Editoriais: Depois do baque, indústria volta a crescer em setembro Fonte Jornal O Estado de S. Paulo, 12 Novembro 2016 às 04h00. Os dados sobre a produção física industrial em setembro divulgados pelo IBGE são melhores do que se antecipava, mas não indicam recuperação e estão longe de configurar nova tendência. Depois da queda de 3,8% em agosto na comparação com o mês anterior, interrompendo uma sequência de crescimento mensal iniciada em março, a produção da indústria voltou a registrar avanço em setembro, com aumento de 0,5%, sem ajuste sazonal, sobre agosto. Na comparação com o mesmo mês de 2015, houve queda de 4,8%, mas essa taxa é a menor de 2016 na comparação por período anual. O recuo em janeiro havia sido de 13,6% em relação a janeiro de 2015, mas a redução se desacelerou a partir de março. A base de comparação baixa, dado o resultado negativo de agosto, pode explicar o crescimento da indústria em setembro em 9 das 14 regiões pesquisadas. O maior avanço se deu no Espírito Santo (9%), mais que compensando a perda no mês anterior (7%), graças à recuperação da produção e da exportação de minério de ferro, com cotações internacionais em alta. Essa evolução também influenciou o crescimento industrial de Minas Gerais (2,0%). No que diz respeito à indústria paulista, o avanço de 1,6% em setembro em relação ao mês anterior foi devido, principalmente, ao desempenho da indústria de alimentos (crescimento de 6,4%) e de veículos automotores (4,8%). Nota-se, porém, que a queda da indústria paulista em setembro em relação ao mesmo mês de 2015 é de 0,03%, praticamente um empate. A falta de investimentos reflete-se no recuo da produção de bens de capital, que foi de 5,1% em setembro em comparação com agosto, o terceiro resultado negativo mensal consecutivo. Também vem sendo muito afetada a indústria de máquinas, aparelhos e materiais elétricos (8,1% no mesmo período). O que se pode esperar é que os três últimos meses do ano apresentem resultados mais animadores do que os do terceiro trimestre, quando se registrou queda de 5,5% em relação a igual período de 2015, a décima taxa negativa consecutiva nesse tipo de confronto. Apesar de tudo, como observa o IBGE, a queda no terceiro trimestre de 2016 foi a menor desde o último trimestre de 2014 (-3.9%).
O que aprendemos com Trump Caberá à imprensa, como principal mediadora social, reavaliar seus instrumentos de aferição dos anseios de uma camada silenciosa da sociedade que não pode mais ser ignorada Fonte Jornal O Estado de S. Paulo, 12 Novembro 2016 às 04h03
Quando os chamados “pais fundadores” imaginaram o Colégio Eleitoral americano e o consagraram na Constituição de 1787, pretendiam criar um mecanismo de proteção da recém-conquistada democracia contra os arroubos de eventuais candidatos hábeis o bastante para conquistar corações e mentes dos eleitores mesmo que não encarnassem as virtudes idealmente requeridas dos que pleiteiam ocupar a presidência. A imprevisibilidade do voto popular, hoje amplamente reconhecido como uma conquista democrática, representava, então, um risco para uma nação ainda em construção. A combinação entre os interesses individuais dos cidadãos e os interesses das ex-colônias como entidades coletivas foi a solução encontrada pelos “pais fundadores” para assegurar equilíbrio e segurança ao sistema eleitoral. A partir de 20 de janeiro de 2017, Donald J. Trump terá a oportunidade de atestar a atualidade deste 1
modelo, concebido no fim do século 18, ao tomar posse como o 45.º presidente dos Estados Unidos da América. Contra as projeções de todos os institutos de pesquisa e o descrédito – tempos depois convertido em oposição – de grande parte da imprensa, da academia e do show business, Trump surpreendeu e derrotou Hillary Clinton até mesmo em Estados historicamente alinhados ao Partido Democrata. Seu triunfo representa uma eloquente declaração de repúdio ao establishment que a imprensa, de uma maneira geral, não conseguiu traduzir na origem por não ter sido capaz de perceber a captura, por um candidato com o perfil de Donald Trump, dos anseios de uma classe média trabalhadora, que desde 2009 se via alijada do processo de retomada do crescimento econômico. A política do presidente Barack Obama para questões como globalização e imigração, e da qual Hillary Clinton era a herdeira, fomentou o surgimento de uma massa silenciosa de descontentes que agora as urnas revelaram de maneira cabal. Até a sua escolha oficial como candidato do Partido Republicano para disputar a presidência dos EUA, Donald Trump era tratado pela mídia como um personagem caricato, cafona e boquirroto, imagem, aliás, que ele mesmo sempre fez questão de alimentar, seja como o extravagante empresário nova-iorquino, seja como a estrela de programas de TV. Era esperado que durante a campanha eleitoral Trump continuasse a representar o papel que o consagrou. Entretanto, maior do que a surpresa de sua eleição foi o assombro de acadêmicos, analistas políticos e da imprensa, tanto a tradicional como a chamada “nova mídia”, diante de seu triunfo eleitoral inquestionável. A vitória de um candidato como Donald Trump, tomado como improvável até pouco antes do encerramento oficial da apuração, torna patente o desencontro entre o debate havido em nível acadêmico, jornalístico, entre formadores de opinião em geral, e o debate das ruas, entre os chamados “eleitores médios”, pautado em grande medida por necessidades imediatas como emprego, renda, saúde e segurança. Um discurso centrado nestes temas, prometendo acabar com a “ditadura do politicamente correto” e ainda aliado a um forte apelo pelo resgate de uma identidade nacional americana tida como “perdida” foi decisivo para que os Republicanos não só voltassem a ocupar a Casa Branca, mas também retomassem o controle das duas Casas do Congresso americano. Diante de um cenário em que fontes de informação estão cada vez mais pulverizadas, onde não há mais espaço para que uma única voz de credibilidade forneça ao eleitorado dados confiáveis para auxiliá-lo no processo de formação de convicção, caberá à imprensa, como principal mediadora social, reavaliar seus instrumentos de aferição dos anseios de uma camada silenciosa da sociedade que não pode mais ser ignorada. É fato que candidatos improváveis continuarão a disputar eleições e, eventualmente, a vencê-las. No futuro, após uma profunda reavaliação da mídia e seus mecanismos, talvez eles não sejam mais tão surpreendentes.
Direitos em confronto No caso das ocupações das escolas e universidades federais, tanto direitos individuais como o interesse público foram claramente afrontados pelos invasores Fonte Jornal O Estado de S. Paulo, 12 Novembro 2016 às 04h07 Em Washington, onde acompanharam a eleição presidencial norte-americana como observadores convidados, os ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) Teori Zavascki e Gilmar Mendes manifestaram-se sobre as recentes ocupações de escolas do ensino médio e universidades federais. Em seminário promovido pelo Brazil Institute do Wilson Center, sempre falando em tese, uma vez que a questão ainda pode ser submetida a julgamento do 2
STF, os ministros asseveraram que não existem direitos ilimitados e não há liberdade de uns que possa extrapolar os direitos de outros. É tal o grau de empobrecimento do debate sobre as questões nacionais, em grande medida resultado da contraposição rasteira entre “nós” e “eles” engendrada pelo lulopetismo, que às vezes é preciso que duas das mais altas autoridades do Poder Judiciário venham a público dizer o óbvio. O direito de manifestação deve ser garantido como um direito que caracteriza o regime democrático. Todavia, o mesmo regime estabelece limites que visam a resguardar outros direitos individuais e o interesse público. Não fosse este sistema de pesos e contrapesos capaz de equilibrar interesses circunstancialmente opostos, viveríamos em uma sociedade à mercê de qualquer indivíduo ou grupo que, a pretexto de um direito alegado, ferisse outras garantias democráticas, dando início a uma espécie de “guerra de direitos” cujo resultado seria a anomia e a exacerbação da violência. E quanto mais pobre o debate de ideias, mais espaço ganha o uso da força como mecanismo de convencimento. No caso das ocupações das escolas e universidades federais, tanto direitos individuais como o interesse público foram claramente afrontados pelos invasores. A pretexto de se oporem à PEC 241 – agora PEC 55, em tramitação no Senado –, proposta que estabelece um teto para os gastos públicos, e à MP 746, que trata de uma ampla reforma do ensino médio, os manifestantes impediram que 271 mil inscritos no Enem pudessem realizar as provas nas datas inicialmente programadas, impondo a estes e a seus familiares um dano de ordem emocional incalculável e aos cofres públicos, um rombo de R$ 15 milhões, custo estimado pelo MEC para realizar um exame não previsto nos dias 3 e 4 de dezembro. Além disso, milhares de alunos que não aderiram às ocupações e desejavam continuar seus estudos também correm o risco de perder o ano letivo pela interrupção das aulas e ausência de um plano de reposição factível. Usados pelo PT e por entidades afiliadas ao partido, como a UNE e a Ubes, os estudantes, na verdade, são instrumentos de uma luta política cujo único objetivo é dar eco a teses fragorosamente derrotadas nas urnas. Sem dedicar muito esforço à análise das variáveis envolvidas em ambas as propostas contra as quais dizem se manifestar, conferem a seus argumentos a profundidade de uma apostila. Que jovens em formação ignorem todas as implicações de seus atos pode ser entendido, com alguma dose de boa vontade, como uma etapa do processo de amadurecimento social. Entretanto, o mesmo não se pode dizer dos que os exploram para fins diversos daqueles que os fazem acreditar. Tão frágil é a adesão desses jovens à “causa”, que muitos deixaram as ocupações para realizar o Enem em outras escolas onde as provas eram aplicadas normalmente, exercendo, assim, o direito que arrogantemente negaram a outros estudantes. Não se pode fechar os olhos para os problemas crônicos do sistema educacional no País. São legítimas as reivindicações pela melhoria da qualidade do ensino, pela valorização dos professores e pela oferta de condições dignas ao exercício do magistério. No entanto, o maior dano que se pode impingir a uma causa justa é atribuir-lhe um sentido enviesado. Ao optarem por ocupações que violam direitos ao invés de aprofundarem o debate por meio de argumentos sólidos a respeito das propostas apresentadas pelo governo, os invasores de escolas contribuem para o aprofundamento da crise em que está mergulhada a educação pública no Brasil há muitas décadas.
Antagonismo impatriótico Renan Calheiros de um lado e magistrados e suas associações de outro se engalfinham numa disputa em torno de interesses que, fossem outros os tempos, seriam publicamente inconfessáveis 3
Fonte Jornal O Estado de S. Paulo, 13 Novembro 2016 às 06h00 Na casa em que falta vergonha, todo mundo reclama e ninguém tem razão. Essa pequena adaptação do conhecido adágio compromete a rima, mas aplica-se perfeitamente ao cenário nacional em que, para resumir, figuras notórias como Renan Calheiros de um lado e magistrados e suas associações de outro se engalfinham numa disputa em torno de interesses que, fossem outros os tempos, seriam publicamente inconfessáveis. De um lado, o presidente do Senado Federal, comprometido até a medula com as suspeitas de corrupção contidas em uma dezena de processos que tramitam a passo descansado na Suprema Corte, proclama ser “um acinte que o Brasil continue a conviver” com os proventos nababescos, muito acima do teto constitucional, de que se beneficiam ministros, desembargadores e juízes em geral. De outro lado, a Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB), por intermédio de seu presidente, João Ricardo dos Santos, reage levando o confronto para o campo que lhe interessa, ao denunciar a intenção, por parte de parlamentares, de “interromper a Lava Jato”. É preciso que se esclareça que, quando partem para o ataque, ambos os lados aludem a fatos verdadeiros, o que apenas confere maior gravidade à questão. Mais uma vez recorrendo à sabedoria popular, a verdade maior é que sentam sobre o próprio rabo enquanto tentam cortar o do oponente. Em sua maliciosa obstinação pelo confronto, todos se comportam exatamente da mesma maneira, de onde se conclui que, do ponto de vista de quem paga a conta – os brasileiros escorchados pela exorbitante carga tributária que alimenta a corrupção e os salários acima do teto, ninguém tem razão. Para a imensa maioria dos brasileiros que aplaudem o empenho com que a Lava Jato tem levado corruptos à barra dos tribunais, chega a ser insultante o cinismo com que políticos ficha-suja, com o rabo fortemente atado a investigações criminais, se permitem posar de paladinos da moralidade pública. Iniciativas parlamentares como as relativas à ampliação dos acordos de leniência com empresas envolvidas em corrupção ou de propor a imposição de controles e limites rigorosos à atuação de autoridades judiciais e policiais podem, efetivamente, contribuir para o aperfeiçoamento dos já existentes dispositivos constitucionais, da lei ordinária e dos vários regulamentos que tratam do assunto. Mas a pergunta que não quer calar é a seguinte: por que os parlamentares passaram a se preocupar com isso exatamente agora, quando delações como as de ex-diretores da Odebrecht ameaçam promover uma devastadora razia no Congresso Nacional? Por outro lado, membros do Judiciário, merecidamente surfando nas ondas do sucesso popular desde o julgamento do mensalão, parecem em muitos casos sentir-se ungidos pela condição especialíssima de salvadores da Pátria que os autorizaria a eventualmente extrapolar os limites da lei. E o fazem, o que não é novo, sem nenhum embaraço ou constrangimento, julgando-se merecedores de embolsar proventos e vantagens variados que elevam seus salários muito acima do teto legalmente estabelecido. Melhor fariam os juízes de todos os níveis se tivessem o desprendimento e o patriotismo de, enquanto cumprem o papel circunstancialmente relevante que lhes cabe no combate à corrupção na vida pública, despender a mesma energia e vigor na tentativa de corrigir, naquilo que está a seu alcance, as deficiências do sistema judiciário, de modo a oferecer aos brasileiros uma Justiça mais pronta e eficiente. Bastaria dar à questão o mesmo empenho e talento que atribuem quando solucionam demandas a respeito de seus vencimentos e do valor de compra de seus proventos. Esta parece ser, felizmente, uma preocupação da presidente do STF, ministra Cármen Lúcia, que entre as atitudes meritórias até agora exibidas no cargo cuidou de não incluir nenhum aceno ao espírito corporativo que era marca registrada de seu antecessor. O Brasil não ganha nada, ao contrário, só perde no que diz respeito à consolidação de suas principais instituições, quando políticos de um lado e magistrados e suas associações de outro
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exibem um antagonismo incompatível com a defesa de um único interesse: o do Brasil. Nesse contexto, é dever de todos lutar para restabelecer o decoro e, consequentemente, a razão.
Após um trimestre ruim, a retomada do varejo deve ficar para 2017 Mas, por pior que seja o quadro, houve quem esperasse resultados ainda mais negativos Fonte Jornal O Estado de S. Paulo, 13 Novembro 2016 às 06h59 No terceiro trimestre, a Pesquisa Mensal do Comércio do IBGE mostrou uma bateria de dados desfavoráveis ao varejo. Recuaram até as vendas de supermercados, que melhor refletem o consumo de alimentos e itens essenciais à população. Mas, por pior que seja o quadro, houve quem esperasse resultados ainda mais negativos. É o caso do presidente da Associação Comercial de São Paulo, Alencar Burti, que viu na comparação com setembro do ano passado ligeiros sinais positivos, pois a queda de vendas estaria perdendo intensidade. Mesmo que no final do ano o quadro continue pior que o de 2015, é possível antever um 2017 melhor, disse ele. Os departamentos econômicos dos conglomerados Itaú e Bradesco enfatizaram as dimensões da queda. Em setembro, o recuo do varejo restrito em relação a agosto foi de 1%, de 5,9% em relação a setembro de 2015 e de 6,6% nos últimos 12 meses, comparados aos 12 meses anteriores. No varejo ampliado, que inclui veículos e motos, partes e peças e material de construção, a queda em relação a setembro de 2015 foi de 8,6%, chegando a 10% nos últimos 12 meses. Só não foi pior devido a uma pequena recuperação de vendas de veículos entre agosto e setembro. Descontados os efeitos sazonais, o varejo caiu 0,8% entre o segundo e o terceiro trimestres. Em setembro, comparativamente a agosto, o segmento de hiper, supermercados, produtos alimentícios, bebidas e fumo cedeu 1,4%, respondendo por cerca da metade da queda do varejo restrito. Comparando setembro de 2015 com setembro deste ano, a queda do volume de vendas foi de 10,3% em tecidos, vestuário e calçados; de 10,8% em material de construção; de 11,9% em equipamentos e material para escritório, informática e comunicação; de 13,4% em móveis e eletrodomésticos; de 14,4% em veículos e motos; e de 18% em livros, jornais, revistas e papelaria. Nem itens básicos escaparam da queda de vendas, caso de artigos farmacêuticos, médicos, ortopédicos e perfumaria (-3,7%). Não faltam motivos para os recuos. Além de emprego e renda, o crédito é escasso. Os consumidores com acesso a crédito têm de pagar juros altíssimos, que só em outubro deram sinal de estabilidade. A retomada do varejo em 2017, caso se confirme, dependerá da base baixa de comparação.
Entre festas e vendas Sinais de arrefecimento da inflação reforçam a expectativa de uma economia mais saudável no próximo ano Fonte Jornal O Estado de S. Paulo, 13 Novembro 2016 às 06h00
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Votos de boas-festas serão trocados, como sempre, no fim do ano, mas poucos poderão falar de boas vendas, segundo as projeções dos especialistas. Pela avaliação mais otimista, a economia brasileira chegou ao fundo do poço, mas ainda levará algum tempo para começar a subir de volta. As previsões de recuperação dos negócios estão focadas em 2017 - uma aposta vital para as empresas e para o governo. As vendas no período de Natal serão menores que as de 2015, de acordo com executivos de 53,4% das companhias consultadas em pesquisa da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp). A expectativa de vendas iguais às de um ano antes foi indicada por 28,6% dos consultados, enquanto 16,6% disseram prever um movimento maior. Mas esse levantamento, apesar dos números feios, pelo menos deixa entrever algum otimismo. Os mais pessimistas eram 62,1% em 2014 e 81% no ano seguinte, recordaram os condutores da sondagem. As encomendas para o fim de ano estão mais fracas e, de acordo com 39,8% dos informantes, mais atrasadas que em 2015. As vendas devem ser em média 6,5% menores que as do ano passado, mas também essa previsão indica uma recuperação do otimismo. Em 2015, a expectativa era de queda de 14,1%. Em 2014, de 7,8%. A mudança nas previsões, nesse período, acompanhou, claramente, o agravamento da recessão de 2014 para 2015 e a mudança da política econômica a partir do processo de impedimento da presidente Dilma Rousseff. Embora a atividade continue reduzida e o desemprego permaneça elevado, com risco até de aumentar, a mudança de orientação pelo menos parece apontar um caminho de superação da crise. Essa percepção tem sido indicada por várias pesquisas, nos últimos meses, sobre o nível de confiança dos empresários. Os indicadores de confiança têm oscilado, e até caído por causa da demora da recuperação, mas continuam claramente mais altos que nas piores fases da crise. Apesar da melhora de humor de empresários e até de consumidores, os negócios continuaram fracos no terceiro trimestre. O grande acontecimento político do período foi a conclusão do processo de afastamento da presidente Dilma Rousseff. A confirmação do presidente Michel Temer como titular do posto até o fim de 2018 deu mais segurança ao governo, até então provisório, para encaminhar medidas de ajuste das contas públicas e avançar em discussões mais complexas, como a da reforma da Previdência. Mas o trimestre, segundo as informações setoriais divulgadas até agora, deve ter sido mais um período de contração do Produto Interno Bruto (PIB). O balanço trimestral deve ser publicado no fim do mês. Se o resultado for positivo, ou mesmo equilibrado, a maioria dos especialistas talvez a totalidade - será com certeza surpreendida. O mau desempenho da indústria no terceiro trimestre já é conhecido. Os dados mensais apontaram queda de 0,1% em julho e de 3,5% em agosto e um crescimento de 0,5% em setembro, insuficiente para compensar os números negativos dos dois meses anteriores. Além disso, a retração do consumo continuou no período de julho a setembro. No mês final do período as vendas do varejo restrito diminuíram 1%. As do varejo ampliado (com inclusão de veículos e peças e também de material de construção) encolheram 0,1%. Os primeiros dados de outubro também foram ruins. Mesmo com aumento de 2,3% na produção de veículos, as montadoras foram incapazes de retomar o nível de atividade perdido nos dois meses anteriores, quando houve quedas de 6,4% e de 3,9%. Sinais de arrefecimento da inflação reforçam a expectativa de uma economia mais saudável no próximo ano, assim como o avanço, no Congresso, da proposta de criação de um limite para o aumento de gastos. A recuperação, tudo indica, deve ser lenta, especialmente por causa da provável demora na reabertura de postos de trabalho. Mas o cenário já deverá ser mais animador bem antes do Natal de 2017. 6
Responsabilidade é premissa Há quem propague a equivocada ideia de que a responsabilidade fiscal seria uma opção ideológica de direita Fonte Jornal O Estado de S. Paulo, 13 Novembro 2016 às 06h00 Em recente palestra, proferida em Brasília, o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Luís Roberto Barroso fez uma importante defesa da responsabilidade fiscal. “Eu considero que responsabilidade fiscal é uma premissa das economias saudáveis”, afirmou Barroso. “A Lei de Responsabilidade Fiscal é um avanço porque diz o óbvio: não se pode gastar mais do que se arrecada e se endividar sem limites”, continuou o ministro. Certamente, um governo gastar mais do que arrecada é incompatível com um desenvolvimento econômico minimamente sustentável - e isso é um dado óbvio da vida econômica de qualquer país. No entanto, nos tempos que correm, com alguns partidos políticos insistindo em não ver os deletérios efeitos da irresponsabilidade fiscal e ainda posando de defensores do povo e dos avanços sociais, é muito bem-vinda a enfática defesa da Lei de Responsabilidade Fiscal. Infelizmente, ainda há quem queira tirar proveito político da ignorância de parte da população e propague a equivocada ideia de que a responsabilidade fiscal seria uma opção ideológica de direita, para defender supostos interesses da elite econômica, como parte do “projeto neoliberal”. Como lembrou o ministro Barroso na mencionada palestra, não há responsabilidade fiscal de esquerda ou de direita. As opções ideológicas podem e devem orientar as prioridades orçamentárias de cada governo, mas os gastos - sejam eles quais forem - devem necessariamente se sujeitar às receitas obtidas. É simplesmente inviável um governo contratar gastos públicos ignorando se há ou não recursos disponíveis. Em outras palavras, a responsabilidade fiscal não é - não deve ser - uma opção política. Ela é - deve ser - a premissa de toda e qualquer política econômica. Promovem um grande mal ao País as pessoas e grupos políticos que difundem, por exemplo, a equivocada ideia de que é possível - e não causa efeitos colaterais - gastar mais do que se arrecada, ou ainda que a responsabilidade fiscal é um tema de interesse apenas dos ricos. Esse tipo de mensagem desinforma a população. Na prática, constitui mentira com alto custo social. Basta ver a realidade econômica do País depois de anos de irresponsabilidade lulopetista: o desequilíbrio fiscal gerou perversos efeitos para a população, especialmente para as classes mais pobres, justamente aquelas que o discurso populista da irresponsabilidade fiscal prometia defender. É fácil difundir que a PEC do Teto dos Gastos - que tenta colocar um mínimo de racionalidade nas finanças públicas, limitando o crescimento das despesas da União à variação da inflação do ano anterior - é a “PEC da Maldade, que prejudica os mais pobres”. Não é nada fácil, porém, desbastar a inflação que corrói a renda do trabalhador. Não é nada fácil trazer os juros para patamares civilizados sem provocar danos ainda mais sérios à economia. E todas essas distorções se devem ao descontrole dos gastos. Se alguma serventia teve a passagem de Dilma Rousseff pela Presidência da República, foi a de colocar em evidência - sem qualquer margem para dúvida - o fato de que a realidade, também a econômica, tem suas regras e desprezá-las importa em enorme custo, também social. Quando um governo gasta mais do que tem, como insistiu teimosamente em fazer Dilma Rousseff, ele arruína a economia e, consequentemente, a vida social de todo o País.
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Só faltava que, depois de toda a crise vivenciada pelos brasileiros, ainda houvesse quem defendesse a irresponsabilidade fiscal. Mas há. Por isso, é muito conveniente a célere aprovação pelo Senado da PEC do Teto. Adequar os gastos públicos às receitas não é uma questão ideológica, e a irresponsabilidade não é uma opção. A política é território livre para o debate de ideias, mas isso não a transforma, como alguns desejam, em campo para a irresponsabilidade. Afinal, também faz parte da democracia assumir as consequências de suas posições. A isso se dá o nome de responsabilidade.
Ainda mais urgência Fonte Jornal Folha de S. Paulo, editoriais@grupofolha.com.br 12/11/2016 às 02h00 O desfecho inesperado da eleição dos Estados Unidos e a perspectiva de súbita mudança na configuração da economia mundial constituem sérios inconvenientes para a recuperação brasileira. As primeiras e convulsivas reações à surpresa política são, em certa medida, esperadas; talvez passageiras. Grandes investidores no mundo inteiro procuram atenuar perdas ou revisam suas aplicações de modo a se adaptar às expectativas de modificação do cenário. Ainda que não seja duradoura, essa reorganização de investimentos provoca danos a países de economia frágil e desorganizada. Mesmo que a incerteza nos EUA tenha vida curta, seus efeitos serão sentidos e perdurarão no Brasil. A desvalorização do real, altas pelo menos momentâneas de taxas de juros e a dúvida sobre o que será feito da maior economia do planeta elevam riscos e dívidas privadas, dificultam o financiamento externo, intimidam empresas e suscitam ressalvas em relação ao ritmo de desaperto monetário mal iniciado pelo Banco Central. A baixa da taxa básica de juros no Brasil, a Selic, é um dos poucos estímulos à retomada da atividade econômica. O tumulto que se sucede à vitória de Donald Trump pode retardar a volta do crescimento, que já se esperava lenta. É quase geral a impressão de que o verdadeiro programa econômico do republicano ainda constitui uma incógnita. O que há de menos incerto, de todo modo, já seria suficiente para provocar uma reversão do caminho esperado para as finanças globais. O programa de estímulos econômicos baseado em deficit maiores do governo americano tende a redundar em altas mais aceleradas das taxas de juros pelo mundo. Em outros termos, em financiamento mais escasso e caro para economias como a do Brasil. A incerteza sobre alterações ainda mais turbulentas nos EUA, tais como mudanças abruptas no comércio mundial, promessa temerária de Trump, amplifica tais riscos. A repercussão política e econômica da mudança americana e a série de eleições e outras decisões importantes na Europa em 2017 tornam o futuro ainda mais nebuloso.
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Para o bem ou para o mal, o cerne do problema econômico brasileiro é doméstico. O conserto das finanças públicas seria de qualquer modo árduo. A possibilidade de tergiversações, porém, diminuiu; o risco de danos causados por meias medidas aumentou. Há, em resumo, menos margem de manobra. Não se descarta a possibilidade de que a tentativa de implementar reformas domésticas seja ainda mais dificultada pela permanência de um ambiente econômico deprimido. Adotar mudanças por aqui era urgente; tornou-se urgentíssimo.
