Incondicional?

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Unconditional?

Impressão e Acabamento www.artipol.net

Incondicional? 1ª Edição, Junho de 2012 Autor Brian Zahnd Direitos Reservados Copyright © (2012) em Português para Letras d’Ouro, editores para distribuição em Portugal, Angola e Moçambique. Publicado em Inglês por Charisma House, A Strang Company, Lake Mary, Florida, USA sob o título Unconditional? Copyright © (2010) para Brian Zahnd. Todos os direitos reservados. Editores Letras d’Ouro, editores Tradução Jorge Pinheiro Revisão José Manuel Martins Direcção de Arte e Design Pedro Martins

ISBN 978-989-8215-06-2 Depósito Legal 324087/11 Letras d’Ouro, editores Sede Rua Quinta da Flamância, n.º 3, 3º Dt.º Casal do Marco 2840-030 Paio Pires, Portugal Tlm 914 847 055 Email livros@letrasdouro.com Web www.letrasdouro.com Blog letrasdouro.blogspot.com FB facebook.com/letrasdouro

Disponível noutras línguas por meio da Strang Communications, 600 Rinehart Road, Lake Mary, FL 32746 USA, Fax n.º 407-333-7100 www.strang.com


Índice

Prefácio Prelúdio 1. A Questão do Perdão 2. A Possibilidade do Perdão 3. A Imitação de Cristo 4. Nenhum Futuro Sem Perdão 5. Perdão Que Transcende a Tragédia 6. Perdão e Justiça 7. Matando a Hostilidade 8. A Regra de Ouro e a Porta Estreita 9. A Beleza Salvará o Mundo 10. O Príncipe da Paz Notas

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Prelúdio

O Cristianismo ocidental precisa de uma actualização. Diria mais que a necessidade é desesperada. O Cristianismo, termo pelo qual me refiro à experiência de viver a mensagem de Jesus, deveria caracterizar-se sempre por ser vibrante e refrigerante. Mas o que hoje passa por mensagem cristã surge como algo de decrépito e desgastado. Receio que o Cristianismo, tal como é presentemente compreendido, corre o risco de se converter numa espécie de relíquia. Isso já aconteceu antes. Se o Cristianismo quer ser uma voz vibrante e relevante no século vinte e um, necessita de uma mensagem cheia de frescura — não uma nova inovação ou uma reinterpretação mas de um retorno às suas raízes. E quais são as nossas raízes? Até certo ponto é disso que trata este livro. A principal experiência e ênfase central do Cristianismo gira em torno do tema do perdão. Se o Cristianismo tem a ver com alguma coisa é com o perdão. Não o perdão apenas como um fim em si ou como um meio legal de escapar à punição, mas perdão como reconciliação e total restauração. O Cristianismo apresenta o perdão como

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a restauração da relação perturbada entre Deus e a humanidade. O perdão é também aquilo que tem sozinho a capacidade de alcançar paz e reconciliação nas relações humanas — sejam pessoais, sejam globais. Mais importante ainda, este é um livro que aborda o modo de Jesus perdoar e o modo como Ele nos chama a imitar a sua prática do perdão radical. E radical é a palavra adequada porque, quando se trata da proclamação e da prática de perdão, Jesus foi o inovador mais radical da história. Quando Jesus ensina sobre o perdão, leva8

-nos ao extremo. Jesus parece estar a indicar que a nossa prática de perdão deve ser incondicional. Mas perdão incondicional é uma ordem pesada e exige que pensemos seriamente nele. Podemos perdoar sempre? Devemos perdoar sempre? Se perdoarmos sempre não estaremos a dar força ao mal? Se perdoarmos incondicionalmente, não estaremos a sacrificar a justiça? Estas são algumas das questões que procuro explorar neste livro. Ao escrever, tenho principalmente em mente uma audiência cristã, pois assumo que os cristãos constituirão a maioria dos meus leitores. Mas aos que não se identificam como cristãos, quero dizer que também penso em vós. Convido-vos a encararem este livro como uma sinopse do que penso ser o Cristianismo em toda a sua essência. E aos críticos do Cristianismo gostaria de reconhecer que estou tristemente consciente de que nem sempre o Cristianismo tem sido muito agradável. Com demasiada frequência, a mensagem de Jesus foi erradamente representada pela face feia do legalismo, do triunfalismo e do ódio de inspiração religiosa. (No livro, abordo


