Em suas mãos

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Pr. Jo達o Fernandes

Junho de 2005




Título Em Suas Mãos Autor João Fernandes Todos os direitos reservados. Proibida a reprodução por quaisquer meios, salvo em breves citações, com a indicação da fonte. Junho de 2005

Pedro Martins, edição e comércio de livros Rua Quinta da Flamância, Nº3 - 3ºDtº Casal do Marco 2840 - 030 Aldeia de Paio Pires Telefone: 210 878 323 livros@pedromartins.com Impresso em Portugal por SIG - Sociedade Industrial Gráfica, LDA Rua Pêro Escobar, 21 2680-574 Camarate Tel.: 219 473 701 Fax.: 219 475 970 1ª Edição | 1000 exemplares Depósito Legal 228101/05

ISBN 972-99047-5-8

Colaboração Editorial Dr. José Manuel Martins Agradecimento do autor Quero demonstrar o meu profundo agradecimento à irmã Dra. Dina Bandarra, pois muito contribuiu para que este livro se tornasse uma realidade. Bem-haja. Citações bíblicas A Bíblia Sagrada, traduzida em português por João Ferreira de Almeida, Edição Revista e Corrigida.


do editor 1. Em Suas Mãos corresponde também ao género de trabalho literário que idealizámos poder dar a lume na nossa colecção Memórias, servindo a comunidade evangélica nacional, em particular a assembleiana. O autor, de raízes eminentemente populares, fala-nos dos problemas e dificuldades da sua infância e adolescência, no ambiente social e económico reconhecível por uma grande parte dos homens e mulheres que, nas igrejas, constituem uma fatia significativa da sua membrasia. Referimo-nos, naturalmente, aos que nasceram nas décadas de trinta e quarenta e vieram, com os pais, para a grande metrópole, a capital do Império, em demanda de melhores condições de vida. Não era apenas o ambiente de guerra que assolava o Mundo de então, mas as poucas condições que o desenvolvimento português proporcionava às gentes que saíam das suas terras do Norte, de Trás-os-Montes, das Beiras, do Alentejo e do Algarve: desde as fracas condições na assistência médica à necessidade das crianças terem que trabalhar para completar o orçamento familiar.

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Em Suas Mãos 2. No início dos anos cinquenta, a Assembleia de Deus de Lisboa, recém-instalada na sua nova casa de oração, na Rua Neves Ferreira, à Calçada Poço dos Mouros (Penha de França) atraía muita gente, numa dinâmica avivalista sem paralelo em Portugal, que passava por um genuíno processo de conversão a Cristo. Pessoas de estrato social humilde, economicamente pobres ou remediadas, em grande maioria, aceitaram o repto de seguir Jesus e influenciar a sociedade, nos limites em que se movimentavam, em particular nos meios operários, trazendo outras para experimentarem os benefícios da pregação do Evangelho. 3. Alguns jovens da geração do autor têm lugar cativo na galeria dos heróis da fé pelo empenhamento pessoal que colocaram na divulgação do Evangelho, através da distribuição de folhetos e no contacto porta-a-porta, num tempo em que a única suspeição de que poderiam ser alvo era a de estarem, talvez, sob influências políticas perniciosas para o regime (evidentemente que não escapavam incólumes às resistências ou oposições do catolicismo romano mas também, o que não convém esquecer, dos próprios grupos protestantes avessos à renovação pentecostal...). Muitos desses jovens não resistiram ao apelo da emigração e saíram para a França, Holanda, Luxemburgo, Bélgica, Alemanha, para África do Sul, para os Estados Unidos da América, para o Canadá, para o Mundo, afinal, incluindo os antigos territórios portugueses em África. O objectivo era melhorar as condições de vida económica das famílias, proporcionar aos filhos um futuro mais risonho… Muito deles puseram de pé igrejas pentecostais florescentes, fundadas no seio das comunidades de compatriotas, que perduram. 4. Neste livro de memórias, encontrará o leitor um retalho significativo da sua própria história pessoal – quer porque pertence à geração do autor, quer porque conheceu e privou com os líderes pente-