Segredos do agronegócio Fonte Jornal Folha de S. Paulo, editoriais@grupofolha.com.br 12/11/2016 às 02h00 O interior do Estado de São Paulo já foi chamado de Califórnia brasileira, por sediar o setor agroindustrial mais avançado do país. Há um aspecto, contudo, em que sua administração está mais atrasada do que no Pará, líder em conflitos e delitos fundiários na Amazônia. O governo paraense, capitaneado por Simão Jatene (PSDB), dá total transparência aos dados de seu cadastro ambiental rural (CAR), incluindo nome do proprietário, CPF e número da matrícula do imóvel. O de São Paulo, comandado por Geraldo Alckmin (PSDB), não. O CAR foi a principal concessão de ruralistas em 2012 na aprovação do novo Código Florestal, que anistiou parte dos desmatamentos ilegais do passado. O cadastro implica que o proprietário reconheça passivos ambientais no presente —como reserva legal insuficiente— e se comprometa a recuperar a área irregular. Os ruralistas conseguiram adiar o prazo do CAR, que ficou, na prática, para dezembro de 2018. O banco de dados cobre mais de 97% da área cadastrável, mas esta se baseia no Censo Agropecuário de 2006, bastante desatualizado. Daí resultam várias anomalias; em muitos Estados, a exemplo de São Paulo, os cadastros superam 100%. A lei estadual paulista 15.684/15 determinou que "as informações constantes do CAR, salvo aquelas relativas aos dados pessoais do titular do imóvel cadastrado, nos termos da lei federal nº 12.527, de 18 de novembro de 2011, são consideradas de interesse público". A norma federal citada é a Lei de Acesso à Informação, que não dá apoio à ressalva paulista para omitir a identificação do proprietário. Ela estabelece que o acesso é a regra, e o sigilo, exceção. Além disso, consagra o princípio da transparência ativa: cabe ao poder público tomar a iniciativa de divulgar informações de interesse coletivo. Orientação jurídica da Secretaria do Meio Ambiente de São Paulo determina a seus funcionários omitir, entre os dados do CAR, a matrícula da propriedade, pois permitiria a identificação de seu dono. O governo paulista, assim, recomenda que não se incluam num cadastro informatizado, de fácil acesso, dados que estão disponíveis nos cartórios de registro de imóveis, que não facilitam a busca de informações. 9
Entende-se que fazendeiros não queiram ter seus nomes vinculados a delitos ambientais; o que não se entende, nem se pode aceitar, é que o governo Geraldo Alckmin se disponha a acobertá-los.
Ironias de Temer Fonte Jornal Folha de S. Paulo, editoriais@grupofolha.com.br 13/11/2016 às 02h00 Reconhecido, até por seus adversários, como político habilidoso e de trato gentil, o presidente Michel Temer (PMDB) deu mostras de incorrer, por vezes, nos equívocos da autossuficiência e do desdém. Há menos de um mês, celebrando com uma plateia de empresários a sanção de um projeto que amplia o prazo para o pagamento de dívidas tributárias, referiu-se jocosamente aos que, fora do palácio, protestavam contra a flexibilização de direitos trabalhistas. Eles "aplaudem este grande momento do governo federal", sorriu Temer, sugerindo aos empresários que contratassem os manifestantes ao final do evento. "Se não têm emprego, quem sabe arrumam", arrematou. Mais recentemente, diante de outro público seleto, criticou as ocupações de escolas e universidades contra a reforma do ensino médio e a PEC (proposta de emenda à Constituição) que limita a expansão dos gastos públicos. Ignora-se, considerou o presidente, o conteúdo da PEC 241; "vi uma entrevista", prosseguiu, em que um aluno traduzia a sigla como "Proposta de Ensino Comercial". Digase de passagem que a resposta do estudante poderá ter sido, ela própria, irônica. Temer, de todo modo, dera seu recado: a ignorância alimentava os protestos. Importa pouco que logo em seguida, talvez percebendo o tom provocador que adotava, o presidente tenha estendido também aos adeptos da PEC a acusação de desconhecer o seu teor. A mordida, por assim dizer, foi mais fundo do que o sopro a sucedê-la. Há bons motivos para discordar da mobilização estudantil. No refluxo das manifestações de rua, concentram-se em setores específicos e propensos ao ativismo os bolsões de resistência ao governo Temer, fundados em palavras de ordem de indisfarçável simplismo. A PEC 241 não impõe cortes aos orçamentos da educação e da saúde. Se bem-sucedida, propiciará queda significativa nas altíssimas taxas de juros, precisamente o foco das condenações vindas de quem associa a administração do PMDB aos interesses do capital financeiro. Por sua vez, ainda que inabilmente apresentada por medida provisória, a reforma do ensino médio avança em inúmeros aspectos, como o aumento da carga horária e da liberdade dos alunos na estruturação de sua grade curricular. Se a discussão é eminentemente técnica, cabe intensificar os esforços de debate e esclarecimento. As ironias de Michel Temer vão no sentido contrário, beirando a provocação.
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Age como se lhe bastasse a satisfação do Congresso e do mercado, prescindindo do apoio do conjunto da população. O cargo de presidente exige unir, e não dividir a sociedade —até mesmo Donald Trump, de quem Temer não tem a aprender nada em termos de diplomacia, sabe disso.
Seca 2.0 Fonte Jornal Folha de S. Paulo, editoriais@grupofolha.com.br 13/11/2016 às 02h00 O semiárido brasileiro enfrenta o quinto ano seguido de chuvas escassas. Em outubro, o mapa da estiagem no Nordeste quase não tinha áreas fora das categorias de secas grave, extrema ou excepcional. As perdas para a agricultura foram enormes, com quebras acentuadas na produção de mandioca e feijão. As grandes cidades, como Fortaleza, lutam para evitar o racionamento de água. A represa de Sobradinho, no rio São Francisco, está à beira do volume morto. A queda na produção de energia por usinas nordestinas deve provocar um repique nas tarifas de eletricidade. Até a zona da mata, no litoral nordestino em geral beneficiado por alguma chuva, padece. Felizmente não se presenciam mais as cenas dantescas de fome e mortandade que motivaram mestres da literatura regionalista, de José do Patrocínio a Graciliano Ramos. O Nordeste, assim como o Brasil, mudou muito desde a última grande seca destruidora, de 1979 a 1983, quando até 100 mil pessoas podem ter morrido na estiagem. A fome se espalhava sobretudo nos períodos de El Niño, o aquecimento anormal de setores do oceano Pacífico que afasta as chuvas do já estorricado Nordeste. O distúrbio climático se reeditou em 2014/15, potencializado talvez pelo aquecimento global. O padrão devastador, porém, não se repetiu. Hoje o país conta com uma rede significativa de proteção social. Cerca de 7 milhões de lares recebem ajuda do programa Bolsa Família no Nordeste, 50,6% dos beneficiários no país. Além disso, nos governos petistas de Lula e Dilma Rousseff a economia da região cresceu mais que a média nacional. O que não mudou muito, infelizmente, foi a fixação do Estado brasileiro com medidas convencionais para mitigar os efeitos da seca. Permanece a opção preferencial pelas obras faraônicas, como a transposição do São Francisco, e a distribuição de água por mais de 6.500 caminhões-pipa. Ao custo de mais de R$ 8 bilhões, a transposição deveria ficar pronta em 2012, mas só o eixo leste está para ser inaugurado; do eixo norte ainda falta licitar as obras não executadas. Seca é a realidade do Nordeste, e tende a agravar-se com a mudança climática prevista pelos cientistas. O Estado brasileiro tem de fazer mais para adaptar a população a essa realidade — por exemplo, com projetos mais eficientes do que transpor água de um rio que mal dá conta das demandas atuais. 11
Mais manobras Fonte Jornal Folha de S. Paulo, editoriais@grupofolha.com.br 14/11/2016 às 02h00 Seria de espantar se inexistissem, na atual conjuntura, movimentações no sentido de diminuir os potenciais efeitos destrutivos da Lava Jato sobre as principais forças políticas do país. Entretanto, dada a sensibilidade da população diante de qualquer medida que possa sugerir um arrefecimento da operação, os políticos sempre que possível evitarão ataques frontais às autoridades investigativas e seus procedimentos. Tão discretos quanto suspeitos, alguns movimentos contra as ações do Ministério Público Federal têm-se verificado nos últimos meses. O caso da chamada anistia para os crimes de caixa dois, barrado à última hora graças aos alarmes de alguns poucos deputados da Rede e do PSOL, ocupou as atenções há não muito tempo. Nenhum líder político assumiu a responsabilidade pela proposta, que ia sendo aprovada, em clima de virtual sigilo, em uma sessão noturna da Câmara dos Deputados, realizada excepcionalmente numa segunda-feira. A ideia de criar instrumentos contra abusos de autoridade, por certo merecedora de discussão diante dos ocasionais excessos cometidos pela Lava Jato ou por qualquer autoridade, foi por sua vez retomada no Senado, por seu presidente Renan Calheiros (PMDB-AL). Embora se possa considerar saudável algum aprimoramento das leis nesse sentido, a circunstância de que o próprio Renan enfrenta mais de uma dezena de inquéritos será o bastante para tingir a proposta de uma densa suspeição. Ainda que o tema admita detalhadas discussões técnicas —e talvez exatamente por isso, só pode despertar desconfiança uma terceira tentativa de modificar os parâmetros legislativos nos quais se desenvolve a Lava Jato. Na semana passada, tentou-se colocar em regime de urgência na Câmara o projeto nº 3.636, de 2015, que propõe mudanças na Lei Anticorrupção. Segundo os procuradores da Lava Jato, a medida traria alterações indesejáveis nos acordos de leniência —equivalente, para empresas, à delação premiada. Estaria aberta a possibilidade para uma anistia a executivos envolvidos em corrupção, além de impedir-se o uso em outros processos das informações obtidas no acordo celebrado. Seria o enterro da Lava Jato, reagiram os participantes da força-tarefa. Qualquer que fosse o conteúdo das iniciativas, sua tramitação em regime de urgência consistia por si só em elemento suspeito e inaceitável na manobra. Foi interrompida; a própria base aliada divergiu sobre a questão. O que não significa que tenha desaparecido a vontade dos parlamentares de, diante do mais leve cochilo da sociedade, aprovar medidas capazes de livrá-los do cerco.
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Autogolpe na Turquia Fonte Jornal Folha de S. Paulo, editoriais@grupofolha.com.br 14/11/2016 às 02h00 A obstinada marcha autoritária imposta pelo presidente da Turquia, Recep Tayyip Erdogan, faz agonizar a democracia no país. Assim como ocorreu na Venezuela após a tentativa de golpe contra Hugo Chávez, em 2002, Erdogan usa o fracassado movimento militar de julho como pretexto para implantar sua cartilha autoritária, que inclui o expurgo de cerca de 110 mil funcionários públicos e o silenciamento da imprensa crítica. A diferença é que o presidente turco avança nesse caminho sem disfarces e a grande velocidade. Alguns dias atrás, por exemplo, 12 parlamentares pró-curdos foram presos, sob acusações vagas de favorecer o terrorismo. Apoiado por uma coalizão que mistura islamistas e nacionalistas, Erdogan afirma que as medidas são necessárias para evitar novos intentos golpistas —a iniciativa recente deixou saldo de 270 mortos e combater ataques extremistas, de fato bastante frequentes. Desde antes de julho, no entanto, o que se constata é outra coisa: a construção de um regime personalista autoritário. Todos os parlamentares presos são do Partido Democrático dos Povos, a segunda maior força de oposição no Congresso. Debilitado, representa um obstáculo a menos a separar Erdogan de sua grande ambição, substituir o atual sistema parlamentarista por um modelo presidencialista forte. Ao que tudo indica, o referendo sobre mudanças na Constituição, com realização prevista para o primeiro semestre de 2017, pode muito bem se revelar uma pantomima. Não há votação livre num país em que líderes oposicionistas são perseguidos e a imprensa sofre retaliações gravíssimas 180 veículos terminaram fechados e mais de 120 jornalistas foram presos. A pressão externa tem sido pouco eficaz. Apesar de criticado pelos Estados Unidos e pela União Europeia, Erdogan tem-se mostrado hábil em valer-se da importância estratégica da Turquia para desarmar sanções. Membro da Otan, o país tem papel crucial não somente no xadrez do Oriente Médio mas também na contenção de levas de refugiados sírios para o continente europeu. Erdogan, além disso, provavelmente terá uma Casa Branca mais favorável no ano quem vem, já que seu futuro ocupante, Donald Trump, costuma elogiar líderes autoritários. Cada vez mais, infelizmente, a Turquia se afasta do imaginado modelo democrático para o mundo muçulmano.
A Lava Jato e a economia 13
Doações, por mais que possam ter sido nocivas do ponto de vista ético, nem sempre constituíram crime Fonte Jornal O Estado de S. Paulo, 14 Novembro 2016 às 06h00 Como deixou esclarecido acima de qualquer dúvida o juiz Sergio Moro na entrevista exclusiva ao Estado já comentada neste espaço, em nome da preservação dos fundamentos do sistema democrático é preciso saber valorizar e distinguir as indispensáveis ações de combate à corrupção de que a Operação Lava Jato tem sido magnífico e meritório exemplo das generalizações sobre doações eleitorais de pessoas jurídicas que ainda eram permitidas há pouco mais de um ano. Essas doações, por mais que possam ter sido nocivas do ponto de vista ético, nem sempre constituíram crime. Assim, o enquadramento indiscriminado das doações eleitorais de empreiteiras como crime poderia levar, no limite, à virtual proscrição da atividade político-partidária – o que, longe de significar solução para a crise política, a agravaria em proporções imprevisíveis, mas, certamente, catastróficas por suas inevitáveis repercussões negativas na gestão da combalida economia brasileira. De qualquer modo, como só teme quem deve, políticos com o rabo preso no esquema de corrupção que está sendo exposto à luz do dia pela Operação Lava Jato empenham-se com crescente ousadia em proteger-se, com manobras parlamentares como a frustrada tentativa, armada na calada de uma noite de setembro último, de anistiar a prática criminosa do caixa 2 em campanhas eleitorais e atividades partidárias. Outros procuram pegar carona em medidas que protejam a atividade econômica e o emprego preservando as empresas envolvidas nas investigações. E há ainda os petistas, que tentam politizar a Lava Jato acusando-a de ser mero instrumento de perseguição aos responsáveis pelo projeto “popular” e “progressista” que foi sabotado pelos agentes do “capital financeiro internacional”, responsáveis pelo impeachment de Dilma Rousseff. Enfim, a intenção dos políticos que temem porque devem, alguns deles aboletados nos mais altos cargos da hierarquia republicana, tem sido a de criar confusão institucional, misturar alhos com bugalhos, deliberadamente confundido a necessidade tanto de garantir o respeito aos direitos individuais como de estimular a atividade econômica com a leniência diante dos trambiques armados à custa do dinheiro público. Em editorial publicado neste espaço no domingo (dia 6), reiteramos o argumento de que não há motivo para conceder anistia a quem agiu deliberadamente contra a legislação eleitoral sendo, portanto, necessário punir, por exemplo, quem praticou o caixa 2. Mas “essa constatação não significa que deva ser tratada como crime toda e qualquer doação a partidos ou políticos”. Não elide este argumento o fato de as doações empresariais estarem proibidas, desde setembro do ano passado, por acertada decisão do Supremo Tribunal Federal (STF), uma vez que, obviamente, a controvérsia sobre a criminalização do caixa 2 retroage à época recente em que essas doações ainda eram permitidas. Em artigo publicado no Estado na mesma edição (dia 6), o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso ampliou o horizonte dessa discussão: “Não estaremos à altura dos desafios se não afirmarmos que precisamos de uma trégua nacional, não para conciliar elites, mas para pactuar o futuro e pensar sobre ele”. Para tanto, acrescentou, “será preciso coragem para o STF deixar a Lava Jato cumprir o seu papel de restauradora da moral pública, mas também manter vivo o respeito aos direitos individuais”. Em posterior entrevista dada à Folha de S.Paulo, Fernando Henrique reafirmou a necessidade da trégua nacional e confirmou seu ponto de vista favorável a que se encontrem meios legais para garantir a preservação de empresas envolvidas na Lava Jato, com o objetivo de garantir empregos e a continuidade das atividades produtivas e de serviços. “Quanto a mim”, observou o ex-presidente, “a preocupação maior é com os efeitos da crise econômica, pela qual obviamente a Lava Jato não é responsável. Não endosso manobras que a 14
atinjam. Outra coisa, como escrevi (no artigo publicado noEstado), são as necessárias medidas que preservem as empresas, mas não os delitos de seus donos e funcionários. A estagnação em que estamos é grande e tem efeitos sociais e econômicos devastadores. É para resolvê-la que precisamos do que chamei de ‘trégua nacional’, não para anistiar culpados”.
Os desafios do PMDB Partido será marcado como o responsável pela transição pacífica que conduziu o Brasil para as eleições gerais de 2018 melhor do que o encontrou Fonte Jornal O Estado de S. Paulo, 14 Novembro 2016 às 06h00 Como marco do encerramento do 9.º Congresso Nacional da Fundação Ulysses Guimarães, o PMDB lançou o livro 50 anos do PMDB - o partido que muda o Brasil. A obra traça um panorama do partido político mais longevo do País desde sua fundação, em março de 1966, até a posse de Michel Temer na Presidência da República. A extinção dos partidos políticos pelo Ato Institucional n.º 2, de 1965, introduziu o bipartidarismo no Brasil. De um lado, a Aliança Renovadora Nacional (Arena), base de sustentação parlamentar do governo. Do outro, o Movimento Democrático Brasileiro (MDB), então um fraco aglomerado de oposição. Composto por políticos oriundos de partidos extintos pela ditadura, o MDB foi tolerado para servir como um simulacro de partido de oposição que pudesse conferir alguma legitimidade ao governo militar. Entretanto, mesmo que sofresse forte pressão do regime, o partido desenvolveu musculatura própria capaz de fazê-lo adotar uma postura realmente combativa em relação aos desmandos praticados pela ditadura. O ponto alto dessa política de enfrentamento foi o lançamento da chapa composta por Ulysses Guimarães e Barbosa Lima Sobrinho como candidatos na eleição de 1973, para a qual o então presidente Emílio Médici já havia indicado Ernesto Geisel como seu sucessor. A anticandidatura do MDB, por óbvio, não prosperou, mas foi o ponto de virada do partido que alguns anos depois culminaria na criação do PMDB. Surgido em 1980 como desdobramento da reorganização do quadro partidário após o fim do bipartidarismo, o PMDB mostrou sua força já nas primeiras eleições estaduais que disputou, em 1982. Conseguiu então eleger nove governadores, incluindo os de São Paulo, Minas Gerais e Rio de Janeiro. Saiu fortalecido, cresceu e finalmente chegou ao comando do País em 1985, quando Tancredo Neves e José Sarney (este oriundo da Arena) foram eleitos presidente e vicepresidente da República pelo Colégio Eleitoral. Com a morte de Tancredo Neves, José Sarney tornou-se o primeiro presidente do período da redemocratização. De 1985 para cá, o PMDB esteve presente em todos os governos, ora como titular do poder, ora como seu garantidor. Sua pujança como maior partido político do Brasil fez, e faz, do PMDB o fiel da balança no peculiar presidencialismo de coalizão brasileiro. O PMDB tem agora sob sua responsabilidade a dificílima missão de guiar um país esfacelado por uma grave crise econômica, política e moral, fruto da dilapidação ética e financeira empreendida pelo lulopetismo, em direção à retomada do crescimento econômico, do plenoemprego e da melhoria da qualidade de vida da população brasileira. Já não seria uma missão fácil para um partido orgânico, solidamente constituído em torno de um projeto para o País e pacificado internamente. Menos ainda para uma agremiação política que hoje mais se aproxima de um conglomerado de pequenas e médias células partidárias do que propriamente uma instituição uniforme e alinhada em seus propósitos.
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Pelos dois anos de governo que tem pela frente, o PMDB precisa superar suas dificuldades e disputas internas e unir forças em torno da aprovação das reformas fundamentais para a garantia da estabilidade econômica do País. Se não por princípios partidários, por questão de pragmatismo político no momento definidor de seu futuro. Para lançar as bases do que pretende ser daqui para a frente, o PMDB precisa fazer uma espécie de balanço de meia-idade e mostrar ao País o compromisso inadiável de vencer os grandes desafios que se lhe apresentam, quais sejam: restabelecer a solidez e a credibilidade da economia brasileira, consolidar uma base parlamentar que permita a aprovação de medidas saneadoras tanto no campo político como no econômico e assegurar o bom andamento da Operação Lava Jato sem quaisquer sinais de hesitação. Levando a bom termo estas ações, o PMDB será marcado como o partido responsável pela transição pacífica que conduziu o Brasil para as eleições gerais de 2018 melhor do que o encontrou.
Fim da farra de aumentos? Efeito prático de anúncio de Rodrigo Maia sobre reajustes salariais de servidores deverá ser pouco perceptível Fonte Jornal O Estado de S. Paulo, 14 Novembro 2016 às 06h00 O anúncio do presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (DEM-RJ), de que a Casa não votará novos aumentos salariais para o funcionalismo público representa mais um importante respaldo político para o programa de ajuste fiscal do governo do presidente Michel Temer. Mas vem com atraso e, por isso, seu efeito prático deverá ser pouco perceptível. “Já avisei o governo que qualquer outro aumento enviado neste momento vai ficar parado”, disse Maia, quando lhe perguntaram se não havia incoerência entre o empenho do governo e sua base parlamentar na aprovação da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que limita as despesas públicas - a PEC do Teto dos Gastos - e a aprovação de medidas que elevam a folha de pessoal, como a que havia acabado de passar numa comissão especial da Câmara, assegurando reajustes salariais e bônus de eficiência para auditores fiscais e analistas da Receita Federal. “Acabou, não haverá mais nenhum tipo de aumento”, reforçou o presidente da Câmara, observando que os benefícios para servidores da Receita haviam sido acertados pelo governo e seu impacto sobre as contas do Tesouro está embutido na meta de déficit primário de R$ 170,5 bilhões fixada para este ano. Acrescentou que, se o governo tiver algum alívio fiscal e financeiro, “deveria ser para ajudar os Estados e municípios e não para gerar despesas no governo federal”. No que se refere à necessidade de austeridade na gestão dos recursos públicos, sobretudo nos gastos com pessoal do governo federal, porém, o mal já foi feito - e devidamente contabilizado no péssimo resultado primário para este ano, como destacou o presidente da Câmara. O texto que trata dos vencimentos de auditores e analistas da Receita é apenas o mais recente - e o último no atual quadro fiscal, se Maia conseguir cumprir o que anuncia - de uma série de iniciativas semelhantes propostas pelo governo que o Congresso aprovou e o presidente Temer sancionou. No caso dos servidores da Receita, o projeto aprovado pela comissão especial - e que seguirá para o Senado caso não haja recurso para análise pelo plenário - muda a nomenclatura das carreiras do órgão e autoriza aumentos salariais escalonados para auditores fiscais que serão pagos até janeiro de 2019. Foram igualmente beneficiados os auditores fiscais do Trabalho. A 16
proposta também aumenta o bônus de eficiência e produtividade nas atividades tributárias e aduaneiras. O impacto financeiro do projeto original era estimado pelo governo em R$ 8,5 bilhões até 2019. A inclusão, por meio de emendas de deputados, de novas categorias de servidores entre os beneficiários resultará em gastos ainda maiores. Há poucas semanas havia sido aprovado o projeto de aumento para policiais federais, policiais rodoviários federais, peritos federais agrários e servidores do plano especial de cargos do Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes. Os reajustes podem chegar a até 47,3% e serão pagos em três parcelas até 2019. Só em 2016, os gastos decorrentes desses aumentos serão de R$ 2 bilhões. Durante sua interinidade na Presidência da República, Temer sancionou aumentos salariais para diversas categorias do funcionalismo e que faziam parte de acordos que o governo de Dilma Rousseff fechara com representantes dos servidores. Estima-se que esses aumentos elevarão os gastos com a folha de pessoal em R$ 50 bilhões até 2019. Mas Temer vetou outros reajustes e, com o apoio da base no Senado, conseguiu adiar a votação do projeto que eleva os vencimentos dos ministros do Supremo Tribunal Federal e tem efeito para todo o Judiciário. Foram sinais contraditórios que deixaram dúvidas sobre o empenho do governo Temer no efetivo controle dos gastos públicos. O ajuste fiscal é essencial para que se comece a pôr em ordem a economia do País devastada pela irresponsabilidade e pela corrupção dominantes na era lulopetista. O avanço da PEC do Teto dos Gastos no Congresso indica que se caminha no rumo certo.
Opiniões: Solavanco Trump A percepção é a de que o futuro governo Trump vai mudar muita coisa na política econômica dos Estados Unidos e que essas mudanças produzirão solavancos sobre o resto do mundo Fonte Jornal O Estado de S. Paulo, Celso Ming 10 Novembro 2016 às 22h00 O comportamento nervoso e volátil do mercado financeiro desta quinta-feira ainda não é consequência de mudanças na economia mundial. Refletiu apenas a expectativa do impacto Trump sobre a economia real dos Estados Unidos e do mundo que começará apenas a partir de janeiro quando da posse do novo governo americano. Depois de uma quarta-feira relativamente inibida pela perplexidade produzida pela vitória de Donald Trump nas eleições dos Estados Unidos, os trancos provocados pela aflição dos senhores do dinheiro ficaram mais impressionantes nesta quinta-feira. A percepção é a de que o futuro governo Trump vai mudar muita coisa na política econômica dos Estados Unidos e que essas mudanças produzirão solavancos sobre o resto do mundo.
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Rendimento da T-Note de 10 anos Essas mudanças começarão com a prometida redução de impostos pagos pelas empresas e pelo aumento das despesas públicas com investimentos em infraestrutura e defesa, cujo objetivo é dar empuxo ao setor produtivo e gerar empregos. As principais consequências desse presumível novo arranjo seria algum aumento da inflação que, por sua vez, obrigará o Federal Reserve (Fed, o banco central dos Estados Unidos) a puxar pelos juros por meio da revenda de títulos no mercado e, portanto, pela retirada de dólares de circulação. Isso significa que menos dólares sobrarão para serem aplicados em investimentos de risco, inclusive nos países emergentes, como o Brasil. O salto do rendimento (yield) dos títulos de dez anos do Tesouro dos Estados Unidos mostrado no gráfico revela que já começou o movimento por maior procura de dólares nos mercados. O impacto sobre as cotações do câmbio no Brasil foi relevante, como mostra o gráfico no Confira, e tende a continuar forte. Esta é apenas a reação imediata ao novo diagnóstico. Tanto esse diagnóstico como a reação correspondente estão sujeitos a mil e uma alterações, uma vez que não basta saber o que pensa Trump; é preciso, também, saber quanto do que pensa será colocado em prática. Mas serve para passar uma boa ideia dos solavancos a que está sujeita a economia mundial e, em particular, a brasileira. Se os dólares se tornarem mais escassos, como parece, o Brasil terá 18
de contar com menos investimentos em moeda estrangeira, num momento em que mais precisará trazer poupança do exterior para alavancar o crescimento econômico. A nova tendência à alta do câmbio interno pode interromper a desaceleração da inflação mostrada nos dois últimos meses. E aí é preciso ver até que ponto o Banco Central do Brasil estará disposto a prosseguir no processo de redução dos juros básicos (Selic) começado em outubro. A questão central, no entanto, consiste em saber se a economia brasileira, vulnerável e desequilibrada como se encontra, estará em condições de enfrentar as turbulências políticas e econômicas já contratadas tanto pela administração Temer, que precisa repassar uma conta dolorosa para os brasileiros, quanto pelos efeitos produzidos pela eleição de Trump. Confira
A moeda americana acumulou ganhos, enquanto a Bolsa caiu 3,25% O impacto sobre as cotações do dólar no câmbio interno reflete a primeira reação do mercado à perspectiva de rarefação de moeda estrangeira na economia mundial, à medida que for colocada em prática a política econômica defendida pelo presidente eleito dos Estados Unidos, Donald Trump. Bolsa O comportamento da Bolsa brasileira é parte da mesma síndrome. A expectativa de valorização do dólar e de relativa rejeição das operações de risco indicam menos disposição de entrada de moeda estrangeira para aplicações no mercado de ações do Brasil.
