirina a deixa tão doente, quanto mais a quimioterapia. A radioterapia vai certa6
mente dar cabo dela. A ideia de ir ao hospital aterroriza-a. Ouviu falar tanto de infecções nosocomiais que fica com receio de contrair uma e morrer. Redige ou actualiza o seu testamento. Pode até programar uma ida à agência funerária para comparar caixões e preços. Deve falar ao pastor e abordar com ele como será o culto fúnebre. É incapaz de sorrir, muito menos de rir. Receia que a cirurgia e o tratamento sejam ineficazes. Em vez de orar, chora e passa noites sem dormir. A família e os amigos procuram ajudá-la. Mas para a mulher negativa, eles não a entendem e, por isso, não podem ajudá-la. Esta mulher pode despedir-se do emprego, uma vez que pensa que já não vai precisar de dinheiro. Pode desfazer-se de roupas e de bens pessoais e escrever cartas de despedida. Os passatempos deixam de lhe interessar. Mira-se todos os dias ao espelho em busca de sinais de deterioração física. Pode recusar atender o telefone ou abrir a porta. A Bíblia dela enche-se de pó. A «Marcha Fúnebre» está continua-mente na sua cabeça. Para ela, a vida chegou ao fim.
Raiva é a terceira reacção. A mulher irada diz: «Meu Deus, porque estás a fazer-me isto?» Refila não só contra Deus mas também contra a família, os amigos, o cão e todos quantos se cruzam no seu caminho. Pode ficar irritada consigo própria, com os seus genes, com a família, com o Sistema de Saúde e com a Segurança Social. Como é que Deus pode levá-la no vigor da vida? Porque é que Deus não a dotou com melhores genes? Porque é que ela não cuidou melhor de si própria? Como é que o governo aprovou drogas que aumentavam as hipóteses de contrair cancro da mama? Como é que alguém se atreve a fumar à sua frente? Porque é que gastou o seu dinheiro em planos de poupança nos últimos anos? A quarta reacção ao cancro é a esperança. A mulher de esperança diz: «Deus, sei que vais estar comigo nesta provação». Abre o coração ao Senhor, admite que está com os nervos em franja e confia que Deus a ajudará nesta crise. Apesar desta atitude saudável e madura, ainda terá a tendência de saltar entre reacções negativas e positivas. A mulher de esperança acha que é mais fácil ser honesta consigo própria, com Deus e com um grupo seleccionado de amigos. Uns dias, sente-se cheia de energia e positiva. Noutros, nem sequer quer sair da cama. De uma maneira ou de outra, admite a sua luta para confiar em Deus e compreender o propósito da sua doença e dor. Ora e pede aos outros que orem por si. Mais do que recitar uma lista de pedidos a Deus, ela conversa com Ele. Fica calmamente à espera da sua resposta. Investiga na Internet, nas bibliotecas e nas livrarias a informação mais actuali-zada sobre o cancro e discute com Deus os prós e os contras das questões que rodeiam a doença.