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Pr. João Fernandes costais que ele refere, quer porque também se deixou atrair pela aventura da emigração – recordará em trechos significativos o progresso da igreja a que pertence ou pertenceu, cá, nos demais países da Europa ou de África onde os portugueses tiveram (e têm…) acção influente, e, ainda, sonhará certamente com o dia em que o movimento do Espírito de Deus vai fazer-se sentir como naquele tempo… 5. A obra foi editada, mas apenas no que se julgou absolutamente necessário para garantir um texto escorreito do ponto de vista gramatical, sem prejuízo da autenticidade do pensamento e expressão livre do autor, que nela se reconhece em absoluto. 6. As pequenas notas do editor, apresentadas em rodapé, permitirão ao leitor, julgamos nós, uma melhor identificação das individualidades que, por uma ou outra razão, marcaram o percurso de vida do autor e surgem referenciadas no texto às vezes apenas pelo nome, o que, para os mais jovens, poderia revelar-se insuficiente. O critério da elaboração dessas notas não pressupõe uma anotação exaustiva à vida e obra das pessoas visadas, porque tal não caberia num livro como este, mas procurou-se apresentar algumas fontes de referência onde os leitores interessados poderão encontrar informação complementar. 7. Por último, ainda a propósito daquele critério e para que não se suscitem quaisquer dúvidas sobre ele, as notas do editor restringem-se, quando se referem a pessoas, às que deram um contributo relevantíssimo para o progresso da Obra de Deus e já descansam com o Senhor. Não é que o livro não beneficiasse com menções biográficas, nessas notas do editor, por exemplo, doutras figuras ímpares do pentecostalismo português, mas que ainda podem, eles próprios, escrever as suas memórias… em cuja divulgação, como editor, teríamos todo o interesse em nos empenhar.

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prefácio Pr. António Costa Barata 1. O autor é natural da freguesia de Covelas, que fica apenas a 4 km da cidade de Braga - terra de padres e de uns poucos pastores evangélicos! - onde nasceu a 21 de Junho de 1936. Os seus pais fixaram-se em Lisboa em 1938, tendo ele apenas dois anos de idade. A mãe era mais católica do que o pai e, por isso, mais tolerante. Casou com uma jovem algarvia, de nome Leonor Francisca dos Reis, que depois tomou o nome de Fernandes - a qual nasceu em Barão de S. João, no Barlavento algarvio, onde existe um trabalho pentecostal, que vem do tempo do grande pioneiro que foi Manuel José de Matos Caravela, presentemente bastante esquecido. A este casal Deus permitiu o nascimento de um rapaz e de duas raparigas, que já casaram e deram também os tão esperados netinhos aos avós babosos! Era João Fernandes, o autor, uma criança, quando escutou a conversa sobre um templo religioso não católico romano, tido pelos populares como sendo um templo maçónico ou protestante.