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Trank iú, Trump O eleitor votou ‘pela mudança’ e, sem saber, escolheu mudar para o passado Fonte Jornal O Estado de S. Paulo, Flávio Tavares* 13 Novembro 2016 às 06h00 O espanto, a perplexidade e a dor se misturam numa confusão tão absurda, tola e perigosa que a única resposta é o velho lugar-comum que nada revela: inexplicável. O odioso confesso, o racista, intolerante e atrasado Donald Trump será presidente dos EUA e já antecipou que pretende reeleger-se. Potência econômica, financeira, tecnológica e militar (pátria da Coca-Cola, do McDonald’s, da Disneylândia, de Hollywood, do rock, de West Point, da bomba atômica, das Universidades de Colúmbia, Harvard e do MIT, da Nasa, do homem na Lua e da sonda a Marte), os EUA guiam nosso cotidiano e nosso comportamento. Tudo de lá nos afeta, sensibiliza-nos ou constrange. A vulgaridade irracional de Trump amedronta tanto que o medo pode imobilizar o raciocínio e desorientar o futuro. Pela primeira vez após uma eleição, as passeatas de rua não festejam o eleito. São um protesto que só não é mais duro porque as lágrimas da desesperança atenuam a ira rebelde. Talvez por isso, cresceram o humor (tão ausente por lá) e as piadas: “Vamos para o Canadá antes da noite”. Ou a “notícia” em várias línguas: “O México constrói, às pressas, um muro na fronteira para conter a fuga dos americanos”... Nem sequer o assassinato do presidente Kennedy, em 1963, em plena guerra fria, desencadeou tanto temor como agora. De novo, os EUA me afligem. Em abril de 1945, eu tinha pouco mais de 10 anos quando Franklin Roosevelt morreu, mas até hoje sinto a dor e guardo a frase que escrevi no jornal da cidadezinha natal: “Apagou-se a luz do mundo”. A Alemanha nazista ainda não fora vencida e, assim, a morte era algo atroz e pungente: perdíamos nosso sol e guia. Agora, 71 anos depois, não é a morte, mas a vida futura dos EUA e de um mundo escuro e sem luz que me afoga em angústia. Na campanha eleitoral, o apresentador de TV e milionário (dono de cassinos e hotéis falidos), sem ideias econômico-sociais, usou o palavrão demagógico. Seduziu as massas (o “povão” adora irreverências) com um populismo vazio, oposto ao das reformas de Kennedy (ou do Brasil) dos anos 1960, que buscava o futuro. O populismo de Trump busca o passado. O eleitor votou “pela mudança” e, sem saber, escolheu mudar para o passado – a carroça em vez do automóvel, o ábaco em vez do computador, a Inquisição em vez do papa Francisco. O “povão” confiou nas promessas de “prosperidade”, de “destruir tudo” o que gerou a crise de 2006, até o avanço tecnológico, se preciso. Quem recordou que a crise nasceu do desgoverno de Bush, de direita, como ele? The New York Times, ícone da imprensa independente, advertiu que a eleição de Trump “ameaça o modelo ocidental de democracia”. Com isso não quis dizer que o futuro presidente vai pôr abaixo direitos e garantias ou virar ditador. Alertou para algo pior: o sistema que leva a escolher gente como Trump está falido e já não é modelo. Será o eclipse do modelo eleitoral, em que se vota na aberração, pela libertinagem, não pela liberdade individual ou social? No Brasil, Levy Fidelix, candidato presidencial em 2014, e, hoje, Jair Bolsonaro são exemplos desse explosivo meteoro de irreverência e ignorância. Antes, tivemos Collor, eleito pelo voto jovem e cuja única ideia era “combater marajás”. No poder, nosso intrépido “Indiana Jones” – como o chamou Bush – foi o grande marajá... 20
O fanfarrão Trump é a expressão de tudo isso. Seu programa na TV, O Aprendiz, simulava uma empresa – logo ele, com empresas falidas, em que cada falência o fazia mais milionário. Vigiava os “aprendizes” com perguntas grosseiras. No ponto alto, gritava o bordão: “You are fired” – “você está demitido” – e o concorrente fugia. Os assistentes aplaudiam o infortúnio alheio. Mas o poder da Casa Branca espalha medo e ninguém ousa mexer com o diabo que lá vai se instalar. Até o diabo teve medo de si mesmo e, na madrugada da vitória, Trump apaziguou as palavras de ódio. A eleição fez ainda mais ardentes os beijos entre Trump e Putin. O namoro do velho dono de cassinos com o velho agente da polícia secreta russa leva ao pacto entre a Alemanha de Hitler e a Rússia de Stalin, em 1939, dias antes da invasão nazista à Polônia. O totalitarismo os identificava. Trump não se esconde em trampas, como Hitler. Na campanha, anunciou o primeiro crime a praticar como presidente – “retirar os EUA do Acordo do Clima”. O mais importante pacto para tentar salvar a Terra (firmado por Obama e dezenas de chefes de governo), para ele, “trava a economia”. Em 1985, em longas conversas com o senador Ted Kennedy, ouvi relatos surpreendentes sobre a sociedade norte-americana. Antes, nos anos 1970, eu lhe enviava informações sobre os desmandos da ditadura no Brasil, municiando assim inflamados discursos no Senado sobre o horror que não podia aparecer em nossa imprensa. Isso abriu caminho a mútuas sinceridades. “Nosso maior defeito é crer no absurdo e cultivá-lo como flor. Às vezes é colorido, mas não é flor”, disse-me um dia. Não se referia à matança de índios na “conquista do Oeste” ou à perseguição aos negros, mas aos hábitos alimentares (até aos refrigerantes), à degradação da política, ao escândalo de Watergate nos tempos do republicano presidente Nixon. E à dinheirama dos “lobbies” empresariais subornando senadores e deputados. O irmão caçula do presidente democrata assassinado em 1963 foi combativo senador por mais de 40 anos. Era um “liberal”, com acento no “í”, um esquerdista, como se diz nos EUA. Aspirante a candidato presidencial, perdeu para Jimmy Carter, ainda mais “leftist” do que ele. Ted Kennedy, o “leão branco”, morreu em 2009. Hoje, mais do que espanto, teria náuseas pelo absurdo do que, na Casa Branca, será visto como flor. Trump foi eleito pela facilidade do palavrão vulgar, mas não poderá governar com ela. Se não for assim, trank iú, Mr. Trump, mas não nos tranque em hospício. *Jornalista e escritor, Prêmio Jabuti de Literatura em 2000 e 2005
Problemas internos são muito piores que Trump Mesmo sem barreiras no exterior o Brasil já tem um poder de competição muito baixo Fonte Jornal O Estado de S. Paulo, Rolf Kuntz 13 Novembro 2016 às 06h00 A primeira disputa entre o governo brasileiro e a administração do recém-eleito Donald Trump já está armada. Brasília começou na semana passada uma ação contra a nova barreira erguida nos Estados Unidos contra o aço fabricado no Brasil. A iniciativa foi do presidente Barack Obama, em mais uma tentativa de socorrer a enfraquecida siderurgia americana. O assunto ficará para o republicano, um autoproclamado protecionista. Se ele for fiel às promessas de campanha, poderá ir muito além de seu antecessor na criação de entraves ao comércio. Como candidato, anunciou até a disposição de rever acordos e de confrontar o sistema internacional de regras comerciais. Todos têm motivos para preocupação, mas no caso brasileiro é 21
necessária uma ressalva. Barreiras no exterior são sempre ruins, ninguém pode negar, mas os principais obstáculos ao sucesso comercial das empresas brasileiras estão mesmo dentro do País. Embora inquietante, o populismo protecionista do presidente eleito dos Estados Unidos é menos perigoso que as causas internas da baixa competitividade brasileira. Enfrentá-las deve ser prioridade do atual governo, com apenas mais dois anos de mandato, e de seu sucessor. Mesmo os setores e empresas mais competitivos do Brasil são prejudicados por um número enorme de problemas sistêmicos. A lista é fácil. Inclui pelo menos a infraestrutura deficiente, a tributação irracional, a burocracia excessiva, a insegurança jurídica, o peso de governo caro e improdutivo e, é claro, um dos piores sistemas educacionais do mundo emergente. Não adianta confrontar as taxas nacionais de alfabetização de hoje com as de dez ou vinte anos atrás. As taxas podem ter melhorado, mas o analfabetismo funcional continua muito elevado. Pelos dados oficiais, deve estar pouco abaixo de 20% da população com idade a partir de 15 anos, mas os fatos observados no dia a dia parecem mostrar um quadro bem pior. A formação oferecida até o curso médio é desastrosa, como comprovam, em primeiro lugar, as provas de redação zeradas no Enem. A mera perspectiva de provas com nota zero na redação é assustadora, mas esse é um dado rotineiro. A catástrofe da educação fundamental é confirmada periodicamente nos testes internacionais. No mais famoso, o Pisa, mantido pela OCDE, a Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico, os estudantes brasileiros têm ficado regularmente entre os dez últimos, num conjunto de 65. Quem ainda tiver dúvidas sobre o assunto poderá eliminá-las consultando as associações industriais, como a CNI e a Fiesp, acerca da qualidade média da mão de obra encontrada no mercado. No item educação primária, o Brasil ficou em 120.º lugar, pela qualidade, numa lista de 138 países, no último relatório de competitividade do Fórum Econômico Mundial, publicado em setembro. No quesito formação superior, o País ficou na 84.ª posição, no mesmo conjunto. Sempre no terço inferior, portanto, embora ainda seja uma das dez maiores economias, pelo tamanho do produto interno bruto (PIB). Na classificação geral, o País caiu seis posições em um ano, passando ao 81.º lugar. A melhor colocação foi alcançada em 2012, quando o Brasil ocupou o 48.º posto. O recuo ocorreu muito rapidamente no primeiro mandato da presidente Dilma Rousseff e ainda se acelerou na fase de recessão. As condições conjunturais pesaram na avaliação, mas os quesitos de longo prazo continuaram muito ruins. A educação é um exemplo importante, quando se trata de medir as desvantagens competitivas. Mas a qualidade da administração, a inflação, o desarranjo fiscal, a segurança pública deficiente e as dificuldades para fazer negócios têm permanecido, ano após ano, como fatores de grande relevância. A lista de entraves aos negócios inclui tanto fatores institucionais, como a complicada regulação tributária, quanto – digamos – informais, como a corrupção. O combate à corrupção é elogiado, mas o problema permaneceu com destaque na lista dos entraves mencionados nas entrevistas da pesquisa. A administração pública deficiente e o estado precário das finanças oficiais aparecem de forma recorrente nas pesquisas de competitividade, assim como os impostos pesados e de baixa qualidade e a complicada regulamentação tributária. O ajuste contábil das contas públicas é, portanto, apenas uma das tarefas necessárias, na área fiscal, para tornar a economia brasileira um pouco mais eficiente. É preciso levar em conta, nesse tópico, uma agenda muito mais ambiciosa e politicamente complicada. Uma reforma tributária razoável deverá envolver o ICMS, o Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços, cobrado pelos governos estaduais. Não bastará eliminar 22
a guerra fiscal entre Estados. Será preciso, também, livrar totalmente as exportações e os investimentos produtivos do peso dos tributos. Será preciso negociar o assunto com 27 governadores. No dia a dia, fala-se muito do câmbio quando se trata de competitividade, mas pouco se discutem os fatores estruturais, como sistema tributário, educação, pesquisa e tecnologia, eficiência do governo, inflação controlada e estabilidade fiscal. São fatores como esses as principais vantagens das economias mais competitivas e com maior potencial de geração de empregos. Políticas industriais voluntaristas, baseadas no protecionismo e na distribuição de benefícios a grupos e setores, tendem a fracassar e – pior – produzir desastres. A Organização Mundial do Comércio (OMC) acaba de condenar políticas desse tipo, exploradas amplamente pelo governo anterior. A condenação nem é o pior detalhe dessa história. Pior foi o fracasso, acompanhado de custos fiscais e financeiros enormes e de uma recessão com 12 milhões de desempregados. Trump pode ser um perigo, mas nem de longe comparável com os problemas made in Brazil.
Indignados e ressentidos Opinião pública mundial usou todo o arsenal de adjetivos desabonadores para qualificar Trump Fonte Jornal O Estado de S. Paulo, Celso Ming 12 Novembro 2016 às 19h17 Perplexa com o resultado das eleições presidenciais dos Estados Unidos, a opinião pública mundial usou todo o arsenal de adjetivos desabonadores para qualificar Donald Trump: xenófobo, protecionista, intolerante, vulgar, histriônico, machista, desequilibrado, racista, despreparado... e por aí foram e continuam indo. E é verdade, Trump reúne tudo isso, em maior ou menor grau.
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Apesar dos discursos intolerantes, Trump conseguiu 59 milhões de votos No entanto, a questão de fundo não é quanto de assustador reúna o perfil de Trump, mas as razões mais profundas que o empurraram para onde chegou. Trata-se do que fazer com o caldeirão de indignação e ressentimento revelado pelos 59 milhões de eleitores que conduziram Trump à Casa Branca. Ele tratou as mulheres com notório desprezo e, no entanto, 42% delas votaram nele. Avisou repetidas vezes que deportaria os “ilegales” e construiria um muro de 3,2 mil quilômetros ao longo da fronteira com o México e, no entanto, 29% dos hispânicos votaram nele. Hillary é produto acabado da elite branca anglo-saxônica e, no entanto, 58% dos peles brancas votaram em Trump. E, apesar do tantas vezes explicitado racismo de Trump, ele ainda conseguiu que 8% dos negros votassem nele. Parece claro que prevaleceram menos as condições de gênero, raça e cor do que a percepção geral do americano de que suas condições atuais de vida são piores do que as de seus pais; e as dos seus filhos, piores do que as deles próprias. O sonho americano que é a convicção de que as oportunidades se abrem para quem seguir os manuais e der duro na vida ficou seriamente ameaçado pela crise, pelo desemprego, pela desvalorização abrupta do patrimônio das famílias. Na percepção das classes médias americanas, isso tem a ver com os efeitos da globalização, com a entrada franca de produtos
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estrangeiros, com a transferência de fábricas para o outro lado dos oceanos e com a imigração. Trump não conseguirá trazer de volta as montadoras de veículos. Não conseguirá recuperar as indústrias do Cinturão da Ferrugem. E se pretender levar às últimas consequências seu brado de guerra “put America first”, o mais provável é que obtenha que cada país trate de adotar para si próprio o mesmo princípio. Na última sexta-feira, editorial do diário francês Le Monde levava o seguinte título: Diante do desafio Trump, Europe first. É briga de soma zero. Não é apenas nos Estados Unidos que as classes médias se sentem alijadas e esquecidas, insatisfeitas com os políticos e com tudo o que está aí. Estão todos com o prato na mão, mas a sopa não dá para todos, como prometido. Quando isso aconteceu nos países socialistas, os dirigentes desistiram da ditadura do proletariado e de velhos ideais, caiu o regime e todos, da China à antiga União Soviética, trataram de adotar versões locais do sistema capitalista. Agora que algo parecido acontece no regime capitalista, não há o que pôr no lugar, não há solução clara. Os Tesouros nacionais estão quebrados e, assim, a saída fiscal que pressupõe grande crescimento das despesas públicas é impraticável. Também deu o que tinha de dar a gigantesca expansão monetária promovida pelos grandes bancos centrais. Em outros tempos, uma guerra ajudava a resolver encrencas assim. Agora, parece não haver opção senão recorrer à negociação e ao entendimento. E Trump não parece talhado para a hora. CONFIRA:
As eleições norte-americanas puxaram forte alta do dólar
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As intervenções do Banco Central no mercado de câmbio na sexta-feira mostraram que há limites para a livre flutuação do dólar. Mostraram, também, que o Banco Central está disposto a usar munição para impedir excessiva volatilidade, especialmente quando vier descolada de tendência firme. Na medida em que conseguir reequilibrar o mercado de câmbio, a atuação do Banco Central contribui, também, para reduzir o impacto inflacionário que adviria de forte desvalorização do real que puxasse a inflação a partir do encarecimento dos produtos importados.
Por uma reforma política efetiva Fonte Jornal Folha de S. Paulo, CLÁUDIO LAMACHIA 13/11/2016 às 02h00 Um dos motivos de tensão entre a população e o Congresso é a costumeira postergação de uma reforma política efetiva. Enquanto a sociedade clama por regras capazes de aprimorar a democracia e recrudescer o combate à corrupção, boa parte de seus representantes protagoniza um verdadeiro teatro, fingindo empenho e arrastando a discussão, sem chegar a nenhuma mudança transformadora no sistema político. O Congresso brasileiro já acumulou elevadíssima carga horária de debates e votações sobre os temas da reforma política. Os partidos já têm pleno conhecimento dos anseios do eleitorado e sabem, mesmo que finjam ignorar, que a péssima reputação de que desfrutam encontra fundamento na realidade. É preciso pragmatismo. Após longa análise jurídica realizada nos últimos anos, a OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) está engajada em pontos práticos e efetivos da reforma política: acabar com as coligações proporcionais, adotar a cláusula de desempenho, tipificar o crime de caixa dois e proteger os avanços obtidos nos últimos anos, como a Lei da Ficha Limpa e a proibição de doações privadas para partidos e candidatos. Já foi atingido o limite tênue entre o necessário rito democrático e a perda de tempo e de dinheiro público. A cada reunião na Câmara e no Senado, o contribuinte banca desde o trabalho de técnicos especializados até a água e o café. Chegou a hora de todo esse investimento ser convertido em benefícios para os financiadores da democracia. É irreversível a perda de privilégios das legendas. Por exemplo: não é aceitável que os votos dados a um político ou partido específico possam servir para eleger outra pessoa, com proposta e matriz ideológica totalmente oposta. Isso só beneficia os caciques que usam as siglas e as eleições para costurar acordos obscuros, totalmente distantes dos propósitos republicanos e dos interesses do eleitorado. A solução é abolir as coligações em eleições proporcionais (aquelas que elegem vereadores, deputados estaduais e federais). Outra medida urgente é a adoção de uma cláusula de desempenho. Com ela, os partidos só serão plenamente financiados pelo dinheiro público se tiverem um percentual mínimo de votos nas eleições gerais nacionais. Os que não tiverem respaldo popular terão acesso a um mínimo de dinheiro capaz de assegurar sua participação no debate político. É preciso dar um basta à fundação de partidos sem nenhuma representatividade, usados apenas para fazer negócios e prover salários a seus dirigentes. 26
É espantoso que o Brasil, após décadas e mais décadas de escândalos políticos, ainda não tenha uma lei que qualifique a prática do caixa dois como crime e especifique a punição adequada àqueles que alimentaram o crime e mentiram para seus eleitores fazendo campanhas com recursos não declarados. A inexistência dessa lei possibilita a apresentação de propostas indecentes, como a que pretende anistiar aqueles que fizeram caixa dois nos últimos anos. Para caminharmos rumo a um futuro melhor deve-se lidar e aprender com os erros. Por fim, as reformas do sistema político dependem da permanência das mudanças positivas dos últimos anos, atacadas por aqueles com interesse em manter os vícios do atual sistema. A Lei da Ficha Limpa, que tira das disputas eleitorais candidatos com pendências graves na Justiça, dá ao eleitor uma margem maior de segurança ao escolher seus representantes. Já o fim das doações empresariais objetiva baratear as campanhas e acabar com o controle dos grupos econômicos sobre os eleitos, que devem ser fiéis ao eleitor, não aos interesses do mercado. CLAUDIO LAMACHIA, especialista em direito empresarial, é presidente nacional da OAB Ordem dos Advogados do Brasil
Nova era de fechamento dos mercados pode estar a caminho Murad Sezer/Reuters
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Neymar ganha muito mais do que ganhou Pelé, pois hoje o mundo para e assiste quando Barcelona joga Fonte Jornal Folha de S. Paulo, SAMUEL PESSÔA 13/11/2016 às 02h00 A primeira Guerra Mundial, iniciada em outubro de 1914, deu fim a longo período de globalização no mundo, liderada pelo poder de polícia sobre os mares da Inglaterra e por várias mudanças técnicas, como o telégrafo e o navio de metal a vapor. Esses fatores impulsionaram o desenvolvimento de diversas periferias: Sudeste brasileiro, Argentina, Chile, Austrália e Nova Zelândia, além das economias americana e canadense. As periferias exportavam bens primários e importavam bens manufaturados da Europa. Em seguida à Primeira Guerra, houve seis décadas de fechamento das economias. Em meados dos anos 1970, inicia-se a segunda globalização pós-Revolução Industrial. Foi somente no final dos anos 1980 e no início dos 1980 que os níveis de comércio e mobilidade de capital ultrapassaram aqueles observados na "belle époque". A grande diferença da atual globalização em relação a anterior é a existência de comércio de bens em processo: as redes globais de valor permitem que diferentes etapas do processo produtivo de um bem ocorram em diferentes localidades. A grande globalização produziu inúmeros ganhadores. Os maiores foram os habitantes da Ásia, continente com 1/3 da humanidade, que experimentou fortíssima queda da pobreza. De fato, testemunhamos nas últimas décadas a maior redução de pobreza da história. Outro grupo de ganhadores foram os ricos dos países do Atlântico norte. A enorme ampliação dos mercados propiciada pela globalização aumentou a escala de diversas empresas e explica em parte, ao menos, os ganhos exorbitantes de presidentes de corporações e do mercado financeiro. Também há o fenômeno dos grandes ganhadores que levam tudo ("winner takes all"), como é o caso do aumento dos rendimentos de artistas e esportistas de primeira grandeza em razão do aumento do mercado propiciado pela globalização: Neymar ganha muito mais do que ganhou Pelé, pois hoje o mundo para e assiste quando o Barcelona joga. O grande perdedor da globalização foram os trabalhadores das classes médias dos países desenvolvidos. Não conseguem competir com a produtividade do trabalhador asiático. No setor de serviços desqualificado, sofrem com a competição dos trabalhadores latinos. O sistema educacional americano, que até quatro décadas atrás era uma máquina de equalizar oportunidades, não consegue mais preparar o filho desse trabalhador branco de média escolaridade para competir com os filhos dos ricos por bons empregos no Vale do Silício. Resultado: a renda mediana, isto é, a renda da família que está no meio da distribuição de renda norte-americana, encontra-se estagnada desde meados dos anos 1970, aproximadamente. Como notou meu colega João Manuel, que escreve quinzenalmente às sextas-feiras neste espaço, a política não conseguiu produzir um pacote que compensasse os perdedores da grande globalização. A melhor saída seria apostar na qualidade da educação. Não ocorreu. 28
Certamente trata-se de diagnóstico fácil de fazer e difícil de executar. De qualquer forma, a conta chegou. Os perdedores silenciosos elegeram presidente bem rumoroso. Talvez uma nova era de fechamento dos mercados esteja começando. O Brasil escolheu ficar fora da festa da globalização. Talvez não dê mais tempo de entrar.
Temer tem saudade de Hillary Andrew Harnik/Associated Press
Hillary Clinton em discurso após derrota: efeito Trump deve retardar a retomada da economia brasileira Fonte Jornal Folha de S. Paulo, VINICIUS TORRES FREIRE 13/11/2016 às 02h00 Os economistas de Michel Temer não acreditam mais que o Brasil cresça no ritmo que previam quando fizeram o Orçamento de 2017. O que não dizem é como esperam fechar as contas do governo dentro do limite previsto de deficit. Tal esperança deve diminuir se o caldo laranja de Donald Trump entornar sobre o Brasil, diminuindo ainda mais o crescimento e, assim, a receita de impostos.
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A crise estendida talvez aumente a ira social, atiçada além do mais pela ruína de alguns Estados. O projeto da reforma da Previdência não deve melhorar os ânimos. Como se não bastasse, há tumulto adicional no Congresso, conflitos engatilhados entre Legislativo e Judiciário e a ameaça do grande dilúvio da delação da Odebrecht. Não está fácil. Os economistas do governo previam alta de 1,6% do PIB em 2017 e receitas aumentando em ritmo ainda mais rápido. Mesmo que esse otimismo se tornasse verdade, ainda faltaria algum dinheiro para evitar deficit maior do que o previsto. Agora, o pessoal do governo fala em crescimento de 1%. Nessa conta não entra o efeito que a reviravolta nos EUA pode causar no Brasil —no mínimo, o efeito Trump deve retardar a retomada da economia. Menos crescimento, menos receita ainda. Mais deficit. Há quem diga no Planalto que a aprovação de "reformas", de limpezas no entulho burocrático que emperra negócios e a perspectiva de privatizações deve manter o ânimo de recuperação econômica. No mundo real, quase não há estímulo visível (consumo, crédito, investimento, exportações) que empurre a economia para a frente afora uma redução de juros mais rápida. Mas a baixa dos juros ficou ainda mais sub judice, dado o tumulto trumpista. Ainda é um incógnita se, apesar de todos os tumultos, o Congresso vai continuar no ritmo impressionante em que vinha aprovando mudanças, não apenas a PEC do Teto. Até aqui, porém, tratava-se de assuntos incompreensíveis para a massa das pessoas. A facada da reforma da Previdência é outra história. Além dessa tarefa ingrata, o Congresso está entretido em outros conflitos e mumunhas. Os parlamentares estão obcecados em aprovar anistias para si, para parte do governo e para empresários da mãe de todas as corrupções. O projeto é de interesse não apenas de máfias empreiteiras, mas de toda a casta empresarial-estatista. De resto, está ficando mais feia a disputa pela presidência da Câmara. O clima não está bom. O Congresso pretende ainda virar do avesso e em alguns casos até melhorar o pacote anticorrupção defendido pelo comitê de salvação pública, vulgo comando da Lava Jato. A ideia de colocar certos limites a excessos de procuradores e juízes é uma dessas melhorias —por exemplo, é inaceitável a falação sobre processos, falação de resto cada vez mais politizada. Bom ou não, isso azeda a relação entre partes do Judiciário e o Legislativo. Que não vai melhorar com o plano senatorial de dar cabo ao vexame repulsivo dos salários acima do teto legal. A ideia é sanear todos os Poderes, mas a casta judiciária está em polvorosa. Resumo da ópera, há dificuldades novas e em várias frentes, entrelaçadas. Não é um vaticínio de fracasso. É apenas um anúncio de nevoeiro adiante.