Prelúdio

algumas destas questões.) A minha esperança é que me permita apresentar-lhe o maravilhoso rosto do Cristianismo — o rosto do perdão. Talvez este tenha sido o meu principal motivo em escrever este livro — ajudar a recuperar a verdadeira beleza do Cristianismo como a encontramos no perdão. Ao entrarmos na segunda década do terceiro milénio cristão, somos uma igreja necessitada de renovação — uma renovação de que estou convencido poder ser alcançada por meio de uma recuperação do maravilhoso evangelho cristão do perdão. Num mundo em que a fealdade da raiva e da retaliação conduzem a história do século vinte e um, a beleza do autêntico perdão cristão é a alternativa que se impõe.

— Brian Zahnd

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A Questão do Perdão

Deveria ser óbvio que o perdão se encontra no cerne da fé cristã pois, nos seus momentos mais cruciais, a graciosa melodia do perdão ouve-se como o tema recorrente do Cristianismo. Considere-se a prevalência do perdão nos momentos do nascimento do Cristianismo e seus textos sagrados: quando Jesus ensina os discípulos a orar, eles são instruídos a dizer: «Perdoa os nossos pecados, como nós próprios perdoamos quem está em dívida connosco» (Lucas 11:4). Pregado na cruz, ouvimos Jesus orar, de forma quase inacreditável: «Pai, perdoa-os» (Lucas 23:34). No seu primeiro aparecimento ressurrecto aos seus discípulos, Jesus diz: «Se perdoardes os pecados a alguém, eles são perdoados» (João 20:23). No Credo dos Apóstolos, somos instruídos a confessar: «Creio no perdão dos pecados». Quer analisemos a oração do Pai-nosso, quer a morte de Jesus na cruz, quer a sua ressurreição, quer os grandes credos da igreja, nunca ficamos longe do tema do perdão — porque se o Cristianismo nada tem a ver com o perdão, então não tem a ver com nada. De tudo quanto se possa dizer sobre os cristãos, deve dizer-se de nós que

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somos pessoas que crêem no perdão dos pecados — cremos no perdão dos pecados tão seguramente quanto cremos na morte e ressurreição de Jesus Cristo. Muitos de nós aderem à fé cristã motivados, pelo menos de algum modo, se não de todo, a encontrar perdão para os nossos próprios pecados. Ao crescermos na fé cristã, é fundamental tomarmos consciência de que somos chamados para alargar o perdão aos outros, tornando assim o mundo um lugar com mais perdão. Se abraçamos a fé cristã para encontrar perdão, temos de continuar na fé de nos tor12

narmos pessoas que perdoam porque, para sermos autênticos seguidores de Cristo, temos de abraçar a centralidade do perdão. Essa é a teoria. Mas no mundo real de crime, estupro, abuso infantil, genocídio e atrocidades horríveis, qual a viabilidade do perdão? O perdão não passa de uma ideia piedosa que pode florescer no interior de santuários forrados a vitral, apenas para fenecer nas duras realidades de um mundo secular onde o vitral não consegue ocultar a fealdade da atrocidade humana? Uma vítima de violação pode ter aprendido em criança o Pai-nosso na Escola Dominical, mas a parte relativa a perdoar os que nos ofendem tem alguma relevância na sua situação? É de esperar que ela perdoe quem a violou? Evidentemente, o perdão é bom no domínio das transgressões relativamente menores, mas haverá um limite ao perdão? Haverá crimes que ultrapassem a capacidade do perdão? Haverá algum pecado tão hediondo que perdoá-lo seria em si um acto imoral? O perdão é sempre possível? Ou mesmo sempre justo? Estas não são questões teóricas; são questões reais


