SÍNTESE DE JORNAIS E REVISTAS 17 DE JUNHO DE 2014
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Setor de petróleo e gás chega a 13% do PIB A participação do segmento de petróleo e gás natural no Produto Interno Bruto (PIB) do Brasil aumentou para 13%. Em 2000, esse setor representava apenas 3%. A principal responsável por esse aumento é a Petrobras, que tem em curso um plano de investimentos de US$ 220,6 bilhões para o período 2014-2018 e perspectivas de dobrar a atual produção de petróleo até 2020, quando chegará a 4,2 milhões de barris de petróleo produzidos diariamente. Essas e outras informações foram ressaltadas nesta terça-feira, dia 17, durante apresentação do diretor de Gás e Energia da Petrobras, José Alcides Santoro, no WPC, maior evento global da indústria do petróleo. O evento é realizado em Moscou, na Rússia, entre os dias 15 e 19. “Vários índices de desenvolvimento melhoraram no país na última década e a indústria de petróleo e gás tem um papel positivo nisso. O índice de desenvolvimento humano, por exemplo, subiu de 0,67 em 2000 para 0,73 em 2012. O número de empregos no setor também certamente teve impacto positivo na queda da taxa de desemprego no Brasil de 9,9% em 2002 para 6,7% em 2012”, avaliou o diretor Santoro, representante da companhia no painel, conduzido pelo ganhador do prêmio Pulitzer e vice-presidente da consultoria internacional IHS, Daniel Yergin. Serão entregues para a Petrobras, até 2020, 28 sondas de perfuração, 32 plataformas de produção, 154 navios de apoio de grande porte e 81 navios-tanque, todos construídos no Brasil. “Em 2003, apenas dois estaleiros estavam em funcionamento e o número de empregos no setor totalizava 7.465. Este ano, já são dez estaleiros de médio e grande porte em funcionamento, 80 mil empregos diretos e, aproximadamente, 320 mil indiretos. Em 2017, o número de vagas diretas nos estaleiros deverá chegar a 101 mil”, contabilizou o diretor. Além disso, o diretor ressaltou a parceria entre a Petrobras e o Sebrae (Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas), que recebeu investimentos de US$ 64 milhões e contribuiu para aumentar o número de fornecedores de pequeno porte no cadastro da Petrobras de 14 mil em 2004 (quando o projeto foi criado pelo Prominp) para 19 mil em 2013. Os negócios gerados pelas mais de 120 rodadas, realizadas entre 2005 e 2012, somaram US$ 2,75 bilhões. “A iniciativa tem como objetivo desenvolver micro e pequenas empresas através de treinamento e qualificação fazendo uso das melhores práticas, aconselhamento e orientação de empresas maiores”, explicou o diretor.
Cartões movimentam R$ 223 bilhões no 1º trimestre Os brasileiros movimentaram R$ 223 bilhões com cartões de crédito e débito no primeiro trimestre do ano, alta de 17,7% em relação ao mesmo período de 2013, de acordo com levantamento da Abecs (Associação Brasileira das Empresas de Cartões de Crédito e Serviços). O crescimento está associado à contínua substituição de meios de pagamento por parte dos consumidores, bem como à expansão do e-commerce e à entrada de novos nichos de comércio e serviço no sistema de cartões. Com isso, a representatividade dos cartões no consumo das famílias brasileiras chegou a 28,3%, aumento de 2,3 pontos percentuais em relação ao primeiro trimestre de 2013, que havia registrado 26%. Além disso, os consumidores fizeram um total de 2,4 bilhões de transações com cartões nos três primeiros meses do ano, 12,5% a mais do que a quantidade apresentada no mesmo período do ano passado. O levantamento mostra que o brasileiro tem usado mais o cartão de débito do que o de crédito para pagar suas compras. No primeiro trimestre, essa modalidade foi responsável por 1,26 2
bilhão de transações, aumento de 16,3% – quase o dobro do crescimento do cartão de crédito. Porém, em valor financeiro, o cartão de débito movimentou pouco mais da metade que o cartão de crédito, chegando a R$ 80,5 bilhões, crescimento de 22,3%. O uso de cartão de débito, além de crescer mais que o de cartão de crédito, se caracteriza por ter maior participação em compras de menor valor, substituindo diretamente o uso de dinheiro de papel nas transações do dia a dia. No primeiro trimestre, o brasileiro gastou, em média, R$ 63,6 em cada transação com cartão de débito, praticamente metade do tíquete médio do cartão de crédito. Quando avaliada apenas a modalidade de cartão de crédito, o valor transacionado foi de R$ 142,4 bilhões, o que representa um crescimento de 15,2% em relação ao primeiro trimestre de 2013. Esse instrumento foi responsável por 1,13 bilhão de transações no período, aumento de 8,7%, e apresentou tíquete médio de R$ 125,2. Os gastos de brasileiros no exterior feitos com cartão de crédito também contribuíram para o crescimento do setor, movimentando R$ 6,59 bilhões no primeiro trimestre, o que representa um aumento de 2,5% ante o mesmo período de 2013. Já o valor gasto por estrangeiros no Brasil, nesses três meses, foi de R$ 3,14 bilhões, aumento de 5,3%. Uma nova pesquisa da Abecs, realizada em maio pelo Instituto Datafolha, indica que 85% dos usuários de cartão de crédito pagaram o valor integral da sua última fatura e 88% pretendem fazer o mesmo no próximo vencimento. Apenas 4% pagaram o valor mínimo, enquanto 8% optaram por fazer o parcelamento da fatura. Isso mostra que a grande maioria das pessoas costuma fazer bom uso do cartão de crédito e sabe aproveitar seus benefícios sem pagar juros. Ainda de acordo com a pesquisa, 85% dos usuários apontaram que o valor da sua última fatura estava de acordo ou abaixo do seu orçamento mensal. Além disso, a maioria (73%) não deixou de pagar nenhuma fatura nos últimos 12 meses. Entre aqueles que em algum momento nesse período deixaram de pagar a fatura – valor integral ou mínimo – na data de vencimento, 85% disseram já ter quitado a dívida em questão. Entre as pessoas entrevistadas na pesquisa, 94% usaram seu cartão de crédito no mês anterior, sendo que 48% usaram pelo menos um dia por semana (21% usaram todo dia ou de 4 a 6 dias por semana). Os homens costumam usar o cartão com mais frequência – 52% usaram pelo menos um dia por semana – do que as mulheres (44%). O mesmo ocorre com consumidores de 18 a 25 anos (50%), bem como os de classe A (71%) – seguidos pelos de classe B (53%), C (41%) e D (21%). A pesquisa também investigou o uso da modalidade de parcelamento sem juros do cartão de crédito, oferecida pelas lojas e considerada um dos grandes benefícios do cartão. A constatação é de que 69% das pessoas parcelaram alguma compra sem juros no mês anterior, atitude mais comum entre as mulheres (72%) do que entre os homens (66%). A modalidade também é mais usada na classe D (72%) – seguida pelas classes C (70%), B (69%) e A (66%) –, bem como na região Sul (79%) – seguida por Norte/Centro-Oeste (74%), Nordeste (73%) e Sudeste (64%). No mesmo período, 21% dos usuários fizeram compra pela internet com o cartão de crédito. Nesse caso, a participação dos homens ficou acima da média, com 23%, enquanto 18% das mulheres compraram com cartão em lojas virtuais. Os mais jovens, de 18 a 25 (28%) e de 26 a 39 anos (29%), também se destacaram, seguidos por pessoas de 40 a 55 (13%) e de 56 anos ou mais (9%). Mais da metade (55%) dos consumidores de classe A usaram o cartão na web, seguidos pelos de classe B (26%), C (11%) e D (3%). A pesquisa foi realizada junto a mais de mil portadores de cartão de crédito, entre homens e mulheres com 18 anos ou mais, pertencentes a todas as classes sociais, em 84 cidades de todo o País.
Crescimento do setor de serviços chega a 8% no ano A receita do setor de serviços fechou o mês de abril com crescimento nominal de 6,2%, em relação ao mesmo mês do ano anterior, acumulando nos quatro primeiros meses do ano uma expansão nominal de 8% na comparação ao período janeiro-abril de 2013 – a menor taxa 3
desde os 7,6% de março do ano passado. No acumulado dos últimos 12 meses (taxa anualizada), o crescimento chegou a 8,3% quando analisados os 12 meses imediatamente anteriores. Os dados da Pesquisa Mensal de Serviços foram divulgados nesta terça-feira, dia 17, pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), e indicam que os 6,2% de crescimento nominal do setor é a menor taxa de expansão desde os 6,1% de março do ano passado. A taxa em março deste ano ficou em 6,8% e, em fevereiro, alcançou 10,1%. A expansão de abril foi puxada pelos serviços prestados às famílias, que chegaram a crescer 10,4%, pelos serviços profissionais, administrativos e complementares (5,2%), transportes, serviços auxiliares dos transportes e correio (8%) e outros serviços (9,8%). No ano, a receita dos serviços acumula alta de 8%, a menor desde março de 2013 (7,6%). Em 12 meses, o crescimento foi 8,3%. Ao subir apenas enquanto 3,7% em abril, os serviços de informação e comunicação contribuíram de forma mais expressiva para que o crescimento do setor de serviços em abril se situasse em um patamar inferior aos dos meses anteriores. A expansão é inferior aos 4,4% de março e 6,7% de fevereiro. Já a expansão de 10,4% nos serviços prestados às famílias em abril, sobre igual mês do ano anterior, ficou praticamente no mesmo patamar da taxa observada em março (10%) e inferior à de fevereiro (13,3%). Neste segmento, destacam-se os serviços de alojamento e alimentação com crescimento de 10,8% e outros serviços prestados às famílias, com variação de 8%. A série da variação acumulada vem se mantendo, nos quatro primeiros meses de 2014, em patamar superior à série de maio a dezembro de 2013. Do ponto de vista regional, apenas o Piauí registrou variação nominal negativa de 0,4% em relação ao igual mês do ano anterior. As maiores variações ocorreram no Distrito Federal (15,8%), Acre (14,3%) e Mato Grosso (11,7%). As menores taxas positivas foram na Bahia (1,1%), em Minas Gerais (1,5%) e no Espírito Santo (2,3%). A principal contribuição para o resultado de abril foi registrada em São Paulo (37,1%), com participação de 2,3 pontos percentuais na composição do índices, seguido do Rio de Janeiro, com 24,2% de contribuição e 1,5 ponto percentual de participação, seguidos do Distrito Federal, com 6,6% de contribuição e 0,4 participação na composição do índice.