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Quando o medo lhe enfraquece o ânimo, a mulher de esperança clama a Deus pedindo-lhe que a fortaleça. Quando a raiva lhe faz aumentar o ritmo cardíaco, pede ao seu Pai celestial que a acalme. Embora a depressão ataque sem aviso, ela diz para si mesma: «Hoje, sinto-me nas lonas, mas amanhã estarei melhor». Como ela não faz segredo da sua depressão, perde o seu poder sobre ela. Também permite que Deus a anime. Ela enfrenta o cancro com a ajuda do Senhor. O estudo bíblico diário dá-lhe conforto, segurança e confiança. Este tipo de mulher lida com o diagnóstico do cancro de uma 8
forma superior. Muitas de nós, apesar de todos os esforços, não atingimos este ideal. Quando descobri o caroço no meu peito, duas semanas antes do Natal, entrei em negação. Confidenciei com poucas pessoas. Não queria estragar o Natal da minha família ou dos meus alunos. Participei nos cânticos natalícios e em todas as festividades escolares como se tudo estivesse bem. O centro de aconselhamento cristão, onde trabalhava em tempo parcial, tinha uma festa de Natal; sorri e troquei prendas com o pessoal sem dizer palavra sobre a possibilidade de estar com um cancro. Estava com conselheiros cristãos, assistentes sociais e psicólogos — tudo pessoas com formação para ajudar em momentos de crise — mas suprimi os meus pensamentos e emoções. Não queria estragar o espírito natalício. Mas, ao calar-me, senti-me sozinha e assustada. Três dias antes do Natal, uma amiga levou-me ao hospital, para fazer uma biopsia. Uma outra foi buscar-me algumas horas mais tarde. Na altura, pensava que estava a proceder bem, não contando nada à minha família. Contudo, se o meu filho ou os meus pais
tivessem procedido de igual modo, teria ficado aborrecida e teria querido estar presente para dar todo o meu apoio e encorajamento. A minha negação fez com que esse Natal fosse triste e cheio de solidão. Noutras ocasiões, reagi com negatividade. Receava a morte iminente. Sendo cinturão negro de karaté, assumi que era uma pessoa forte, mas o diagnóstico de cancro deixou-me bastante abalada. Usar maquilhagem deixou de ser importante. Felizmente, uma coopera-dora telefonou-me, percebeu a minha depressão, orou por mim e ajudou-me a aliviar o fardo. Mas, ainda assim, oscilava de uma reacção para outra sem aviso. Certa manhã, uma cooperadora perguntou-me como me sentia. «Estou zangada com Deus», respondi sem me conter. «Oh, não, Yvonne, não podes estar zangada com Deus.» «Mas a verdade é que estou!», respondi e fugi dela. Na altura, estava zangada e precisava de processar o sentimento, não de o negar. Aprendi rapidamente a saber quais as pessoas com quem podia ser honesta e quais as que me julgariam ou com quem me sentiria pouco confortável a partilhar. Esforcei-me por não levar a peito se alguém não se sentisse à-vontade com a minha comunicação descontraída. Talvez essa pessoa se sentisse desconfor-tável com a sua própria situação e não fosse capaz de se relacionar a um nível mais profundo. Acima de tudo, encontrei pessoas que me escutaram e me deixaram resolver as emoções que eu experimentava. Alguns consideraram que era seu dever dizer-me a razão de eu ter cancro. Não sei porquê, mas penso que achavam que assim me confortavam ou me encorajavam. Talvez pensassem que estivessem a indicar-me como é que eu falhara em confiar em Deus ou onde eu falhara em cuidar de mim. Tive de recordar que
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as suas teorias eram exactamente isso — teorias, não factos. O único que sabia o «porquê» era Deus. Pessoas bem-intencionadas falavam-me da tia, da avó, da prima, da amiga ou da vizinha que tinha cancro. Talvez dissessem as primeiras palavras que lhes vieram à cabeça, sem perceberem como podiam afectar-me. «A minha tia teve cancro», dizia-me alguém. «Como é que ela está agora?» perguntava eu. «Morreu. Foi há oito anos e ainda sinto a falta dela.» Nem sei quantas vezes ouvi respostas semelhantes. Nunca 10
percebi a razão de as pessoas agirem assim e tive de aprender a não as ouvir. Sim, a tia Ellen morreu e a prima Margaret perdeu o uso do braço esquerdo porque o cancro se espalhou pelo corpo. Mas eu não era nem a Ellen nem a Margaret. Nos dois grupos de apoio a que aderi, conheci várias mulheres que haviam sobrevivido ao cancro e estavam bem, cinco, dez, quinze ou vinte anos depois do tratamento. Deus usou-as para me abençoar, para me recordar que era Ele quem estava no controlo e que nem todos morrem de cancro. Deus continuava a estar comigo e consolava-me. Havia dias em que experimentava uma gama variada de emoções num período de vinte e quatro horas. Interrogava-me se alguém me compreenderia. Como poderiam entender-me? Nem eu me compreendia a mim própria. Ansiava por um livro que abordasse todos esses sentimentos num contexto bíblico e de oração. Encontrei mais consolo nas Escrituras nesses dias como jamais havia experimentado. Ao ler as preciosas promessas de Deus, tirava apontamentos e a Bíblia ganhava vida. As pessoas da
Escritura eram seres humanos com virtudes e fraquezas, tal como eu; não eram perfeitas. Na maioria das vezes, não fingiam ser. Durante a cirurgia, a quimioterapia e a radioterapia, Deus nunca deixou de estar ao meu lado. Percebi que Ele era real. Ele amava-me. Era fiel. Para Ele, eu era mais do que uma paciente com cancro. Era sua filha. Como é o Rei dos reis, eu era sua princesa. Eu tocava música de louvor e de adoração, recitava as Escrituras e fazia planos para o futuro. Elaborei uma lista de ideias para uma festa depois da minha recuperação. A minha oração era que Deus me deixasse concluir o meu estágio em aconselhamento e me ajudasse a passar no exame de estado para me tornar conselheira diplomada profissional. A festa seria uma celebração de vida e de licenciamento. Um ano depois, concluí o meu estágio, passei no exame de estado e fiz a minha festa.