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Cenário protecionista obriga o Brasil a buscar outros parceiros comerciais Carlo Allegri/Reuters
O presidente eleito dos EUA Donald Trump durante comício no Estado de New Hampshire Fonte Jornal Folha de S. Paulo, Marcos Sawaya Jank 12/11/2016 às 02h00 A eleição de Donald Trump torna o mundo menos globalizado. Não há dúvida de que a sua vitória reflete um movimento latente na sociedade americana contra políticas e políticos tradicionais e a busca por algo novo e diferente. É difícil saber o que vai acontecer após as eleições, uma vez que governar é diferente de discursar e sempre há grandes limitações, institucionais e monetárias, no que pode de fato ser feito. Mas tudo indica que Trump fará movimentos simbólicos em pelo menos duas áreas de grande apelo para o seu eleitorado: contenção de imigrantes e imposição de restrições comerciais em áreas que afetam a indústria americana. Nesse sentido, um dos golpes mais duros poderá ser dado contra o multilateralismo e os grandes acordos comerciais. Se somarmos a vitória de Trump ao crescente nacionalismo europeu simbolizado pelo "brexit", é inevitável enxergarmos um paralelo com o período entreguerras do século 20. A exemplo do que aconteceu nos anos 1930, tudo indica que
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caminhamos para um novo período dominado por nacionalismos, escaladas protecionistas e xenofobia. Aqui na Ásia, a percepção geral é que a eleição de Trump enterra a TPP (Parceria Transpacífico), conduzindo o Sudeste Asiático a uma inevitável aproximação com a China, traduzida no reforço do Regional Comprehensive Economic Partnership (RCEP), acordo comercial que reúne 16 países da Asia-Pacífico, e da iniciativa chinesa "One Belt One Road (Obor)" na área de infraestrutura. Trump declarou que os EUA abandonariam a TPP, renegociariam os termos do acordo de livrecomércio com o Canadá e o México (Nafta) e elevariam em 45% as tarifas de importação sobre produtos chineses. Desde o colapso da Área de Livre-Comércio das Américas (Alca), em 2003, as relações do Brasil com os EUA no governo do PT nunca foram boas. O governo Temer trouxe grande esperança de forte alinhamento e retomada das relações. Agora é esperar para ver como a retórica da campanha vai se traduzir na realidade das políticas americanas, principalmente as políticas externa e comercial. Mas não podemos ficar parados. Com a Europa e os Estados Unidos revendo relações internas e externas, na direção de rotas mais isolacionistas e protecionistas, creio que deveríamos olhar com mais cuidado para a região mais dinâmica do mundo, a Ásia. Esse imenso continente, ainda pouco conhecido pela maioria dos brasileiros, pode ser a grande esperança para o comércio e os investimentos num cenário de incerteza no Ocidente, ainda mais se considerarmos a vocação de setores globais do Brasil como alimentos, fibras, bioenergia, florestas plantadas e mineração. Desde 2000, o vetor dinâmico das exportações desses setores tem sido a Ásia. Nos investimentos, caminhamos no mesmo sentido. Num mundo multipolar, é fundamental antecipar jogadas e definir claramente o que queremos e como chegar lá. Neste momento, o país que mais deseja incrementar as relações e investir no Brasil é a China. Exemplos são a compra recente de grandes empresas geradoras de energia no país e os investimentos anunciados nos setores do agronegócio e infraestrutura. Contudo, contrapartidas adequadas são necessárias e precisam ser negociadas. Oportunidades imensas também existem na Índia e nos dez países que formam a Associação de Nações do Sudeste Asiático (Asean), como comprovado pelo ministro Blairo Maggi em viagem pela região. Num momento em que o multilateralismo e mesmo o regionalismo sofrem um grande baque, talvez a única saída seja incrementar as relações bilaterais com parceiros que há um ano não estavam no nosso radar. A tempestade que se formou no horizonte da globalização parece ser negra e duradoura, mas não tem jeito: teremos de navegar através dela.
Reconstrução de uma nação arrasada O Brasil precisa de maior serenidade agora que é apresentado um projeto coerente Fonte Jornal O Estado de S. Paulo, Ives Gandra da Silva Martins* 14 Novembro 2016 | 06h00
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Corrupção, protagonismo excessivo, reformas e desenvolvimento – embora pareça contraditório, esse é o retrato do momento brasileiro. Luta-se contra a corrupção, há excesso de protagonismo das autoridades apesar de idôneas no seu combate, as reformas são necessárias, mas atingem interesses burocráticos, políticos e de grupos, e o desenvolvimento só se fará se o País voltar a ter paz para que o governo, com corretas sinalizações, venha a implementá-las. De que o juiz Sergio Moro com a colaboração do Ministério Público (MP) e da Polícia Federal passarão à História, pois representam um verdadeiro divisor de águas entre o Brasil antes e depois da Operação Lava Jato, não tenho a menor dúvida. Conscientizaram o País de que a corrupção nos meios políticos tem de ser combatida e os novos políticos São Paulo, nas eleições municipais, deu um exemplo terão de ter, antes de tudo, perfil ético. O povo não aceita mais governos corruptos. Nem por isso sua ação deixou de ultrapassar, por vezes, os limites estabelecidos para autoridades de seu nível. Os crimes investigados têm mais o perfil de “concussão”, imposição pelos governantes de condições para que empresas contratassem com o Estado – sem o que teriam de paralisar suas atividades –, do que “corrupção”, em que empresários corrompem autoridades. Por outro lado, a midiática atuação do MP para acusar não condiz com a serenidade necessária que o parquet deve ter, para dar densidade a suas acusações. O próprio Supremo Tribunal Federal (STF), constituído de 11 excelentes juristas, na onda de um protagonismo no passado inconcebível se tornou legislador constituinte, sobrepondo-se ao poder do Congresso de criar normas, superando disposições constitucionais e causando turbulências no processo legislativo. Basta, por exemplo, verificar a postura do Pretório Excelso ao modificar o regimento interno do Senado, impondo novas regras para o impeachment. No impedimento do presidente Collor, dois dias após a decisão da Câmara, o Senado determinou sua destituição, enquanto no da presidente Dilma, levou quase um mês, em que o País ficou praticamente sem governo. Dilma não era presidente senão formalmente e Michel Temer não podia governar, nada obstante a certeza do afastamento, aprovado pela Câmara dos Deputados. O Brasil, todavia, precisa de maior serenidade agora que é apresentado um projeto coerente de reconstrução de uma nação arrasada, com seus alicerces passando a ser reconstruídos a partir da PEC do Teto de gastos públicos. O primeiro passo é controlar as despesas de uma burocracia esclerosada. Na comissão do Senado de que participo, presidida pelo ministro Mauro Campbell e com relatoria do ministro Dias Toffoli, temos, elaborado por Aristóteles Queiroz, um anteprojeto de desburocratização que deverá em breve ser levado à Casa da República. A PEC do Teto está nesse caminho. Há, porém, algumas reformas fundamentais que devem ser promovidas para que um novo edifício institucional seja construído. A reforma política é necessária. Embora eu defenda o parlamentarismo desde os bancos acadêmicos (poderá o leitor acessar o e-book que coordenei, sob o título Parlamentarismo, utopia ou realidade?, com 24 ínclitos juristas de reconhecimento nacional e internacional, em www.gandramartins.adv.br ou no meu e-mail ivesgandra@gandramartins.adv.br), creio que o primeiro passo será a adoção de cláusula de barreira, com avaliação de desempenho partidário para a manutenção dos partidos; voto distrital misto, ou seja, metade dos deputados sendo eleitos no distrito e metade em eleições proporcionais; financiamento de campanha sob rígido controle e eliminação de coligações partidárias. A reforma previdenciária, embora de impacto em mais longo prazo, é imprescindível. Se não vier, a população que trabalha não terá como sustentar uma população superior aposentada, no futuro. A reforma trabalhista, no que concerne à terceirização e às convenções coletivas de 33
trabalho, é relevante para reduzir o desemprego, que a CLT, de 1943 (verdadeira “vaca sagrada”), de longe não protege. Quanto à reforma burocrática, temos esperança de que o nosso anteprojeto, que surge de uma comissão criada pelo próprio Senado com essa finalidade, possa ser aprovado. A reforma tributária não pode esperar mais. Reclamam os governantes dos Estados, que embarcaram na guerra fiscal inconstitucional (assim a definiu o STF), que não têm dinheiro. Mas foram os responsáveis por uma irracional política de incentivos, tendo deixado de cobrar ICMS de grupos que se instalavam em seus territórios, até causando descompetitividade no próprio Estado. É de lembrar que o STF sempre considerou inconstitucional tal prática, sem que os Estados se curvassem, pois editavam novas leis padecendo do mesmo vício tão logo a lei anterior era declarada violadora da Carta da República. A reforma do Judiciário é importante. A Constituição federal sinalizou a necessidade de uma nova Lei Orgânica da Magistratura. Como a iniciativa é do próprio Judiciário, até hoje não houve nenhuma proposta nesse sentido, continuando a velha e ultrapassada lei complementar de 1975 (LC 35) a reger um Poder que, de longe, nada obstante ser o melhor dos três Poderes, não atende mais à necessidade dos jurisdicionados. Enfim, poderá o presidente Michel Temer, hábil político e excelente constitucionalista, com sua capacidade reconhecida de articulação e serenidade de pronunciamentos não demagógicos, dar início a essa árdua empreitada, para que o País saia de uma crise sem precedentes em sua História, construída pelos desastrosos governos dos últimos 13 anos. É o que os brasileiros esperam, para que as potencialidades do País permitam à sua gente o crescimento que merece. *Professor emérito das Universidades Mackenzie, Unip, Unifieo e Unifmu, do CIEE/O Estado de S. Paulo, da Eceme, da ESG e da Escola da Magistratura do Tribunal Regional Federal - 1ª região
Crime e política Está havendo perigosa confusão entre doação empresarial legal, caixa 2, propina e corrupção Fonte Jornal O Estado de S. Paulo, Denis Lerrer Rosenfield* 14 Novembro 2016 às 06h00 A política brasileira virou crônica policial. Não há dia sem envolvimento de políticos denunciados e investigados pela Polícia Federal e pelo Ministério Público. Num país aparentemente pobre, milhões e bilhões são desviados de suas finalidades públicas para as mais variadas formas de apropriação pessoal e partidária. O Brasil é rico em corrupção e pobre em medidas sociais. A Lava Jato tem a grande virtude de estar passando o País a limpo. Sem ela os mais diferentes tipos de crime se estariam desenrolando normalmente, muitas vezes mascarados de políticas sociais, como se tornou usual na forma petista de governar. Sua contribuição à República é inestimável. Em sua nova etapa, a partir das delações do Grupo Odebrecht, outros crimes e personagens, além dos já existentes, serão acrescentados à longa lista dos já demonstradamente envolvidos. Estes terão provas ainda mais robustas contra si. Acrescente-se que o ex-deputado Eduardo Cunha muito provavelmente fará a delação premiada. Se não a fizer, será difícil sua saída da prisão, além de nela entrarem sua mulher e sua filha. Homem meticuloso e organizado, deve ter as provas de tudo o que delatar. E atingirá seus colegas parlamentares e seu próprio partido. 34
Se o PT, por ter sido o partido do poder, além de arquiteto deste tipo de organização políticocriminosa, foi o mais atingido até agora, outros partidos se acrescentarão à lista. PMDB e PSDB são os próximos na fila. O cenário poderá ser de terra arrasada, como se um tsunami estivesse por se abater sobre o País. De fato, as águas estão revoltas, aumentando o seu nível. Isso significa que ministros, deputados e senadores poderão ser severamente atingidos, mudando as expectativas para 2017 e alterando o cenário para 2018. Imagine-se, por hipótese, que os candidatos atuais sejam alcançados por essas investigações. O País precisaria, então, renovar-se até essa data, sob o risco de abrir as portas para os mais diferentes aventureiros. O que restará de todo esse cenário? A classe política será devastada. Talvez, se tudo se confirmar, não sobre pedra sobre pedra. Ora, uma classe política devastada coloca um problema de extrema gravidade no que diz respeito à representação política. Parlamentares e partidos, por exemplo, cumprem importante papel de representação política. Sem eles a arquitetura do Estado carece de mediação, estabelecendo-se um vácuo na delegação para o exercício do poder. É como um edifício sem suas vigas-mestras. Ou, ainda, como pode um Estado funcionar se os representados não se reconhecem nos seus representantes? Pode-se mesmo, no limite, falar de uma crise institucional. Surge aqui um problema de monta, agravado pelo fato de alguns juízes, promotores, policiais e formadores de opinião estarem misturando coisas distintas na relação que se está estabelecendo entre crime e política. Há uma confusão, que se está perigosamente generalizando, entre doação empresarial legal, caixa 2 e crime de propina e corrupção. São coisas distintas, que exigem tratamento diferenciado. Doações eleitorais empresariais eram legais até poucos meses atrás, sendo uma prática corrente por todos reconhecida e aceita. Empresas doavam segundo seus interesses e conveniências sem que esses recursos derivassem necessariamente da corrupção e da propina. Hoje aparecem retrospectivamente como práticas criminosas, numa espécie de retroatividade da lei, o que é, evidentemente, um absurdo constitucional. Não se pode considerar que um empresário, por ser empresário, seja portador de uma espécie de presunção da culpabilidade, enquanto somos regidos, todos, pela presunção da inocência. O caixa 2, por sua vez, era crime eleitoral, embora fosse uma prática comumente admitida. Ora, por ser admitida não significa que não deva ser julgada. Contudo o seu julgamento é basicamente afeito à Justiça Eleitoral, com suas penalidades próprias, como multas pecuniárias e perdas de mandato. O caixa 2 não pode ser identificado com corrupção, embora os corruptos também se tenham dele aproveitado. O crime de corrupção, que deveria ser o foco exclusivo da Lava Jato e de seus desdobramentos, é o crime de propina, numa apropriação de recursos públicos via empreiteiros, políticos e funcionários de estatais, além de seus mais diferentes intermediários. Trata-se de um crime de extrema gravidade que atinge o âmago mesmo do Estado e deve ser punido exemplarmente. Ele é, porém, essencialmente distinto dos dois outros casos, apesar de eles terem servido de disfarce para atividades criminosas de corrupção. Ora, se juízes, policiais, promotores e formadores de opinião vierem a identificar esses dois crimes a uma atividade outrora legal, poderemos, aí sim, marchar para uma grave crise institucional, na medida em que ninguém poderá escapar de tal tipo de confusão. Inocentes serão levados juntamente com criminosos. Crimes eleitorais serão tidos por crimes de propina e corrupção, quando não o são.
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Nessas circunstâncias, como poderá o País reconstruir-se? Como poderá enfrentar a derrocada do PIB, o desemprego crescente e a falta de expectativas? Como a crise econômica e social poderá ser superada com a devastação da classe política? Façamos uma analogia. A Alemanha pós-guerra foi reconstruída pela burocracia estatal e por políticos, muitos dos quais foram nazistas ou simpatizantes dessa forma de eliminação da política e, mesmo, da humanidade. Soube distinguir grandes crimes de crimes menores. Foi o preço que teve de pagar. A França foi também reconstruída por colaboracionistas e membros e/ou simpatizantes do regime de Vichy. Dois deles se tornaram presidentes, Valéry Giscard d’Estaing e François Mitterrand, este último, paradoxalmente, tendo se tornado um símbolo da esquerda mundial. Não deverá o País, guardadas as proporções, enfrentar um mesmo tipo de desafio? *Professor de Filosofia na UFRGS. E-mail: denisrosenfield@terra.com.br
Regime de tributação de PGBL é fixo No VGBL, a incidência é somente sobre o rendimento e não sobre o saldo total Fonte Jornal O Estado de S. Paulo, Fabio Gallo 14 Novembro 2016 às 07h31 Tenho fundo de previdência complementar (PGBL) há seis anos e meio, onde eu contribuo com uma parte e a empresa com outra. O regime de tributação é progressivo. Estou na dúvida com relação ao imposto que pagarei em eventual resgate ou em caso de aposentadoria (retirada mensal). Seria viável manter esse plano ou o regressivo seria mais vantajoso? Teria como migrá-lo? No caso do PGBL, a retirada mensal da aposentadoria de previdência privada está sujeita à incidência do Imposto de Renda na fonte, com base na tabela mensal, e também na Declaração de Ajuste Anual. Com relação aos resgates, parciais ou totais, neste caso, há tributação progressiva compensável com desconto de IR na fonte com alíquota única de 15%, de forma antecipada, com posterior ajuste na declaração anual de IR. A diferença tributária entre o PGBL e o VGBL é que, em caso de resgate, no PGBL o imposto incide sobre todo o saldo depositado. No VGBL, a incidência é somente sobre o rendimento e não sobre o saldo total. O regime tributário regressivo seria mais interessante caso você queira manter o fundo por longo prazo. O problema é que a opção pelo regime tributário deve ser feita na adesão ao plano e não pode ser modificada posteriormente. Você pode optar por migrar o seu investimento para outro plano de mesma natureza, fazendo a opção pelo regime regressivo, mas o novo regime irá valer somente para as novas contribuições, pois o prazo será computado a partir da data de ingresso no novo plano. No seu caso não acredito que essa alteração seja oportuna porque no plano atual há a participação da sua empresa nas contribuições e provavelmente esta situação é exclusiva deste fundo. Tenho duas aplicações em euros no exterior legalizadas através do programa de repatriação. Uma rende juros em 31/12 e a outra em 05/01. Devo usar o GCME para pagar imposto de 15% sobre esses juros? Devo calcular o ganho sobre a variação cambial apenas no resgate? A variação seria calculada em dólares tendo como base qual data? O crédito de rendimentos originados de aplicações financeiras em moeda estrangeira implica em apuração de ganho de capital desde que o valor creditado seja passível de saque, segundo o tira-dúvidas no site da Receita Federal. O tributo é de 15% sobre os juros creditados na conta e o cálculo é feito sobre o custo de aquisição igual a zero. Os juros não sacados tornam-se uma nova aplicação, sendo o custo de aquisição destes juros o próprio valor reaplicado. Segundo a 36
Receita Federal, em relação a tais juros, não se aplica a isenção dos ganhos de capital decorrentes da alienação de bens de pequeno valor (valor igual ou inferior a R$ 35 mil). A tributação relativa a variação cambial somente ocorre no momento da liquidação ou resgate da aplicação financeira. O custo de aquisição de aplicações financeiras, quando expresso em moeda estrangeira, corresponde ao valor da aplicação convertido em dólares e, em seguida, em reais, pela cotação do dólar fixada para venda pelo Banco Central para a data do pagamento. A data-base deve ser a do saldo existente em 31 de dezembro de 2014. O IR deve ser recolhido mensalmente por meio do Programa Ganhos de Capital em Moeda Estrangeira – GCME. No programa, basta abrir a ficha “Moeda Estrangeira” e clicar em “Importar”. As informações são transferidas automaticamente no programa do IR. Caso o contribuinte não tenha realizado o recolhimento mensal é preciso acessar o programa Sicalc para calcular o imposto em atraso, acrescido de multas e juros.
A Lava Jato e a crise na economia FONTE JORNAL FOLHA de S. PAULO, JAMES AKEL 14/11/2016 às 02h00 Quando começou a Lava Jato, tive uma preocupação: o reflexo que teria na economia do país. Comentei com amigos da área econômica e da publicidade que o aprofundamento das investigações poderia produzir consequências sobre a atividade econômica. Naquela época, minha apreensão virou piada diante da avaliação que se fazia em áreas do empresariado sobre o trabalho da Polícia Federal e do Ministério Público Federal. Minha tese relembrava a mega investigação contra a Daslu, luxuosa loja feminina do Brasil. O cerco ocorreu em 2004, com a implantação de um método que sobrevive até hoje: prende-se primeiro para depois interrogar. Dezenas de policiais armados invadiram a Daslu para prender uma senhora com saúde precária que enfrentava dificuldades financeiras para manter a loja aberta. Não me confundam, por favor, como defensor de ilicitudes. Se a dona da Daslu cometeu algum delito, era dever da Polícia Federal investigar. Poderiam ter optado por chamá-la para depor, indiciá-la com base nas provas recolhidas e julgá-la. Imaginem se houvesse uma mega operação contra todas as casas de luxo. Duas consequências claras -o afastamento da clientela e o fim de diversos empregos. Pois imaginei a Lava Jato devorando todas as empreiteiras, de uma só vez. Fiz então uma pesquisa pessoal, em 2014. Cheguei a um número assustador: 20 milhões de desempregados. Minha projeção de anos atrás coincidiu com a realidade do mercado hoje, em que o número verdadeiro de desempregados é superior a 20 milhões. Numa pesquisa recente do jornal "O Globo", a cada cinco famílias entrevistadas no Rio, uma não tinha ninguém empregado. Jamais seria contra as investigações. Estou apenas mostrando os reflexos da operação no setor empresarial da construção, o maior mercado de trabalho do Brasil. Isso gerou um enorme desemprego.
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Some-se ao fato a pouca habilidade da ex-presidente Dilma Rousseff, que não se assessorou de gente criativa e bradava que de nada sabia, e temos o cenário nebuloso em que hoje estamos. É mérito da Lava Jato desnudar a bandalheira de políticos e empreiteiras, seja lá qual fosse o governo. Não há santos. Todavia, o trabalhador perdeu seu emprego. Pegando todo o empresariado de uma vez, criou-se a sinuca: empresários não tinham como continuar as obras; governo dizia que não pagava por causa das investigações. A economia do país parou. Imaginem um poço de água suja no meio do sertão. O povo vai até lá bebê-la, pois é a única que há. Aparece então alguém e diz que o poço de água suja precisa ser fechado. O povo morre de sede. JAMES AKEL, ex-conselheiro da ABI (Associação Brasileira de Imprensa), é jornalista e consultor de marketing
Vitória de Trump mostra cegueira seletiva das instituições
FONTE JORNAL FOLHA de S. PAULO, RONALDO LEMOS 14/11/2016 às 02h00 A vitória de Donald Trump teve o aspecto positivo de revelar para muita gente que estamos vivendo dentro de uma gigantesca "bolha" informacional. Várias pessoas nas redes sociais logo após a vitória do magnata- afirmavam indignadas no dia seguinte que não conheciam uma pessoa sequer que tenha votado nele.
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O que ninguém imaginava era o tamanho da bolha. A bolha de distorção da realidade não é mais só um fenômeno das redes sociais. A vitória de Trump demonstrou que ela engloba instituições inteiras: a imprensa, as universidades, as organizações não governamentais. Nenhuma foi capaz de enxergar as condições que levaram ao resultado da eleição. A bolha engloba até mesmo os mercados. Nem as Bolsas de Valores nem as de apostas foram capazes de sinalizar minimamente o que estava prestes a acontecer. O símbolo mais impressionante disso é o gráfico que mostrava até as 23h do dia 8 —quando a apuração já havia se iniciado— que a "chance de vitória" de Hillary Clinton permanecia em 80%, ante menos de 20% de Trump. Em três horas, esse gráfico, que vinha se mantendo no mesmo patamar havia meses, inverteu-se completamente. Identificar quem está na bolha é fácil. Todo o mundo que acordou em 9 de novembro de 2017 se dizendo "surpreso" com a vitória de Trump está nela. O mesmo vale para quem afirmou que o resultado foi "inesperado". A constatação do tamanho colossal da bolha é um chamado para a necessidade de reinventar todas as instituições acometidas de cegueira seletiva, a começar pela imprensa, pelas redes sociais e pelos partidos políticos. Operar sem considerar a integral complexidade do mundo tornou-se irresponsável e perigoso. Outros fracassos vieram à tona. Um deles foi o fiasco dos sistemas de "big data" (ciência dos dados) para fins políticos. Desde a primeira eleição de Obama houve um investimento maciço nesse tipo de tecnologia por parte do Partido Democrata. A ponto de que suas mensagens políticas começaram a ser personalizadas para cada eleitor, dependendo de suas preferências individuais. Já Trump não usou nada disso. Preocupou-se em construir uma mensagem única, baseada em sentimentos universais simplórios, como o medo. Ao mesmo tempo, escolheu o Twitter —com seu limite de 140 caracteres— como principal canal editorial da campanha. A imprensa caiu no jogo. Qualquer tuíte mais desbocado do magnata era amplificado à enésima potência por jornais, revistas e TV. Esse baile entre Twitter e a imprensa foi um dos fatores que mais contribuíram para a disseminação da plataforma Trump. Diante dos fatos, fica clara a necessidade de o próprio sistema democrático se reinventar. Nos EUA já surgiu campanha para eliminar o modelo de Colégio Eleitoral, que permite que um candidato ganhe com menos votos que o derrotado, como nesta eleição. Tudo isso vale para o Brasil. Nossos desafios são similares. A bolha está também entre nós. READER JÁ ERA Vale do Silício como símbolo antiestablishment JÁ ERA Vale do Silício atuando lado a lado da Presidência dos EUA com Obama JÁ VEM Vale do Silício com Trump mediado por Peter Thiel 39
Notícias: Em 3 anos, valor de projetos da Petrobras fica R$ 109 bilhões menor
Vista aérea da refinaria Abreu e Lima, em Pernambuco
FONTE JORNAL FOLHA de S. PAULO, NICOLA PAMPLONA DO RIO 13/11/2016 às 02h00 A Petrobras cortou, entre o fim de 2014 e setembro deste ano, o valor de seus projetos em R$ 109,1 bilhões, fato que deve levar a empresa a fechar o terceiro ano seguido com prejuízo em 2016. Os cortes foram provocados pela revisão das projeções de receita de diversos projetos, determinada pelas variações do câmbio e do preço do petróleo, pelo aumento do risco-país, pelo adiamento da entrada em operação e pela adoção de cálculos mais realistas que os feitos pelas gestões anteriores. O resultado imediato desses cortes é o não pagamento de dividendos aos investidores, já que são fator determinante nos prejuízos que a empresa tem acumulado. Em 2016, quando reduziu o valor dos ativos em R$ 16,8 bilhões, a companhia acumula prejuízo de R$ 16,5 bilhões, que dificilmente será revertido no quarto trimestre.