Aviação comercial aumentará crescimento, diz Anac Depois de um desempenho praticamente estável em 2013, a aviação comercial deve crescer até 5% em 2014, segundo previsão do diretor-presidente da Agência Nacional de Aviação Civil (Anac), Marcelo Guaranys. Na visão dele, o crescimento será causado pelo aumento da infraestrutura nos aeroportos, e não necessariamente pelo maior número de voos em função da Copa do Mundo. “Temos visto uma demanda muito grande de voos turísticos entre determinadas cidades que não tinham esse costume, como Cuiabá, mas uma diminuição muito grande nos voos executivos. Pouca gente tem viajado a trabalho”, avaliou Guaranys sobre a Copa do Mundo, em entrevista no Centro Aberto de Mídia sobre a movimentação nos aeroportos. O diretor-presidente da Anac explicou porque espera aumento no mercado da aviação comercial. “A gente tem uma infraestrutura nova agora. Em Brasília e Guarulhos, aumentou muito a capacidade. Então, há a possibilidade de trazer mais voos, mais empresas e mais aeronaves. Viracopos também vai entregar um terminal com uma capacidade grande, e isso gera uma melhoria na expectativa e na oferta de infraestrutura”. Se o resultado se concretizar, ele representará uma aceleração em relação ao ano anterior, em que houve um crescimento menor que 1%. “[o mercado] quase decresceu, variou muito pouco do ano retrasado para o ano passado. Isso é atípico para a gente, que tem tido crescimento muito grande nos últimos anos. É difícil prever porque a gente depende da previsão de cada empresa, mas acredito que vamos ter um crescimento um pouquinho maior neste ano”. (Agência Brasil)
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Mantega confirma anúncio do governo de medidas para a indústria O ministro Guido Mantega (Fazenda) confirmou que a presidente Dilma Rousseff vai anunciar nesta quarta-feira (18) medidas de estímulo à indústria, em reunião com empresários. As medidas foram reveladas por reportagem da Folha desta terça-feira (17). Dentro do "pacote de bondades", haverá mudanças tributárias, na concessão de crédito e regulatórias, como informou a reportagem. A reunião de amanhã é um "retorno" da presidente para as demandas que recebeu dos empresários em encontro realizado em maio. A queda na confiança dos empresários é um dos fatores que têm dificultado um crescimento mais rápido da economia. Dilma já admitiu que o país vive um "problema seriíssimo de expectativa". O pacote vem em período pré-eleitoral, quando os empresários estão cada vez mais próximos dos candidatos de oposição. A divulgação das medidas será um "retorno" da presidente para as demandas que recebeu dos empresários em encontro realizado no dia 22 de maio. Ela promete responder todos os pleitos que recebeu. Também participarão da reunião de amanhã os ministros Guido Mantega (Fazenda) e Mauro Borges (Desenvolvimento). Empresários ouvidos na condição de anonimato veem a aproximação de Dilma com "bons olhos. "É ótimo que ela nos escute", disse um dos convidados. Mas afirmam que os pleitos não são novos, só estão sendo discutidos por causa da proximidade das eleições, e que é preciso verificar se as promessas se transformarão em realidade. Até ontem, estava previsto que o governo prometia rediscutir as novas regras para segurança do trabalho na utilização de máquinas, que tem sido motivo de protestos pela indústria. Também deveria enviar ao Congresso um projeto de lei sobre o acesso ao patrimônio genético brasileiro. Fabricantes de cosméticos e remédios foram autuadas por desenvolver produtos com a fauna e a flora brasileiras sem as autorizações cabíveis. As multas já aplicadas serão anistiadas. Na área tributária, é vista com simpatia a retomada, no ano que vem, do Reintegra, programa que devolve tributos aos exportadores. Seguindo sugestão da indústria, o programa voltaria com alíquota simbólica, que vai subindo gradualmente. É provável ainda que o governo já sinalize que renovará o PSI (Programa de Sustentação do Investimento), do BNDES, em 2015. O programa expira no fim deste ano. Mas não deve atender a outro pleito para aumentar os recursos do Revitaliza, destinado a capital de giro, também do banco de fomente.
Valor total da fatura do cartão é paga por 85%, aponta pesquisa Pesquisa feita a pedido da Abecs (Associação Brasileira das Empresas de Cartões de Crédito e Serviços) concluiu que a maioria dos usuários de cartão de crédito paga o valor integral de sua fatura. No levantamento, conduzido pelo Datafolha, 85% dos entrevistados haviam quitado 100% de sua última fatura. Sobre qualquer valor que se deixe de pagar em fatura de cartão incidem juros. Assim, os 15% dos entrevistados restantes tiveram acréscimos a pagar na fatura seguinte. Segundo apuração da Anefac (Associação Nacional dos Executivos de Finanças, Administração e Contabilidade), os juros do crédito rotativo do cartão são os mais altos para o consumidor: média de 10,52% ao mês em maio, último dado disponível. "A regra de ouro do cartão de crédito é nunca deixar cair nos juros, pois eles são muito altos", afirma Marcio Neubauer, sócio-diretor da Soma Invest, consultoria de planejamento financeiro.
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Um dos principais benefícios do cartão de crédito apontados por consultores, o parcelamento de compras sem juros foi adotado por 69% dos entrevistados no mês anterior ao da pesquisa, atitude mais comum entre as mulheres (72%) do que entre os homens (66%). Nesse quesito, o planejador financeiro dá uma dica: "Faça apenas uma compra parcelada por mês no cartão e procure não comprometer um valor superior ao que tenha de reserva". Segundo Neubauer, um problema que leva a dívidas altas é quando o consumidor divide o pagamento de sua compra contando que vá continuar com emprego e rendimento iguais nos meses em que vencerem as parcelas. "Em qualquer imprevisto, aquela vantagem, que era comprar parcelado sem juros, vira uma dívida com taxa alta quando ele não consegue pagar a fatura", afirma. Antes feita uma vez por ano, a pesquisa da Abecs sobre uso do cartão de crédito deve passar à periodicidade mensal a partir de agora (veja metodologia no quadro). Dados divulgados pela Abecs nesta segunda (16) sobre uso de cartões no país mostram que os brasileiros usam mais a função débito do que a crédito dos cartões. No primeiro trimestre, houve 1,26 bilhão de transações no débito e 1,13 bilhão no crédito –aumento de 16,3% e 8,7% respectivamente sobre o mesmo período de 2013. No total, foram movimentados R$ 223 bilhões por meio de cartões no período.
Editorial: O preço do atraso Não chega a ser surpresa que vá atrasar a geração de energia pela usina de Belo Monte. Já em dezembro, segundo reportagem que esta Folha publicou sobre o maior empreendimento hidrelétrico do país, sabia-se que a operação da primeira turbina ultrapassaria em alguns meses o prazo previsto, fevereiro de 2015. O atraso, porém, afigura-se bem mais sério. Em correspondência enviada à Aneel (Agência Nacional de Energia Elétrica), a concessionária Norte Energia S.A. propõe novo cronograma que adia todo o projeto em pelo menos um ano. A empresa culpa os suspeitos de sempre: licenciamento ambiental, greves e bloqueios dos canteiros por grupos contrários à hidrelétrica. Tudo isso é parte da verdade, mas não é a verdade toda. Atrasos em obras de infraestrutura são a regra. Licitações bilionárias se realizam com base em projetos básicos e informações inadequadas. Relatório da CNI (Confederação Nacional da Indústria) passou pente-fino em seis empreendimentos recentes e concluiu que as demoras acarretaram custos adicionais da ordem de R$ 28 bilhões. Os prazos considerados são em geral irreais, a começar pelo burocrático licenciamento ambiental, também lastreado em dados incompletos. Como o aprofundamento dos estudos de impacto e as providências de remediação só começam após a concessão, a obra física ganha prioridade sobre as compensações socioambientais e dão margem ao sem-número de revisões, ações e liminares judiciais. Há, além disso, deficiências graves no planejamento da construção de hidrelétricas, e não só no Brasil. Um estudo da Universidade de Oxford (Reino Unido) publicado neste mês no periódico "Energy Policy" examinou 245 barragens erguidas de 1934 a 2007, ao custo de US$ 353 bilhões (preços de 2010). Constatou que 75% dos projetos enfrentaram aumentos de custos, em média de 96%. O viés de subestimação de prazos e preços não melhorou no período e está presente nos cinco continentes. A Norte Energia pede à Aneel isenção de responsabilidade pelo atraso, que resultaria de atos do poder público ou de casos fortuitos e de força maior. Ou seja, a concessionária almeja livrar-se do ônus financeiro representado pela energia prevista em contrato que deixará de ser entregue. "Atrasos têm consequências funestas", ensinou Shakespeare no drama histórico "Henrique 6º". Funestas e dispendiosas, seria o caso de acrescentar. Compete à Aneel e à Norte Energia encontrar maneiras de reduzir ao máximo as perdas, que em última análise recairão sobre o consumidor e o contribuinte brasileiro.