A Questão do Perdão

que temos de enfrentar num mundo em que o mal é com tanta frequência inaceitável. Para as pessoas modernas, a imagem icónica do mal e o candidato máximo do imperdoável é o Holocausto e o malvado arquitecto dessa atrocidade, Adolfo Hitler. Na verdade, o Holocausto lança uma extensa sombra sobre muitos aspectos da fé cristã e desafia a validade cristã em vários níveis. Ao considerar o tópico do perdão, temos de perguntar: o conceito cristão de perdão tem alguma coisa a ver com o Holocausto ou o genocídio constitui o domínio do imperdoável? Quando o Cristianismo fala de perdão, deveria haver um asterisco colado à palavra para indicar que o perdão não se aplica em situações extremas como os campos de concentração da Alemanha nazi, a limpeza étnica na ex-Jugoslávia e os massacres tribais do Ruanda? Já houve pessoas que me disseram que não me preocupasse com estes casos extremos, porque já chega ensinar as pessoas a perdoarem-se no curso normal da vida. Mas discordo. Se se pode mostrar que há situações em que o convite de Cristo de amar os nossos inimigos e perdoar os nossos ofensores não se aplica, então descobrimos a brecha por onde escapar a toda a obrigação cristã significativa de perdoar os outros. O perdão então passa a ser um mero ideal de piedade restrito a um mostruário de vitral. As questões respeitantes à extensão da aplicação do perdão são questões reais apresentadas por pessoas reais — talvez de modo mais notável por Simon Wiesenthal.

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«O QUE ESTOU A PEDIR É DEMASIADO» Simon Wiesenthal tem uma história assustadora e formula uma pergunta ainda mais assustadora. Conta-nos a sua história e apresenta a sua pergunta no seu famoso livro The Sunflower [O Girassol]. Simon Wiesenthal foi um judeu austríaco preso num campo de concentração nazi durante a Segunda Guerra. Em The Sunflower, Simon Wiesenthal conta-nos a sua história e depois faz ao leitor uma per14

gunta difícil. No início do livro, Wiesenthal faz parte de um grupo de trabalho a ser levado do campo de concentração para fazer a limpeza de um hospital perto da frente oriental. Ao marcharem do campo-prisão para o hospital, atravessam um cemitério de soldados alemães. Em cada sepultura está um girassol. Wiesenthal escreve:

Invejei os soldados mortos. Cada um tinha um girassol a ligá-lo ao mundo vivo e borboletas que visitavam a sua sepultura. Para mim não haveria girassóis. Seria enterrado numa vala comum, onde os cadáveres se acumulariam por cima de mim. Nenhum girassol traria luz às minhas trevas e nenhuma borboleta iria dançar sobre o meu desgraçado túmulo. 1

Enquanto trabalhava no hospital de campanha, uma enfermeira alemã ordena a Wiesenthal que a siga. É levado até uma sala onde jaz moribundo um guarda SS. O soldado é um alemão de vinte e um


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anos, natural de Estugarda, e chama-se Karl Seidl. Karl pedira à enfermeira que lhe «levasse um Judeu». Karl fora mortalmente ferido em combate e agora quer fazer uma confissão no leito de morte — e quer fazê-la a um judeu. O rosto do SS está todo envolto em ligaduras, apenas com aberturas para a boca, nariz e ouvidos. Durante algumas horas, deixa-se ficar sozinho, sentado em silêncio, enquanto o soldado SS moribundo Karl conta a sua história. Em criança, Karl fora educado num lar cristão. Os pais frequentavam com ele a igreja e nunca haviam sido partidários do nazismo nem apoiaram a subida de Hitler ao poder. Mas, aos quinze anos de idade, contra os desejos dos pais, Karl aderiu à Juventude Hitleriana. Aos dezoito, Karl juntou-se às infamantes tropas SS. Agora que se encontrava moribundo, Karl queria confessar as atrocidades que testemunhara e em que, como soldado SS nazi, participara. O mais horrível é o seu relato de ter feito parte de um pelotão de soldados SS enviados para capturar os Judeus na cidade de Dnepropetrovsk. Trezentos Judeus — homens, mulheres, crianças e bebés — foram reunidos e a golpes de chicote conduzidos até uma pequena casa de três andares. A casa foi incendiada e Karl recordou por estas palavras ao seu confessor o que acontecera:

Ouvimos gritos e vimos as chamas abrirem caminho andar após andar... Tínhamos as espingardas engatilhadas, prontas a serem disparadas contra quem tentasse fugir daquele inferno ardente... Os gritos vindos da casa eram horríveis... Por trás das janelas do

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segundo andar, vi um homem com uma criança de colo nos braços. As roupas estavam em chamas. A seu lado, uma mulher, sem dúvida a mãe da criança. Com a mão livre, o homem cobria os olhos da criança... depois saltou para a rua. Segundos mais tarde, a mulher imitou-o. Depois, das outras janelas, saltaram corpos a arder... Disparámos... Oh meu Deus! 2