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Se não fossem os itens extraordinários (baixas e provisões), ela teria tido ganhado R$ 600 milhões. "A baixa foi muito acima do esperado, mas, do ponto de vista prático, a direção da empresa mostra que está arrumando a casa e limpando o balanço", diz o analista de investimento Pedro Galdi, da Upside Investor. Conhecida como "impairment", a reavaliação no valor dos ativos é geralmente feita uma vez por ano, para adequar as projeções de receita que uma empresa terá com seus projetos à variação de indicadores econômicos e de mercado. NA MIRA DA LAVA JATO No caso da Petrobras, essa análise sofreu forte impacto da superavaliação de projetos que depois se tornaram alvo da Operação Lava Jato. No balanço de 2014, ela reduziu o valor dos ativos em R$ 44,6 bilhões, principalmente pela revisão das premissas que levaram à aprovação de projetos que não saíram do papel ou não serão concluídos como esperado, como as refinarias do Maranhão, do Ceará e Abreu e Lima e o Complexo Petroquímico do Rio de Janeiro (Comperj). Um ano depois, houve nova baixa, de R$ 44,345 bilhões, agora com forte influência dos efeitos da queda do preço do petróleo no valor dos projetos de exploração e produção. Em 2016, os campos de petróleo continuam liderando a lista das maiores baixas, com R$ 5,9 bilhões. Há ainda projetos recorrentes nas reavaliações de ativos da empresa, como a refinaria Abreu e Lima (R$ 2,5 bilhões) e o Comperj (R$ 1,2 bilhão). DIVIDENDOS O diretor financeiro da Petrobras, Ivan Monteiro, disse na sexta-feira (11) que a empresa não espera novas baixas dessa magnitude ainda em 2016. Mas também não quis adiantar expectativas com relação a pagamento de dividendos. Para analistas do banco BTG Pactual, o prejuízo acumulado no ano "reduz fortemente" essa possibilidade. A última vez em que a companhia distribuiu dividendos para o seus acionistas foi em abril de 2014. Com 28,7% do capital da Petrobras, a União é a maior beneficiada pelos dividendos da companhia. Cortes Perda de valor dos ativos desde 2014 Campos de petróleo no Brasil R$ 43,85 bi de perdas Foram impactados pela queda do preço do petróleo e pela revisão de risco-país e câmbio
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Comperj R$ 28,3 bilhões de perdas Passou por problemas no planejamento do projeto, aumento do risco-país e adiamento das operações Refinaria Abreu e Lima R$ 11,67 bi de perdas Enfrentou problemas no planejamento do projeto, aumento do risco-país e adiamento das operações Complexo Petroquímico Suape R$ 5,77 bi de perdas Foi afetado por revisão das condições de mercado e aumento do risco-país
BC da Índia diz ter dinheiro, mas multidões correm aos bancos DIPTENDU DUTTA/AFP PHOTO
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Indianos em fila de caixa automático esperam para trocar notas de 500 e 1.000 rúpias
FONTE REUTERS 13/11/2016 às 16h08 O Banco Central indiano pediu neste domingo (13) que os correntistas não acumulem dinheiro à medida que a insatisfação pública aumenta com a decisão do governo de retirar de circulação notas de valores altos numa tentativa de limpar o mercado negro do país. Milhares de pessoas se amontoavam novamente diante dos bancos em todo o país tentando trocar notas de 500 e 1.000 rúpias que o governo aboliu na terça-feira (8), em um esforço para acabar com a corrupção. As notas de rúpias extintas constituem mais de 80% da moeda em circulação, deixando milhões de pessoas sem dinheiro e ameaçando trazer grande parte da economia em dinheiro para um impasse. Enquanto os bancos lutavam para trocar o dinheiro, o Banco de Reservas da Índia disse que notas de valores menores estavam disponíveis com o Banco Central e com outras instituições. As pessoas "não precisam ficar ansiosas" e não devem acumular notas porque o "dinheiro está disponível quando elas precisarem", disse o Banco de Reservas em um comunicado. O "Times of India" informou que o escritório do Banco Central na cidade ocidental de Ahmedabad estava entregando moedas em troca das notas antigas porque não tinha o suficiente em notas válidas. A reportagem mostrou a imagem de um homem emergindo com pacotes plásticos de moedas de 10 rúpias, sublinhando as dificuldades do sistema bancário para fazer a transição para a nova série de notas. O primeiro-ministro Narendra Modi, enfrentando críticas da oposição por colocar pessoas comuns em dificuldades, prometeu novas medidas para resolver a situação. "Demos um passo-chave para ajudar os honestos cidadãos da Índia a derrotar a ameaça do dinheiro negro", disse o premiê em um discurso em Goa. A decisão de retirar de circulação as notas de valores altos foi planejada em segredo nos últimos 10 meses, disse ele.
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Passageiros do Uber 'se comportam' para receber boas notas
Designer e motorista de Uber, Bruno Fernandes, 25, mantém uma nota 4,9 no aplicativo
FONTE JORNAL FOLHA de S. PAULO, JULIANA GRAGNANI DE SÃO PAULO 13/11/2016 às 02h00
Balinha, ar-condicionado, água, rádio... Você que manda. "Tá tudo bem?", "Desculpe qualquer coisa" e "Se puder me dar cinco estrelas...". É o roteiro típico de uma viagem no Uber, em que a avaliação obrigatória ao final do trajeto define a continuidade do trabalho do motorista, que deve manter ao menos uma nota 4,6 para seguir transportando passageiros. O sistema visa à segurança de usuários e motoristas e funciona de modo a banir do aplicativo quem é mal avaliado por dirigir mal, por exemplo, ou assediar mulheres. Agora, imagine que os motoristas também avaliem os passageiros ao término das viagens. Imaginou? Bom, é o que acontece. Verifique sua nota: no menu à esquerda do aplicativo, selecione "ajuda", "conta e pagamento", "configurações de conta e avaliações", "como as avaliações funcionam" e "enviar". Um episódio da série "Black Mirror", da Netflix, impeliu usuários a procurarem suas notas no aplicativo. A série retrata, em histórias independentes, um futuro distópico aterrorizado pelo aspecto nocivo da tecnologia de hoje. ASSÉDIO NO UBER
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Mulheres se queixam de assédio no aplicativo
No primeiro capítulo da nova temporada, no ar desde o fim do mês passado, todos são constantemente avaliados como um Uber expandido para todas as interações do cotidiano. Seu vizinho o avalia depois de um encontro no elevador, o garçom que serve seu café também, assim como colegas de trabalho, amigos e até familiares. Os bem-avaliados têm privilégios, como descontos no aluguel; quem tem nota baixa vira um pária. "No Uber morrendo de frio e com medo de pedir para aumentar a temperatura e o motorista me avaliar mal. Vivendo um episódio de 'Black Mirror'", twittou a editora Rayana Faria, 28, semana passada. Fãs da série inverteram a lógica ao descobrir que também são avaliados. Embora um usuário seja banido se ferir os termos de uso caso de quem tem uma nota consistentemente baixa, um passageiro não precisa ter nota 4,6, como os condutores. "Sempre dou cinco estrelas para os motoristas, mesmo quando não são tão legais. Descobri que a minha nota era 4,9 e fiquei curiosa porque tinha certeza de que seria 5, já que nunca tive problema em corridas. Agora fico pensando o que pode levar um motorista a me avaliar mal", diz Rayana. Curiosa para ver se os motoristas a achavam "legal", a estudante Larissa da Silva, 20, exibiu a nota 5 nas redes sociais. "Me preocuparia se tivesse menos que 4,5." Por um período, o designer Bruno Fernandes, 25, motorista de Uber (nota 4,9), usava uma técnica para ser bem avaliado. No final da corrida, dava a nota ao passageiro na frente dele, dizendo: "Você foi passageiro cinco estrelas", com a esperança de que ele retribuísse a cordialidade. "Notei que não influenciava muito e comecei a agir de forma mais natural. Como somos muito cobrados pela nota, às vezes viramos 'robozinhos' como em 'Black Mirror'", observa. Na série, todos exageram nas gentilezas, de forma obviamente forçada. ESTRANHAMENTO Para Fábio Malini, coordenador do Laboratório de Imagem e Cibercultura da Universidade Federal do Espírito Santo, esses sistemas de avaliação de "reputação" que existem há ao menos dez anos e foram popularizados pelo eBay, empresa de comércio eletrônico geram um estranhamento no caso do Uber, porque a avaliação não acontece mais num ambiente virtual. "Você sabe do trabalho suado do motorista, de 10, 12 horas", afirma Malini. Ao mesmo tempo, o modelo cria uma "lógica de bajulação". "As pessoas ocultam suas verdades para criar um mundo de ilusão, em que todo mundo é 'cool', e o motorista tem
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receio de começar um bate-papo porque não sabe se sua visão de mundo pode chocar-se com a do passageiro".
Investimentos em infraestrutura terão queda de R$ 25 bilhões Levantamento da consultoria Inter.B aponta que em dois anos país perde o equivalente ao que gastou em obras da Copa FONTE JORNAL GLOBO DANIELLE NOGUEIRA 13/11/2016 ÀS 06H00
Usuários embarcam em terminal do BRT, na Barra: fim do ciclo de investimentos em mobilidade urbana e crise fiscal contribuem para queda em investimentos em infraestrutura. Especialistas teme piora dos serviços - Márcia Foletto RIO - A crise econômica atingiu em cheio o setor de infraestrutura. Levantamento da consultoria Inter.B prevê queda acumulada de investimentos neste ano e no ano passado de R$ 25,4 bilhões em segmentos que vão de energia elétrica e transportes a saneamento e telecomunicações. O valor equivale ao que o país gastou com as obras preparatórias para a Copa do Mundo de 2014, incluindo mobilidade urbana, aeroportos e estádios. Ou pouco mais que o custo para pôr de pé a hidrelétrica de Santo Antônio, no Rio Madeira (RO), orçada em R$ 20 bilhões e construída ao longo de oito anos. Além da recessão, a situação fiscal dos estados e da União e o fim dos ciclos de investimento em algumas áreas — como eventos esportivos e as grandes hidrelétricas na Amazônia — contribuem para derrubar as estimativas para 2016. A Inter.B projeta investimentos, públicos e privados, de R$ 105,6 bilhões para este ano. Será a maior queda anual (14,6%) e o menor patamar em proporção ao tamanho da economia (1,71% do PIB) desde 2003.
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Para especialistas, o declínio nas cifras deve levar à piora nos serviços e a restrições de acesso a novas tecnologias. São mais buracos nas estradas, mais horas sem luz e menos definição na imagem da TV ou do celular. Segundo Claudio Frischtak, sócio da Inter.B, para manter a qualidade dos serviços de infraestrutura, é preciso investir no setor ao menos 3% do PIB, algo que o Brasil não faz desde 2002. — A qualidade de infraestrutura, em geral, vem caindo no Brasil. O país não investe o suficiente para manter os serviços, com raras exceções. Menos investimentos, preços mais altos Ironicamente, em alguns segmentos, a queda nos valores investidos vem sendo acompanhada da alta de preços. Nas projeções da Inter.B, os projetos de mobilidade urbana vão receber R$ 9,1 bilhões em 2016, 32,1% menos que no ano anterior. Nos últimos 12 meses até outubro, as passagens de ônibus subiram 10,75% nas cidades brasileiras e as de metrô, 9,14%, acima da inflação no período de 7,87%. No saneamento, o descompasso entre quanto o consumidor paga e quanto as empresas investem se repete. A tarifa de água e esgoto subiu 20,62% nos 12 meses encerrados em outubro. No cálculo da Inter.B, os investimentos em saneamento vão cair 3,2% em 2016, para R$ 9,2 bilhões, após terem despencado 23% no ano anterior. Segundo Pedro Scazufca, da GO Associados, os reajustes nos serviços de água e esgoto devemse, entre outras razões, a reequilíbrios de contratos obtidos por várias concessionárias no país, em especial devido ao aumento no custo de energia em anos anteriores. Os investimentos, por outro lado, foram, afetados pela crise hídrica em 2015 e pela situação fiscal dos estados, já que muitas das empresas que atuam no setor são estatais. — Com a dificuldade financeira das empresas, as metas para universalização de água e esgoto podem ser comprometidas. Para que elas fossem cumpridas no prazo (até 2033), seriam necessários R$ 19 bilhões por ano avalia Scazufca. PUBLICIDADE Nas telecomunicações, o receio é que os empresários adiem investimentos em novas tecnologias. A recessão afetou as operadoras de telefonia em diversos ramos de negócios: desde as linhas fixas, com o fechamento de lojas no varejo, até os móveis, com empresas cortando celular de funcionários, clientes recarregando menos seus aparelhos pré-pagos e reduzindo o número de chips. — Houve uma queda de demanda, e as empresas não se sentem estimuladas a investir em novas tecnologias. A TV 4K, por exemplo, de elevado nível de definição de vídeo, deve demorar mais para chegar à sua casa. Você vai ter que se contentar com a definição HD — diz o consultor Hermano Pinto. A Inter. B estima investimento de R$ 22 bilhões em telecomunicações este ano, recuo de 17% ante 2015. É o segundo ano seguido de queda. A Telebrasil, que reúne as empresas do setor, evita falar sobre o futuro. Atribui a redução dos investimentos no ano passado à conjuntura econômica, à redução nas margens de retorno, ao alto custo regulatório e ao aumento da carga tributária.
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O recuo nos investimentos em infraestrutura no Brasil a partir de 2015 ocorre após 11 anos seguidos de expansão. Em 2003, quando houve a última queda, o país também vivia uma recessão, após a posse do ex-presidente Lula. Mas a recuperação veio no ano seguinte, impulsionada pelo super ciclo das commodities. Na avaliação de economistas, não há nada que aponte que o super ciclo vá se repetir, ao menos no curto e médio prazos. Além disso, a situação fiscal de União, estados e municípios é muito mais grave em comparação a 2003. — Tudo indica que, em 2016, chegamos ao fundo do poço. Não há capacidade do setor público de investir nem vontade do setor privado. A recuperação dos investimentos será uma mímica da recuperação econômica: lenta afirma Frischtak. O economista acredita que só haverá retomada para valer dos investimentos em infraestrutura a partir de 2018. Mas condiciona o movimento à aprovação no Congresso das principais medidas de ajuste fiscal a proposta de emenda constitucional (PEC) do teto dos gastos, que limita as despesas públicas, e a reforma da Previdência e ao sucesso dos leilões. Para Frischtak, o ponto fundamental para atrair investidores será a modelagem. Sobra de energia até 2020 O setor de energia teve seu primeiro teste em outubro, quando foi realizado um leilão para construção de linhas de transmissão. O BNDES não ofereceu crédito subsidiado, como fazia antes, e a taxa de retorno dos projetos foi elevada, despertando apetite dos investidores. Ainda assim, analistas não apostam em forte expansão de investimentos, pois há sobra de energia. — Há sobra de energia pelo menos até 2020. As hidrelétricas sempre foram o carro-chefe da geração de energia no Brasil, mas não se tomou a decisão política de que vamos continuar a investir nelas — diz Rafael Kelman, da consultoria PSR. O fim do pico das obras das hidrelétricas na Amazônia — Santo Antônio e Jirau ficam prontas este ano, e Belo Monte, em 2019 — é uma das razões para a queda de 9,3% nos investimentos em energia estimada para 2016. No ano passado, o segmento tinha sido o único na área de infraestrutura que havia apresentado alta, segundo a Inter.B. Ainda assim, o serviço piorou. Dados da Agência Nacional de Energia Elétrica mostram que o brasileiro ficou, em média, 18 horas e 35 minutos sem luz em 2015. No ano anterior, haviam sido 18 horas e quatro minutos no escuro. O balanço de 2016 não está fechado. No ramo dos transportes, a expectativa para novos investimentos também não é alta, com exceção da próxima leva de privatização de aeroportos. Rodovias e mobilidade urbana costumam ter forte presença de investimento público, o que, na avaliação de Carlos Campos Neto, especialista em infraestrutura do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), é um limitador: — O Estado não tem condições de investir, e o interesse do setor privado tem limite. Não há mais tantas rodovias que lhe interessem. No caso dos aeroportos, após a privatização de Fortaleza, Salvador, Florianópolis e Porto Alegre, os terminais por onde passam 60% do fluxo de passageiros estarão nas mãos de agentes privados. Não vai sobrar muita coisa que atraia os investidores.
Previdência nos Estados pode ter rombo de R$ 100 bi 48
Para pesquisadores da FGV, chama a atenção o ritmo do avanço do déficit, que, de 2014 para 2015, aumentou 18% acima da inflação Fonte Jornal O Estado de S. Paulo, Alexa Salomão 13 Novembro 2016 às 06h00 Parte do problema para se identificar e corrigir distorções na Previdência dos Estados está no fato de sequer haver um padrão para acompanhar os seus resultados. Existem três cálculos. Todos são oficiais e corretos, mas têm resultados distintos. Neste ano, parte dos Estados passou a considerar a metodologia do Tesouro Nacional, que inclui mais dados. Por esse parâmetro, os rombos previdenciários deram saltos. A soma totalizou R$ 77 bilhões no ano passado e, pelo ritmo de crescimento observado, tende a encostar em R$ 100 bilhões ao final deste ano. A estimativa foi feita pelos pesquisadores Vilma da Conceição Pinto e Samuel Pessôa, do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getúlio Vargas (Ibre/FGV). Entre 2014 e 2015, os déficits somados tiveram alta de 18% acima da inflação. “Pela velocidade do aumento, se as regras da Previdência não forem revistas, em pouco tempo todo mundo vai ser Rio de Janeiro”, diz Pessôa. O que chama a atenção no caso do Rio é principalmente a velocidade com que o rombo se revelou. O Estado não tem o maior déficit. São Paulo é o líder: foram R$ 15,9 bilhões no vermelho no ano passado, pela regra do Tesouro. Mas o governo paulista adotou uma série de medidas para reorganizar o sistema e freou o crescimento, que foi de pouco mais de 3% entre 2014 e 2015. Minas Gerais é o segundo colocado, com um déficit de quase R$ 14 bilhões. O Rio vem em terceiro lugar, mas de um ano para outro o buraco foi de R$ 4,9 bilhões para quase R$ 10,8 bilhões. Descontada a inflação, o fosso dobrou de tamanho. Não houve uma corrida a aposentadorias. O problema é que a recessão escancarou as distorções. A maioria dos servidores está no antigo regime, que não se paga: são 233 mil na ativa para cobrir benefícios de 260 mil aposentados e pensionistas. A maioria se aposenta aos 56 anos. Professores, aos 50. O governo identificou a bomba relógio e criou um sistema novo. Quem entrou no serviço público após setembro de 2013 está num fundo capitalizado e superavitário. Mas são apenas 18 mil ali. A banda deficitária, que atende a vasta maioria, era coberta por receitas extras. Com a recessão, virou pó, levando caos a todos os servidores (Leia abaixo). “Os royalties do petróleo estavam sustentando o déficit e a transição de um modelo para o outro – vários economistas criticaram, mas era o necessário. Com a crise, a reforma da Previdência, que já era importante, se torna urgente”, diz Gustavo Barbosa, ex-presidente da Rioprevidência e, desde julho, secretário de Fazenda, numa sinalização de onde reside o maior problema das contas do Estado. Leniência. Quem conhece a máquina pública por dentro é categórico em afirmar que uma combinação de regras generosas na concessão de benefícios e a leniência em elevar salários nos últimos anos foi decisiva para acelerar a deterioração da Previdência nos Estados. “Pesaram muito os reajustes salariais dos últimos anos que, pela regra, foram estendidos aos inativos”, diz Andrea Calabi, que acompanha as contas públicas federais e estaduais desde os anos 80. Nessa dinâmica, o que mais pesa é a aposentadoria especial, por ser precoce. Ela não está apenas colocando mais gente no sistema, numa velocidade maior. Como se vive cada vez mais, tem o efeito de antecipar o período de descanso, que tende a ser cada vez mais longo. O Rio Grande do Sul é um exemplo desse efeito. “A nossa expectativa de vida já é alta e no serviço público é maior ainda – se compara a de países nórdicos, como a Suécia”, diz José Guilherme Kliemann, secretário adjunto da Casa Civil e conselheiro da RS Prev. Nada menos que 9% dos inativos gaúchos têm mais de 80 anos e a tendência, segundo ele, é que esse efetivo aumente. 49
“Agora imagine que a pessoa ganha uma aposentadoria especial aos 50 e viva mais de 80: é ótimo viver mais, mas, no aspecto previdenciário, é insustentável pagar isso”, diz Kliemann. A crise gaúcha é tão grave se comparada à do Rio. Lá, também há atrasos no pagamento de salários e o rombo previdenciário beira R$ 9 bilhões. Quem ainda não chegou ao limite, teme o futuro pelas mesmas razões. Alagoas, por exemplo, tem cerca de 40 mil inativos e 30 mil na ativa – 20% deles vão poder se aposentar nos próximos quatro anos. A maior pressão, diz George Santoro, secretário de Fazenda, também vem das aposentadorias especiais, em particular de policiais militares. “Os PMs estão se aposentando aos 48 anos e a gente precisa repor constantemente, pois bombeiros e policiais prestam serviços essenciais – não se terceiriza isso”, diz (leia abaixo). A solução, porém, não está na mão dos governadores. “Sozinhos, os Estados não conseguem enfrentar essa questão, porque a legislação dos militares é federal, precisamos da União para resolver isso”.
‘A máquina de crescimento quebrou’ Para Arminio Fraga, economia está frágil, crise política não foi debelada e, para complicar, Lava Jato e Trump ainda podem atrapalhar a retomada Fonte Jornal O Estado de S. Paulo, Alexa Salomão 13 Novembro 2016 às 06h00 Foto: ESTADAO CONTEUDO
O ex-presidente do Banco Central, o economista Arminio Fraga, é pragmático. O País melhorou depois do impeachment e o governo de Michel Temer segue na direção certa. “A mudança foi impressionante. O Brasil como estava, ia quebrar três vezes mais. A gente ia se espatifar”, diz ele. Mas o cenário ainda é frágil e ficou mais complicado com a eleição de Donald Trump nos Estados Unidos e a expectativa de novas delações na Lava Jato: “Estamos entrando num período de muita incerteza”. A seguir os principais trechos de sua entrevista ao Estado. Estadão: Qual o efeito da eleição de Donald Trump nos EUA para a recuperação da economia brasileira? Armínio Fraga: Há um certo exercício de futurologia nisso, mas, se ele for adiante com o plano de fazer uma grande expansão fiscal, certamente vai nos prejudicar. Não podemos nos iludir: nossa situação ainda é bastante frágil. Estamos sinalizando com reformas importantes, mas uma virada na área fiscal supondo-se que tudo seja aprovado começa daqui a uns cinco anos. 50
Vamos perder investidores, é isso? Quando esse tipo de coisa acontece, um país muito endividado, como o nosso, sofre. Certamente, não seremos os únicos. A China, hoje no topo dessa extraordinária expansão de crédito, que merecia, talvez, a qualificação de bolha, vai sentir. E se a China sentir, cria uma onda de pressões que vão se autoalimentar. O próprio ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, reduziu a projeção de crescimento de 1,6% para 1% no ano que vem. O que houve: foram otimistas ou surgiram outros imprevistos? Mesmo uma bola murcha quica. É razoável que, na saída de uma recessão tão profunda e violenta como a nossa, essas projeções sejam móveis. O que está claro é que, quando se faz a conta dos vários componentes do PIB, falta alguma coisa. E o que falta? Do lado do consumo, as famílias estão endividadas e há desemprego. Isso cria uma insegurança danada. Em muitos setores, as empresas exibem capacidade ociosa. Não seria natural sair correndo para um novo ciclo de investimentos. A infraestrutura, que é o carrochefe de uma recuperação, responde lentamente, porque é tudo difícil ali: é preciso fazer projetos, tirar licenças, é da natureza da coisa. Infelizmente, a máquina de crescimento do Brasil está quebrada. A tudo isso se sobrepõe a incerteza. Precisamos de um ambiente que gere entusiasmo. Mas a confiança não vem assim... Se fosse, a saída da ex-presidente já teria dado uma virada. E estamos entrando num período de muito mais incerteza. Como assim? Vamos ter mais incerteza política. Na Lava Jato, estão reabrindo delações antigas e chegando muitas delações novas. Pelo o que se diz e pelo que se lê, vão afetar atores políticos da maior importância. Aí, você olha para mundo e se assusta: eleição de Trump, Brexit, Erdogan na Turquia, o Putin com o estilão dele na Rússia, Xi Jinping na China. Existe uma onda de populismo, com um pouco de conservadorismo, e nós aqui estamos expostos a isso. Mas, como eu disse, nem precisávamos dar esse giro pelo mundo. Temos muito aqui com que nos preocupar, ao vivo e a cores. A situação dos Estados é outro componente de incerteza? Em particular o Rio, que teve uma semana, digamos, com cores fortes? Eu vivo aqui no Rio. Sinto a situação. É o caso mais grave, mas não é o único. Esse quadro foi estimulado pelo governo anterior, que liberou a gastança, e agora se aprofunda com a recessão. Mas, nisso, o governo federal não tem como ajudar. A situação fiscal da União é muito grave também. O que o governo federal tem espaço para fazer? O ideal seria fazer o ajuste mais rápido, mas está atuando dentro do que é possível no campo político a essa altura do jogo. A agenda é boa. A PEC do teto do gasto (Proposta de Emenda Constitucional 241) é um avanço extraordinário. Ainda assim, exige a reforma da Previdência, se não o teto não fica de pé. Mas eu acho que vai precisar de mais reformas. Mas quantas reformas um governo de transição tem espaço para fazer? Não tem muito espaço, e até acho que estão sendo ambiciosos. Mas, se aprovar a reforma da Previdência no primeiro trimestre, vai ter tempo para fazer mais e não vejo porque parar. Acho muito boa a ideia de discutir as questões trabalhistas. O Estadão, aliás, publicou uma fantástica matéria sobre isso. Ali está tudo o que precisa ser feito. A reforma tributária é outra. Para mim, o momento é de oportunidades. O governo, quando sentou para negociar a dívida com os Estados, deveria ter aproveitado para negociar a reforma do ICMS, que é um sistema 51
maluco. Tem também uma agenda micro a ser feita, como recuperar as agências. Ter agências profissionais ajuda muitíssimo. No micro, o governo prepara medidas para destravar as concessões, inclusive porque parte delas estão com empresas incriminadas na Lava Jato, com problemas de crédito. É o caminho? A questão é importante. Mas aí é preciso tomar um certo cuidado para não criar a expectativa de que vai se dar moleza. Há riscos que são do jogo. É preciso ter um mecanismo para digerir a situação, atrair mais capital e seguir adiante – seja com o próprio concessionário, ou se ele estiver quebrado, com outro. Toda a discussão sobre lei de falência trata disso: como lidar com a falta de capital, por razões das mais variáveis incompetência, azar, qualquer coisa sem criar paralisia de negócios. Salvar empregos é importante. Mas a preocupação não é salvar o concessionário. Em alguns casos é até saudável uma certa destruição criativa, como dizia o economista Joseph Schumpeter. Há quem reclame que o Banco Central deveria ser mais agressivo na queda da taxa de juros, até para ajudar nessa questão do crédito. O que o sr. acha? O BC é fiel no compromisso de cumprir a meta de inflação de 4,5% no ano que vem. Uma vez confirmado o diagnóstico de fraqueza da economia, não vai ter problema em cortar. Vai acertar. Aí eu não tenho medo. Em menos de dois anos, estamos no terceiro ministro da Fazenda. O sr. disse lá atrás que Joaquim Levy não foi ousado e que Nelson Barbosa precisaria se provar. E o Meirelles? O Levy tentou e conseguiu fazer muita coisa que bom que tenho a chance de dizer isso. Olhando para traz a gente vê que ele estava tentando desmontar pedaladas e gastos desenfreados. E inverteu a direção. O Nelson foi arquiteto da nova matriz econômica e havia desconfiança se ele tinha mudado de ideia. Mas ficou pouco tempo. Meirelles tem o histórico de oito anos de Banco Central, com um trabalho bem feito, também em condições adversas. Depois da saída do Palocci (Antonio Palocci, ex-ministro da Fazenda), ele ficou isolado, com apoio só do presidente, que era o que bastava. Chegou na Fazenda apresentando essa proposta de teto de gastos, mais Previdência, que é forte. Está dando passos radicais. Conseguiu uma mudança impressionante. O Brasil como estava, ia quebrar três vezes mais. A gente ia se espatifar. Mas pelo que sr. descreveu, ainda não conseguimos solucionar a crise política que contamina a economia. Por quê? Há um certo consenso de que são três crises simultâneas: econômica, política e de valores. Sobre a econômica já falamos. A crise política tem a ver com o caos dos mais de 30 partidos, o que faz com que a coisa funcione como um grande bazar, e reduz um senso maior de responsabilidade pelo bem comum. A de valores tem a ver com a corrupção generalizada, com a busca de atalhos para tudo, com a falta de meritocracia e a de confiança entre as pessoas. Acredito que essas crises têm raízes comuns, que exigem uma resposta simultânea. De um modo geral, a coisa tem a ver com o modelo de Estado que temos, capturados por interesses privados e partidário. Como o sr. viu o resultado das eleições municipais? Houve uma guinada à direita? Não se trata de guinada da esquerda para a direita. Não há mais esquerda ou direita. Ou você vai dizer que o PT é de esquerda? O partido da bolsa empresário, que teve a relação que vimos com as empresas, pode ser chamado de esquerda? Acho que não, né? São Paulo elegeu o João Doria (PSDB), que tem um perfil empresarial, bem parecido com o da cidade. Mas o que vimos na eleição municipal em muitas cidades foi a ascensão de uma direita no que se refere ao conservadorismo dos costumes. É preocupante. Eu, como liberal que sou, estou fora disso. 52
Já dá para dizer para onde a crise econômica vai levar as eleições de 2018? Não tem como. Ninguém consegue. O meu temor é que surja um populista moralista vendendo um caminho sem sacrifício. Aliás, não gosto quando falam que cada um precisa dar a sua cota de sacrifício para fazer o ajuste, para tirar o País da recessão. Fica parecendo que existe uma saída sem sacrifício – e isso não existe. Nesse ambiente, pode surgir um vendedor de ilusões que piore ainda mais tudo que está aí. O sr. aceitaria novamente convite para ser ministro da Fazenda? Não sei. Nem tenho tempo para pensar nisso. Sabe o que acontece? Com o tempo, o sarrafo vai subindo. Quando fui presidente do Banco Central, eu tinha 40 e poucos anos. Agora, estou com 59. A gente vai ficando mais crítico e mais exigente. Estou contente me dedicando à Gávea Investimentos e, em menor escala, a temas acadêmicos e filantrópicos.