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Em Suas Mãos Mais tarde, trabalhando com um colega que professava a fé evangélica, constatou ser pessoa de bem e foi com ele à Assembleia de Deus, na Rua Neves Ferreira, onde veio a converter-se a Jesus. António Fino e Anselmo Branco foram aqueles que, pelo seu exemplo e testemunho de fé e prática, ajudaram muitíssimo a vida espiritual do então jovem João Fernandes. O primeiro já está com o Senhor, o segundo, pela graça e favor de Deus, continua connosco e a servir a Deus na Assembleia de Deus de Aveiro. Em abono da verdade, foi um dos pioneiros da implantação do trabalho pentecostal naquela cidade e arredores. 2. Nesta obra, o leitor poderá ler em pormenor, e contado na primeira pessoa, o que Deus fez (e ainda faz e poderá fazer com aquele que n’Ele confia). A conversão libertou o jovem João Fernandes das más inclinações e integrou-o numa comunidade espiritual, onde a sua individualidade se desenvolveu numa existência mais positiva e útil para si, para os seus, e para a sociedade em geral. Em Lisboa, participou activamente na evangelização. Mais tarde, trabalhou no seio das Comunidades portuguesas emigradas, como ele, na Europa, tanto na Holanda, na Bélgica, no Luxemburgo como no norte da França. Assim, João Fernandes, com outros cristãos pentecostais que ele menciona, deu um excelente contributo no apoio espiritual a muitas famílias portuguesas, que foram em demanda de uma vida melhor nos países mais desenvolvidos da Europa. Na África do Sul, integrou-se numa missão evangélica suíça, assumindo igualmente o pastorado da igreja Assembleia de Deus portuguesa, onde deu o seu melhor. O ponto alto do ministério do autor teve lugar na cidade de Pretória, mais propriamente em Danville, aquando da construção de um templo para o culto divino.

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Pr. João Fernandes 3. Para se escrever história importa que haja testemunhos escritos. Por isso, esta autobiografia será útil para a História Geral das Assembleias de Deus de Portugal. O autor dividiu a sua obra autobiográfica em duas partes: na primeira, conta-nos as suas experiências humano-cristãs enquanto viveu em Portugal; na segunda, dá testemunho de como Deus fez dele um agente evangelizador, não só na missão de difundir literatura evangélica, mas também no trabalho evangelístico entre os emigrantes portugueses na Europa, em África e, de novo, em Portugal. 4. O escritor tem em mente testemunhar que, desde a sua conversão a Jesus Cristo, mais não fez do que orientar a sua vida de acordo com as promessas de Deus, exaradas nas Santas Escrituras, daí o título que deu ao livro: Em Suas Mãos. O prefaciador vê nesta autobiografia um elemento de trabalho para quem, um dia, venha a escrever sobre os frutos do ministério evangelizador da Assembleia de Deus de Lisboa, em Portugal, na Europa, na África e em outras partes do Mundo. 5. Concluirei, deixando aos leitores o prazer da descoberta de tudo quanto é substancial, interessante e inspirador na vida do autor, e de que fala o seu livro, com uma breve nota mais. Nos capítulos dezassete e dezoito pode ler-se como foi a vida ministerial do pastor João Fernandes e da sua mulher Leonor, em Portugal. Apesar de ter os seus filhos e os seus familiares longe, o casal continuou a servir a Deus, primeiro em Oliveira do Hospital, e depois em Águeda. Contudo, por razões que se prendem com a saúde da sua esposa, viu-se forçado a pedir a sua aposentação, fixando residência na cidade de Abrantes, em 2001, onde, dentro das suas possibilidades, dá a sua colaboração na causa da evangelização.

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dedicatória Desejo dedicar este livro de uma forma muito íntima e afectuosa aos meus filhos Anabela, Lídia e Filipe, assim como à minha querida esposa Leonor, por terem estado comigo, quer nos bons quer nos maus momentos que aconteceram na minha vida. Rogo a Deus que os abençoe como só Ele sabe fazer.

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introdução O valor da página impressa, quando visa divulgar valores positivos, é muito grande para os leitores, pois poderão adquirir conhecimento, edificação e motivação para uma vida mais objectiva. Este livro, que acabo de escrever, primeiramente tem o propósito de glorificar a Deus, por todas as bênçãos concedidas por mais de cinco décadas e pela maneira maravilhosa como Ele me tem guiado e guardado nesta jornada da vida. Tudo o que nele menciono prova que Deus na realidade é amor e ama a todos, pois não faz distinção de pessoas e é capaz de fazer, com quem quer que seja, coisas melhores e muito maiores do que aquelas que tiveram lugar na minha vida, visto que para o Seu poder não há limites. A Bíblia nos exorta para nos edificarmos uns aos outros; assim, desta forma, espero que este livro possa ajudar a quem quer que seja e motivar cada um dos leitores a pôr mais efectivamente a sua vida nas mãos de Deus.