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As indústrias não estão nem aí para pátios cheios de carros O ano de 2014, até aqui, tem sido um pesadelo para as montadoras instaladas no Brasil. As vendas caíram 5,5% até maio, mais de dez empresas deram férias coletivas ou abriram planos de demissão voluntária para seus funcionários e cerca de 400 000 carros estão parados nos pátios à espera de comprador, algo que não se via desde 2008. A ociosidade das linhas de montagem já passa de 30%. Mas nada disso assusta o físico chinês Roger Peng. Ele acaba de chegar ao Brasil para presidir a subsidiária da montadora Chery, que deve inaugurar no segundo semestre uma fábrica em Jacareí, no interior de São Paulo. Com capacidade para produzir 150 000 veículos por ano, a unidade custou 900 milhões de reais e representa o maior investimento já feito por uma montadora chinesa fora da China. Popularizar uma marca chinesa no Ocidente já é um desafio e tanto. Fazer isso no atual momento do mercado automotivo brasileiro, mais complicado ainda. Mas Peng mantém o otimismo. “Pensamos no longo prazo”, diz. “Não investimos em uma fábrica considerando a situação momentânea.” Apesar da má fase, o Brasil ainda é um dos melhores pedaços do mercado global de veículos. É o quarto maior mercado do mundo e também um dos mais competitivos, com cerca de 40 marcas na disputa — duas vezes mais do que há uma década. Nos últimos dez anos, o faturamento do setor passou de 40 bilhões para mais de 80 bilhões de dólares, e o volume de produção cresceu de 1,5 milhão para 3,5 milhões de unidades. Há nichos que continuam a crescer, como o dos utilitários esportivos (SUVs), que avançou 5% em 2013, ou o dos carros de luxo, na faixa de 100 000 a 300 000 reais, cujas vendas aumentaram 6,2% em 2013. Para completar, mesmo com a queda nos volumes, o lucro das montadoras continua em alta. O consumidor está pagando mais pelos carros. Em 2005, desembolsava, em média, 37 000 por um carro. Agora, gasta 50 000 reais. Entre 2012 e 2013, as remessas de lucro das empresas do setor para o exterior cresceram de 2,4 bilhões para 3,3 bilhões de dólares. Com esse cenário mais amplo no radar, o otimismo de Peng não é sinal de loucura. Nem é um caso isolado. Neste exato momento, junto com a Chery, outras sete marcas estão erguendo novas fábricas no Brasil, sem contar a unidade da Nissan em Resende, no interior do Rio de Janeiro, ou a linha de produção do SUV iX35, da Hyundai Caoa, em Anápolis, em Goiás, inauguradas nos últimos seis meses. É um movimento como não se via desde o fim dos anos 90, quando montadoras francesas e japonesas começaram a investir na produção local, rompendo com a monotonia de um mercado amplamente dominado por Fiat, Ford, GM e Volkswagen por décadas. Na lista de empresas que estão chegando, retornando depois de alguma experiência frustrada no passado ou ampliando e diversificando suas operações, estão fabricantes de carros de luxo, como Audi, BMW, Jaguar Land Rover e Mercedes-Benz. A lista segue com a Chrysler, que volta agora ao país associada à Fiat em uma fábrica em Pernambuco, com a chinesa JAC Motors, que tem planos na Bahia, e com a Honda, que vai montar seu compacto Fit em Itirapina, no interior de São Paulo. Em comparação com o que aconteceu há 15 anos, as novas fábricas são mais sofisticadas. Elas vão produzir vários modelos sobre uma mesma plataforma, em vez de um único modelo. E também fabricarão carros mais caros, já que os tempos dos carrinhos 1.0 sem opcionais estão ficando para trás. Nunca houve, por exemplo, um movimento de instalação de marcas de luxo como o verificado atualmente. “A BMW é uma empresa conservadora, que só decidiu se instalar no Brasil depois de dez anos de crescimento ininterrupto”, afirma Gleide Souza, diretora da montadora. Em 2013, a BMW vendeu mais de 17 000 carros no Brasil, um recorde histórico. “O perfil da produção está se transformando”, diz Luiz Moan, presidente da Anfavea, a associação nacional das montadoras. “Há uma intensa renovação dos modelos e, até 2018, nossa oferta de produtos estará alinhada com a melhor oferta global.” O novo ciclo de investimentos, como aconteceu em outras fases da indústria nacional, foi precedido por iniciativas protecionistas, caso do aumento do IPI (o imposto sobre produtos industrializados) decretado pelo governo no fim de 2011 e do novo regime automotivo, chamado de InovarAuto, que estabeleceu vantagens tributárias para as empresas instalarem suas fábricas e metas de nacionalização de processos e produtos. Temendo ficar para trás, várias marcas que 7
ainda tinham dúvidas se valia a pena investir tiraram seus projetos da gaveta. Para sustentar a previsão de retomada do mercado, a indústria leva em conta alguns dados promissores do setor, como o índice de carros por habitante, ainda baixo no Brasil. A média nacional é de um carro para cada 5,3 pessoas, enquanto nos Estados Unidos é de um carro para cada 1,2 habitante, e na Europa, um para 1,7. Ficamos atrás até da Argentina, onde há um carro para cada 3,6 pessoas. O maior potencial de crescimento está em regiões como Nordeste e CentroOeste, onde o mercado é menos maduro. O Piauí, por exemplo, tem um carro para cada 11 habitantes — e as vendas no estado cresceram 8% no ano passado. Um drama nacional que ajuda a estimular vendas é a precariedade do transporte público, que força as pessoas a usar o carro para se locomover nas grandes cidades. Mas, feitos os cálculos, as coisas devem piorar antes de melhorar. “Vai ser difícil fechar a conta da capacidade instalada e da demanda”, diz David Wond, especialista no mercado automotivo da consultoria A.T. Kearney. “Se a economia não voltar a crescer, haverá um período crítico entre 2015 e 2016, com mais de 40% de ociosidade e fábricas no vermelho.” Uma das saídas para reduzir a capacidade ociosa seria aumentar as exportações. Mas a volta do carro brasileiro ao mercado internacional é difícil. Entre 2004 e 2005, as montadoras instaladas no país conseguiam exportar 30% da produção. Atualmente, a média de exportação não passa de 15%. O problema não é só da baixa tecnologia empregada nos carros fabricados por aqui, que tira sua competitividade. A partir da crise financeira de 2008, americanos e europeus passaram a utilizar sua própria capacidade instalada para abastecer seus mercados. O Brasil também perdeu espaço na América Latina para os carros chineses. No Chile, a participação dos carros brasileiros caiu de 60% para 5%. As exportações se restringem a Argentina e México, que têm acordos comerciais com o Brasil. É uma situação que precisa mudar para que os novos investimentos das montadoras no Brasil façam sentido.
Economia vai começar a se recuperar no ano que vem, diz economista na FGV (Agência Brasil) A recuperação da economia brasileira vai começar no segundo semestre do ano que vem, mas, por efeito estatístico, não será evidente em números ainda em 2015, de acordo com avaliação do ex-secretário executivo do Ministério da Fazenda, Nelson Barbosa. "A partir do segundo semestre do ano que vem a economia brasileira já estará em uma rota de aceleração do crescimento e de redução da inflação. Acho que pode ter uma recuperação, se tudo der certo, de 4% em 2016, até por base de comparação, efeito estatístico. Quando se parte de uma base baixa, a economia se recupera mais rápido", explicou acrescentando que 2015 ainda apresentará crescimento baixo. "A inflação para o ano que vem, o mercado está corrigindo para entre 7% e 7,5%, o crescimento em torno de 1% e a economia se recuperando rápido em 2016. É um ano bem diferente entre primeiro e segundo semestres. Na medida em que tem a sinalização e maior clareza de como é o comportamento da economia os investimentos voltam a ser feitos e, com a continuação do programa de concessões, os investimentos começam a se recuperar, só que tem uma inércia. Isso vai bater na economia no segundo semestre. Pode ter um crescimento baixo no ano, ponta a ponta, mas com duas realidades bem diferentes entre o primeiro e segundo semestres", completou. Já a mudança nas expectativas negativas vai ocorrer com o término da Copa do Mundo. Para Barbosa, sem levar em consideração o resultado do futebol, não haverá maiores problemas em termos de organização da Copa e o cenário do país ficará mais claro com a definição da eleição. "Passada a Copa, começa o debate eleitoral, e aí algumas coisas vão começar a ser sinalizadas por parte dos candidatos. Isso vai diminuir a ansiedade. Como vai ser, tem saída, por mais grave que um pu outro problema possa ser, mas que tem condição de resolver. Uma coisa é ter um cenário ainda de inflação alta, mas com previsibilidade de como vai ser os quatro anos [futuros], e aí começa a retomar as decisões de investimentos", informou. De acordo com o ex-secretário, o ajuste da economia 8
brasileira já começou, embora em escala ainda reduzida. Ele apontou o início da recuperação dos preços administrados, que estavam reprimidos, e o nível da taxa de juros como exemplos de ajustes que já estão ocorrendo. Mas a velocidade em que se dará o ajuste ainda é uma incógnita. "Hoje tem uma grande pausa à espera da definição de qual vai ser a velocidade do ajuste que já começou na economia brasileira. Tem muitos projetos grandes prontos para serem feitos, aguardando um cenário econômico mais claro", acrescentou. No mercado de trabalho, ele descartou um grande aumento da taxa de desemprego no ano que vem, mas ponderou que pode ocorrer um ajuste no salário real, como já está se verificando. Nélson Barbosa participou ontem (16), no Rio de Janeiro, do Seminário de Análise Conjuntural, no auditório da Fundação Getulio Vargas (FGV), em Botafogo, zona sul do Rio, organizado pelo coordenador-geral do Boletim Macro do Instituto Brasileiro de Economia (Ibre) da FGV, Régis Bonelli.
Refinaria Abreu e Lima custará até 3 vezes mais que no resto do mundo A Agência Internacional de Energia (AIE) diz que a construção da refinaria Abreu e Lima pela Petrobras, em Pernambuco, vai custar até três vezes mais do que qualquer projeto com capacidade similar no resto do mundo. A agência nota que o custo de cerca de US$ 20 bilhões, pela última estimativa para esse projeto, é equivalente a “duas ou três vezes mais que o custo de capacidade de refino semelhante que está sendo construído no resto do mundo”. Apesar de o Brasil planejar duas novas refinarias, a Abreu e Lima e a da Comperj no Rio de Janeiro, ambas com atraso, cortes no orçamento da Petrobras vão afetar a expansão da capacidade de refino na América Latina. A AIE nota que a companhia brasileira, no rastro de perdas nas atividades de “downstream” (transporte e distribuição de produtos da industria de petróleo) e restrições de caixa, anunciou redução de US$ 26 bilhões nos investimentos de “donwstream” para 2014-18. Assim, apesar do rápido crescimento do déficit e aumento na demanda de produtos de petróleo, a capacidade de refino na América Latina nos próximos cinco anos deve ter uma expansão mínima. No geral, avalia a AIE, a América Latina continuará a ser um grande importador de produtos de petróleo no médio prazo, sobretudo procedentes dos EUA, mas a dependência de importação continuará inalterada. A agência destaca que a indústria de refino entra na idade da globalização e continuará uma forte expansão e reestruturação até 2020. Apesar do cancelamento de projetos na América Latina e na China, a capacidade global de refino deve crescer significativamente. A distribuição geográfica da nova capacidade é altamente desigual e quase inteiramente fora dos paí ses desenvolvidos. Até o fim da década o mapa do refino global, assim como dos fluxos comerciais de petróleo, ficará quase irreconhecível, com enormes hubs na Ásia, Oriente Médio e nos EUA. Na Ásia e no Oriente Médio, o aumento da produção regional estimula a expansão das refinarias e alguns países deverão aumentar suas exportações.
