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2.2 E o encontro se fez namoro
sabiam escrever; ir a ladainhas; participar de sessões de pajelança; buscar constantemente água no poço; fugir aos compromissos familiares para ficarem sós em casa: essas foram algumas das estratégias usadas por essas meninas para encontrarem-se com seus namorados. Caminhos conhecidos, outros curiosos, que efetivavam o relacionamento a cada novo encontro.
2.2 E o encontro se fez namoro...
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Ao falarem de suas relações com os acusados, algumas menores se referem a elas como sendo ora relações de namoro, ora de amizade.
Naqueles processos em que o namoro do casal era de conhecimento da família da menor, há a referência ao fato de os encontros serem frequentes e se realizarem na casa dos pais e/ou parentes e tutores da menor, à noite, ou em dias e horas corriqueiramente determinados. Esse dado é sempre ressaltado nos depoimentos, pois a partir da quantidade e continuidade dos encontros podia se caracterizar ou não a relação de namoro entre o acusado e a ofendida. Por vezes, no entanto, os encontros amorosos ocorriam às escondidas em praças, casa de vizinhas amigas, em quartos alugados, ou mesmo na casa do namorado, o que também não impedia que eles fossem corriqueiros.
Julieta, de 18 anos, filha de pai francês, ia sempre à casa de seu namorado, que ficava em frente à sua69. Hermano ia costumeiramente à casa de Mônica, de 17 anos, que residia com a mãe, e lá se demorava normalmente até à meia noite70. Cosma encontrava-se às tardes com Lídio, no arraial de Nazareth, quando ia passear com a filhinha de seu patrão71. Francisca encontrava-se com Bennevento na casa de sua vizinha, que era uma messalina que recebia homens em sua casa72. As cercas do quintal da casa de Mirandolina já ficavam arrancadas para que seu namorado, Antonio, entrasse pelos fundos e a esperasse, o que ocorria com mais frequência aos domingos73 .
69 Ver Processo-crime n° 52. 70 Ver Processo-crime n° 74. 71 Ver Processo-crime n° 62. 72 Ver Processo-crime n° 48. 73 Ver Processo-crime n° 6.
Encontrar-se sem o conhecimento da família e dos tutores era a marca de parte desses namoros, o que implicava em um conjunto de estratégias para poder ver o namorado e fugir à vigilância de parentes e conhecidos.
Margarida costumava vir do colégio do Amparo acompanhada de um criado, que diariamente fazia com ela o percurso até sua casa, mas, para se encontrar com Leonardo, saía sem esperar pelo acompanhante, driblando assim a vigilância da mãe74. Lúcia, de 17 anos, ia passar uns dias na casa de uma amiga, que morava ao lado da oficina de seu namorado, Virgílio, de 19 anos, e lá encontrava-se com ele durante a madrugada75. Joana, de 15 anos, ia pernoitar em casa de uma vizinha – que era casada, mas separada do marido passando a viver amasiada –, quando encontrava-se com Caio, gaúcho de 22 anos, sargento da infantaria federal, a quem conhecera há menos de um mês76 . Luzia, de 16 anos, passeava sozinha no Largo da Pólvora, bem como pelas ruas da cidade, realizando pequenas tarefas para sua madrinha e avó, como levar recados. Foi em um desses passeios que iniciou o namoro com João, de 20 anos, que morava próximo à sua casa. Ao levar um recado de sua avó a Loyola, um conhecido livreiro da capital, Luzia encontrou-se com João e entrou na República na qual ele vivia com outros rapazes, e lá teve a sua primeira relação sexual77 .
Desses encontros se constituíram as relações de namoro que possibilitaram a realização das primeiras relações sexuais. Embora múltiplos fossem os locais onde foram praticadas essas relações, podemos dizer que em geral elas ocorriam na casa da menor ou do acusado, fosse no banheiro da mesma, na varanda, no portão, ou em seu próprio quarto. Dentre os locais que podemos relacionar onde se deram as primeiras cópulas carnais das ofendidas, estão:
Tabela 16 – Relação dos locais onde ocorreram os defloramentos.
Local Casada ofendida Casa do réu Casa de conhecidos Casa de aluguel No mato Não foi deflorada
Não lembra ND Total Quantidade 27 22 2 1 2 1 1 19 75 Percent. 36 29 3 1 3 1 1 26 100% Fonte: 75 Processos-crimes de Defloramento.
74 Ver Processo-crime n° 2. 75 Ver Processo-crime n° 75. 76 Ver Processo-crime n° 47. 77 Ver Processo-crime n0 66.
O tempo entre conhecer alguém, manter relação de namoro ou amizade, e ter relação sexual, variava muito na maior parte dos processos. Em geral, não constam nos depoimentos o período em que réu e ofendida se conheciam. Ou seja, o tempo desde o início do relacionamento. Naqueles processos em que há a determinação do tempo, ela é extremamente vaga, sendo marcada por expressões como “pouco tempo” ou “muito tempo”.
No entanto, em alguns processos, essa declaração é feita tendo como referência o período em que eles namoraram e tiveram a primeira cópula carnal. Destarte, o que podemos observar é que a maior parte das meninas namoravam com seus pares entre 2 meses a 1 ano, quando da ocorrência dessas primeiras relações sexuais. Dos 24 processos em que há a determinação do tempo em que esses pares se conheciam, 9 delas declararam conhecer o acusado entre 1 a 6 meses, e outras 9 declararam o período de mais ou menos 1 ano.
Em um único auto da chefatura de segurança, a menor ofendida declarara ter tido relações sexuais com o acusado no mesmo dia em que o conhecera. Foi essa a história que contou Thomazia, paraense de 15 anos, que ao passear por volta das duas horas da tarde no Largo da Pólvora, com Christina, uma “mulher de vida fácil” que morava na rua Bailique, lhe apareceu Camillo, gerente no Cassino Paraense, situado no mesmo largo. Camilo convidou-as a ir até o cassino, e lá “Passado algum tempo sem que a declarante percebesse, Camilo fez sair Christina, e trancou a declarante em um quarto onde com promessas de casamento e de dádivas pecuniárias conseguiu vencer a resistência da declarante e desvirginá-la”. No dia seguinte, Thomazia foi à polícia, onde, após realizar o exame de corpo de delito, foram abertos os autos. Camilo e Thomazia se casaram. O auto de defloramento é encerrado.
Diferente foi a história de Maria Magdalena, paraense de 18 anos, que conhecia José Joaquim há 4 anos e com ele mantinha relação de namoro, só vindo a ter relações sexuais depois de mais ou menos três anos de namoro. Nesse período, José enviou-lhe várias cartas, as quais foram anexadas nos autos do processo. O casamento deles foi marcado, e Maria Madalegna, segundo o depoimento das testemunhas, já começara a comprar o enxoval com dinheiro de uma subscrição realizada pela mãe da menor junto a algumas pessoas. Na véspera do casamento, José foge levando consigo o dinheiro da dita subscrição