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capítulo 1 Como cheguei Cada um de nós veio a este Mundo e tem a sua própria história, uns de uma maneira, outros de outra. Eu tenho a minha própria história. O meu desejo é que todos possam ter a sua história com um final feliz e com segurança, com uma certa e determinada paz que só por Deus nos pode ser concedida. Eu encontrei essa paz, a qual me tem proporcionado uma tranquilidade maravilhosa nesta jornada da vida, até mesmo em circunstâncias menos boas. Cheguei precisamente em dia 21 de Junho de 1936, dia em que nasci. As Escrituras Sagradas nos ensinam que todos somos criação de Deus, como está escrito: E de um só fez toda a geração dos homens, para habitar sobre toda a face da terra... (At 17:26), ou como Jó disse: As tuas mãos me fizeram (Jó 10:8). Por esta razão, deveríamos pensar sinceramente que somos propriedade Sua, sim, eternamente de Deus. Que bom seria se, a partir da nossa nascença, ficássemos sob a direcção de Deus e vivêssemos na Sua santa influência. Só que, pela desobe17


Em Suas Mãos diência de Adão e Eva, foi então introduzida a semente do pecado em toda a humanidade, por instrumentalização do Diabo, tornando assim o ser humano cada vez mais infeliz, sem esperança e sem Deus no Mundo. Sou descendente de uma família tradicionalmente muito religiosa, católica romana como a maior parte das famílias portuguesas. Todavia, no meu caso, e muito especificamente, nasci num lugar bem perto do berço do catolicismo português, que é a cidade de Braga, onde são formados, numa boa parte, os sacerdotes católicos portugueses. Usava-se dizer, naqueles dias, que Braga era a terra dos padres. Curiosamente, aconteceu, no Verão de 1985, quando visitava a cidade de Braga, ter sido convidado para ministrar a Palavra de Deus na Igreja Evangélica Assembleia de Deus desta mesma cidade. Após ter sido apresentado à igreja, não sabendo a mesma quais eram as minhas origens, referi que Braga não é somente terra de padres, mas é também terra de pastores evangélicos, uma vez que havia ali nascido, o que deu lugar a alguns momentos de bom humor. Muitos religiosos dizem: nasci com esta religião e morrerei com ela, privando-se da graça que Deus lhes vem ofertando de um modo ou de outro, querendo Deus dar um rumo certo às suas vidas e dar-lhes a conhecer o Seu eterno amor, revelado na pessoa de Seu Filho, Jesus Cristo, o Salvador do Mundo. Nasci sem rótulo. Como Paulo disse: (...) nada trouxemos para este mundo (...) (Tm 6:7), incluindo mesmo a melhor religião. Assim, à minha nascença, os meus pais me submeteram às práticas e rituais que achavam ser o melhor para o meu futuro, levando-me a seguir o caminho tradicional, afastando-me para longe de uma verdadeira procura por Deus e de ter uma experiência pessoal com Ele. Mas de uma coisa estou convicto: ninguém vem a este Mundo sem que Deus tenha parte nesse mistério, porque Ele quer cumprir os Seus eternos propósitos na vida de cada um de nós. E, se cada um desse lugar aos propósi-