Para grandes investidores, país não terá bom retorno Para os grandes investidores globais, o Brasil não deve oferecer grandes retornos nos próximos três anos. Uma pesquisa com 700 fundos de pensão, fundos soberanos, consultores e gestores de recursos em 30 países, com ativos combinados de US$ 29,7 trilhões, mostrou que apenas 15% dos entrevistados apontam o país como promissor para esse período. No topo do ranking, aparecem EUA (47%), mercados emergentes africanos (45%), Europa ocidental (34%), China (34%) e Japão (26%). Na lanterna, está a Rússia, citada por 8% dos entrevistados. Em 2012, 18% dos entrevistados se disseram "céticos" sobre os mercados emergentes com um todo. Em 2014, eles são 28%. "Os investidores não perderam fé no conto dos mercados emergentes; 9
eles estão simplesmente questionando-o. A balança mudou um pouco entre 2012 e 2014", analisa o relatório. Além disso, 27% dos entrevistados acham que o Brasil vai fazer reformas estruturais importantes nos próximos três anos que levarão ao crescimento econômico. Esse percentual é de 51% para a China e de apenas 6% na Rússia.O relatório foi elaborado pelo instituto de pesquisa da gestora de recursos Principal Global Investors.
Contramão Em plena Copa do Mundo, é impossível deixar de acompanhar os problemas da economia. É mais do que preocupante o atual cenário da indústria brasileira. Um pouco antes do início do Mundial, ficamos sabendo, pelo IBGE, que a produção industrial teve uma nova queda em abril, de 0,3% em relação ao mês anterior. Na comparação com maio do ano passado, a queda é de 5,8%. A preocupação com a indústria aumenta porque seu ambiente recessivo se espalha praticamente por todas as regiões e todos os setores. No ainda importante setor de veículos, os números de maio mostraram uma queda de produção de 18% na comparação com o mesmo mês do ano passado. As empresas tiveram de ajustar sua produção à demanda diminuindo o ritmo de trabalho, parando linhas de montagem e, infelizmente, demitindo empregados. Quase 5.000 vagas foram fechadas desde o início do ano nas montadoras, que também apresentam queda anual de 24% no faturamento de exportações. Na indústria como um todo, na comparação com o mesmo mês do ano passado, houve em abril uma queda de 2,2%, a 31ª seguida. Por que tudo isso está acontecendo? Há um discurso, largamente difundido, sobre a falta de confiança do setor empresarial, que se sente inseguro, por muitas razões, para fazer investimentos produtivos. Tudo isso é verdade. Mas há também um fato incontestável, que colabora de forma definitiva para colocar a indústria e toda a economia brasileira no rumo da recessão. É óbvio que estou falando da falta de crédito e dos juros. Não dá para explicar a ninguém por que, num momento em que tanto os países emergentes quanto os desenvolvidos estão cortando ferozmente os juros, aqui no Brasil continuamos com uma taxa de 11% ao ano. É a maior taxa do mundo, tanto em termos nominais como reais. Todo o mundo desenvolvido opera com taxas reais negativas (abaixo de zero) e alguns emergentes também, como a Índia. Há duas semanas, o Banco Central Europeu adotou até uma taxa nominal negativa, de 0,10%, para depósitos dos bancos privados. Isso significa que os bancos europeus, para deixar seu dinheiro depositado com segurança no BCE, precisam pagar 0,10% do valor depositado por ano. Enquanto isso, aqui no Brasil, quem comprar títulos do Tesouro, aplicação de risco zero, ganhará 11% ao ano, algo como 4,5% em termos reais (acima da inflação). Na contramão do mundo, o Brasil vem aumentando a taxa básica de juros desde abril do ano passado. Nesse período, a nossa conhecida Selic passou de 7,25% para 11%, nível atual. O objetivo, nobre, era conter a inflação, que se aproximava e ainda se aproxima perigosamente do teto da meta, de 6,5% ao ano. Para nossa decepção, o efeito esperado dessa política praticamente não se deu. Enquanto isso, o efeito colateral se apresenta em cheio, colaborando para esfriar a economia e colocá-la no caminho da recessão, como mostram dados citados acima. A esta altura, nem os analistas mais otimistas preveem um crescimento do PIB de 2% no ano, o que já seria um retrocesso em relação ao fraco desempenho de 2013 (2,3%). O que fazer? Ora, é elementar: baixar os juros. Se a política de arrocho não está fazendo efeito para segurar a inflação, até porque grande parte dessa inflação decorre de fatores incontroláveis via aperto monetário, então ela é indesejada, já que tem efeito colateral devastador. As altas taxas de juros têm forte impacto nos custos empresariais, já agravados por energia, câmbio, falta de crédito e outros fatores. Levantamento da CNI mostrou que os custos do capital de giro da indústria aumentaram incríveis 33% no primeiro trimestre em comparação com o mesmo período de 2013. Além disso, o rendimento financeiro real, acima da inflação, obviamente desestimula os investimentos produtivos. É necessário ter coragem para afrouxar agora a política monetária, numa conjuntura de disputa eleitoral e contra a vontade do mercado financeiro. Qualquer 10
redução da Selic antes da eleição será certamente taxada de medida eleitoreira e, mais ainda, interpretada como atitude de leniência com a inflação. De qualquer forma, ganhe quem ganhar a eleição presidencial, precisará adotar uma política monetária mais frouxa. Se não fizer isso, na certa enfrentará uma recessão logo no primeiro ano de governo, para decepção de seus eleitores.
Voltar a crescer Em linhas muito gerais, a redução da taxa de crescimento do Brasil no último meio século pode ser explicada por dois fatos muito simples e que dispensam as "grandes teorias" que costumam esconder as ideologias: 1) Uma redução dramática dos investimentos em infraestrutura, junto com um aumento não menos dramático da carga tributária bruta, combinados com uma formidável revolução demográfica, que se vê no quadro abaixo. É claro que se trata de uma gigantesca simplificação, mas ela vai ao cerne do problema técnico do crescimento: o aumento da quantidade de capital físico (kWh, tornos, tratores, estradas, pontes, portos, comunicação, saneamento etc.) por trabalhador, que aumenta a sua produtividade e é, por definição, o próprio desenvolvimento econômico. Como o investimento líquido (isto é, o investimento bruto, deduzido da depreciação do capital físico utilizado para produzir o PIB) incorpora ao longo do tempo inovações e progressos tecnológicos, uma parte dele tem que ser destinada para educar a força de trabalho. O investimento público em infraestrutura e em educação, num ambiente de confiança e estabilidade, é o principal indutor do investimento privado, o que cria uma espécie de círculo virtuoso que sustenta o crescimento. 2) Enquanto existe mão de obra disponível (porque a população está crescendo depressa, ou a agricultura a está liberando, ou aumenta a participação da população na força de trabalho), o crescimento - produzido pelo aumento do capital físico por trabalhador - é auxiliado na produção do PIB pelo aumento dos trabalhadores incorporados ao processo produtivo. Nos últimos 40 anos, a situação demográfica mudou completamente, devido à revolução produzida pelas mulheres: elas se educaram mais do que os homens, reduziram sua taxa de fertilidade (em 1970, cada mulher deixava seis filhos, hoje deixa menos de dois) e introjetaram que a única forma de ascensão social de seus filhos é a educação. Isso reforça a ideia de que hoje o desenvolvimento só pode vir ligado ao aumento dos investimentos públicos e privados para dar a cada trabalhador mais capital físico, que incorpora mais tecnologia, e educação, para que ele possa manipulá-lo de forma mais adequada. Temos insistido que a combinação dos fatores para produzir o PIB é uma questão técnica. Ela se resolve pelo uso de mercados que, quando bem regulados, produzem um sistema de preços relativos, que estimula a busca do resultado produtivo mais eficiente. Com relação a isso, os avanços da microeconomia sugerem que decisões políticas apressadas, ou pouco sofisticadas, produzem (no longo prazo, porque as consequências vêm sempre depois...) resultados muito inferiores para o aumento do nível de bem-estar da sociedade. Por outro lado, a distribuição do que cabe ao trabalho e do que cabe ao capital no que foi produzido (o PIB) é um problema político. Resolve-se pela ação do poder incumbente escolhido nas urnas numa democracia, condicionado pelas instituições que a controlam. A sua solução pode impor, portanto, restrições ao nível dos investimentos e, no final, ao próprio desenvolvimento, se não houver uma relativa harmonia entre o que se distribui e consome, e o que se acumula para aumentar a produtividade e trabalho. É isso que cria as condições para a continuidade do processo redistributivo. O Brasil colhe os efeitos benéficos de uma redistribuição de renda que, até recentemente, foi facilitada pelos ganhos externos proporcionados pela melhoria de nossas "relações de troca", mas que está cada vez mais difícil de prosseguir, principalmente pelo aumento exponencial do seu custo fiscal. A preocupação com a higidez da economia nacional está ligada à ausência visível da necessária revisão na própria política de proteção - às vezes contraditória a alguns setores -, que deveria ser acompanhada de uma profunda mudança de todo o sistema de apropriação e distribuição dos recursos pelo governo. É preciso começar 11
com orçamento de base-zero, que elimine os milhares de programas que subsistem por inércia (uma vez que perderam a sua funcionalidade) e ir até a crítica cuidadosa da eficiência de todas as ações fiscais. Sem providências dessa natureza, a possibilidade de continuarmos a reduzir o nível de desigualdade ainda existente e, ao mesmo tempo, acelerarmos o crescimento para maximizar o avanço do bem estar de toda a população, ficará cada vez menor.
