EDITORIAIS: Politicagem e violência FONTE JORNAL FOLHA DE S. PAULO, EDITORIAIS editoriais@grupofolha.com.br 08/10/2016 às 02h00
Com quase 60 mil homicídios ao ano, o Brasil é o país com o maior número absoluto desse crime no mundo. Apesar desse recorde aviltante, sucessivas administrações federais têm-se mostrado pouco empenhadas em coordenar uma estratégia nacional a fim de reverter a escalada da violência. O governo de Michel Temer (PMDB) mal começou e já parece se enquadrar na regra do descaso. Em julho, o Tribunal de Contas da União (TCU) determinou que o Ministério da Justiça apresentasse em 60 dias um plano de ação para implantar o Programa Nacional de Redução de Homicídios. O prazo terminou, mas nada se fez. Elaborada no ano passado na forma de um pacto, a proposta evocada pelo TCU contou com a participação de especialistas e previa a colaboração dos governos estaduais, legalmente responsáveis diretos pela segurança pública. Entre as iniciativas estavam ações preventivas voltadas a jovens negros (maiores vítimas de homicídio), melhoria de estatísticas e aprimoramento da investigação. As medidas não saíram do papel, mas ao menos tinham sido gestadas. No afã de se distanciar da gestão anterior, porém, o ministro da Justiça, Alexandre de Moraes, afirmou que a proposta não diz respeito ao atual governo e prometeu um novo plano, ainda sem data. Diante dessa rotina de descontinuidade, são oportunas as observações dos sociólogos Ignácio Cano e Renato Sérgio de Lima em artigo publicado nesta Folha. Os especialistas criticam o eterno e ineficaz recomeço das políticas públicas de segurança — um mal infelizmente não restrito a essa área– e argumentam que o combate à violência não deveria se ver preso a picuinhas partidárias. Diante da inação, ganham força no Congresso propostas com o intuito de desfigurar o Estatuto do Desarmamento. Estudo recente do Instituto Sou da Paz mostra que, no ano passado, foram apresentados 36 projetos com esse foco. Trata-se de perigoso sintoma do fracasso do Estado. Em lugar de políticas públicas eficazes, vendem-se falsas soluções simplificadoras que, se aprovadas, contribuirão mais para aumentar do que para diminuir o número de assassinatos. É muito fácil encontrar governos que anunciem a prevenção dos homicídios como sua prioridade; difícil é demonstrar que tal objetivo prevalece sobre a politicagem.
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