Brasil tem instrumentos para absorver choques externos, diz presidente do BC Em entrevista ao jornal 'La Tercera', do Chile, o presidente do Banco Central, Ilan Goldfajn, destacou que o Brasil tem quantidade grande de reservas internacionais para lidar com a volatilidade nos mercados internacionais Fonte Jornal O Estado de S. Paulo, Fabrício de Castro, enviado especial, Broadcast 12 Novembro 2016 às 13h02 Notícia relacionada: Dólar sobe para R$ 3,40, mesmo com três intervenções do BC; Bolsa cai mais de 3% SANTIAGO, CHILE - O presidente do Banco Central, Ilan Goldfajn, afirmou em entrevista ao jornal "La Tercera", do Chile, que a reação dos mercados nos últimos dias "a princípio tem a ver mais com fluxo de capitais, mas são movimentos de curto prazo". Ao comentar o fato de o dólar ter subido cerca de 7% ante o real após a eleição de Donald Trump nos EUA, Goldfajn destacou que o "Brasil tem uma quantidade grande de reservas internacionais". "São cerca de US$ 380 bilhões, quer dizer, entre 20% e 25% do PIB. Ante essas flutuações, temos muitos instrumentos para absorver os choques", afirmou o presidente do BC.
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Foto: Dida Sampaio/Estadão
Goldfajn defendeu a abertura econômica entre EUA e Brasil Goldfajn destacou ainda o regime de câmbio flutuante nas economias da América Latina. "É sempre possível que tenhamos volatilidade nos mercados, porque o mundo está mudando, temos choques externos, mas as economias da América Latina têm o câmbio flutuante, o que significa que têm um amortizador natural", avaliou Goldfajn ao jornal. "Elas têm políticas responsáveis e com isso conseguem que os choques internacionais sejam absorvidos", acrescentou.
O presidente do BC evitou comentar diretamente a política americana, mas defendeu a manutenção da abertura comercial entre os países - um dos pontos de interrogação após o êxito de Trump na corrida eleitoral. "Para as economias da América Latina, especialmente as exportadoras, é importante que o mundo se mantenha aberto para que possam continuar crescendo com bastante competitividade. Não é bom para ninguém, nem para as economias emergentes, nem para as avançadas, que haja mais protecionismo no mundo. Não é saudável que nos isolemos uns dos outros", disse Goldfajn.
O presidente do BC voltou ainda a citar o "interregno benigno" que, segundo ele, precisa ser aproveitado pelo Brasil e por outros países da América Latina para os ajustes necessários na economia. Sobre a possibilidade de o Federal Reserve (Fed, o banco central americano) mudar de postura em relação à política monetária, Goldfajn citou as incertezas atuais. "Hoje temos uma incerteza um pouco maior sobre os próximos passos na economia americana. Creio que a incerteza vai diminuir à medida que o tempo passe."
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Em outro ponto da entrevista, ao discutir o processo desinflacionário no Brasil, Goldfajn afirmou que uma política monetária "focada em chegar à meta é muito importante". "Por isso estamos vendo as expectativas de inflação para os próximos anos já convergindo à meta de 4,5%", comentou. "Também temos uma situação na economia na qual há uma capacidade ociosa que não gera um potencial de inflação. Então, expectativas ancoradas, uma política monetária adequada e uma capacidade ociosa nos leva a uma desinflação".
Ao abordar a recessão no Brasil, Goldfajn afirmou que existem sinais de que a situação está se estabilizando. "Foi uma recessão muito forte, diria que das mais fortes que já tivemos, mas já estamos em um momento de estabilização e há esperança de que, depois da estabilização, venha uma recuperação gradual", avaliou.
Goldfajn falou ainda sobre a reforma da Previdência - um tema atualmente sensível também no Chile, que tem enfrentado protestos populares contra o sistema local. "As reformas da Previdência, em todo o mundo, são reformas que sempre exigem muita negociação. No caso do Brasil, temos que tratar da Previdência, porque se temos um teto de crescimento dos gastos públicos a Previdência não pode ocupá-lo todo", defendeu Goldfajn. "A idade média de aposentadoria é entre 50 e 55 anos, o que é muito baixo na comparação com o resto do mundo". Goldfajn se disse confiante de que a reforma da Previdência será aprovada no Brasil. "Creio que estamos num momento que existe responsabilidade fiscal. Para voltar a crescer, precisamos que o futuro pareça melhor que o presente e por isso as reformas são importantes".
Governo avalia se vai recorrer da decisão da OMC Itamaraty informou que o governo vai analisar o relatório do órgão e levar seus argumentos para os membros do painel Fonte Mariana Durão, Vinícius Neder e André Ítalo Rocha, Jornal O Estado de S. Paulo 11 Novembro 2016 às 22h26
Notícias relacionadas: Itamaraty alertou Dilma que Brasil violava regras 'Quero crer que governo recorrerá de decisão da OMC', diz ministro Política industrial brasileira é condenada na OMC Brasil abre disputa na OMC contra os EUA O ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, afirmou que, se necessário, o governo mudará os programas envolvidos no julgamento sobre o acordo automotivo Inovar Auto, questionado por Japão e União Europeia na Organização Mundial do Comércio (OMC). O organismo condenou a política industrial brasileira e exigiu que incentivos fiscais adotados pelo governo de Dilma Rousseff sejam abandonados, pelo menos na forma como são aplicados.
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Foto: Divulgação
Programa era do governo anterior, diz Meirelles O governo brasileiro poderá recorrer da decisão. Se condenado, o Brasil terá de modificar o programa e os incentivos dados a montadoras. “Vamos aguardar uma análise dessa decisão da OMC e tomar as medidas necessárias”, afirmou Meirelles, após participar de seminário, fechado à imprensa, na Federação das Indústrias do Rio (Firjan). O ministro destacou que os programas de incentivos foram programas feitos “pelo governo anterior”. “Esses programas, se tiverem de ser revistos, serão. É prematuro começar a especular o que faríamos”, disse. Recurso. Em São Paulo, o ministro da Indústria, Comércio Exterior e Serviços (Mdic), Marcos Pereira, disse acreditar que o governo vai recorrer da decisão da OMC. “Essa representação é feita por grandes escritórios de advocacia e pelo Itamaraty”, disse o ministro, após evento da Fiesp, em São Paulo. Por outro lado, afirmou Pereira, a decisão da OMC será também uma oportunidade para que o governo rediscuta essas políticas, “adotadas pelo governo afastado”, com o setor privado. Em nota, o Itamaraty informou que o governo o analisará o relatório preliminar, que é confidencial, e apresentará comentários para consideração dos membros do painel da OMC antes de sua decisão final, que está sujeita à apelação. “O Brasil tem ressaltado que os programas brasileiros questionados dão importante contribuição ao desenvolvimento econômico e tecnológico do País, bem como para a sustentabilidade ambiental”, diz o órgão.
Agência de risco reafirma rating do Brasil em BB e mantém perspectiva negativa Segundo a Fitch, a perspectiva negativa reflete grandes desequilíbrios fiscais e a dinâmica adversa da dívida do governo 56
Fonte Jornal O Estado de S. Paulo, Gabriel Bueno da Costa, Broadcast 11 Novembro 2016 às 15h27
Notícias relacionadas: Brasil pode recuperar grau de investimento em breve, diz Temer Entenda os ratings das agências de classificação de risco 'Se não cuidarmos dos gastos, em 2023 serão 100% PIB e Brasil irá à falência', diz Temer Comissão do Senado aprova relatório favorável à PEC do Teto Foto: Divulgação
Fitch afirmou que a baixa popularidade de Temer pode desafiar o progresso das reformas SÃO PAULO - A agência de classificação de risco Fitch reafirmou o rating de longo prazo em moeda estrangeira e local do Brasil em BB, com perspectiva negativa. Segundo a agência, a perspectiva negativa reflete grandes desequilíbrios fiscais e a dinâmica adversa da dívida do governo, bem como a incerteza quanto à implementação de reformas fiscais que buscam melhorar a estabilização da dívida. "Apesar da recente diminuição da incerteza política, revezes na agenda fiscal do Executivo no Congresso não podem ser descartados, o que por sua vez poderia prejudicar a confiança e aumentar os riscos de baixa em nossos cenários-base econômico e fiscal", afirma. A Fitch diz que os desafios fiscais persistem no Brasil, com o governo adotando um gradual processo de consolidação fiscal, tendo como meta um déficit primário no setor público de cerca de 2% do Produto Interno Bruto (PIB) em 2017 e a volta ao superávit apenas em 2019. Segundo a Fitch, suas projeções de balanços primários estão em linha com as de autoridades. A agência projeta que os déficits do governo geral fiquem em média em 8% do PIB em 20172018. A Fitch diz que o peso da dívida geral do governo deve continuar a aumentar entre 2016 e 2018 "e para além disso a menos que o crescimento econômico retorne mais fortemente e/ou maiores superávits fiscais sejam alcançados". A Fitch projeta que a dívida geral do governo aumente de 66,5% do PIB em 2015 para 80% do PIB em 2018. Recuperação econômica mais lenta, maiores desafios em finanças subnacionais e a dificuldade de aprovar 57
ou diluir as medidas fiscais pretendidas no Congresso poderiam atrapalhar o processo de consolidação fiscal e afetar negativamente a dinâmica da dívida, na avaliação da Fitch. A agência diz que o rating do Brasil é apoiado por sua diversidade econômica e renda per capital relativamente alta, além do câmbio flexível e de reservas internacionais robustas. Por outro lado, ela aponta também fraquezas nas finanças públicas, alto endividamento do governo e fraca perspectiva de crescimento. Alguns desses desafios foram exacerbados pelas investigações de corrupção "em larga escala" no passado recente. A agência espera que a economia brasileira sofra contração por um segundo ano em 2016. A Fitch prevê que o Brasil sofra contração de 3,3% neste ano, antes de uma modesta recuperação de 1,2% em 2017 e de 2,2% em 2018. A redução na incerteza política, a melhora no ambiente político em geral e a recuperação dos preços dos ativos do país, além da melhora da confiança das empresas e consumidores, apoiariam a recuperação. "O governo Temer está sinalizando uma abordagem mais favorável aos mercados nas políticas econômicas, como o fortalecimento da estrutura para envolver o setor privado no investimento de infraestrutura e a redução de uma intervenção estatal mais ampla", afirma a agência. "Embora a perspectiva por reformas tenha melhorado, a extensão do progresso e a diluição dessas iniciativas ainda são incertas", disse a agência, que também avalia que a reforma na seguridade social pode trazer mais contenciosos. "A baixa popularidade do presidente, o crescente desemprego e os riscos para o ambiente político poderiam desafiar o progresso das reformas." Do lado positivo, a Fitch diz que os desequilíbrios macroeconômicos do Brasil estão em rota de correção. A Fitch avalia que o déficit em conta corrente deve atingir 1% do PIB em 2016, abaixo do pico recente de 4,3% em 2014. Segundo a agência, a inflação atingiu um pico e tem trajetória de baixa e as expectativas de inflação se desenvolvem favoravelmente para 2017 e adiante, "convergindo para a meta de 4,5% para 2018".
Turbulência com eleição de Trump cria oportunidades para renda fixa
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FONTE JORNAL FOLHA de S. PAULO, TÁSSIA KASTNER e EULINA OLIVEIRA DE SÃO PAULO 14/11/2016 às 02h00 A turbulência que sacudiu o mercado financeiro após a inesperada eleição de Donald Trump para a presidência dos Estados Unidos abriu uma janela de oportunidades para investimentos em renda fixa. Desde a última quarta-feira (9), a cotação do dólar avançou 7% e a Bolsa recuou quase 8% no Brasil. Os investidores passaram a apostar numa queda mais lenta dos juros do que a prevista em outubro, quando o Banco Central começou a reduzir a Selic, taxa básica de juros da economia. Antes de movimentar recursos, porém, os poupadores precisam ter cautela para não perder dinheiro num cenário instável e cheio de incertezas, dizem especialistas. "A pior coisa que o investidor pode fazer é ficar pulando de galho em galho", afirma o administrador de investimentos Fabio Colombo. Mas a turbulência também cria oportunidades para quem tiver recursos em caixa. Mesmo com a queda dos juros, as taxas continuam muito altas no Brasil e tendem a permanecer assim por mais tempo se o Banco Central reduzir a Selic devagar. "Como o panorama ficou mais nebuloso, o pequeno investidor deve fincar pé na renda fixa para se beneficiar da alta taxa de juros", afirma Alexandre Espírito Santo, da Órama Investimentos. Títulos do governo com juros prefixados e papéis atrelados à inflação tendem a se valorizar com o novo cenário. "Abre-se uma janela. A trajetória de queda de juros persiste no Brasil", diz Rodrigo Marcatti, do Banco Fator. Mesmo se for para aproveitar uma oportunidade passageira, o investidor deve fazer novas aplicações aos poucos, recomenda Rudolf Gschliffner, que chefia a área de private banking do Santander. Investimentos com taxas prefixadas também oferecem riscos, porque seu valor de mercado oscila diariamente. Investidores que precisarem de dinheiro antes do vencimento dos títulos podem ter prejuízo na hora do resgate. Antes de contratar produtos financeiros mais arriscados, os especialistas recomendam que os pequenos poupadores assegurem uma reserva de emergência em papéis com juros pósfixados, em valor suficiente para cobrir pelo menos três meses de suas despesas pessoais. Já a entrada na Bolsa deve ser adiada. "Não é hora de arriscar. O ideal é esperar passar a turbulência no cenário externo", diz Alvaro Bandeira, economista-chefe do Modalmais. As coisas devem ficar mais claras quando Trump anunciar suas primeiras medidas econômicas. A posse do novo presidente dos EUA será em 20 de janeiro. Vai sacudir Veja como proteger investimentos depois da eleição americana
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Renda fixa 1 - Com juros pós-fixados Para quem já tem Mantenha as aplicações, que protegem o investidor em momentos de oscilações mais bruscas no mercado Para quem quer ter Como a perspectiva no Brasil ainda é de queda dos juros no futuro, o recomendado é não aumentar investimentos nesse tipo de produto Exemplo: Tesouro Selic e CDBs 2 - Com juros prefixados Para quem já tem Tenha sangue frio, porque as oscilações do mercado podem dar a sensação de que você está perdendo dinheiro. Mantenha o investimento Para quem quer ter O investidor poderá encontrar taxas de juros mais altas. Vale comprar aos poucos, e usar apenas uma parcela pequena dos seus recursos Exemplo: Tesouro Prefixado 3 - Investimentos atrelados à inflação Para quem já tem Investimentos nesses títulos são de longo prazo, para a aposentadoria. Mantenha o investimento. Há risco de de perder dinheiro com as variações do mercado dos últimos dias se você vender antes Para quem quer ter É considerado menos arriscado do que o prefixado. Aproveite as taxas mais altas para formar reserva para planos de longo prazo. O ideal é comprar aos poucos, como no caso do prefixado Exemplo: Tesouro IPCA Renda variável 1 - Ações Para quem já tem A perspectiva para a Bolsa brasileira ainda é de alta. Portanto, mantenha o investimento e deixe para reavaliar a carteira quando a turbulência passar Para quem quer ter Não é o melhor momento para entrar porque é difícil prever quando a Bolsa vai parar de cair. Espere a volatilidade passar
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Se o desejo é investir agora, escolha fundos de ações, ETFs (fundos que seguem índices), ou empresas sólidas e que têm histórico de bons pagamentos de dividendos. Invista aos poucos, e só um valor do qual possa abrir mão em caso de prejuízo 2 - Fundos multimercados Para quem já tem Mantenha. O produto é considerado um bom instrumento de diversificação de investimentos, e o gestor terá condições de minimizar os efeitos da volatilidade do mercado Para quem quer ter Espere a turbulência passar. Quem nunca investiu em renda variável pode ter dificuldade de lidar com as oscilações
Governo argentino eleva barreiras à importação e atinge o Brasil
FONTE JORNAL FOLHA de S. PAULO, RENATA AGOSTINI DE SÃO PAULO 14/11/2016 às 02h00 O governo argentino elevou novamente suas barreiras à importação e o Brasil, principal fornecedor de mercadorias ao país vizinho, tende a ser o mais prejudicado. A trava chama-se licença não automática, ou LNA. Produtos incluídos na lista dos que precisam dessa licença não podem entrar no mercado argentino sem autorização do governo. E esse aval pode demorar até 60 dias para sair.
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Em dezembro do ano passado, logo após a posse do presidente Mauricio Macri, a lista foi lançada com 1.385 tipos de mercadoria. Desde então, sofreu seis modificações todas com acréscimo de produtos. A última, de outubro, aumentou em 67 o número de itens. A lista já tem 1.629 produtos e atinge 21% das importações da Argentina. O aumento da barreira preocupa fabricantes brasileiros. Após dois anos de queda, as vendas para a Argentina começaram a reagir. Até outubro, os embarques de manufaturados brasileiros para o mundo caíram 1%. Para a Argentina, subiram 1%. Indústrias têxteis e de calçados, que têm no mercado argentino fatia expressiva de suas vendas no exterior, estão sendo atingidas. Nesses segmentos, mais de 60% das importações dependem das licenças não automáticas. PRODUTOS NA LISTA DA LNA Argentina amplia barreira à importação do Brasil 9.dez.15 - antes da posse de Macri 22.dez.15 - 19% dos produtos importados out.16 - 21,2% dos produtos importados O QUE É ISSO? O presidente Macri ressuscitou o sistema de Licenças Não Automáticas (LNA), que exige aprovação prévia do governo argentino para a entrada de certos produtos 98% das categorias de produtos importados do setor de vestuário, estratégico para o Brasil, têm LNA Fonte: Consultoria Abeceb No setor de vestuário, quase tudo entra na fila de espera —98% dos bens trazidos do exterior estão na lista. São setores considerados sensíveis, ao lado de autopeças, químico e papel, entre outros. Também há o temor de que os chineses consigam usar essa janela para ampliar ainda mais sua fatia no mercado. Nos últimos anos, a China passou os Estados Unidos e a União Europeia e tornou-se o segundo maior fornecedor de produtos para os argentinos. Segundo a consultoria argentina Abeceb, as importações do Brasil de mercadorias que fazem parte da lista de licenças não automáticas caíram 15% nos oito primeiros meses do ano, frente ao mesmo período de 2015. Já as compras da China, considerando a mesma relação de bens sujeitos às licenças, cresceram 7,2% no período. VOTO DE CONFIANÇA Para a CNI (Confederação Nacional da Indústria), a lista preocupa, mas avanços na relação com o país vizinho devem ser reconhecidos. "Antes, não tínhamos nem sequer com quem falar. Agora, há interlocução. Além disso, eles ainda vivem uma situação econômica difícil", diz Carlos Abijaodi, diretor da CNI.
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O FMI (Fundo Monetário Internacional) prevê retração de 1,8% na Argentina neste ano. O país só tem US$ 38 bilhões em reservas cambiais, e é por isso que o governo tenta segurar as importações. Ao chegar ao poder, Macri prometeu medidas de abertura comercial, como o fim da declaração jurada de autorização à importação, a DJAI. Ela também ajudava o governo a controlar as importações, mas era arbitrária. Não se sabia o que seria barrado e por quanto tempo. Era tão obscura que o governo Cristina Kirchner teve de se comprometer a aboli-lo após questionamento da OMC (Organização Mundial do Comércio). O sistema de licenças está dentro das regras, diz Soledad Duhalde, gerente de análise econômica de Abeceb. Segundo ela, uma abertura econômica radical poderia ser danosa, com a quebra de empresas e perda de empregos. "Não é algo da Argentina contra o Brasil. Durante dez anos, vivemos uma economia fechada. Não se pode tirar tudo de uma vez. Tem de ser algo gradual", afirma Duhalde. Representantes do governo argentino têm indicado ao Brasil que vão reduzir as licenças quando a economia voltar a crescer. Acreditam que, só então, a pressão de empresários por proteção diminuirá.
Endividados conseguem sair do vermelho e investir em plena crise Alexandre Rezende/Folhapress
Nylton Andrade em sua empresa de videos: ele mudou as datas das contas e passou a guardar
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FONTE JORNAL FOLHA de S. PAULO, DANIELLE BRANT DE SÃO PAULO 14/11/2016 às 02h00 Nylton mudou a data de vencimento das contas da casa. Rodrigo concentrou gastos no cartão de crédito, com limite equivalente a 30% de sua renda. Leandro cortou despesas e conseguiu ir ao cinema pela primeira vez após 12 anos. Além de sair do vermelho no ano em que o Brasil lutou para sair da recessão econômica, os três têm outro ponto em comum: hoje guardam dinheiro para investir. Usar o cheque especial e o cartão de crédito era recurso recorrente nos três casos. Para o gerente de projetos Nylton Andrade, 30, a dificuldade de organizar as contas fazia com que, todos os meses, entrasse pelo menos R$ 3.000 no cheque especial, a segunda linha de crédito mais cara do mercado. No rotativo do cartão de crédito, campeão de juros, chegou a usar R$ 8.000. "Tive que fazer empréstimo de R$ 23 mil no banco para quitar o cartão. Depois comecei a cortar despesas e supérfluos", afirma. Para saber o que estava acontecendo com seu dinheiro, o mineiro usou um aplicativo que mapeia os gastos e avalia a saúde financeira com base nos dados de sua conta bancária. Mas a principal mudança foi trocar a data de vencimento das contas. "Comprava antes de a fatura do cartão fechar e algumas contas venciam antes de eu receber, então eu entrava no cheque especial. Coloquei todas no débito automático e renegociei as datas", diz. Limpar as finanças levou um ano. No começo de 2016, Nylton conseguiu trocar a moto e começar a economizar. No momento, o dinheiro está na poupança. SUPÉRFLUOS Para o analista de sistemas Leandro Ferrazzi, 38, a solução para sair do vermelho foi cortar das despesas o que ele chama de "besteiras". Todos os meses ele gastava 70% de seu limite de R$ 10.000 no cartão de crédito com "sorvete, pizza, bar e restaurante". Por causa do descontrole, o paulistano ficou 12 anos sem ir ao cinema, 16 sem viajar com a mulher e os três filhos. "Em janeiro, consegui fazer uma viagem de sete dias em Maceió com minha família", conta o analista. No auge do endividamento, Leandro chegou a ter dívidas nos seis cartões de crédito que possui -embora só use efetivamente três deles. Marcus Leoni/Folhapress
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Leandro Ferrazzi sempre teve dividas, mas depois de cortar supérfluos conseguiu começar a poupar
Depois de fazer um empréstimo e mudar os hábitos familiares, começou a juntar dinheiro: "Sempre quis investir em título público, mas nunca tive condição. Deixo atualmente o dinheiro na conta-corrente, pois está atrelado a uma aplicação conservadora em CDI. Penso em comprar ações ou imóvel." Títulos públicos foram o investimento escolhido pelo consultor de negócios Rodrigo Silva, 31. Mas a aplicação só se tornou realidade depois de o mineiro parar de metade do salário mensal no cheque especial e concentrar gastos no cartão de crédito, que foi limitado a 30% de sua renda. Para guardar o dinheiro, ele cortou 90% das viagens que costumava fazer aos finais de semana para o Rio de Janeiro e também diminuiu as saídas com os amigos. Alexandre Rezende/Folhapress
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Rodrigo Silva cortou viagens e hoje investe em títulos públicos
HÁBITO Identificar o destino do dinheiro é o primeiro passo para economizar e investir, diz a planejadora financeira Eleonora Rodrigues Braude. Ela recomenda separar o valor destinado a lazer em uma bolsa e anotar as despesas do dia a dia em uma planilha. "O hábito de entender o orçamento deve ser recorrente, até para não chegar a extremos de precisar congelar o cartão de crédito, conforme relatos que já ouvi." Há aplicativos na internet que ajudam nessa tarefa, como o GuiaBolso, que tem mais de 3 milhões de usuários. Da base de clientes, afirma o sócio-fundador do aplicativo, Thiago Alvarez, 34% estão atualmente no cheque especial e 15% usam o rotativo do cartão de crédito.
Com Trump no poder, mercado prevê corte menor na taxa de juros no Brasil Mercado esperava um corte de 0,50 ponto porcentual na Selic, após a surpresa com a eleição de Trump nos EUA, estimativas apontam para uma redução de 0,25 p.p., o que deixaria a taxa em 13,75% anuais ao fim de 2016 Fonte Jornal O Estado de S. Paulo, Eduardo Rodrigues, Broadcast 14 Novembro 2016 às 09h33 Notícias relacionadas: Conhecendo o novo chefe ‘Efeito Trump’ deverá ser prolongado 66
Brasil tem instrumentos para absorver choques externos, diz presidente do BC Foto: Reuters
Após a surpresa com a eleição do republicano, as estimativas apontam para taxa em 13,75% em 2016 BRASÍLIA - Os economistas do mercado financeiro ouvidos pelo Banco Central no Relatório de Mercado Focus, divulgado nesta sexta-feira, 14, passaram a apostar em uma menor redução da taxa de juros na próxima reunião do Comitê de Política Monetária (Copom), marcada para os dias 29 e 30 deste mês. Até a semana passada, o mercado esperava um corte de 0,50 ponto porcentual na Selic, que está atualmente em 14% ao ano para 13,50% aa. Agora -após a surpresa com a eleição do republicano Donald Trump para a presidência dos Estados Unidos e possíveis mudanças na política econômica americana com reflexos domésticos, as estimativas apontam para uma redução de 0,25 p.p., o que deixaria a taxa em 13,75% anuais ao fim de 2016. Já a taxa básica para o fim de 2017 permaneceu em 10,75% ao ano. Há um mês, a projeção para a Selic ao fim do próximo ano era de 11% aa. Na última ata do Copom, publicada no dia 25 de outubro, o colegiado voltou a afirmar que eventual intensificação do movimento de corte do juro dependerá da "evolução favorável de fatores". No documento da reunião em que o Banco Central reduziu o juro de 14,25% para 14%, os diretores da instituição argumentam que "a convergência da inflação para a meta em 2017 e 2018 é compatível com uma flexibilização moderada e gradual das condições monetárias". Câmbio. O documento divulgado pelo Banco Central indicou que a cotação da moeda estará em R$ 3,22 no encerramento de 2016, acima dos R$ 3,20 da projeção da semana anterior. Um 67
mês atrás, estava em R$ 3,25. O câmbio médio de 2016 permaneceu em R$ 3,43 - onde já estava um mês antes. As projeções não captaram totalmente o movimento da última sexta-feira, quando o Banco Central precisou intervir com força no mercado para segurar a alta do dólar, que chegou a bater na casa dos R$ 3,50. Para frear a explosão do câmbio, a autoridade monetária - que já havia suspendido a oferta de swap cambial reverso na quarta-feira - realizou três leilões de swap cambial tradicional com um montante de US$ 1,702 bilhão em contratos vendidos. Ainda assim, a moeda americana fechou o dia cotada a R$ 3,4053, no maior patamar desde 21 de junho deste ano, quando encerrou o dia vendida R$ 3,4134. Inflação. O Relatório traz leve mudança para a projeção de inflação em 2016. O Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) estimado para este ano passou de 6,88% para 6,84%. Há um mês estava em 7,01%. Já o índice para o ano que vem passou de 4,94% para 4,93%. Há quatro semanas apontava 5,04%. Na ata do último encontro do Comitê de Política Monetária (Copom), publicada no dia 25 de outubro, o Banco Central informou que a inflação projetada para 2016 no cenário de referência seguia em 7%. Para 2017, o cenário de referência projetava, de acordo com o BC, inflação em 4,3%, abaixo, portanto, da meta de 4,5%. No relatório Focus, entre as instituições que mais se aproximam do resultado efetivo do IPCA no médio prazo, denominadas Top 5, as medianas das projeções para este ano melhoraram, passando de 6,97% para 6,83%. Para 2017, foram de 5,03% para 4,81%. Quatro semanas atrás, as expectativas eram de, respectivamente, 7,02% e 5,13%. O Relatório não mostrou mudanças nas projeções para os preços administrados em 2016. A mediana das previsões do mercado financeiro para este indicador este ano seguiu em 6,00%. PIB. O Relatório de Mercado Focus desta semana mostrou uma mudança, para pior, nas projeções para a atividade no País, com recessão maior em 2016 e recuperação mais lenta em 2017. Pelo documento, as estimativas para o Produto Interno Bruto (PIB) este ano indicaram retração de 3,37% ante os 3,31% projetados uma semana atrás e os 3,19% de um mês antes.