FGV: Balança comercial deve fechar 2014 com déficit de US$ 2 bilhões RIO - A balança comercial deve fechar este ano com déficit de US$ 2 bilhões. A estimativa foi apresentada na segunda-feira no Seminário de Análise Conjuntural pelo coordenador-geral do Boletim Macro do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (Ibre-FGV), Regis Bonelli. A mudança do panorama, segundo os pesquisadores do Ibre, deve se dar com desaceleração mais acentuada das importações, causada pela atividade econômica mais forte e pelo aumento na produção de petróleo. “A gente tem visto alguma melhora na margem [aumento na produção de petróleo], mas teria que ter uma surpresa maior do que se vem observando. Dificilmente teremos superávit neste ano”, disse a pesquisadora do Ibre, Sílvia Matos. Para o desempenho do Produto Interno Bruto (PIB, soma dos bens e riquezas produzidos no país), a previsão é de crescimento de 1,6% com inflação em 6,7%. O economista Salomão Quadros, também do Ibre, informou que os preços administrados como os dos combustíveis, que ficaram comprimidos no ano passado, devem fechar o ano com alta de 5,8%, e para 2015 há a perspectiva de reajuste da energia elétrica. “Essa vai ser difícil controlar, porque os contratos permitem que os custos sejam repassados”, disse. Para o economista, a estiagem do início do ano afetou diretamente a produção agrícola e provocou elevação dos custos da energia elétrica, e isso marcou a inflação do período. “Esses preços sobem muito em um primeiro momento, e não recuam [totalmente]. Fica um resíduo para o resto do ano”, explicou. Apesar do cenário negativo, o economista Regis Bonelli disse que uma das mensagens importantes das avaliações apresentadas no seminário é que o risco não está no setor externo, um fato que sempre ameaçou o crescimento brasileiro. “Está mais na nossa mão resolver os problemas do que nas mãos do mundo. Sempre que precisamos, no passado, nos negaram financiamento e nos obrigaram a fazer um ajuste tumultuado”, contou. Bonelli disse que as perspectivas, embora não sejam boas para este ano, não representam nenhuma catástrofe. “Para o ano que vem a nossa previsão [de crescimento do PIB] é um pouco pior do que para este ano, mas tem boas expectativas de que tudo melhore a partir daí”, analisou. Para 2015, a expectativa do Ibre é que o crescimento da atividade econômica seja em torno de 1,2%, com inflação de 6,8%.
Confiança da indústria volta a cair Pelo terceiro mês consecutivo, o Índice de Confiança do Empresário Industrial (Icei) da Confederação Nacional da Indústria (CNI) manteve-se abaixo da linha divisória dos 50 pontos. Em junho, o Icei ficou em 47,5 pontos, queda de 0,5 ponto sobre o mês anterior e de 7,3 pontos na comparação com junho de 2013. Com a queda, o indicador deste mês (idêntico ao de janeiro de 2009) se torna o segundo pior já registrado pela entidade, superando apenas o de janeiro de 1999. A falta de confiança que permeou todo o trimestre se reflete em novas quedas verificadas na indústria de construção e na indústria de transformação, que registraram Icei de 48,5 pontos (queda de 1,4 ponto na comparação com maio) e de 46,7 pontos (queda de 0,4 ponto), respectivamente. Destaque negativo para a metalurgia, cujo índice caiu de 48 para 44,2 pontos entre maio e junho. A indústria extrativa, por sua vez, voltou a mostrar confiança. O índice cresceu 1,8 ponto e superou a linha divisória de 50 pontos 12
(50,6). Em termos regionais, houve queda acentuada na confiança dos empresários da região Norte, de 55,8 para 50 pontos entre maio e junho. Sudeste, Sul e Centro-oeste, registraram índices abaixo dos 50 pontos, com Icei de 43,5; 45,4 e 48,8 pontos, cada. No Nordeste, o índice manteve-se em 52,9 pontos. A expectativa do empresário industrial em relação à economia do país caiu 1,1 ponto, para 42,7 pontos em junho. A expectativa em relação à própria empresa manteve-se em 55,6 pontos. Participaram da sondagem 2.636 empresas.
Falta de gestão em design atrapalha exportações brasileiras, diz estudo A falta de compreensão sobre o uso do design como parte de todo o processo de desenvolvimento de produtos - e não apenas como adereço ou "toque final" - tem colocado empresas brasileiras na contramão da tendência mundial e prejudicado seu desempenho no comércio exterior. Tal conclusão é parte de um estudo pioneiro sobre as relações entre o uso do design como cultura e estratégia empresarial e seu impacto sobre as exportações, realizado pelo Centro Brasil Design em parceria com a Agência Brasileira de Promoção de Exportações e Investimentos (Apex) e o Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior (Mdic). Os resultados devem nortear alterações nas políticas públicas sobre design no país, inclusive na revisão do decreto que institui o programa brasileiro de design (PBD), criado em 1995. Sob o título "Diagnóstico do Design Brasileiro", o estudo foi desenvolvido com base em pesquisas realizadas durante oito meses, com mais de 300 empresas brasileiras, de diversos setores. Para quase metade delas, o design não se aplica como fator de contribuição em suas exportações, em oposição às empresas europeias - onde mais da metade indicou este como fator decisivo e presente no dia a dia da empresa. No Brasil, ainda impera, segundo o relatório, o uso de freelancers de design na elaboração final do produto. A falta da gestão de design como parte da cultura da empresa, que pode parecer economia de recursos à primeira vista, transforma-se mais à frente em dificuldades para adequar os produtos a diferentes mercados externos, em pouca atenção ao registro de patentes e, por fim, em um volume de exportação aquém do potencial. Alguns dos setores com pior desempenho em termos de gestão de design estão justamente entre os maiores exportadores. É o caso de máquinas e equipamentos, que tem cerca de 20% do faturamento ligado à exportação, e de médico odonto-hospitalar, no qual as vendas para outros países representam em média 12,3% do faturamento. O estudo aponta que, por possuir cultura de engenharia que parece ser contrária à interferência do design no processo, o setor de máquinas e equipamentos brasileiro obtém cerca de 7,5% do faturamento com novos produtos, quando seus equivalentes europeus têm por volta de 35% de seu faturamento nesse campo. Empresas que têm equipes de design contratadas normalmente estão mais atentas a esse tipo de oportunidade de mercado, como o lançamento de produtos novos. Logo, faturam mais nesse quesito, segundo a pesquisa. Em relação à propriedade industrial, as empresas brasileiras também estão passos atrás dos equivalentes estrangeiros: o país está na 28ª colocação entre as nações que mais solicitam patentes de produtos. Em 2012, o Brasil acumulou 33.395 solicitações de patentes no INPI. Porém, foram concedidos apenas 3.130 registros. E destes, foram 21% advindos de residentes no Brasil, enquanto 79% são provenientes de não residentes. Pelo mundo, empresas e pesquisadores brasileiros pediram em 2012 o registro de 6,6 mil patentes, dez vezes menos que a França, 20 vezes menos que a Alemanha e quase cem vezes menos que a China. A área do design também enfrenta, aponta o relatório, suas dificuldades no país, como a grande dificuldade para aquisição de tecnologia, por conta da alta tributação dos produtos, e a perda de talentos para o exterior. A boa notícia é que cresceu em 1900% a produção acadêmica sobre design no período de 1993 a 2010. O relatório aponta a necessidade de uma agência governamental, com recurso próprio, produção acadêmica e transferência de conhecimento à indústria como um caminho possível para integrar o design à cultura das empresas e melhorar o volume de exportação. O estudo foi bem recebido pelos representantes de nove setores da indústria brasileira presentes ao 13
evento de lançamento (máquinas e equipamentos; médico-odonto-hospitalar; higiene pessoal, perfumaria e cosméticos; mobiliário; embalagem para alimentos; calçados; têxtil e confecção; cerâmica de revestimento e audiovisual). Recebeu, no entanto, algumas ressalvas de representantes de entidades governamentais em relação às linhas de financiamento para a área já existentes, cuja eficiência foi pouco explorada no levantamento. Segundo Beatriz Martins Carneiro, coordenadora de análise da competitividade e desenvolvimento sustentável do Mdic, o ministério trabalha na revisão do PBD. "Estamos trabalhando no desenho de uma nova política pública para o design. O ministério encara o design como um instrumento de competitividade", afirma.