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Foto1 Os pais do autor, por volta do ano de 1938, aquando da sua chegada a Lisboa tos de Deus, a vida teria mais sentido e significado, embora ninguém seja obrigado a aceitar o que Deus tem de bom e agradável. Porém, devemos procurar Deus, como está escrito: O Teu rosto, Senhor, buscarei (Sl 27:8). Mais adiante veremos como Deus me proporcionou esta oportunidade de O buscar. Ele é simplesmente Maravilhoso. Relativamente ao facto de Deus proporcionar o tempo e o meio de O buscar, direi que viemos a este Mundo com essa possibilidade, conforme está escrito: (…) para que buscassem (ao Senhor) (…) ainda que não está longe de cada um de nós (At 17:27-28), ou, como diz o salmista, perto está o Senhor daqueles que o invocam (…) (Sl 145:18). O apóstolo Paulo escreveu (Gl 1:15) que Deus o chamou desde o ventre de sua mãe. Contudo, a realidade desta chamada só se concretizou quando ele se converteu a Jesus, no caminho para Damasco, obedecendo a Deus sem reticências. E, assim, Deus fez o que bem entendeu com o apóstolo Paulo, usando-o maravilhosamente. Anos mais tarde, vim a compreender que Deus tinha igualmente 19


Em Suas Mãos um propósito para a minha vida, desde o ventre da minha mãe. Não quero com isto dizer que me posso equiparar a Paulo e espero que me compreendam. Dentro do percurso da minha carreira cristã, pude verificar que Deus também me chamou do mesmo modo, mas só vim a saber isto depois da minha conversão a Cristo e de seguir o caminho que para mim Ele traçou, o que não foi nada fácil, como mais adiante relatarei, para a glória de Deus. Foi bom, até ao presente momento, cumprir o melhor que me foi possível, contando sempre com a Sua graça e misericórdia, pois doutro modo não estaria ao meu alcance concluir as tarefas que o Senhor me deu. Todavia, terei que dizer que, depois de haver feito tudo, concluo que ainda sou um servo inútil e nada tenho em que me gloriar a não ser na cruz de Cristo.

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capítulo 2 A minha infância Fui para Lisboa com os meus pais, quando decorria o ano de 1938, aproximadamente com a idade de dois anos, pois o meu pai tinha arranjado um emprego estável. Fixámo-nos num bairro muito popular, denominado Alto do Pina. Foi ali que vivi e aprendi um pouco da vida quotidiana, com muitos prós e contras e bastantes sustos pelo meio. Uma infância muito difícil, sem dúvida. Meus pais passaram sérias dificuldades para me criarem e aos meus outros irmãos, pois éramos um agregado familiar de cinco pessoas. Nesse tempo, decorreram duas guerras, sendo elas a guerra civil de Espanha e a segunda grande guerra mundial. Por conseguinte, passámos por várias dificuldades, mas Deus sempre cuidou de nós de tal maneira que sempre tínhamos as provisões necessárias. Não foi fácil, mas tudo isso foi ultrapassado, graças a Deus.

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Brincadeiras mal sucedidas Recordo alguns episódios da minha tenra infância, que me deixaram marcas na memória para o resto da vida. Tinha os meus quatro anos quando passou por Lisboa um terrível ciclone, deixando para trás um grande rasto de destruição. Estava nessa altura na cozinha da casa onde vivíamos quando, de repente, desabou a chaminé do prédio e um montão de tijolos caiu a menos de um metro de mim. Outra vez, quando brincava no quintal da casa, devido ao mau tempo que se fazia sentir nesse Inverno, desabou junto de mim um muro, com cerca de três metros de altura, mas não sofri uma beliscadura sequer. Noutra altura, com os meus sete anos, viajando como pendura num dos velhos carros eléctricos de Lisboa, brincando com outros rapazes com mais idade do que eu, caí abaixo do carro eléctrico e, por milagre, a roda de ferro, que rolava no carril, apenas arrancou alguns cabelos da minha cabeça. Quando alguns dos passageiros e transeuntes, que passavam por perto, acreditavam ter sido esmagado pelo rodado do dito carro eléctrico, assim não aconteceu, pela infinita graça de Deus. Muitas outras histórias poderia narrar de acidentes ocorridos, que mereceram tratamento hospitalar, e que resultaram de brincadeiras mal sucedidas. Que quer isto dizer? Deus estava realmente cuidando de mim. Hoje compreendo que foi a boa mão de Deus que me guardou; por isso entendo que Deus tinha então um propósito para a minha vida.