*** E tu? Se tu ou alguém a quem amas sofre de cancro, quais são os sentimentos que experimentas ao leres estas palavras? Qual das quatro reacções te é mais familiar — negação, negativa, zangada ou esperançosa? Provavelmente interrogas-te; todas nós. Quando entramos numa parte nova e desconhecida das nossas vidas, as perguntas são sem dúvida uma das coisas que enfrentamos. Como é que o tratamento vai afectar a minha aparência? Vou continuar a sentir-me feminina durante a quimioterapia, quando me cair o cabelo, as sobrancelhas e as pestanas? O meu marido continuará a considerar-me desejável? Como é que a minha família e os amigos reagirão a mim? Irei sobreviver?
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Algumas de nós sentem-se como se as nossas vidas estivessem descontroladas, o que é um facto. Já não dominamos as nossas vidas, embora de facto isso nunca tenha acontecido. O cancro arruinou os nossos planos imediatos. Pusemos de lado algumas coisas. Fomos obrigados a elaborar outros planos, mas mesmo nos piores momen-tos Deus está connosco. O cancro pode abalar os alicerces da nossa fé. Num minuto, confiamos em Deus e no outro, duvidamos se Ele saberá o que está a fazer. Num dia, lemos e meditamos na Palavra de Deus e reivindicamos as suas promessas com confiança e no dia seguinte, 12
duvidamos da sua fidelidade. Muitas de nós clamam: «Meu Deus, meu Deus, porque me abandonaste?» Horas mais tarde, a calma regressa e podemos dizer: «Com Deus, tudo é possível». A nossa vida é uma viagem espiritual.
*** Estás prestes a embarcar comigo numa viagem de sessenta dias à procura de esperança no meio do cancro. (Embora eu imaginasse este livro como um devocional de sessenta dias, deves ler estas meditações conforme o desejares.) A cada leitura bíblica chamo Átrio de Esperança. O teu Pai celeste é um Deus de esperança. Jesus, o maravilhoso Conselheiro e Príncipe da Paz, espera encontrar-se contigo nas páginas deste livro. Ele é o Grande Médico. Permite que Ele te ministre através das passagens bíblicas e dos versículos seleccionados. Os membros da tua família podem estar a tentar enfrentar sentimentos semelhantes aos teus. Eles querem dizer alguma coisa, mas não sabem como se expressar. Talvez tenham receio de
partilhar os seus sentimentos contigo com medo de te perturbarem. Este devocional é também para eles. Deus ama a tua família e anseia consolar cada um deles. Para quem tiver crianças pequenas, sugiro que seleccione passagens deste livro para lhas ler. Fale-lhes do cancro. As crianças têm a tendência de se culpar por aquilo que corre mal. Certifica-te se elas compreendem que a culpa de teres cancro não é delas e que elas não podem curá-lo. Partilha com elas o Átrio de Esperança e os versículos bíblicos. Pronuncia com elas a oração no final do devocional. Como Jesus ama as criancinhas e tem sempre tempo para elas, Ele irá consolá-las. Talvez elas consigam decorar contigo os versículos bíblicos e poderás discutir o que eles representam para cada uma de vocês. Se os teus amigos disserem que gostariam de poder compreender o que se passa contigo, partilha com eles este livro. Como parte do corpo de Cristo, podem ser usados por Deus para te ajudar ao longo da caminhada. Leva um exemplar do livro para a biblioteca da tua igreja. Outros na tua igreja, que sofram de cancro ou tenham algum familiar com a doença, podem também partilhar esta caminhada. Os vizinhos também poderão estar a esforçar-se por te compreender a ti, a tua doença e a tua fé. Não há problema que eles saibam que és um ser humano normal. Convida-os para se juntarem a ti nesta viagem espiritual de esperança. Se trabalhares fora de casa, partilha o devocional com as tuas colegas. Muitas deles querem ser úteis. As que te são mais próximas podem experimentar muitas das mesmas emoções pelas quais estás a passar. Elas também desejam ver algum sentido nesta