Crowdfunding avança e vira opção ao pequeno investidor Apesar de recente, o equity crowdfunding é oportunidade para diversificar a carteira e conhecer negócios Fonte Jéssica Alves, Jornal O Estado de S. Paulo 14 Novembro 2016 às 06h00
Notícias relacionadas: Grandes lojas ‘escondem’ taxa de compras a prazo Para analistas, ‘efeito Trump’ no Brasil será indireto Seja no financiamento de uma hamburgueria ou de campanha política, o crowdfunding está se popularizando no Brasil. Mas o que muitos desconhecem é que existe uma evolução da ‘vaquinha virtual’ mais interessante quando o assunto é negócios: o investimento colaborativo. A modalidade, chamada de equity crowdfunding, tem apenas dois anos e dois mil investidores por aqui. Já foram captados R$ 14,3 milhões para 43 startups. Na modalidade, as startups lançam seus projetos e os investidores podem comprar participações via plataformas online a partir de R$ 1 mil. Cada empresa tem captado, em média, R$ 330 mil.
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Foto: Tiago Queiroz/Estadão
Para Miralla, o equity crowdfunding é maneira de conhecer investidores Os retornos são de médio e longo prazos e o investimento é de alto risco, mas tem seus atrativos. A modalidade é vista como uma oportunidade de diversificar a carteira e ingressar no universo das startups sem colocar todo o dinheiro e suor. “Sem a plataforma de equity, é muito difícil entrar nesse mercado, que na maioria é formado por ‘investidores anjos’, que são muito ricos”, diz Frederico Rizzo, da plataforma Broota. Além dessas vantagens, o investidor Bruno César, engenheiro de computação, destaca a “grande capacidade de análise” que ganhou ao ingressar na modalidade. “Já vejo com mais velocidade quais negócios podem dar certo ou não.” Bruno aplica em renda fixa, fundos e ações, mas foi no equity crowdfunding que teve contato com investidores estrangeiros e ampliou seu conhecimento. Renato Miralla já era empreendedor e entrou no investimento colaborativo por saber da dificuldade que é iniciar um negócio. Hoje, investe na startup Impact Hub, um espaço de coworking para empreendedores voltados a causas sociais. “Ainda não tive retorno, mas elas já abriram a 2.ª loja e têm números animadores”, diz. Estreia. O Urbe.Me, plataforma de crowdfunding imobiliário, acaba de fazer sua primeira distribuição de rendimentos. O empreendimento Libres, da construtora gaúcha Rotta Ely, arrecadou recursos de 145 investidores que receberam, na primeira quinzena de outubro, 22% do valor investido. Na prática, quem investiu R$ 1 mil, recebeu R$ 220. Paulo Deitos, sócio do Urbe.Me, explica que o retorno pode ocorrer em até 36 meses. “Apostar em negócios mais familiares, como o mercado imobiliário, pode ser uma boa opção para começar”, diz. Ciente dos receios e diante de um cenário onde reinam os títulos mais conservadores, as plataformas de equity crowdfunding têm buscado estratégias para atrair pessoa física, como as rodadas lideradas por fundos de investimento pequenos, chamados de capital semente, que 69
investem de R$ 100 mil a R$ 300 mil.“É mais seguro para o pequeno investidor, porque já existe um profissional que fez uma análise mais fria do negócio”, explica Diego Perez, da plataforma de equity StartMeUp. O fundo também pode futuramente vender sua participação para outros investidores e fazer acordos com fundos maiores, de venture capital. Mesmo com essas facilidades, é preciso cautela. “É um investimento arriscado porque não há fórmula mágica para fazer o negócio dar certo”, explica Rizzo. “É preciso ter confiança mútua”, diz Francisco D’Orto, da área de avaliação de empresas da Crowe Horwath. Como essas empresas são pequenas e não têm estrutura de gestão robusta, D’Orto aconselha exigir métricas para acompanhar o andamento do negócio e verificar o histórico do empreendedor. Esse é um dos mantras do investidor Bruno César: “É melhor ter um negócio ruim na mão de um bom empreendedor do que um bom negócio na mão de um mau empreendedor”.
Lucro da Caixa cai 67% e soma R$ 998,1 milhões no 3º trimestre No acumulado de nove meses deste ano, o lucro líquido da Caixa totalizou R$ 3,445 bilhões, queda de 47,1% Fonte Dayanne Sousa , Jornal O Estado de S. Paulo 14 Novembro 2016 às 08h48 Foto: Estadão
Índice de inadimplência da Caixa foi a 3,48% ao final de setembro
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SÃO PAULO - A Caixa Econômica Federal registrou retração de 67% no lucro líquido do terceiro trimestre, para R$ 998,1 milhões, na comparação com o montante visto um ano antes, de R$ 3,037 bilhões. No acumulado de nove meses deste ano, o lucro líquido da Caixa totalizou R$ 3,445 bilhões, queda de 47,1% ante igual período de 2015, quando o lucro acumulado era de R$ 6,520 bilhões. A carteira de crédito da Caixa ampliada totalizou de R$ 699,6 bilhões ao final de setembro, alta de 5% em relação igual mês do ano passado. Em comparação com dezembro, a carteira aumentou 3%. O índice de inadimplência da Caixa foi a 3,48% ao final de setembro, alta de 0,28 ponto porcentual em relação a junho, quando o índice foi de 3,20%. Segundo informou o banco em nota, o crescimento no período foi influenciado por um grupo econômico específico do setor de óleo e gás. Excluído esse efeito, a inadimplência alcançaria 3,26%, mais próxima do patamar do trimestre anterior, disse a Caixa.
Prejuízo da CSN diminui 81% no 3º trimestre e soma R$ 100 milhões Vendas de aço totalizaram 1,172 milhão de toneladas no período, alta de 2% em relação ao mesmo período do ano passado Fonte Jornal O Estado de S. Paulo, Luana Pavani e Carolina Marcondes, Especial para a Agência Estado 14 Novembro 2016 às 08h21
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Foto: Tasso Marcelo|Estadão
Dívida líquida ajustada teve alta de 10% sobre o terceiro trimestre de 2015 SÃO PAULO - A CSN teve prejuízo líquido de R$ 100 milhões no terceiro trimestre deste ano, uma redução de 81% em relação ao mesmo período de 2015 em que a cifra foi de R$ 533 milhões. Porém, ante o segundo trimestre, quando o resultado havia sido negativo em R$ 43 milhões, houve aumento do prejuízo em 131%. O prejuízo líquido reportado no terceiro trimestre veio 56% menor do que a expectativa de quatro instituições financeiras consultadas pelo Broadcast (BTG Pactual, Citi, Itaú BBA e Morgan Stanley), que apontava para uma perda de R$ 228 milhões. No intervalo de julho a setembro a CSN apurou Ebitda (lucro antes de juros, impostos, depreciação e amortização) no critério ajustado de R$ 1,239 bilhão, o que representa aumento de 45%, com margem Ebitda ajustada de 26,2%, acima dos 19,9% do terceiro trimestre de 2015 e do indicador de 18,7% do segundo trimestre de 2016. A receita líquida cresceu 12% para R$ 4,437 bilhões na comparação com o mesmo intervalo do ano passado e 2% ante o trimestre imediatamente anterior, o que a companhia atribui ao desempenho do segmento de mineração. O investimento da empresa foi de R$ 382 milhões no terceiro trimestre, o que representa uma queda de 52% em relação ao mesmo período de 2015. De acordo com a empresa, R$ 157 milhões foram investidos na unidade de cimentos, R$ 133 milhões em siderurgia, R$ 56 milhões em mineração e R$ 36 milhões em logística. Vendas. A CSN informou que as vendas de aço totalizaram 1,172 milhão de toneladas no terceiro trimestre de 2016, alta de 2% em relação ao mesmo período do ano passado.De acordo com a companhia, do total vendido no período 62% foi comercializado no mercado interno, 34% para as subsidiárias no exterior e 4% para exportação. 72
No que se refere ao montante vendido dentro do Brasil, a siderúrgica explica que foram 730 mil toneladas comercializadas, sendo 682 mil toneladas de aços planos e 49 mil toneladas de aços longos. Já as vendas de minério de ferro somaram 10,230 milhões de toneladas entre julho e setembro, crescimento de 35% ante o terceiro trimestre de 2015. Deste montante, 89% foi destinado à exportação e os 11% restantes, ao mercado interno. Segundo a CSN, o volume de venda de minério de ferro inclui 100% de participação na Namisa até novembro de 2015 e 100% de participação na Congonhas Minérios a partir de dezembro. "No terceiro trimestre de 2016, o mercado transoceânico de minério de ferro manteve-se influenciado pelos bons fundamentos do segmento siderúrgico na China. As políticas de estímulo à economia adotadas no início do ano continuaram exercendo efeito sobre o mercado imobiliário e sobre os investimentos em obras de infraestrutura, que foram os principais drivers do consumo de aço no país. Por sua vez, a desmobilização de altos fornos ultrapassados reduziu a base de oferta, conferindo maior poder de preço às usinas remanescentes", disse a CSN. O Custo de Produtos Vendidos (CPV) da siderurgia atingiu R$ 2,3 bilhões, aumento de 4% em relação ao terceiro trimestre de 2015. Endividamento. A dívida líquida ajustada teve alta de 10% sobre o terceiro trimestre de 2015 mas se manteve estável ante o segundo trimestre deste ano, totalizando R$ 25,842 bilhões. A alavancagem passou para 7,4x a relação dívida líquida sobre Ebitda - maior que a de 6,6x um ano atrás e menor que a de 8,3x do segundo trimestre. A disponibilidade de caixa ficou em R$ 5,663 bilhões, aumento de 54% em relação ao terceiro trimestre do ano passado e estável em comparação ao segundo trimestre. Tanto a dívida líquida ajustada quanto o caixa ajustado consideram 33,27% da participação na MRS, 60% na Namisa e 50% na CBSI até novembro de 2015. A partir de dezembro de 2015 passaram a considerar 100% da Congonhas Minérios, 37,27% da MRS e 50% da CBSI. Além disso, a CSN afirma que a exposição cambial no balanço consolidado de 30 de setembro de 2016 foi de US$ 1,826 bilhão. "Devemos destacar que dentro da exposição cambial líquida, está incluído um passivo de US$ 1 bilhão, na linha de Empréstimos e Financiamentos referente ao Bond Perpétuo, que considerando sua característica, não exigirá desembolso para liquidação do principal em futuro previsível", afirmou a empresa. COM FERNANDA GUIMARÃES
Conhecendo o novo chefe Ainda não dá para saber se as empresas americanas terão motivos para se alegrar ou se apavorar com Donald Trump Fonte The Economist 14 Novembro 2016 às 06h00 Apesar de ter se apresentado para os eleitores como um empresário capaz de pôr os Estados Unidos nos eixos, Donald Trump é um outsider no setor privado americano. Para os padrões ciclópicos das corporações do país, o magnata comanda uma operação comercial pouco mais que raquítica: até hoje, eram poucos os grandes executivos que o viam como um igual ou aliado. Ele “não tem amigos” na elite empresarial, disse há poucas semanas, sem esconder o desdém, um barão do seguimento de private equity, que agora provavelmente estará entre os executivos que ficarão se acotovelando em frente à Trump Tower, na Quinta Avenida, caprichando nos salamaleques para tentar cair nas graças do novo chefe e sondar suas prioridades enquanto ele não se muda para a Casa Branca. 73
Foto: Evan Vucci/AP
Donald Trump tem impulsos mais intervencionistas Os mendicantes de terno e gravata logo perceberão que a visão de Trump sobre o setor corporativo se caracteriza por três traços contraditórios. O presidente eleito quer eliminar os entraves que tolhem a força bruta do empresariado americano, impedindo-os de pôr a economia em marcha forçada. Por outro lado, o republicano também é um populista que acha que a economia vem sendo manipulada em favor de grandes grupos e apaniguados de Washington. E o protecionismo é uma de suas principais bandeiras. Nos próximos meses, essas três características levarão os empresários americanos a vibrar de entusiasmo, ficar com o pé atrás e tremer nas bases, respectivamente. Comecemos pelas coisas que farão a alegria dos executivos. As propostas tributárias de Trump foram ridicularizadas por economistas, mas, em termos gerais, serão muito bem aceitas pelas empresas. O presidente eleito disse que pretende reduzir a carga tributária do setor privado, atualmente em cerca de 40%, para 15%, eliminando, ao mesmo tempo, uma série de isenções que permitem a algumas empresas não pagar impostos. Trump também quer criar condições para viabilizar a repatriação de aproximadamente US$ 2 trilhões em lucros que as companhias americanas mantêm no exterior, sem que isso pese no bolso delas. Uma anistia tributária ou uma grande redução na alíquota a ser recolhida estimularia as empresas a repatriar uma montanha de recursos. A ideia de promover uma guerra à burocracia também fará sucesso entre os executivos. Em setembro, Trump foi ovacionado ao falar sobre o assunto para uma plateia formada por grandes empresários nova-iorquinos. A revogação da lei que instituiu o Obamacare pode ajudar as pequenas empresas, que se queixam de serem sufocadas pelas exigências burocráticas impostas pelo dispositivo. E, se o republicano for bem-sucedido em sua intenção de garrotear as autoridades ambientais do país, setores de atividade que são grandes emissores de carbono, incluindo os de petróleo, gás e carvão, devem passar a receber 74
tratamento mais indulgente. É possível que o secretário de Energia de Trump seja Harold Hamm, pioneiro na produção de petróleo e gás natural, na Dakota do Norte e em outros Estados, por meio da controversa técnica de fraturamento hidráulico. A realização de obras de infraestrutura também proporcionará grande satisfação ao empresariado. Não há executivo que não reclame das condições precárias das estradas e aeroportos americanos. Se a redução da carga tributária, a desregulamentação e os investimentos em infraestrutura são coisas que agradarão tanto as menores empresas, como as maiores, estas últimas devem estar preocupadas com o segundo elemento que marca a visão de Trump sobre o setor privado: a ideia de que a economia americana está sujeita a manipulações e distorções que resultam em prejuízos para consumidores e trabalhadores. Muitos acreditavam que, se tivesse vencido a eleição, Hillary Clinton tentaria reforçar o aparato antitruste dos EUA, a fim de combater a queda na concorrência. Durante a campanha, Trump foi ambíguo em relação à questão. Em outubro, o republicano se manifestou contrariamente à compra da Time Warner pela AT&T, uma vez que o negócio de US$ 109 bilhões produzirá, em sua opinião, concentração excessiva no setor de mídia. Por outro lado, não se mostrou tão preocupado com os preços elevados praticados pela indústria farmacêutica. Políticas que estimulem a competição e combatam privilégios fazem todo o sentido. O risco, porém, é que Trump transforme isso num enfrentamento populista com as grandes corporações, coisa que deve preocupar, em especial, dois grandes centros de poder na economia americana: Wall Street e Vale do Silício. Trump quer revogar a intrincada lei DoddFrank, que foi aprovada depois da crise financeira de 2008 para reforçar a regulamentação dos bancos. Os executivos do setor a detestam. Mas o republicano também propôs que os bancos de investimento sejam separados dos bancos comerciais e de varejo, coisa que seria um pesadelo para instituições como o JPMorgan Chase, que penaram para se adaptar às novas regras. O Vale do Silício é outro potencial foco de tensão. Gigantes como Facebook e Google, que muitas vezes adotam posições que beiram a arrogância, durante a campanha se mostraram abertamente hostis a Trump. Até o momento, os ataques do presidente eleito se concentraram no que ele chama de “tendências monopolistas” da Amazon. Mas não é difícil imaginá-lo obrigando a Apple a desbloquear os iPhones de seus consumidores por motivos de segurança nacional. Isso para não falar que a visão liberal e disruptiva que o setor de tecnologia tem da economia americana provavelmente entrará em rota de colisão com as tendências mais xenófobas de Trump. Apesar disso, é o terceiro aspecto da atitude do presidente eleito em relação ao setor privado, seu protecionismo, que mais prejuízo pode causar. De meados da década de 70, quando Trump fechou seu primeiro grande negócio – a construção do Hyatt Hotel no coração de Manhattan –? para cá, as corporações americanas só fizeram intensificar suas aventuras em terras estrangeiras: atualmente, 44% do faturamento das companhias incluídas no índice S&P 500 é gerado no exterior. Empresas globais serão pressionadas a aumentar a produção fabril no país. Durante a campanha, Trump criticou duramente a Ford e a fabricante de alimentos Mondelez por gerarem poucos empregos nos EUA. Eventuais guerras comerciais e aumentos nas tarifas de importação podem produzir gargalos nas cadeias de suprimento: a indústria automobilística americana depende sobremaneira de fornecedoras mexicanas de autopeças. Além disso, se Trump impuser tarifas às importações de produtos chineses, como disse que faria, é de se esperar que a China reaja com restrições às atividades das multinacionais americanas que atuam em seu território, com vendas que chegam a US$ 300 bilhões por ano. Muitos executivos americanos tentarão se convencer de que, por maiores que sejam os defeitos de Trump em outras áreas, ele pelo menos tem intimidade com o mundo dos 75
negócios. De fato, o presidente eleito é alguém naturalmente mais aberto aos interesses e necessidades das empresas do que Obama ou Hillary. Em contrapartida, também tem impulsos mais intervencionistas: pretende usar as corporações americanas para alavancar seu projeto de “renascimento nacional”. Em sua primeira carreira, como autointitulado magnata da construção civil, Trump não deixou grandes marcas na América corporativa. Na segunda, como político, pode causar impacto profundo.
Gasto com alimentos cresce, e iogurtes voltam à lista Nos 12 meses terminados em agosto, a cesta de consumo cresceu 0,7% em valor, em relação ao mesmo período do ano anterior FONTE JORNAL GLOBO GLAUCE CAVALCANTI 14/11/2016 ÀS 08H 58
Nova rotina. A tradutora Elisabeth Lattuca diz preferir comprar menos vezes ou optar por embalagens menores a abrir mão da qualidade: após avaliar preços, levou para casa óleo de soja comum, pois os especiais estavam muito caros - Fotos de Mônica Imbuzeiro RIO - Apesar da ginástica para fazer as compras do mês caberem no bolso em tempos de arrocho no orçamento, o brasileiro começa a encher um pouco mais o carrinho. Nos 12 meses terminados em agosto, a cesta de consumo — de alimentos, bebidas, produtos de limpeza e higiene e beleza industrializados — cresceu 0,7% em valor, em relação ao mesmo período do ano anterior. Quando o recorte é apenas em alimentos, porém, o avanço é de 5,6%, já descontada a inflação, ou seja, esse é um crescimento real, segundo dados da consultoria Kantar Worldpanel. Veja também:
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Produtos-ícone dos anos de ganho de renda no país, como os iogurtes, estão entre os que recuperaram espaço na lista de compras. Sobem ainda artigos como embutidos, alternativa a proteínas mais caras, e o açúcar, sinal de que se está cozinhando mais em casa. Mesmo os onipresentes pães e massas, cujo consumo encolheu em 2015, registram crescimento. A queda da inflação em setembro, puxada principalmente pelo recuo nos alimentos, contribuiu para isso. A recuperação do poder de compra, contudo, só deve vir com a retomada do emprego. — Em 2015, tivemos uma situação bem negativa, com quase todas as categorias de alimentos registrando perdas. Este ano, vemos recuperação em grande parte das categorias ou, ao menos, perdas menos intensas. Há tendência de recuperação — explica Maria Ferreira, diretora de Marketing da Kantar. — Não voltamos aos patamares pré-crise, mas estamos deixando de perder e tendo aumentos. O impulso, diz Maria, vem também do fato de os alimentos serem produtos de primeira necessidade, portanto, de reação rápida ao primeiro sinal de melhora na confiança ou queda de preços. Em setembro, os supermercados do Rio registraram queda real em vendas de 0,87% sobre igual mês de 2015. Em agosto, o recuo havia sido de 1,36% em 12 meses, segundo a Asserj, que reúne o setor no estado. — A economia começa a dar sinais de estabilidade, e isso se reflete rapidamente na confiança do consumidor. É uma tendência, mas será uma recuperação lenta e gradual — diz Fábio Queiroz, presidente Asserj. — Esperamos encerrar 2016 com estabilidade em vendas frente a 2015, quando houve redução de 2,21% sobre 2014. Para André Braz, economista do Ibre/FGV, a recuperação virá à medida que a atividade econômica começar a crescer: — O desemprego ainda é muito alto, reflexo de uma atividade econômica fraca. Ainda não há indicador que diga que a renda das famílias melhorou, e isso tira a capacidade de pagar contas. Só com mais emprego haverá a possibilidade de consumir mais. A maioria dos brasileiros continua optando pelo que cabe no orçamento — avalia Braz. A renda média do trabalhador caiu de R$ 2.070, em setembro de 2013, para R$ 2.015 em setembro deste ano, segundo o IBGE. Já a inflação — sempre considerando a medição para o período de 12 meses terminado em setembro — saltou de 5,86%, em 2013, para 9,49% em 2015. Neste ano, perdeu fôlego e fechou em 8,48%. Na crise, diz Queiroz, da Asserj, primeiro, o consumidor corta serviços, indo do restaurante para o supermercado. Depois, substitui itens da marca líder por mais baratos. Por fim, compra menos. — Passamos por tudo isso, sobretudo em 2015. Mas o varejo entendeu que era preciso frear o movimento. Houve parceria com indústrias em busca de preços e formatos de embalagens que coubessem no bolso do consumidor, além de promoções para garantir vendas — diz. ALTA NAS VENDAS DE LINGUIÇA, AÇÚCAR E IOGURTE A tradutora carioca Elisabeth Lattuca conta que a ida ao mercado é um exercício de escolhas: 77
— Prefiro reduzir a regularidade do que a qualidade. Compro iogurte grego, por exemplo, mas optando por embalagens menores. Hoje peguei o óleo de soja tradicional porque achei os especiais caros. A escolha de Elisabeth reflete os dados levantados pela Kantar, que aponta três produtos em especial puxando o crescimento das vendas: linguiça, açúcar e iogurtes. Os iogurtes saltaram de perda em volume de 8% em 2015 para alta de 6% nos 12 meses terminados em agosto deste ano. Perdem os mais caros, como os funcionais, cuja queda passou de 28% para 14%, na mesma comparação, e os light, com recuo de 15% e 4%, respectivamente. Por outro lado, os do tipo grego encolheram apenas 2% em 2015 e, agora, avançam 29%. Sobe também o iogurte líquido, com 18%. — O consumidor procura o mais barato e também a novidade. Opta por embalagens menores para manter o consumo diz Maria, da Kantar. A tendência fica clara ao se observar os alimentos com maior peso negativo no crescimento em valor da cesta de alimentos: óleos especiais (-5%), complemento alimentar (-12%) e lanche pronto (-10%). O arrocho chegou até mesmo ao pão e ao macarrão, mas já perde força. Em 2015, o consumo de derivados de farinha de trigo caiu 8% no país, segundo a Abitrigo, que reúne as empresas do setor de moagem. Este ano, o consumo está estável, com perspectiva de voltar a crescer em 2017, diz Marcelo Vosnika, presidente da associação: — Nunca houve queda no consumo de derivados de farinha de trigo. Até esta crise, as pessoas mudavam de produto. Desta vez, deixaram de comprar. Pães, biscoitos e massas são itens consumidos por todas as classes. Na categoria global de biscoitos, segundo dados da Kantar, as vendas caíram 5% em 2015. Já o tipo waffer recuou 15%. Este ano, os biscoitos tiveram alta de 3%, enquanto a queda das vendas do waffer foi reduzida a 1%. — É preciso entender que o consumidor mudou. Busca simplicidade, mas também diversidade. E vai mesclar as compras para alcançar o que o bolso permitir. A farinha de trigo, por exemplo, recuou 4% em volume em 2015. Este ano, cresceu 2%. É efeito das pessoas cozinhando em casa — diz Christine Pereira, diretora de Negócios e Marketing da Kantar. Essa tendência explica a queda nas vendas de bolos industrializados, de 7% em 2015 e de 6% este ano. Já as massas frescas de melhor qualidade e que podem substituir a ida ao restaurante avançaram 5% no ano passado e 14% em 2016. — Busco promoções, comparo preços, focada em qualidade. Ampliei o número de idas ao mercado, comprando menos. Quanto mais comida em casa, mais se come — conta a massoterapeuta Elisabeth Novais. RETOMADA DO CONSUMO DOS ITENS DE MARCA Alex Ribeiro, diretor da rede Prezunic, vê um movimento de melhora nas prateleiras:
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— Nos alimentos industrializados não houve migração (para mais baratos) este ano, mas opção por embalagem econômica, para não abrir mão da marca. Em 2015, o ajuste foi mais severo. Neste segundo semestre, ressalta, há melhora na venda de biscoitos e de congelados, além de retomada no consumo de produtos de marcas tradicionais e de itens mais caros, como requeijão. — Não abro mão das marcas que costumamos consumir. Arrisco outra de menor preço só com boa referência sobre qualidade — diz o economista aposentado Newton Voigt, que reduziu o consumo de queijo por causa dos preços, mas não abriu mão da carne. — Seria muito sacrifício. Já Fernando Pereira, autônomo, vai atrás de ofertas, para não ter de cortar sua lista: — Vou ao mercado em dias de promoções. E compro produtos com a data de validade perto de expirar, o que garante preço melhor.