Karl está muito atormentado com a visão do rapaz contra quem 16

disparou, um rapaz com «olhos escuros» que Karl achava deveria ter cerca de seis anos. A descrição que Karl faz deste rapaz recorda a Simon Wiesenthal um rapaz que conheceu no gueto Lemberg. Nas várias horas em que o judeu Simon ficou sentado perto do nazi Karl, Simon nunca falou. A pedido de Karl, Simon segurou a mão do moribundo. Simon afastou as moscas e deu água a beber a Karl, mas nunca falou. Durante a longa provação, Simon nunca duvidou da sinceridade de Karl nem de estar verdadeiramente arrependido dos seus crimes. Simon disse que a forma como Karl falara era prova suficiente do seu arrependimento. Por fim, Karl disse:

Estou aqui com a minha culpa. Nas últimas horas da minha vida, estás aqui comigo. Não sei quem sejas, apenas sei que és judeu e isso me chega… Sei como é terrível tudo quanto te contei. Nas longas noites à espera de morrer, mais do que uma vez desejei falar disto a um judeu e pedir-lhe que me perdoasse. Só que não sabia se ainda havia sobreviventes judeus… Sei que o que estou a


A Questão do Perdão

pedir-te é demasiado para ti, mas sem a tua resposta não posso morrer em paz. 3

Com isso, Simon Wiesenthal decidiu-se e abandonou a sala em silêncio. Durante todas aquelas horas em que Simon Wiesenthal esteve sentado junto de Karl, Simon nunca pronunciou palavra. Nessa noite, Karl Seidl morreu. Karl deixou os seus bens a Simon, mas Simon recusou-os. Contra todas as probabilidades, Simon Wiesenthal sobreviveu ao Holocausto. Oitenta e nove membros da sua família não escaparam. Mas Simon Wiesenthal não conseguia esquecer Karl Seidl. Após a Guerra, Simon visitou a mãe de Karl para confirmar a história. Tudo se passara como Karl contara. A mãe de Karl garantiu-lhe que o filho era um «bom rapaz» e que nunca poderia ter feito nada de mau. De novo, desta vez por gentileza, Simon permaneceu silencioso. Simon acreditava que, na sua juventude, Karl poderia na verdade ter sido «um bom rapaz». Mas Simon também concluiu que um período infeliz da sua vida o transformara num criminoso. Simon Wiesenthal concluiu a sua assustadora e terrível história com uma pergunta igualmente assustadora e terrível dirigida ao leitor:

Devia tê-lo perdoado?... O meu silêncio à beira da cama do nazi moribundo foi certo ou errado? Esta é uma profunda questão moral que desafia a consciência do leitor deste episódio, tanto quanto desafiou o meu coração e espírito… O cerne da questão é, natu-

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ralmente, o problema do perdão. Esquecer é algo de que apenas o tempo se encarrega, mas perdoar é um acto volitivo e apenas o sofredor está qualificado a tomar a decisão. Tu, que acabaste de ler este triste e trágico episódio da minha vida, podes mentalmente mudar de lugar comigo e responder à pergunta crucial: "Que teria eu feito?" 4

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O PERDÃO É SEMPRE POSSÍVEL? E somos assim confrontados com um desafio dramático das possibilidades do perdão. O perdão é sempre possível? Há algumas situações em que o perdão é impossível? Esta será uma delas? Pode um nazi, moribundo, aparentemente arrependido, encontrar perdão para os seus pecados? Pode um soldado SS, moribundo, que participou nas atrocidades do Holocausto, receber o perdão de Deus? E, talvez ainda mais desafiador, poderá ele receber o perdão dos outros seres humanos? Seria mesmo permissível oferecer perdão, neste caso, ou seria uma traição à justiça? Este é o tipo de perguntas levantadas pelo The Sunflower de Simon Wiesenthal. A segunda parte de The Sunflower é um simpósio de cinquenta e três pensadores proeminentes — judeus, cristãos, ateus, filósofos, professores, rabis, pastores e outros — que respondem à questão de Wiesenthal. Os inquiridos compreenderam assim a verdadeira questão: haverá maneira de uma pessoa na posição de Simon Wiesenthal