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doença assustadora. Talvez possas ler em cada dia o devocional com elas, à hora do almoço ou durante um intervalo. Nunca terás as respostas às tuas perguntas neste lado do céu. A Palavra de Deus não é apenas para os dias bons; também é para os maus. Podes experimentar a vida após um diagnóstico de cancro, e ela pode ser abundante. A minha oração é que, ao leres este devocional, Deus te envolva com os seus braços de amor e te dê esperança. Oro para que venhas a conhecer o Senhor de uma forma mais intensa e mais rica. Que possas sentir a sua presença cada dia mais e crescer em esperança. 14
Para o máximo benefício, sugiro que experimentes estes métodos: 1. Usa uma Bíblia em que possas escrever. Sublinha ou traça círculos nas passagens no Átrio de Esperança. Ao lado, escreve uma data. 2. Escreve os versículos num bloco de apontamentos portátil no bolso ou na carteira. 3. Escreve os versículos em autocolantes Post-It, colocando-os no espelho da casa de banho, no armário da cozinha, na tua secretária. 4. Se tiveres um computador no emprego ou em casa, usa os versículos bíblicos como papel de fundo. Decora os versículos e medita neles. Repete-os ao longo do dia e pede a Deus que os torne vivos na tua vida. 5. Compra um bloco de notas ou uma agenda para registar os teus pensamentos e sentimentos enquanto lês o devocional.
Ao falares com Deus e esperares a sua resposta, anota diariamente as tuas orações e as suas respostas. 6. Usa uma máquina fotográfica para tirar fotos do teu percurso durante este livro. As crianças na família irão apreciar ajudar-te nessa tarefa. 7. Se tiveres inclinação para a música, podes musicar algumas das passagens ou versículos bíblicos. 8. Faz uso dos talentos teatrais que possas ter e escreve peças teatrais que representem as tuas reacções aos devocionais. 9. Se pertenceres a algum grupo de apoio a cancerosos, lês este devocional nas vossas reuniões. Cada um dos membros pode discutir o modo como Deus tem falado através do
Átrio de Esperança, dos versículos bíblicos, dos episódios e das orações.
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PRIMEIRA PARTE
DIAGNÓSTICO Recebendo a notícia Lidando com a raiva e o medo Lutando contra a depressão
A notícia que não queria ouvir
ÁTRIO DE ESPERANÇA Salmo 6:1‒7 Salmo 6:2–3 «Tem compaixão de mim, Senhor, porque me sinto sem forças; devolve-me a saúde, porque me sinto abalado. A minha alma está perturbada, Senhor. Até quando terei de esperar por ti?» 19
Ao ouvir o meu cirurgião dizer «tumor maligno», senti-me a ir abaixo. Estava na sala de professores da escola onde dou aulas e tinha o telefone na mão. A minha colega e amiga, Lucy, pôs os braços à minha volta e começou a orar. Sentia-me frágil, e percebi que não era nem invencível, nem imortal. Era hora do almoço e não consegui comer. Deixei a escola e dirigi-me até ao meu segundo emprego em tempo parcial no centro de aconselhamento para me encontrar com o meu supervisor. No caminho, mal podia ver através das lágrimas. Clamei a Deus: «Agora já posso ser uma oradora de retiros?» De algum modo, pensava que sofrendo de cancro podia tornar-me conferencista de retiros, o que era o desejo do meu coração. «Deus, ainda só completei duas mil das quatro mil horas obrigatórias do estágio de aconselhamento. Chamaste-me para ser conselheira. Tenho sido obediente e agora vais deixar-me morrer». Lembrei-Lhe as minhas centenas de horas de estudo e todo o dinheiro que gastara com as propinas e os livros.
