Resenha 07 10 2016

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EDITORIAL: Intenções clandestinas FONTE JORNAL FOLHA DE S. PAULO, EDITORIAL editoriais@grupofolha.com.br 07/10/2016 às 02h00

À medida que se aproxima o prazo para repatriação de recursos remetidos ilegalmente ao exterior, no próximo dia 31, põem-se em movimento velhas engrenagens do Congresso. Servem a muitos propósitos, nenhum compatível com os princípios republicanos. Em vigor há nove meses, a lei 13.254 oferece anistia a quem regularizar ativos mantidos de forma clandestina fora do país, desde que sejam pagos Imposto de Renda (alíquota de 15%) e multa (mais 15%) sobre os valores transferidos. Não faltou tempo para que se ponderassem vantagens e riscos de manter tais depósitos irregulares —negócio especialmente temerário num momento em que tratados internacionais apertam o cerco. Ainda assim, há quem tenha deixado a decisão para a última hora, apostando que se aprovariam mudanças na norma —naturalmente em benefício dos sonegadores. Procrastinar, assim, constitui o primeiro passo. O Congresso planeja atrasar o prazo de adesão ao regime, dando 15 dias adicionais para cogitações de interessados. Mais atraente ainda para quem se fiou na certeza de flexibilização é a promessa de submeter taxação e multa só a bens e recursos mantidos fora do país em 31 de dezembro de 2014. Movimentações anteriores não entrariam na conta, premiando quem despendeu o dinheiro. Além disso, os parlamentares conspiram para contemplar as demandas de um grupo específico: eles próprios. A manobra, capitaneada pelo Solidariedade, visa autorizar que políticos e ocupantes de cargos oficiais, bem como seus parentes, participem do programa. Existem outras alterações em discussão, mas essas já bastam para demonstrar o quanto deputados e senadores se inclinam no sentido de desrespeitar as leis e conferir privilégios a quem não os merece. Na versão mais benigna, essas distorções têm impulso num interesse pragmático do governo federal, que até o fim do mês passado havia arrecadado R$ 8,5 bilhões, bem distante dos R$ 70 bilhões a R$ 100 bilhões antes cogitados. Ainda que se confirmasse, essa hipótese não amenizaria o golpe desferido contra quem se manteve na legalidade ou acreditou nos termos originais da repatriação. Como os técnicos da Receita têm deixado claro, porém, a lei tal como está se presta a uma arrecadação maior do que com as modificações encampadas até com estranha ênfase por Rodrigo Maia (DEM-RJ), presidente da Câmara. Resta, pois, a versão maligna: tais movimentações evidenciariam a identidade e o conluio de parlamentares com aqueles que se acreditam a salvo de punições. 1


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