Desigualdade nos EUA avança com globalização Entre americanos, 1% mais rico tem 22% da renda. Disparidade ajuda a explicar apoio a Trump FONTE JORNAL GLOBO CÁSSIA ALMEIDA 13/11/2016 ÀS 11H54
Comício em Michigan: trabalhadores menos qualificados e brancos foram os que mais votaram em Trump, apoiando seu discurso contra a globalização - Evan Vucci / Evan Vucci/AP/6-11-2016 RIO - A globalização foi a vilã apontada pelo presidente eleito dos Estados Unidos, Donald Trump, para atrair a classe média de regiões que já foram potências industriais. A vitória de Trump, amparada nesse discurso, intensificou o debate sobre os efeitos da ampla abertura comercial a partir dos anos 1990 sobre a vida dos cidadãos em diferentes partes do planeta.
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Assessor de Trump, ex-presidente da Câmara admite recuo sobre México pagar muro No mundo, as nações pobres e ricas se aproximaram com a globalização, e a desigualdade diminuiu. Mas, dentro de cada país, a renda ficou mais concentrada, dizem especialistas. Esse fenômeno afetou não só os EUA, como também a China — alvo preferencial do discurso protecionista de Trump. E os que menos ganharam com a globalização foram os 20% mais ricos no mundo, ou seja, a classe média e média baixa das economias avançadas, afirma a economista Monica de Bolle, pesquisadora do Peterson Institute e professora da Universidade Johns Hopkins, em Washington: — O Brexit (a saída do Reino Unido da União Europeia) e a eleição de Trump têm vários matizes, além da distribuição de renda. Essas pessoas se sentiram deixadas para trás. Outros melhoraram muito mais do que eles. O que importa é sua posição relativa. A economia comportamental explica isso. As pessoas preferem ganhar R$ 50 enquanto todo mundo ganha R$ 20, do que ganhar R$ 100, se todo mundo estiver ganhando R$ 200. O sentimento de estar acima dos outros é preponderante. A mudança da estrutura produtiva, o avanço tecnológico e até os valores culturais de cada canto do planeta são a outra parte da história para entender os motivos de parte da população na Europa e nos EUA querer fechar seus mercados e suas fronteiras. Nessa equação, a desigualdade é uma explicação comum. No caso dos EUA, o país, que já era o mais desigual entre seus pares de economia avançada, a disparidade de renda hoje já é tão grande como no Brasil. Entre os americanos, o 1% mais rico da população concentra 22% da renda, parcela semelhante à apropriada no Brasil pelo topo da pirâmide. Há menos de uma década, os mais ricos americanos concentravam cerca de 12% dos ganhos do país. CRISE DE 2008 EXPÔS A DIVISÃO Marcelo Medeiros, sociólogo do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) e da UnB, especialista em desigualdade e pobreza, diz que a classe média fabril americana viu a renda estagnar e perdeu a estabilidade com a transferência da produção para a Ásia. Contra esses efeitos, nenhuma medida foi tomada. Ao contrário, políticas públicas aprofundaram a crise: — A estrutura sindical foi destruída, as regras trabalhistas foram flexibilizadas, tornando o trabalho mais inseguro, e não se preparou esses trabalhadores para a economia 3.0. O topo da distribuição de renda, os trabalhadores qualificados, a economia digital e, principalmente, o setor financeiro aumentaram sua renda. Não se mudou a estrutura tributária para redistribuir os ganhos gigantescos dessa parte da população. Segundo Medeiros, o processo de globalização transformou a China numa potência industrial:
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— A produção industrial menos sofisticada da Europa, dos EUA e até da América Latina migrou para a China. Não dá para atribuir todas as mudanças à globalização. Mas a Ásia virar a grande potência industrial só foi possível no mundo globalizado — afirma Medeiros. A globalização beneficiou os pobres dos países subdesenvolvidos e prejudicou os pobres dos países desenvolvidos, afirma José Márcio Camargo, professor da PUC. — Se, por um lado, houve o empobrecimento dessas pessoas no mundo ocidental, esse processo de globalização reduziu a pobreza no mundo de forma espetacular. Desde 1995, o preço internacional da TV caiu 96%, e o do brinquedo, 67%, o que significou um aumento monumental de renda real das pessoas. Já os preços dos serviços subiram: os médicos, 100%; matrícula escolar, 197%. Quem estava no setor de educação teve ganho de renda, mas o produtor de TV, não. Tudo ia bem enquanto o mundo crescia 6%, 7% ao ano, lembra Camargo. Com a crise de 2008, a insatisfação com a desigualdade aflorou, porque “quando se chega perto da estagnação, acaba a expectativa de melhora, e a única solução é se revoltar”, diz o economista. — A crise torna pior o quadro preexistente, com estagnação de renda, desemprego. Os que mais sofreram com a crise foram os mesmos que já estavam sofrendo com a globalização. Os trabalhadores de Pensilvânia, Ohio, Michigan, da indústria tradicional, antes tinham um bom salário. Hoje, não conseguem o mesmo nível nem de perto, porque a indústria tradicional acabou, e não foi só pela globalização. Toda a transformação tecnológica e a mudança da estrutura produtiva acabaram com o emprego desses pessoas complementa Monica. Sergei Soares, do Ipea, que atualmente é pesquisador visitante do Centro Global de Desenvolvimento, em Washington, diz que a saída dos trabalhadores da indústria para o setor de serviços se estreitou: — O caminho seria se deslocar para os serviços, mas neles há uma concorrência forte dos imigrantes. Estão presos, sem saída. E as políticas sociais foram esvaziadas, até mesmo por pressão dessa mesma população. Hoje, só contam com food stamps. Os especialistas temem uma onda protecionista, mesmo achando improvável estabelecer tarifas de importação muito altas, pois as grandes empresas americanas trabalham em cadeias globais de produção. O último movimento protecionista desse tipo aconteceu na Grande Depressão dos anos 1930. — Trump é um empresário, vive no meio deles. Mas é muito difícil agora saber o que vai acontecer — afirma Monica. Segundo Sergei, se os EUA ficarem mais protecionistas, vão sofrer retaliação de outros países, e o mundo se fecha: — Esse é um jogo de perde-perde. Mas se Trump não oferecer uma resposta a essa população que o elegeu, vai embora em quatro anos.
Política: 81
Apesar da crise, estado vai gastar R$ 2,1 bi em benefícios Dinheiro será usado em auxílios para moradia, combustível, educação e transporte de servidores públicos
Tribunal de Justiça do Rio durante pronunciamento do desembargador Luiz Fernando Ribeiro de Carvalho, no início de novembro - Domingos Peixoto / Agência O Globo FONTE JORNAL GLOBO ELENILCE BOTTARI / RAFAEL GALDO / SELMA SCHMIDT 13/11/2016 ÀS 07H47 RIO - Enquanto o estado tenta aprovar, em meio à calamidade financeira, um pacote de austeridade que extingue programas sociais e atinge salários, Judiciário, Ministério Público, Legislativo, Tribunal de Contas — e o próprio Executivo — mantêm intocados benefícios que, na proposta orçamentária para 2017, deverão ultrapassar R$ 2,1 bilhões. O dinheiro será gasto com auxílios para moradia, combustível, educação e transporte, entre outros, que estão respaldados por lei e que favorecem da base dos servidores aos deputados, passando por procuradores e desembargadores. O valor equivale a 35% dos R$ 5,9 bilhões que o governo quer arrecadar com o aumento da alíquota e a criação de uma contribuição previdenciária suplementar para o funcionalismo. É ainda 28 vezes maior do que os R$ 74,1 milhões que o estado espera economizar com a extinção do aluguel social. A conta é grande e, ao mesmo tempo, discreta: prova disso é que a Assembleia Legislativa (Alerj) não informa o total de sua despesa com esses benefícios. Veja também:
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É certo que a ajuda não chega a ser pomposa para todos. Assim como as remunerações variam de acordo com os cargos, os benefícios se diversificam conforme o nível de poder. Nessa matemática seletiva, um professor da rede estadual tem R$ 158 mensais de auxílioalimentação (R$ 7,18 por dia útil). Um funcionário do Tribunal de Justiça recebe bem mais: R$ 1.050 por mês (R$ 47,72 diários). E, se for um magistrado, o benefício chega a R$ 1.825 (R$ 82,95 por dia). Uma única juíza da Região dos Lagos recebeu, em agosto, benefícios que resultaram num acréscimo de R$ 11,6 mil em seu salário bruto, de aproximadamente R$ 28 mil. Ao todo, 854 magistrados e 900 funcionários do Ministério Público têm direito a R$ 4.377,73 mensais de auxílio-moradia. O benefício também é concedido — em valor menor, R$ 3.189,85 — a 11 deputados que moram a mais de 150 quilômetros da capital do estado. E todos os 70 parlamentares fluminenses contam com um cartão para gastar R$ 2.970 em combustível por mês. Eles ainda têm, em tempos de e-mail, uma cota mensal de mil selos para envio de correspondências. — Isso é incoerente. O estado tenta fazer ajustes e não mexe nos auxílios? Se precisamos sacrificar, vamos sacrificar todo mundo, não só aqueles que eventualmente têm um rendimento menor. Alguns desses auxílios são, na prática, complementos salariais, como o caso do auxílio-moradia — diz o especialista em direito previdenciário Theodoro Agostinho. O advogado Carlos Jund, da Federação das Associações e dos Sindicatos dos Servidores Públicos (Fasp), também vê no pagamento de benefícios uma forma de salário indireto: — Os benefícios variam de categoria para categoria. São auxílios de natureza indenizatória que não entram no cálculo do teto salarial. Há categorias que precisam recebê-los, o objetivo é evitar que o setor público perca profissionais para o setor privado. O que contesto é a camuflagem do sistema de pagamentos. MP e TJ: ajuda de R$ 1,1 bilhão A previsão de gastos com benefícios para 2017 está embutida na proposta orçamentária do estado, que ainda não foi aprovada e que deverá ser revista após a votação do pacote de austeridade do governo. Mas há poucos detalhes sobre auxílios no projeto de lei enviado à Alerj. Para levantá-los, repórteres do GLOBO precisaram vasculhar os sites das instituições que os concedem e buscar dados junto aos poderes. As informações disponíveis revelam que o Ministério Público e o Tribunal de Justiça são generosos: no ano que vem, planejam destinar ao pagamento de auxílios 28,7% e 26,7%, respectivamente, de suas despesas com pessoal e encargos sociais. O MP estima gastar R$ 293 milhões em benefícios, ou 18,76% de seu orçamento de R$ 1,561 bilhão. Pela proposta do TJ, dos R$ 4,66 bilhões de despesas previstas para o próximo ano, R$ 808,65 milhões (17,3% do total) são para assegurar benefícios. Desse valor, R$ 153 milhões têm como fonte o tesouro estadual. Outros R$ 655,65 milhões sairiam da receita própria — remuneração paga pelo Banco do Brasil para ter exclusividade na administração dos depósitos judiciais (0,27% do saldo médio mensal). Só em auxílios para magistrados, a despesa prevista é de R$ 137,3 milhões. Juízes e desembargadores, que não ganham menos de R$ 27 mil brutos, recebem, em geral, mais benefícios que os servidores lotados no TJ. Em média, cada um ganhou, na folha de agosto, 83
cerca de R$ 7,8 mil brutos em ajuda de custo para transporte e mudança, auxílio-alimentação, moradia e educação, além de indenizações de transporte e por dias de compensação de plantão não usufruídos (repouso remunerado). No Executivo, benefícios minguados Os servidores do TJ têm situação mais confortável que a de outros funcionários do estado. Mesmo assim, reina o descontentamento. Há dez anos como técnica judiciária, Marluce do Nascimento diz que, apesar dos auxílios, é difícil sobreviver com o que ganha. — Recebemos outubro em três parcelas, por conta dos arrestos nos cofres do estado. Estamos sem reajuste há dois anos. Querem congelar nossos salários por mais dois. Também acumulamos perdas com a inflação — reclama Marluce, que compara seus benefícios aos dos magistrados: — Tudo bem que tenham salários superiores ao nosso, mas eles ganham mais auxílios. Em valores absolutos, é o Executivo que paga mais benefícios: estão previstos R$ 961 milhões em auxílios para 2017. Mas trata-se também do poder com maior número de servidores: 467.516, somando ativos, inativos e pensionistas. Em geral, eles recebem valores bem mais baixos que os do TJ. Dos órgãos da administração direta do governo, o que oferece o maior auxílio-alimentação é a Polícia Civil, que repassa R$ 263,89 (R$ 12 por dia útil) a cada funcionário. Agente do Departamento Geral de Ações Sócio-Educativas (Degase), Eduardo Pereira Neto conta que os auxílios que recebe são tão pequenos que passam até despercebidos no contracheque. — Trabalhamos sob constante risco e não temos sequer adicional de insalubridade. Lidamos com jovens que estupram e matam — reclama Eduardo, que mora com a mulher e dois enteados em São Gonçalo e que, há dois anos no Degase, recebe R$ 2.500 líquidos. — Para nossa salvação, minha esposa trabalha como gerente num posto de gasolina. Há discrepâncias dentro do Executivo. Dos 33 órgãos da administração direta, apenas as secretarias de Segurança, Saúde, Educação e Administração Penitenciária, além de Degase, polícias Civil e Militar e Corpo de Bombeiros têm direito ao auxílio-alimentação. O benefício é concedido a quase todas as autarquias, fundações e empresas do estado. Na Alerj, a ajuda para a alimentação é de R$ 40 por dia útil. Funcionários com filho de até 24 anos matriculado numa escola ou faculdade, pública ou privada, têm direito a uma bolsa de reforço escolar de, no mínimo, R$ 1.052,00 (valor bruto). De janeiro a agosto, só esse benefício custou R$ 34,7 milhões à Casa. Assim como a Alerj, a Defensoria Pública não informou os gastos previstos com auxílios em 2017. Já o TCE estipula uma despesa de R$ 62,7 milhões com benefícios no próximo ano. TJ diz que benefícios estão previstos em lei Apesar da conta bilionária referente ao pagamento de auxílios, os órgãos do estado se defendem. Dizem que seguem as leis e que até estão reduzindo os gastos com esses benefícios. O Tribunal de Justiça, que abriu seus números em detalhes, alega que os diferentes 84
tipos de ajuda recebida por seus magistrados e servidores decorrem de legislações específicas. Por meio de uma nota, afirma que “o Judiciário sempre irá observar suas dotações orçamentárias e os rígidos limites imputados na Lei de Responsabilidade Fiscal”. Além disso, lembra que auxílios para moradia e alimentação não são exclusivos de magistrados — também os recebem funcionários do Ministério Público, do Tribunal de Contas e da Assembleia Legislativa. Com auxílio-moradia para seus juízes e desembargadores, o Tribunal de Justiça gastou de janeiro a outubro deste ano R$ 37 milhões. No total, nos dez primeiros meses de 2016, os magistrados receberam ainda R$ 15,5 milhões para alimentação; R$ 2,5 milhões de auxílio préescolar (para aqueles que têm dependentes até 7 anos), R$ 4,49 milhões de auxílio-educação e R$ 7,47 milhões de indenização com transporte (magistrados de primeiro grau). Para o ano que vem, o tribunal prevê um gasto total de R$ 50 milhões com moradia para os magistrados. Para todos os funcionários, o TJ ainda destinará R$ 22 milhões à alimentação, R$ 3,5 milhões ao auxílio pré-escolar, R$ 10,5 milhões ao transporte e R$ 7,3 milhões à educação. Os valores provocam críticas entre servidores do Executivo. — Que o Judiciário continue a receber auxílios, mas que nos paguem os mesmos benefícios — diz Marta Moraes, coordenadora do Sindicato estadual dos Profissionais do Ensino (Sepe). Diretor do Sindicato dos Médicos, José Antônio Romano reclama que profissionais de saúde estão há 18 anos sem aumento real de salário: — Há marajás nos outros poderes. Sobram auxílios para creche, transporte, alimentação... Nenhum médico do estado tem tantos direitos. Alerj e MP tentam reduzir despesas Na defesa de seus gastos, o Ministério Público e a Assembleia Legislativa afirmaram que têm tomado medidas para reduzir todas as suas despesas, inclusive com benefícios. Ao não informar o total que planeja pagar em 2017 com auxílios a servidores e deputados, a Alerj argumentou, por e-mail, que em seu orçamento não consta a rubrica “despesas com benefícios”. Porém frisou que tem feito revisões nas ajudas concedidas. A Casa informou, por exemplo, que a cota de selos à qual cada deputado tem direito caiu de três mil para mil. Alegou também que o cartão- combustível dos parlamentares está congelado em R$ 2.970 desde a legislatura anterior. Foi estabelecido ainda um limite de duas bolsas de reforço escolar, no valor de R$ 1.052 cada, a funcionários com filho de até 24 anos de idade matriculado em creche, escola ou faculdade. No entanto, observando a folha de pagamento de agosto do Legislativo, há assessores parlamentares e assistentes que recebem R$ 6.314,04 por meio desse auxílio, o equivalente a seis bolsas. “Ressalte-se que os salários dos funcionários da Alerj não têm reajuste desde 2014. As medidas de contenção de gastos geraram economia de R$ 169 milhões em 2015. Ressalte-se, também, que, entre 2014 e setembro de 2016, houve redução de 16% no custeio. Isso permitiu à Alerj fazer uma série de doações ao estado”, destacou a Casa em uma nota.
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No total de gastos com pessoal, a Alerj também garante que economizou: de um orçamento de R$ 862 milhões, gastou R$ 539 milhões até outubro deste ano. “Em outras palavras, não significa que toda a despesa prevista para o ano que vem será executada. Ademais, como o orçamento ainda será votado e aprovado, esses valores (de 2017) devem mudar”, observou a Alerj. Já o Ministério Público se limitou a dizer que o Órgão Especial do Colégio de Procuradores de Justiça aprovou, por unanimidade, a sua proposta orçamentária para o exercício de 2017, no montante de R$ 1,59 bilhão. A elaboração foi conduzida, segundo um comunicado, “com extrema atenção ao princípio da eficiência do gasto público” e levando em conta a crise pela qual passa o estado. Este ano, o MP assegura que economizará cerca de R$ 220 milhões, pois executará 88% do orçamento de 2016, previsto em R$ 1,53 bilhão. Procurados, o TCE e a Defensoria Pública não apresentaram seus argumentos.
Renan busca aval de Temer a ações contra Judiciário Em almoço, presidente do Senado defendeu pente-fino em salários de juízes e disse que convidará Moro para debater abuso de autoridade Fonte Erich Decat, Jornal O Estado de S. Paulo 14 Novembro 2016 às 06h00 Notícias relacionadas: Força-tarefa monitora ‘acordo’ entre políticos e empresas em ofensiva do Congresso Lava Jato protesta contra inclusão de procuradores e juízes na lei de crimes de responsabilidade Renan diz que votação da reforma política será retomada na próxima quarta-feira
BRASÍLIA - O presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), buscou respaldo político do Palácio do Planalto, da Câmara dos Deputados e do Tribunal de Contas da União (TCU) para as ações que tem levado adiante no Congresso Nacional contra o Judiciário. De um encontro realizado no sábado na residência oficial do Senado e regado a feijoada e caipirinha, participaram o presidente Michel Temer; o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ); o líder do PMDB no Senado, Eunício Oliveira (CE); o secretário executivo do Programa de Parcerias de Investimentos (PPI), Moreira Franco; o ex-presidente José Sarney; o presidente do TCU, Aroldo Cedraz; e outros dois ministros da Corte, Bruno Dantas e Vital do Rego Filho. Procuradas, as assessorias de Renan, Temer e Cedraz não se manifestaram.
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Foto: André Dusek|Estadão
Renan Calheiros conduz no Congresso ações que atingem o Judiciário As recentes movimentações de Renan contra o Judiciário foram o principal assunto do encontro. Ele instalou na quinta-feira uma comissão especial para fazer um pente-fino nos contracheques de quem fura o teto do funcionalismo. O foco são os supersalários do Judiciário e do Ministério Público. O presidente do Senado também deve anunciar nesta semana um novo relator do projeto da Lei de Abuso de Autoridade, que na prática limita a atuação de investigadores. A proposta tem sido alvo de críticas da Operação Lava Jato. No almoço, segundo fontes, Renan, que deixa a presidência do Senado em fevereiro, ressaltou que a comissão criada para investigar os supersalários vai “incomodar muito”. Ele citou como exemplo a ser investigado o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, onde haveria muitos supersalários. Também apontou como contrassenso o fato de, atualmente, a pena máxima para os magistrados ser a aposentadoria compulsória. Lembrou da decisão da terça-feira passada, tomada pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) contra a juíza Olga Regina de Souza Santiago, do Tribunal de Justiça da Bahia (TJ-BA). Ela é acusada de envolvimento com narcotraficantes e foi aposentada compulsoriamente. Em sua defesa, a juíza tentou justificar o recebimento dos pagamentos alegando que o narcotraficante se interessou pela casa de veraneio da família. Presente nas conversas, Temer ouviu os interlocutores, mas não fez nenhum comentário a respeito. Apesar do silêncio do presidente, nas avaliações colocadas no encontro e em conversas entre integrantes da cúpula do Congresso, o entendimento é de que os avanços das investigações por parte da comissão servirão para mostrar as “mazelas” do Judiciário, em um momento em que vários setores da sociedade e os parlamentares discutem como implementar o teto de gastos públicos.
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Em meio às colocações de Renan, o presidente do TCU, Aroldo Cedraz, se colocou à disposição para ajudar no levantamento e cruzamento de dados dos “supersalários”. O filho de Aroldo, o advogado Tiago Cedraz, é citado em depoimentos do empresário Ricardo Pessoa, dono da UTC Engenharia e um dos delatores da Lava Jato. Tiago alega que nunca patrocinou nenhum caso do grupo UTC perante o TCU. Nas conversas mais reservadas, alguns chegam até a desafiar quem vai à comissão defender o pagamento de “supersalários”, que em alguns casos podem chegar até a R$ 200 mil. Convite. Na feijoada, Renan também comunicou aos presentes sobre o convite que fará ao juiz Sérgio Moro, um dos principais responsáveis por conduzir a Operação Lava Jato, para discutir o projeto que altera o texto da Lei de Abuso de Autoridade. A proposta passou a ser defendida mais intensamente por Renan após se deflagrada a Operação Métis, em que policiais federais fizeram busca e apreensão nas dependências do Senado, com autorização de um juiz federal. Integrantes da cúpula do Congresso, consideram que Moro não vai se posicionar a favor de abusos cometidos por autoridades, nem fazer da comissão um palanque para si. Segundo presentes à reunião, apesar das críticas, Renan estava descontraído e chegou até a brincar com a escolha de senadora Kátia Abreu (PMDB-TO) para a relatoria da comissão. Segundo ele, não escolheu o futuro líder do governo, Romero Jucá (PMDB-RR), em razão de “a cota de coragem” do senador já ter esgotado. Os dois peemedebistas constam hoje do rol de congressistas que são investigados na Operação Lava Jato e negam qualquer irregularidade em suas condutas. Câmara. As conversas também se desenrolaram para a sucessão da Câmara dos Deputados prevista para fevereiro. Na frente de Maia, Renan ressaltou que via legitimidade na tentativa do deputado em tentar se reeleger.
Prescrição atinge um terço de ações contra políticos no Supremo
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Sessão plenária do Supremo Tribunal Federal
FONTE JORNAL FOLHA de S. PAULO, RUBENS VALENTE e CAMILA MATTOSO DE BRASÍLIA 14/11/2016 às 02h00 Levantamento feito pela Folha revela que um terço das ações penais concluídas no STF (Supremo Tribunal Federal) sobre congressistas com foro na corte foi arquivado nos últimos dez anos por causa da prescrição dos crimes. A demora que levou à prescrição, definida pelo Judiciário quando o Estado perde o direito de condenar um réu porque não conseguiu encerrar o processo em tempo hábil, leva em conta o andamento da ação nas instâncias inferiores e no STF. Os atrasos, assim, podem ter ocorrido em etapas anteriores à chegada no Supremo. Entre os casos arquivados estão acusações contra o senador Jader Barbalho (PMDB-PA), abertas em 2008, 2011 e 2014, a senadora Marta Suplicy (PMDB-SP), iniciadas em 2007 e 2011, e o deputado federal Paulo Maluf (PP-SP). O foro privilegiado garante a detentores de alguns cargos públicos uma forma diferente de processamento e julgamento. Em casos de crimes, eles são julgados diretamente por tribunais sem passar pela primeira instância. Além disso, ao ingressar ou deixar cargo com direito ao foro, o processo contra o político muda de instância, o que pode ampliar atrasos. No Congresso Nacional, tramitam projetos para extinguir o foro privilegiado. No caso de Maluf, a ação começou em 2007 após acusação por suposta lavagem de dinheiro em conta na França. O caso veio à tona há 13 anos, quando Maluf foi detido pelas autoridades francesas ao tentar fazer uma transferência bancária em Paris. No fim de 2015, ele foi condenado a três anos de reclusão por um tribunal francês. O deputado recorreu da decisão. No Brasil, porém, a causa sobre tema semelhante foi arquivada no STF em dezembro do ano passado. Ao longo de toda a tramitação, permaneceu sob segredo de Justiça. Trecho dessa decisão revela que a denúncia havia sido recebida há mais de 11 anos e em 2011 já "se encontrava fulminada pela prescrição".
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Para chegar ao número de 33% de ações prescritas no STF, a reportagem considerou um total de 113 causas cuja tramitação foi encerrada de janeiro de 2007 a outubro de 2016. A lista de processos foi fornecida pelo tribunal. A corte trabalha com o número de 180 ações encerradas no período, porém a reportagem constatou que 67 acabaram por motivos alheios ao mérito, como congressistas que perderam foro no STF pois não se reelegeram, morte do réu e desmembramentos. Das 113 ações encerradas, 37 tiveram a prescrição reconhecida pelo STF, muitas vezes a pedido da PGR (Procuradoria Geral da República), e outras cinco resultaram em condenação, porém as penas também já estavam prescritas. Em um grupo de 41 ações, ou 36% do total, os ministros do STF decidiram, sozinhos, em turmas ou no plenário, pela absolvição do parlamentar. Somadas todas as ações em que não houve nenhum tipo de punição ao réu, o percentual chega a 96,5%. Em apenas quatro houve condenação, atingindo sete políticos. Quatro foram condenados no mensalão a regime fechado, porém em menos de um ano as penas foram mudadas para regime semiaberto, quando o réu trabalha de dia e apenas dorme na cadeia, ou domiciliar. Em outras duas ações, os dois condenados tiveram prisão em regime semiaberto. O quarto caso está sob sigilo. CÁLCULO O cálculo para a prescrição considera a data da prática do crime e a pena máxima prevista. Quando o réu completa 70 anos de idade, o prazo máximo cai pela metade. Não há uma base de dados nacional que permita uma comparação com as prescrições em outras esferas. O estudo "Justiça em números", divulgado pelo CNJ (Conselho Nacional de Justiça) no mês passado, não traz dados nacionais de prescrições. Em 2012, o CNJ divulgou um balanço apenas sobre casos de corrupção e lavagem de dinheiro. Para cerca de 25,7 mil casos desse tipo analisados à época, 2,9 mil prescreveram de janeiro de 2010 a dezembro de 2011. Com o reconhecimento da prescrição antes da sentença, o mérito da acusação não chega a ser analisado. No Senado, tramita desde 2013 uma PEC (Proposta de Emenda à Constituição) do senador Álvaro Dias (PV-PR) e relatada pelo senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP) que abole o foro privilegiado, com exceção de ações sobre crimes de responsabilidade. Randolfe leu na quarta (9) o relatório que apoia a extinção do foro, que classificou de "anacrônico". Afirmou que os ministros do STF "em muitas ocasiões são submetidos ao constrangimento público de ter que decidir ações penais cujos crimes já tiveram suas penas prescritas".
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