Expansão externa de empresa local não acompanha avanço da economia Embora nos últimos anos as empresas brasileiras tenham aumentado sua presença no exterior, a expansão para outros mercados continua lenta e não acompanha o avanço econômico do país, de acordo com estudo sobre internacionalização das empresas brasileiras da consultoria Maksen, em parceria com o Insper e com a MBA Lisbon. O grande e protegido mercado interno ainda é o principal fator de inibição para que as empresas se arrisquem fora do país, embora o alto custo de capital e a falta de competitividade das companhias domésticas também sejam entraves à expansão internacional. O apoio do Banco Nacional de Desenvolvimento Social e Econômico (BNDES) a projetos fora do Brasil, alvo de algumas críticas, é considerado uma das saídas para estimular a presença das empresas brasileiras no exterior, além de aumento da competitividade e regras tributárias mais claras. O levantamento se baseou em entrevistas com executivos, acadêmicos, advogados e instituições governamentais realizadas no ano passado e dados quantitativos. Segundo o estudo, a internacionalização das empresas brasileiras não tem acompanhado o ganho de importância da economia brasileira no contexto mundial. Entre 2004 e 2012, o Brasil passou de 14ª para 7ª maior economia do mundo, enquanto o estoque total de investimento estrangeiro também subiu, mas menos, da 24ª posição para a 20ª posição no ranking global. Dados da Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento (Unctad) mostram que o Brasil reduziu sua presença internacional no ano passado, já que os investimentos brasileiros diretos no exterior tiveram saldo líquido negativo de US$ 3,5 bilhões em 2013, o único grande emergente com resultado negativo nesta comparação. A internacionalização, afirma Sérgio Lee, sócio da Maksen, é relevante porque, embora o mercado interno ainda apresente oportunidades, o consumo dá sinais de perda de fôlego e, em algum momento, o Brasil vai precisar depender mais dos mercados internacionais. Maior presença fora do país também eleva a arrecadação, com base na tributação de lucros e dividendos remetidos ao país, melhora o balanço de pagamentos e fortalece a cadeia de produção no mercado local, segundo a Maksen. O estudo concluiu que o ponto mais importante para explicar as poucas empresas brasileiras que já se internacionalizaram está justamente nas oportunidades oferecidas pelo mercado doméstico. Em depoimento, Carlos Mendonça, sócio da consultoria PwC, afirma que antes que as empresas se tornem internacionalizadas, elas procuram cobrir o mercado doméstico. "Por isso, apenas grandes conglomerados vão disputar o mercado externo", afirmou. Para Lee, da Maksen, o mercado interno ainda tem capacidade de absorver o crescimento das companhias brasileiras, mas como a internacionalização é um processo de médio e longo prazos, as empresas deveriam começar a conquistar terreno fora do país agora. Outra dificuldade, diz, é o alto nível de proteção do mercado. Índice da Câmara de Comércio Internacional coloca o Brasil como 67º país mais fechado, em uma lista que conta com 75 nações. Por serem menos expostas à competição internacional, as empresas também enfrentam dificuldade para concorrer no mercado externo, outro ponto levantado pelos entrevistados. Por isso, diz Lee, é difícil identificar setores em que as companhias brasileiras têm vantagens em relação a outras empresas. "Temos algumas que se destacam, como Vale e Embraer, mas não há setores de 14
peso fora do país, como acontece com a indústria automobilística na Alemanha". Outro problema é que os países vizinhos ao Brasil, que seriam os mercados naturais em um potencial processo de internacionalização, são razoavelmente pequenos, se comparados ao Brasil. Além disso, no geral, as economias latino-americanas têm riscos políticos, diz o executivo da Maksen, o que torna as decisões de investimento mais arriscadas, como está ocorrendo agora com a Argentina, diz. Também foram apontados como entraves as constantes mudanças normativas no país. "As regras não são simples e não favorecem a internacionalização, com complexidade do ponto de vista tributários, agregação de participação acionárias e mudanças de regras em curto espaço de tempo", diz Lee. O exemplo mais recente é a lei que trata da tributação no exterior e que estabeleceu que as multinacionais brasileiras têm de recolher alíquota de 34% do Imposto de Renda sobre os ganhos obtidos no exterior, mesmo que não tenham retornado com esses recursos para o Brasil. Nos Estados Unidos, só há tributação quando houver remessa, por exemplo, afirmou em artigo recente para o Valor Roberto Teixeira da Costa, membro do grupo de análise da conjuntura da USP. Esse tipo de tributação pode retardar a presença do Brasil no exterior, afirmou. Os executivos entrevistados também mencionaram como entrave o sistema educacional brasileiro. Não há, por exemplo, cursos de mestrado inteiramente em inglês no Brasil e a proficiência em línguas estrangeiras é baixa. O custo de capital e o baixo apoio da política macroeconômica também são barreiras para a internacionalização. O Brasil, por exemplo, tem poucos acordos de investimento se comparado a outros países, segundo Lee. Os desembolsos do BNDES para projetos no exterior, por exemplo, representam apenas uma pequena parcela dos empréstimos totais dos banco de fomento. Wolney Betiol, co-fundador da Bematech, afirmou em entrevista para o estudo que, quando a empresa procurou o banco em 2002 para seu projeto de internacionalização, o BNDES afirmou que não via esse tipo de incentivo como um dos papéis do banco. "Espero que isso tenha mudado", afirmou. Para Lee, da Maksen, não há conflito entre apoio de projetos no exterior com as necessidades de investimento no Brasil. "Sabemos que ainda há muito o que fazer no ambiente doméstico, mas são processos complementares", afirma. "Com investimentos em infraestrutura, o país fica mais competitivo e tem mais chances de se desenvolver e conquistar espaço em outros mercados", diz. A abertura comercial e a criação de agências de apoio para empresas no exterior também poderiam incentivar a internacionalização, que poderia ainda ser impulsionada por incentivos tributários. Algumas medidas que podem facilitar esse processo já tem sido adotadas pelo governo, comenta o estudo. É o caso do Ciência sem Fronteiras, que concede bolsas de estudo para brasileiros no exterior.
"Para herdar, tem que estudar" As irmãs Christiane, Viviane, Luciane e Mariane já passaram dos 40 anos, mas acabaram de participar de um programa de trainee acompanhadas da mãe, Solange, de 74. Ao longo de um ano, elas passaram por todas as áreas da empresa de ônibus Rápido Araguaia. O objetivo não era conseguir um emprego, mas aprender a ser sócias de um império. A companhia é somente uma das 15 do Grupo Odilon Santos, que pertence ao pai delas, Odilon Walter dos Santos. Aos 74 anos, ele decidiu que é hora de começar a passar o bastão. O filho mais novo, Odilon Santos Neto, 38, assumiu a presidência do grupo em janeiro. De repente a família deparou-se com uma série de desafios legais, financeiros e psicológicos. Não foi à toa que, das conversas sobre sucessão, surgiu o lema "Para herdar, tem que estudar". Viviane conta que ela e as irmãs cresceram em garagens de ônibus e rodoviárias, mas mais como visitas do que como sócias. Agora, depois de dedicar duas tardes por semana ao longo de um ano às empresas do grupo, as filhas passaram a conhecer detalhes do negócio. Além do intensivo na Rápido Araguaia, em um cronograma que foi da oficina mecânica à área jurídica, a família visitou outros braços, como a fábrica de sorvetes Creme Mel. "Nas últimas empresas que visitamos, já estávamos até dando palpite", diz Viviane. A iniciativa de dar a partida na sucessão foi do próprio Odilon, o 15
patriarca. Josenice Blumenthal, sócia da Mesa Corporate Governance, conta que ele procurou a consultoria com um objetivo: garantir a harmonia na família. Ele queria evitar brigas na sucessão. Foi também Odilon que defendeu um programa de visita às empresas, chamado pela consultoria de "acionista, conheça seu negócio", mais longo do que os 25 dias costumeiros. Josenice também ajudou a estruturar um conselho de família e um estatuto, que estrutura regras de convivência e de atuação, como qual o procedimento para um familiar que queira trabalhar nas empresas do grupo. "A única regra que tínhamos até então era que toda quinta tem almoço de família", diz Viviane. Um conselho de família, com oito a dez reuniões por ano, é o instrumento que ajuda a garantir a harmonia buscada por Odilon, segundo Josenice, ao levar para a mesa pontos de impasse. "Esse estabelecimento de regras claras ajuda a família a ter uma convivência harmoniosa como sócios, o que depois torna muito mais fácil que sejam amigos", diz. E o fato de ser estruturado com o proprietário ainda vivo faz diferença, segundo Josenice. "Quando se espera o patriarca morrer, é um deus nos acuda, porque ninguém sabe cuidar do negócio. E muitas empresas acabam por causa disso", afirma. A fabricante paulista de máquinas agrícolas Jacto passou por um processo semelhante, sob a orientação da consultoria Höft. Para garantir a qualidade da transmissão de patrimônio, o especialista em sucessão Renato Bernhoeft recomendou que a experiência de uma geração fosse compartilhada com a seguinte. Em uma das etapas do programa, os cinco irmãos, filhos do fundador da Jacto, Shunji Nishimura, reuniram a família em um hotel e escreveram em um papel pardo a linha do tempo da empresa, com marcos como o início da fabricação de peças de cerâmica e a inauguração do centro de pesquisa. Em baixo de cada ponto, as esposas e filhos escreviam os acontecimentos e sentimentos vividos pela família no mesmo momento. Ali apareceram situações como