Sonho ou não O que eu a seguir vou relatar poderá ser estranho, mas a verdade é que, segundo a minha versão, tudo ocorreu num sonho. Os sonhos são muito naturais - refiro-me, como é óbvio, aos sonhos que ocorrem durante o tempo em que dormimos e não aos sonhos da imaginação, que passam pela nossa mente durante o dia-a-dia. Não tenho os sonhos como regra de orientação para a vida, a não

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Pr. João Fernandes ser em alguns casos especiais e com evidências comprovadas de que se trata de revelação divina. Passando, pois, ao sonho em questão. Ocorreu numa noite, ainda durante a minha infância. Sonhei que estava em um certo lugar, que me dava um prazer indizível e uma sensação de bem-estar muito fora do comum; os habitantes desse lugar tinham um aspecto austero, mas revelavam simpatia e simplicidade e as suas vestes eram de um design majestoso. O tempo que se fazia sentir era simplesmente maravilhoso: nem era dia nem noite, mas havia uma luminosidade muito interessante, pois via-se tudo de modo claro e definido. Se considerarmos o tempo do amanhecer e do anoitecer do nosso sistema terreno, temos certas dificuldades em definirmos as coisas, mas não era este o caso do sonho em questão, onde tudo era luz e nitidez. Mais tarde, depois da minha conversão a Cristo e pela leitura da Bíblia Sagrada, entendi, pois tinha visto nesse sonho algo de semelhante, o que está escrito no livro do profeta Zacarias: E acontecerá, naquele dia, que não haverá preciosa luz nem espessa escuridão. Mas será um dia conhecido do Senhor; nem dia nem noite será; e acontecerá que, no tempo da tarde, haverá luz (Zc 14:6-7). Igualmente, lemos no livro do Apocalipse: E ali não haverá mais noite e não necessitarão de lâmpada, nem de luz do sol, porque o Senhor Deus os alumia; e reinarão para todo o sempre (Ap 22:5). Era tudo muito belo e recordo que desejava continuar nesse sonho. Mas acordei. Lembro-me que, por essa ocasião, a minha mãe contava à nossa família e aos vizinhos que, certa manhã, me foi acordar para ir para a escola e ficou surpreendida quando me encontrou inanimado e frio como morto. Porém, quando se preparava para chamar alguém para vir em meu socorro, ouviu um rumor no quarto onde eu dormia. Sim, era eu que dava sinal de vida. A sua versão era que eu tinha ressuscitado, mas, não sei porquê, eu tenho a minha própria versão. Acordei,

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Em Suas Mãos sim. Isto me mostrou claramente que há vida para além da vida terrena que vivemos e Deus me chamou para conhecer o caminho da vida eterna, que espero alcançar, isto se permanecer fiel a Deus e à Sua Santa Palavra.

O primeiro contacto Decorria então a segunda grande guerra mundial e, nessa altura, estavam construindo a dita Fonte Luminosa, na Alameda D. Afonso Henriques, o que era motivo de atracção para muitos curiosos. Foi numa noite bem quente de Verão que uns vizinhos nossos amigos convidaram os meus pais para darem um passeio nocturno e verem então o andamento dessa obra monumental. Após esse passeio, enveredámos na direcção da Rua Lucinda Simões e, como que por instinto, o nosso vizinho, o Sr. Nunes, fez um desafio aos meus pais, olhando na direcção de uma porta bem alta e escura, dizendo: vamos ali à igreja dos protestantes. Mais tarde vim a reconhecer que se tratava da primeira Igreja Baptista de Lisboa. Para surpresa do nosso vizinho, minha mãe asperamente lhe retorquiu dizendo que não queria nada com os maçónicos. Nesse tempo, havia uma imagem muito denegrida dos protestantes, que eram tidos por pessoas estranhas e pouco desejáveis, mas - agora sei! - eles estavam no coração de Deus visto que eram por Si amados. Que maravilha! Mas, voltando ao nosso episódio, o nosso amigo não se importou com o que minha mãe lhe disse; de facto, isso não o impediu de me tomar pela mão e, a título de curiosidade, dar uma espreitadela enquanto decorria um serviço da dita igreja. Esse momento ficou na memória dos meus cinco anos de idade. Assim começou Deus a pôr diante de mim o que seria o Seu propósito em relação ao Evangelho da salvação, que mais tarde viria a conhecer de um modo interessante, não obstante ter sido encaminhado pela minha mãe a aprender as práticas religiosas, e não só, da igreja católica romana.