Quando cheguei ao emprego, o meu supervisor olhou-me bem nos olhos e parece ter percebido qual fora o resultado da biópsia. Reuniu os outros membros do pessoal no seu gabinete para orarem por mim. Chorei durante a maior parte do tempo. A dada altura, solucei: «Oh, meu Deus, tenho tanto medo!» Depois da reunião com o meu supervisor, não tinha mais nenhuma consulta no centro de aconselhamento e dirigi-me ao consultório do cirurgião. A minha amiga Pat encontrou-se comigo ali. Apesar do seu apoio e do apoio dos outros colegas, senti uma angústia indescritível. Não admira que o médico me mandasse 20
entrar acompanhada por alguém. Regressei a casa, vomitei duas vezes e hiperventilei. Provavelmente não dormi mais do que duas ou três horas nessa noite. Receber um diagnóstico de cancro é uma experiência devastadora. A nossa vida nunca mais volta a ser a mesma. Não perdemos a razão — ficamos assustadas e isso é natural. Não faz mal chorar. David chorou. No Salmo 6, ele disse que estava esgotado de se lamentar e de chorar durante toda a noite. Se David, o homem segundo o coração de Deus, podia chorar e pedir misericórdia, também eu podia fazer o mesmo.
Senhor, sê misericordioso comigo, tua filha. Tenho tanto medo. Não me deixes desmaiar. Ámen.
A alegria do Senhor
ÁTRIO DE ESPERANÇA Filipenses 4:4-8 Neemias 8:10 «Não estejam tristes, porque na alegria do Senhor está a vossa força.»
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A minha amiga Emily telefonou-me de Connecticut. Fez uma chamada conjunta com a nossa amiga mútua Stephanie na Pensilvânia. Emily partilhou comigo uma Escritura maravilhosa e disse-me que era de Jeremias 29:17. Abri a minha Bíblia e li: «Vou mandar guerra, fome e peste contra eles, de modo que ficarão desfeitos como figos podres». Emily garantiu-me que iria encontrar a referência correcta. Não querendo desistir, citou outra Escritura e disse que se encontrava em 1 Samuel 25:19. Encontrei o versículo, mas era sobre uma mulher que não revelara ao marido algo que ela havia feito. Emily então disse que a referência devia ser 2 Samuel 25:19, mas 2 Samuel termina no capítulo 24! Com tudo isto, nós as três fartámo-nos de rir. Descobri que ainda consigo rir. Esta manhã, cantei o coro«A Alegria do Senhor, a minha força é». Quando cheguei ao verso cujas únicas palavras são «Ah, ah, ah», ri até às lágrimas.
Talvez nos admiremos como é que alguém consegue rir depois de lhe ter sido diagnosticado cancro. No Hamlet de Shakespeare, os coveiros amenizavam o ambiente pesado fazendo palhaçadas. Na série televisiva M*A*S*H*, os militares riam-se e contavam piadas quando estavam atolados até aos cotovelos em lama e sangue. O alívio pela comicidade é um dom de Deus. Talvez algo mais esteja a passar-se. Quando nos sentimos aterrorizados, podemos curvar-nos humildemente perante o Senhor, ler a Bíblia e agarrar-nos a qualquer palavra. Em Filipenses, Paulo diz-nos que devemos regozijar-nos 22
sempre e não ficar ansiosos com nada. Diz que devemos pensar no que é amável, excelente e digno de louvor. Então, podemos orar, cantar e rir no meio de lágrimas ou talvez podemos optar por dançar perante o Senhor, com lágrimas nos olhos. Seja o que for que fizermos, Deus promete-nos dar a sua paz.