a depressão de um e a úlcera do outro. "A gente tem que entender que uma atitude aqui em cima tem um reflexo aqui em baixo", disse Shiro Nishimura, integrante da segunda geração, ao mostrar o papel pardo a outras famílias empresárias em evento da Höft. Conversar sobre a história foi necessário para garantir uma liga emocional, segundo Nishimura, lembrando que cada filho conhecia até então apenas a versão que o pai contou em casa, o que acabava gerando intrigas. O programa melhorou a imagem da empresa para a terceira geração, que costumava ter alcance apenas dos problemas da companhia. Com a chegada da terceira geração surgiram novos debates, como o dos agregados. A família percebeu que, ao contrário de antigamente, muitos dos netos não vão aderir ao véu e grinalda, provavelmente vão simplesmente morar juntos. Nas reuniões, chegou-se a um consenso: não seria viável tornar obrigatório o casamento no papel ou na igreja, mas todos se comprometeram a fazer um compromisso público, diante de testemunhas, para sacramentar a união, quando fosse o caso. "Os filhos vão herdar uma sociedade de sócios que não se escolheram", diz Bernhoeft. E dificulta o fato de a família ser uma instituição muito idealizada. O primeiro passo da sucessão, afirma o especialista, é que o fundador aceite a necessidade de assegurar a continuidade da obra. O segundo é permitir que os herdeiros discutam, com franqueza, suas divergências. O fundador muitas vezes se vê como imortal e a decisão de tratar da sucessão é extremamente adiada, afirma Bernhoeft. Muitas vezes ela é desencadeada por um momento traumático, como um sequestro ou uma doença grave. Difícil definir um momento certo para começar a tratar do tema, diz, mas um contexto interessante é aquele em que os filhos começam a fazer opções de vida, escolher que carreira seguir. A herança também tem que vir acompanhada da história, afirma Bernhoeft. A terceira geração, que já nasce viajando na classe executiva, defende, não tem noção de como tudo começou e muitas vezes tem problemas para se relacionar com o dinheiro. "Temos uma figura patriarcal que se sente bem em proporcionar", diz. Organizar a sucessão também passa pelo patrimônio financeiro. "Tudo que é feito enquanto o patriarca é vivo, é mais legítimo", diz George Wachsmann, sócio da GPS, que administra recursos de famílias de alto patrimônio. A casa costuma oferecer aos cônjuges e filhos palestras com empreendedores e treinamentos sobre mercado financeiro e investimentos. "A ideia é inserir as outras gerações dentro desse universo para que possam ser tomadoras de decisão em algum momento", afirma. Em alguns casos, os filhos participam também das reuniões em que se discute o portfólio. Em outros, filhos e netos têm seus próprios portfólios, geridos também pela GPS. Assim, eles podem fazer 16
uma espécie de "test drive", diz Wachsmann. Uma das grandes dificuldades do patriarca, segundo o sócio da GPS, é pensar em como investir recursos que vão ultrapassar sua geração. Um caminho usado com clientes multigerações, diz Wachsmann, é dividir o dinheiro em três: o que será usado para o próprio bem-estar e para atender ao fluxo de caixa, o que será destinado aos filhos e o que ficará para os netos. Nesse sentido, mesmo para um cliente de idade avançada, poderia fazer sentido um private equity, na caixinha destinada às próximas gerações. Como as gerações têm interesses e perfis de risco diferentes, nem sempre é possível reunir todo o patrimônio em um único fundo exclusivo. Um caminho para aproveitar os benefícios da estrutura, como o tributário, é ter uma carteira compartilhada com alocação balanceada e, fora dela, complementar com ações no caso dos filhos ou reforçar a renda fixa para os pais, por exemplo. Ainda em vida, os pais podem começar a transmitir o patrimônio para os filhos. É uma estratégia recorrente para antecipar o pagamento do imposto, até para se proteger de um eventual aumento no futuro. O Imposto sobre Transmissão Causa Mortis e Doação (ITCMD) varia de um Estado para outro e não passa dos 8% no Brasil, uma alíquota baixa na comparação com outros países do mundo. "Não se recomenda a transmissão integral antecipada de patrimônio", alerta Marcia Phebo, sócia do escritório Pompeu, Longo, Kignel e Cipullo. Além de não se poder mais alterar a partilha feita, diz, os pais podem passar necessidades financeiras à frente ou, no caso da empresa, perder poder. Ela exemplifica com o caso de um patriarca, detentor da maior parte das ações de uma companhia e casado pelo regime de comunhão universal de bens. Se ele doar 10% das ações aos filhos e a mulher falecer antes dele, sem testamento, a lei determina que todas as ações sejam levadas a inventário, para partilha. Nesse cenário, o pai passaria a ter 45% das ações, deixando de ser titular e dependendo do voto de ao menos um dos filhos para que sua vontade prevalecesse. Isso poderia ser resolvido com um planejamento sucessório, diz Marcia. A esposa poderia destinar em testamento, por exemplo, a parcela disponível de seu patrimônio para o marido. Ou o patriarca poderia doar as ações e reservar para si, até sua morte, o usufruto do voto e da renda de todas ou de parte das ações. "Como a doação não comporta arrependimento, esse caminho deve ser escolhido após a consideração de todas as suas consequências", diz Marcia. Cuidar da sucessão implica também garantir o futuro da empresa. Bernhoeft cita uma palestra que ministrou em Miami para investidores interessados em empresas familiares brasileiras. Circulava uma lista de companhias do tipo e chamou a atenção dele o fato de algumas estarem assinaladas. A recomendação era que, nesses casos, a empresa interessada em comprá-las esperasse um pouco mais. A justificativa era a perspectiva de conflito familiar. E, assim, de um preço mais atraente.
Escassez de mão de obra qualificada desafia novos projetos no Brasil A escassez de mão de obra especializada representa hoje um importante desafio aos planos de crescimento da indústria florestal brasileira. Com o avanço do processo de mecanização, que se iniciou na colheita de pinus e eucalipto, para as diferentes etapas da silvicultura, a migração da população para os centros urbanos e a maior escala dos projetos, está cada vez mais difícil encontrar operadores para as sofisticadas máquinas e equipamentos que dividem espaço com as motosserras nas florestas nacionais. Somente no Paraná, que em 2012 compreendia a terceira maior área no país de plantio desses dois tipos de árvores, faltam pelo menos 2 mil operadores e 100 mecânicos especializados, de acordo com a Associação Paranaense de Empresas de Base Florestal (Apre). Esse contingente leva em conta apenas o volume atual da colheita no Estado, que está em torno de 38 milhões de metros cúbicos de madeira em tora por ano. Essa situação, segundo representantes da indústria, se repete em outros Estados onde há produção florestal. Em Mato Grosso do Sul, onde estão instaladas as produtoras de celulose Fibria e Eldorado Brasil, por exemplo, a demanda por mão de obra capacitada levou as duas companhias a firmar parcerias com o Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial 17
(Senai). É justamente por essa via, a de associação com entidades tradicionais de ensino para promoção de cursos de formação e reciclagem, que a indústria tem se organizado para garantir sua demanda por profissionais. Dona de 50% da Remasa, produtora independente de toras de pinus que tem plantios no Paraná e em Santa Catarina, a Tree Florestal, controlada pelo Fundo de Investimento em Participações (FIP) Ático Florestal, do grupo Ático, uniu-se à Apre e ao Serviço Nacional de Aprendizagem Rural (Senar) para contornar a carência de profissionais especializados. Participam ainda do projeto, cujas aulas ocorrem no Centro de Formação de Operadores Florestais (Cenflor), o grupo Dissenha, a Arauco e a Berneck. Até o fim do ano, 120 operadores terão passado por cursos de formação e reciclagem. "Na verdade, a capacitação nem representa o maior desafio. A disponibilidade de mão de obra para a atividade florestal vem antes disso", afirma o diretor da Tree Florestal, Marco Tuoto. Na década de 90, lembra o executivo, quando teve início a já consolidada mecanização da colheita, ainda havia disponibilidade de trabalhadores no campo. Vinte anos depois, diante da migração dos trabalhadores para as cidades, do porte ampliado dos projetos de reflorestamento e da constante busca por eficiência por parte dos produtores, faltam profissionais à mão das empresas. "Para as empresas de base florestal, a mecanização é um caminho sem volta, porque reduz custos e acidentes. Mas isso demanda mais capital e mais mão de obra capacitada", afirma o executivo. Atualmente, além da colheita, atividades como a separação de mudas, plantio e irrigação, que antes ocorria planta por planta, já estão mecanizadas. "Ha um outro desafio, relativo à própria capacitação: não há histórico, porque nunca se trabalhou com equipamentos tão sofisticados", acrescenta. Conforme Carlos Mendes, diretor-executivo da Apre, inicialmente, a demanda das empresas era apenas por profissionais para a etapa da colheita. Agora, há também carência de mecânicos que dominem esses equipamentos, que trazem cada vez mais tecnologia embarcada, e de mão de obra para máquinas de linha amarela, como aquelas utilizadas na manutenção de estradas. "Levaremos mais de um ano para treinar o total necessário de profissionais", diz. As 45 empresas associadas à Apre, entre elas as fabricantes de celulose e papel Klabin, Arauco, Masisa e Remasa, são donas de 60% das florestas plantadas do Paraná. De acordo com o anuário estatístico da antiga Associação Brasileira de Produtores de Florestas Plantadas (Abraf) de 2013, no ano anterior, o Estado tinha 817,6 mil hectares de florestas plantadas, ou 12,3% do total no país.