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poder oferecer o seu perdão ao nazi moribundo? Pela minha contagem, vinte e oito dos inquiridos responderam não, que oferecer perdão nesta situação não é possível. Dezasseis dos inquiridos disseram sim, que o perdão de algum modo poderia ser oferecido. Nove dos entrevistados não foram claros na sua posição. O interessante é que os dezasseis a favor de alguma forma de perdão eram todos cristãos ou budistas (treze cristãos e três budistas). Entre judeus, muçulmanos e ateus que responderam parece ter havido unanimidade em concordar que a concessão de perdão nesta situação era impossível. Inversamente, muitos dos inquiridos cristãos disseram haver uma maneira de o perdão ser concedido. Significativamente, nenhum cristão declarou que o perdão nesta situação seria categoricamente impossível. Não se pode deixar de notar que na aparência uma cosmovisão cristã influencia radicalmente o modo como a pessoa aborda as possibilidades do perdão. E deve reforçar-se que o perdão aqui não tem o significado legal. Se Karl Seidl tivesse sobrevivido, teria sido sujeito às exigências da justiça legal apesar de qualquer concessão de perdão pessoal. Aqui, o perdão deve ser compreendido não como um perdão legal mas com um convite de regresso à comunidade humana. Mais tarde, exploraremos a relação entre perdão e justiça. Depois de sobreviver ao Holocausto e de publicar The Sunflower, em 1969, Simon Wiesenthal levou uma vida nobre e humanitária. Morreu em 2005, aos noventa e seis anos de idade. Em The Sunflower, o Sr. Wiesenthal realiza uma obra-prima, contando a sua história e a sua pergunta sobre as possibilidades de perdão é importante

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para todos os seres humanos, mas de modo supremo para os cristãos, porque o perdão está no centro da fé cristã. Na capa do meu exemplar de The Sunflower está esta pergunta: «És um prisioneiro num campo de concentração. Um soldado nazi moribundo pede-te perdão. Que deves fazer?» Senti ser importante que eu tentasse compor uma resposta. Assim, embora Simon Wiesenthal nunca me tenha colocado pessoalmente a questão, eis a resposta que eu daria: 20

Prezado Sr. Wiesenthal, Em primeiro lugar, gostaria de dizer que não tenho a presunção de julgar as suas acções. O senhor foi amável com um soldado nazi moribundo quando lhe segurou na mão, afastou as moscas e lhe deu água para beber. Mostrou grande bondade à mãe dele, ao não destruir a memória que ela guardava do filho. E concordo com o teólogo luterano Martin Marty que disse: «Os não judeus e talvez especialmente os cristãos não deveriam dar conselho sobre a experiência do Holocausto aos seus herdeiros nos próximos dois mil anos. Então não teremos nada a dizer. Conselhos impensados de um cristão banalizam a vida e a morte de milhões». Contudo, uma vez que levanta a questão, gostaria de tentar responder. Não sei o que eu teria feito, apenas o que espero que poderia ter feito. Como cristão, espero que a minha resposta ao inimigo moribundo fosse algo do género:


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«Não posso perdoar-te em nome dos que sofreram os monstruosos crimes às tuas mãos e às mãos dos que voluntariamente alinharam contigo; não tenho o direito de falar em nome deles. Mas o que posso dizer-te é que o perdão é possível. Há uma maneira de te reconciliares com Deus, cuja imagem manchaste e há uma maneira de seres restaurado à raça humana, da qual caíste. Há uma maneira porque Aquele que nunca cometeu um crime clamou na cruz, dizendo: "Pai, perdoa-os porque não sabem o que fazem". Como creio na morte, sepultamento e ressurreição de Jesus Cristo, creio que o pecado não tem de ser um beco sem saída, que há um caminho para a reconciliação. O perdão de que falo não é fácil. Não é fácil porque não foi fácil para Jesus Cristo sofrer a violência da cruz e não retaliar, mas amar e perdoar. Não é um perdão fácil porque exige de nós um arrependimento profundo, incluindo um compromisso com a justiça reparadora para com os que prejudicaste. Não é um perdão fácil para os teus pecados, mas há um perdão dispendioso. Se em verdade abandonares os teus pecados e olhares em fé para Cristo, há perdão — um perdão dispendioso que pode reconciliar-te com Deus e restaurar-te à raça humana. Não posso perdoar-te em nome dos outros, mas, em meu próprio nome e no de Jesus Cristo, digo-te que os teus pecados estão perdoados. Bem-vindo à comunidade perdoadora dos pecadores perdoados. Que a paz de Jesus Cristo esteja contigo.»