«Pai, agradeço-te pelo sentido de humor e porque a alegria do Senhor é a minha força. Ajuda-me a regozijar em ti, mesmo quando estiver assustada. Que a tua paz guarde o meu coração e espírito. Ámen.»
Pensamentos irados
ÁTRIO DE ESPERANÇA Números 11:11-17 Neemias 8:10 «Não estejam tristes, porque na alegria do Senhor está a vossa força.»
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Meu Deus, a raiva ataca sem aviso. Disseste que reporias os anos que a locusta comeu. É com este cancro que fazes isso? Se é assim que tratas os teus filhos, não admira que eles sejam tão poucos. Falei dos meus sentimentos à minha amiga Carolyn. Ela respondeu que a vida não era justa. Quando penso em não deixar o sol pôr-se sobre a minha ira, desejo que fosse sempre dia claro. Tenho pena das pessoas que vivem no Alasca uma vez que ali escurece cedo no Inverno — não têm muito tempo para não se irritarem, antes de o sol se pôr. Não faz mal zangarmo-nos por termos cancro. Não temos de fingir ser cristãos perfeitos que nunca têm um pensamento negativo. A raiva é uma das fases da mágoa. O que fazemos com ela é que marca a diferença. Falar disso com Deus ajuda. Ele sabe como nos sentimos, mas quer ouvir a nossa expressão. Na passagem de Números, Moisés estava irritado com os Israelitas. Foi directamente a Deus e expressou os seus sentimentos.
Deus não criticou Moisés pela sua honestidade; apresentou-lhe uma solução. Deus disse a Moisés que lhe levasse setenta anciãos e então prometeu «pegar no Espírito» que estava sobre Moisés e «pôr o Espírito sobre eles». Iriam ajudar Moisés para que ele não tivesse de carregar sozinho este fardo. Deus também não quer que carreguemos sozinhos os nossos fardos.
Pai, dá-me a coragem para não deixar o sol pôr24
-se sobre a minha ira. Que eu derrame o meu coração perante ti, como fez Moisés, e receba a tua resposta. Ámen.
Uma montanha-russa às avessas
ÁTRIO DE ESPERANÇA Romanos 8:16‒18 2 Coríntios 4:17 «As aflições do momento presente são leves, comparadas com a grande e eterna glória que elas nos preparam».
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Este é um versículo maravilhoso, mas oh, é uma luta contra mim. O cancro não é uma aflição «leve» e assemelha-se a tudo menos a algo de «momentâneo». Mentiria se dissesse que me sinto bem. O meu íntimo desfaz-se com a verdade. Por vezes, já nem me conheço a mim própria. Disse ao meu supervisor do aconselhamento, Marti, que me sentia como se estivesse numa montanha-russa às avessas; por outras palavras, sinto-me impotente e assustada. Como filha de Deus, sou co-herdeira com Jesus Cristo. Mas acho mais fácil partilhar as bênçãos que os sofrimentos. Quem quer sofrer? Tudo em mim grita por alívio. Os meus joelhos tremem tanto que não só é difícil ver o quadro completo neste momento, como é também difícil crer que houvesse algum quadro. Nas doenças mortíferas, experimentamos todos os tipos de emoções. Podemos sentir-nos como se o mundo que conhecemos
já não existisse, e temos razão — ele desapareceu. Não nos ajuda nada quando os outros nos julgam ou nos dão uma resposta de circunstância. De uma forma simples e amorosa, Deus oferecenos as suas Escrituras para nos ajudar e lidar com as nossas emoções.
Pai celeste, está a operar na minha vida e tens uma glória eterna reservada para mim. Dá-me a força e a coragem para olhar para as minhas circuns26
tâncias à luz da eternidade e confiar em ti neste tempo de prova. Ámen.