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Pr. João Fernandes Minha mãe era muito religiosa, mas não menos supersticiosa: acreditava nos maus-olhados, na prática de feitiçaria e em toda a sorte de crendices, para além dos seus mais devotos santinhos. Ainda nos dias da minha infância, o meu pai adoeceu de modo tal que não tornou mais ao seu trabalho, enfermidade essa que o reteve, inicialmente, numa cadeira de rodas por uns quatro anos e, aproximadamente, outros cinco numa cama até ao seu falecimento. Foi durante esse período que, na minha tenra idade, aprendi grande parte do que me viria a ser útil muitos anos mais tarde. Foi nessa altura que me comecei a interrogar, pois me pareceu que o caminho seria voltar-me para Deus. Porventura, numa altura como esta faria Deus alguma coisa em favor do meu pai? Apesar de ser bastante novo, preocupava-me com o meu futuro. Entretanto, minha mãe, na sua santa ignorância e superstição, começou a procurar ajuda nos lugares mais errados, indo a feiticeiras e a bruxos, gastando os poucos recursos que possuía, e eu, por arrasto, comecei, na minha tenra idade, a frequentar todos esses meandros, completas oficinas de Satanás. Mas as coisas iam de mal a pior, ficando minha mãe com menos dinheiro e o meu pai com menos saúde, o que dava lugar a grandes discórdias entre eles. Por essa altura, deixei de acreditar na religião para a qual tinha sido encaminhado. Ainda assim tinha algum temor de Deus, mas cuidava que Ele estava muito longe de nós; porém, era o contrário, nós é que estávamos longe d’Ele, nós é que fugíamos enquanto Ele nos procurava através de várias maneiras, como só Deus sabe fazer. Entretanto, a segunda grande guerra mundial tinha chegado ao fim, deixando um rasto de tuberculose por todo o país, fazendo-se igualmente sentir em Lisboa, por causa das muitas necessidades. A falta de bens alimentares durante a guerra contribuiu grandemente para que morresse muita gente. No prédio onde morávamos, alguns dos vizinhos do primeiro andar e outros da cave, uns mais aqui outros mais além,

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Em Suas Mãos iam morrendo por todo o lado pelo que não se falava noutra coisa, nessa altura. Mas, graças a Deus, o rés-do-chão onde vivíamos foi poupado! Não seria a mão de Deus a proteger-me? Certamente que sim. Nesse tempo, andava na escola a fazer o segundo grau da instrução primária. Tive que me contentar com esse nível de instrução, pois não havia condições económicas e sociais para ir mais adiante na minha formação escolar. Era necessário que, a curto prazo, arranjasse qualquer trabalho para ajudar às despesas da casa. Não se falava, na época, de trabalho infantil. Podíamos começar a trabalhar aos catorze anos - muitas crianças entravam no mundo laboral ainda antes… - o que foi bom para mim, e para os meus pais apesar do pouco que ganhava, como forma de adquirir, muito cedo, experiência para a vida; outrossim, dada a natureza do trabalho e o ramo de actividade em que estava integrado, que era a restauração da arte sacra da nossa religião tradicional, vim a compreender que estava a percorrer um caminho sem Cristo e sem salvação.

Se desejar adquirir escreva-nos para livros@pedromartins.com. 26


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