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É isto que espero que dissesse. Mas, tanto quanto sei, poderia ter tratado um inimigo moribundo com muito menos simpatia do que o senhor. Com profunda admiração pela sua dignidade,

BRIAN ZAHND

Ao ler as respostas dos cerca de vinte e oito que argumentam contra a possibilidade de perdoar o nazi moribundo, considero muito 22

relevantes muitos dos seus argumentos. Apesar de tudo, estou convencido de que se o perdão é impossível para um criminoso de guerra arrependido, apenas porque os seus pecados são demasiadamente terríveis, então o evangelho cristão é um conto de fadas e todos podemos abandonar a charada. Mas como diz o Credo dos Apóstolos: «Creio no perdão dos pecados». O Cristianismo é uma fé de perdão.

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A vida cristã é uma oração de perdão: «Perdoa-nos como os perdoamos.»

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A vida cristã é um grito sofredor de perdão: «Pai, perdoa-os.»

n

A vida cristã é uma ordem de perdão: «Se perdoares alguém, ele será perdoado.»

Assim, mesmo perante a questão desafiadora de Simon Wiesenthal e a simpatia que eu possa sentir pelos que defendem que não é possível um judeu perdoar um nazi moribundo, estou plenamente


A Questão do Perdão

convicto de que negar a possibilidade de perdão é negar o próprio cerne do evangelho cristão. As muito citadas palavras de Jesus, «com Deus todas as coisas são possíveis» (Mateus 19:26), não só incluem perdão mas dizem especialmente respeito ao perdão. E a chamada de Cristo para tomarmos a nossa cruz e segui-lo é muito especificamente uma chamada a amar os nossos inimigos e a terminar o ciclo de vingança, respondendo com o perdão. Claro que há um perdão fácil que é indigno e uma afronta à justiça. Essencialmente, a posição budista diz que o mal é uma ilusão não existente, pelo que nada há a perdoar. Isto nada tem a ver com a posição cristã. O perdão cristão não é uma negação fácil da realidade do mal ou o slogan banal do «perdoa e esquece». Isso pode ser suficiente para afrontas pessoais menores, mas é oco e mesmo insultuoso quando aplicado a crimes como homicídios, violações e genocídios. Não, o perdão cristão não é fácil. Pelo contrário, é muito difícil, porque ele flui a cruz — o local onde a injustiça e o perdão se encontram numa violenta colisão. O perdão cristão não nos convida a esquecer. O perdão cristão permite-nos recordar, mas convida-nos a terminar com o ciclo da vingança.

LIÇÕES DO MESTRE Achei muito interessante perguntar a não cristãos o que Jesus ensinou. Quase sem excepção mencionaram que Jesus ensinou-nos

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a amar os nossos inimigos. Entre os incrédulos, Jesus parece ser famoso por ensinar que os seus discípulos devem amar os seus inimigos. Contudo, quando pergunto aos cristãos o que Jesus ensinou, muito raramente referem este mandamento. Mas penso que a intuição dos não cristãos está correcta — a ênfase de Jesus em amar os inimigos é central no seu ensino e especialmente proeminente no Sermão da Montanha. A ordem de amar os nossos inimigos é memorável, por ser radical. Mas o mandamento de amar o nosso inimigo é 24

uma ordem que nós, que somos seguidores de Cristo, tendemos a esquecer, por ser tão difícil observá-la. Contudo, o Cristianismo do Sermão da Montanha é o que pode mudar o mundo. O amor semelhante, que absorve o golpe e reage com o perdão, é a única esperança real deste mundo numa mudança verdadeira. Responder ao ódio com ódio ratifica o status quo e apenas garante a vitória do ódio — é o que mantém o mundo tal como ele é. Tendemos a pensar que o nosso ódio contra os nossos inimigos se justifica porque podemos apontar os seus crimes óbvios e, segundo a lógica, se fôssemos nós a mandar e não os nossos inimigos, as coisas seriam diferentes. Mas a história conta-nos uma narrativa diferente. O ódio, por mais justificável que seja, apenas alimenta o ciclo infindável da vingança. Nada de facto se altera pois tudo fica na mesma. O novo senhor não faria esquecer o antigo. O Cristianismo tem mais a oferecer ao mundo que a vingança reciclada.




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