Os vários dilemas do capitalismo brasileiro Inflação, câmbio, juros e superávit primário. O debate econômico no Brasil tem girado em torno destas variáveis, na ilusão de que se possa captar o seu funcionamento a partir de relações puramente quantitativas, dissociadas da dinâmica produtiva, das relações sociais e do padrão de inserção externa do país. Ficamos, assim, presos ao tripé da política econômica câmbio flutuante, meta de inflação e superávit primário -, reverenciado como se fosse a própria santíssima trindade. Os dois candidatos de oposição juram de pés juntos que o tripé sagrado, caso eleitos, será mantido. O próprio governo, que tentou instaurar uma nova matriz econômica, depôs as suas armas, em virtude do calendário eleitoral, e se curvou aos desígnios do Deus "mercado". Esse se parece mais com o que o historiador Fernand Braudel chamava de "contra-mercado", no intuito de revelar como, na camada superior da vida econômica, os grupos com poder de monopólio exercem controle sobre as políticas públicas, deixando de fora a sociedade dos acordos de cúpula. É importante ressaltar que o tripé da política econômica foi inaugurado no segundo governo FHC na sequência da crise cambial de 1999, e mantido durante o governo Lula. Nesse período, favorecido pela maré montante da economia global e pelas políticas de reativação do mercado interno, ele parecia funcionar perfeitamente. O mundo crescia e as exportações brasileiras, não apenas de commodities, acompanhavam seu ritmo. Os juros caíam, estimulando o crescimento econômico e o aumento do gasto público, mesmo com superávits primários elevados. O câmbio valorizado, especialmente, a 18
partir de 2006, assegurava preços internos sob controle. O quadro acima foi comprometido não exatamente pela crise dos países desenvolvidos, mas pelo novo modo de entrosamento do Brasil à economia global. A partir de 2011, China, Estados Unidos e União Europeia passaram a desovar seus estoques no mundo, afetando os países com mercado interno dinâmico e moeda em franca valorização. O corte de gastos e a elevação dos juros no início do governo Dilma contribuíram para a desaceleração. As expectativas já estavam comprometidas quando o governo atendeu todas as demandas do setor produtivo (desonerações fiscais, concessões, desvalorização do câmbio e redução dos juros), que respondia acusando a presidente de "intervencionista". Ou seja, nem a política econômica do governo Lula é a "maravilha" que se pinta e nem a do governo Dilma é o "fracasso" descrito por boa parte dos analistas econômicos da grande mídia. O que mudou foi o contexto nacional e internacional, transformando o tripé numa armadilha para o crescimento. Para elucidar essa mudança, é preciso compreender o funcionamento das engrenagens do capitalismo no Brasil. Deve-se ressaltar que Estado, mercado e sociedade civil se relacionam de diversas maneiras nos vários tipos de capitalismo. Não existe capitalismo sem Estado. Portanto, a questão é saber como e onde atua o Estado, com que objetivos. O que dizer, então, da "variedade de capitalismo" em vigor no Brasil? Esse conceito cada vez mais em voga enfatiza os diversos padrões de eficiência e de complementaridade institucional vigentes nas economias com alguma capacidade de endogeneizar os processos de acumulação de capital. Tal é o caso do Brasil, que se diferencia de boa parte da periferia da economia mundial contemporânea. Partindo desta perspectiva, não existe política econômica "boa" ou "ruim", mas, sim, mais ou menos adaptada a cada variedade de capitalismo. Como compreender a economia brasileira recente sob este prisma? Trata-se de um capitalismo revigorado nos anos 2000, não mais restrito à esfera financeira, tendo elevado o nível de investimentos produtivos e se aproveitado de maneira positiva, algo até então inédito, do potencial inclusivo do mercado de trabalho e da expansão de uma rede de proteção social, ainda insuficiente. Isso apesar do tripé. Agora, entretanto, o déficit em transações correntes se amplia num contexto de baixo crescimento e pressões inflacionárias concentradas no setor de serviços. O governo faz o câmbio se valorizar - por meio do aumento dos juros - para controlar uma inflação que não é de demanda, penalizando os investimentos públicos e as políticas sociais a fim de assegurar o superávit primário do gosto do freguês, mais uma vez o sacrossanto "mercado". A variedade de capitalismo existente no Brasil revela então as suas deficiências estruturais. Nesse novo contexto, há quem veja o problema na "falta de competitividade". Ele é bem mais complexo, originando-se de várias causas - política cambial errática, elevada capacidade ociosa, insuficiente estratégia de integração regional, indefinição do marco regulatório para a infraestrutura econômica e social, limitado acesso ao crédito, inclusive para exportações -, que impedem a internalização de setores e nichos de alta produtividade via capital nacional ou estrangeiro. As propostas de assinatura de acordos de livre-comércio com os países desenvolvidos, hoje em negociação, em vez de aumentarem a competitividade, apenas completariam o processo de vinculação passiva do país às cadeias internacionais de valor. Paralelamente, as altas taxas de juros impõem um patamar de rentabilidade mínimo para as empresas concessionárias de serviços públicos, comprometendo o papel do Estado na definição de metas de investimento e de preços exequíveis para o sistema econômico. Os juros altos impõem ainda uma pressão de custos para o sistema produtivo, travando a ampliação do mercado de capitais e jogando para o BNDES a hercúlea tarefa de atuar em todas as frentes - infraestrutura, inovação, setor industrial, governos municipais e estaduais e internacionalização das empresas brasileiras. Para completar, constrangem a expansão dos gastos em educação, saúde, habitação e mobilidade urbana, que precisam de mais investimentos e cujos impactos sobre o emprego e a renda se mostram expressivos. Em síntese, o ciclo expansivo da era Lula se esgotou pelas limitações que lhe eram inerentes, as quais foram aguçadas pela crise financeira dos países desenvolvidos, alterando assim o padrão de inserção externa da economia brasileira. Para que as engrenagens deste capitalismo voltem a funcionar, permitindo a elevação da produtividade com queda da desigualdade - equação não natural e que depende do papel do Estado e da pressão da sociedade - temos que superar o tripé da política econômica. Não é algo fácil e nem passível de 19
ser feito no curto prazo. Mas se não o fizermos, corremos o risco de conviver com taxas de crescimento inferiores a 3% ao ano e por em risco os avanços sociais obtidos na primeira década do século XXI.
O governo como capitalista de risco A atitude da opinião pública americana para com o governo, principalmente para com o governo federal, lembra uma cena clássica do filme "A Vida de Brian", do Monty Python. "O que eles nos deram em troca?", fulmina John Cleese, no papel de um revolucionário da Judeia. "O aqueduto", reconhece um encabulado companheiro de luta. "E o saneamento", diz um segundo, enquanto outros se põem a citar mais exemplos aos brados. "Está bem", explode Cleese, exasperado. "Mas, além do saneamento, da medicina, da educação, do vinho, da ordem pública, da irrigação, das estradas, do sistema de água e da saúde pública, o que os romanos já fizeram por nós?" A cena capta de forma brilhante o irritado e contraditório "zeitgeist" americano. De um lado, a confiança da opinião pública no governo registra sua maior baixa de todos os tempos. De outro, os americanos estão profundamente frustrados com os grandes rombos observados em áreas como assistência médica, educação, igualdade de oportunidades, infraestrutura e proteção ambiental - bens e serviços tradicionalmente fornecidos pelo governo. Um reflexo dessa atitude mental contraditória é a escalada da atividade privada para o enfrentamento de problemas sociais. São bilhões de dólares em esforços de entidades sem fins lucrativos como a Bill & Melinda Gates Foundation e a Bloomberg Philanthropies para estimular soluções inovadoras em educação, saúde pública e redução de pobreza. O empenho se reflete também em empresas sociais iniciantes, concebidas para conquistar retornos tanto sociais quanto financeiros, e também em novas plataformas de investimento de impacto destinadas ao número crescente de investidores que também buscam ambos os tipos de retorno. Tudo isso é boa notícia. A capacidade do governo de investir está sendo fortemente pressionada. E, embora muitos programas governamentais tenham boa relação custo-benefício - e o Medicare é um bom exemplo disso -, muitos não têm. O novo livro de Peter Schuck "Why Government Fails So Often" oferece uma análise criteriosa, embora pessimista. Os órgãos do governo correm sempre o risco de pôr dinheiro no que Schuck denomina "más apostas" e "maçãs podres". Eles são também inerentemente rígidos, avessos ao risco e relutantes em inovar, porque sabem que, se se desviarem da letra da lei, ou se uma inovação der errado, serão politicamente criticados. E programas caros e ineficientes são notórios por sobreviverem indefinidamente, porque desenvolvem defensores poderosos. Mas a desconfiança generalizada no governo, forjada por exemplos gritantes de medidas improdutivas e alimentado pela ideologia, se concentra, com excessiva frequência, na pergunta errada: qual deveria ser o tamanho do governo? A pergunta certa é como desenvolver programas governamentais inovadores e eficientes dedicados a fornecer bens e serviços públicos que nem o mercado nem o setor sem fins lucrativos podem providenciar por si sós. Uma das possibilidades é colocar o governo no papel de capitalista de risco. Sua tarefa seria menos de conceber e implementar soluções de cima para baixo do que de pedir, apoiar, avaliar e ampliar estratégias inovadoras dos governos estaduais e municipais, das empresas e das instituições sem fins lucrativos. Isso pode acontecer -na verdade, nos EUA, sob a liderança do presidente Barack Obama, já está acontecendo. Por exemplo, o fundo Race to the Top, do Departamento de Educação dos EUA, que ofereceu US$ 4 bilhões em subsídios para Estados que desenvolvessem reformas educacionais bem-sucedidas, estimulassem inovações promissoras para sistemas escolares de todo o país. O governo federal opera atualmente uma plataforma de internet chamada Challenge.gov, para facilitar novas competições. Cerca de 50 órgãos públicos patrocinaram mais de 260 desafios desde 2011. Após o vazamento de petróleo causada pela explosão da plataforma "Deepwater Horizon" no Golfo do México, em 2010, o governo Obama se associou à X-Prize Foundation para oferecer um prêmio de US$ 1,4 milhão ao grupo que produzisse a solução mais eficiente de recuperação do petróleo. O 20
método vencedor, da Elastec American Marine, foi três vezes mais eficiente que a melhor oferta anterior do setor. A Lei do Seguro-Saúde Acessível [Obamacare], que entrou em vigor este ano nos EUA, abrange novas variantes da ideia do governo como um catalisador, como incentivos para recompensar sistemas de assistência médica que melhorem os resultados e reduzam os custos. Os incentivos estimularam o surgimento de uma série de experimentos em nível de governo no Medicaid (o programa de seguro-saúde dos EUA para os pobres) por meio de dispensas do cumprimento das normas padrão. No mesmo sentido, o novo Social Innovation Fund federal oferece subvenções para intermediários no setor social - fundações, organizações sem fins lucrativos e empreendimentos sociais - que desenvolvem novos programas para administrar problemas como desigualdade de oportunidades de acesso à educação. Essas subvenções são concedidas de forma competitiva, e o financiamento depende da obtenção de resultados mensuráveis. Alguns governos estaduais e municipais estão fazendo experiências com novos contratos à base de "pagamento por desempenho" - às vezes também chamados de bônus de impacto social [SIBs, nas iniciais em inglês] - para promover a inovação social. Recentemente, o governo Obama propôs um fundo de US$ 300 milhões para catalisar contratos federais de pagamento por desempenho. Vários programas federais já implantados, como o Community Reinvestment Act e o Small Business Investment Companies, estão apoiando o crescimento dos fundos de investimento de impacto. Segundo estudo recente, os investimentos de impacto nos EUA não existiriam sem o apoio e a parceria com o governo federal por meio de subvenções, empréstimos e garantias. Quando o governo atua como capitalista de risco, o setor privado consegue criar novos programas eficientes para enfrentar problemas sociais. Mas ampliar esses programas exige recursos governamentais. A Gates Foundation pode até criar inovações revolucionárias para escolas públicas; mas, mesmo com os seus bilhões de dólares, ela carece de recursos para revitalizar a educação no nível nacional ou mesmo estadual. Como observou recentemente o ex-prefeito de Nova York, Michael Bloomberg, as entidades filantrópicas deveriam testar ideias inovadoras de política pública e passar a contar com o dinheiro público para implementá-las amplamente. Apenas governos podem fornecer bens públicos e enfrentar desafios sociais numa escala nacional. Mas há múltiplas maneiras pelas quais os governos podem atuar ao lado de organizações sem fins lucrativos, investidores, empresas e cidadãos para encontrar a melhor maneira de alcançar esses objetivos - e, portanto, de restabelecer a confiança da opinião pública no próprio governo. (Tradução de Rachel Warszawski).
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