EDITORIAL: Propostas enfermas FONTE JORNAL FOLHA DE S. PAULO, EDITORIAL editoriais@grupofolha.com.br 17/09/2016 às 02h00
Propostas imprecisas, quando não desprovidas de qualquer sentido, são parte do folclore de toda campanha eleitoral. Por força do hábito, acabam toleradas pelos eleitores como falhas menores do jogo político. Revestem-se de maior gravidade, no entanto, quando têm por alvo questões nevrálgicas para a população. É precisamente esse o caso dos projetos dos candidatos à Prefeitura de São Paulo para a saúde. Recente pesquisa Datafolha revelou que o setor é o mais mal avaliado da gestão Fernando Haddad (PT) –38% dos paulistanos estão insatisfeitos com os serviços de hospitais e postos de atendimento. O desgosto cresceu bastante nos últimos meses. Em fevereiro de 2015, atingia 15% dos munícipes. Motivos para isso não faltam, como constata quem necessita recorrer ao Sistema Único de Saúde. Na capital paulista, a fila para consultas, exames e cirurgias eletivas passa de 750 mil pessoas. Alguns procedimentos demandam espera de cinco meses. Em maio deste ano, após reclamações de falta de medicamentos, o Ministério Público vistoriou cinco unidades básicas de saúde da rede municipal e um Ambulatório Médico de Especialidades (AME), da estadual. Constatou falta de transparência, atrasos de fornecedores e demora na reposição de remédios. A recessão e o crescimento do desemprego tendem a agravar o quadro, visto que mais pessoas devem migrar para o SUS, somando-se aos 4,5 milhões que dependem exclusivamente da saúde pública na cidade de São Paulo. Diante de cenário tão calamitoso, os planos apresentados até agora pelos candidatos são pífios. Fala-se em expandir a rede, criar serviços e contratar médicos; não se diz, contudo, de onde sairão os recursos para bancar as platitudes. Promete-se aperfeiçoar a integração e a fiscalização das OSs (organizações sociais), mas não se diz como. Por outro lado, metas sanitárias ou assistenciais, de fundamental importância na prevenção de doenças, estão ausentes —como se a tríplice epidemia de dengue, zika e chikungunya não existisse, para ficar num único exemplo recente. Os gastos anuais da prefeitura com saúde montam a R$ 7,3 bilhões, cerca de 20% do orçamento municipal. Com a estagnação econômica no país, é improvável o aumento de verbas para a área.
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Espera-se dos aspirantes à prefeitura, portanto, projetos mais realistas e exequíveis —que, afinal, deveriam ser norma, não exceção, nas campanhas. Aprimorar a gestão, hoje dividida em modelos desordenados, e priorizar a atenção primária (unidades básicas de saúde) são passos fundamentais. Também é urgente fixar médicos no município, para mitigar a falta de especialistas. Programas de governo guiados por problemas concretos, e não pelo marketing, são, passe o trocadilho, saudáveis como exemplo político.
Dura lição FONTE JORNAL FOLHA DE S. PAULO, EDITORIAL editoriais@grupofolha.com.br 17/09/2016 às 02h00
Quem ainda não se convenceu de que o insucesso do ensino por aqui tem mais a ver com ineficiência e iniquidade do que com falta de verbas deveria consultar os dados relativos ao Brasil no relatório "Education at a Glance 2016". Referentes ao ano de 2013, as informações foram compiladas pela OCDE (Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico), conhecido clube das 35 nações mais desenvolvidas. A organização também reúne estatísticas sobre não membros, como o Brasil, e a comparação nem sempre é desfavorável ao país. Considere-se o gasto público nacional com educação: segundo a OCDE, o setor absorve 16,1% do dispêndio governamental, acima da média de 11,2% do grupo. Como fatia do PIB, a cifra brasileira (5,5%) não só é maior que o padrão da OCDE (4,7%) mas também supera as de Chile (4%) e México (4,5%). A cobertura do sistema de ensino, no entanto, deixa a desejar. Apenas 57% das crianças de três anos contam com vagas de pré-escola (OCDE: 71%), que tem relação direta com o posterior aproveitamento no aprendizado. E 14% da população adulta conta com diploma universitário (média na OCDE: 35%), o que garante a essa parcela pelo menos o dobro do salário de quem só conclui o ensino médio. Embora restrito a uma parte privilegiada da população, o ensino superior consome fatia desproporcional das verbas. No conceito de paridade de poder de compra (PPP, em inglês) usado pela OCDE, investem-se em cada aluno de universidade pública, aqui, US$ 13.540 anuais, mais que o triplo do reservado para estudantes dos níveis anteriores (US$ 3.824). Disparidade similar afeta os salários docentes. Titulares de universidades federais dispõem de remuneração semelhante à de colegas de instituições escandinavas. No ensino básico, o professor brasileiro ganha abaixo da média da OCDE, mesmo com o piso de R$ 2.135 que vários prefeitos e governadores reputam insustentável. Além disso, trabalha mais semanas por ano (42, contra 37 a 40 noutros países) e tem mais alunos (de 23 a 27, contra média de 21 a 23). Essa enxurrada de números deixa claro que nosso sistema educacional é, antes de mais nada, ineficiente e iníquo. Despejar mais recursos, em particular em meio a restrições orçamentárias amargas, não se parece em nada com uma solução. 2
A lógica perversa da alta dos juros Ainda que as instituições financeiras tentem justificar a prática de juros crescentes com o aumento do risco de inadimplência e com a deterioração da situação financeira dos tomadores, são claros os males que taxas altíssimas provocam na economia, retardando a retomada e afetando o emprego Fonte Jornal O Estado de S. Paulo, 17 Setembro 2016 às 03h15 Nova elevação das taxas de juros cobradas das empresas e das pessoas físicas – a 23.ª alta mensal consecutiva – foi registrada em agosto pela Associação Nacional dos Executivos de Finanças, Administração e Contabilidade (Anefac). Mas, ainda que as instituições financeiras tentem justificar a prática de juros crescentes com o aumento do risco de inadimplência e com a deterioração da situação financeira dos tomadores, são claros os males que taxas altíssimas provocam na economia, retardando a retomada e afetando o emprego. A taxa média mensal cobrada das pessoas físicas em seis tipos de crédito (comércio, cartões, cheque especial, CDC, empréstimos pessoais em bancos e em financeiras) atingiu 8,13% em agosto, correspondendo a 155,48% ao ano. Em relação a agosto do ano passado, a taxa avançou quase um ponto porcentual (era de 7,14% ao mês ou 128,78% ao ano), num período em que ficou inalterada em 14,25% ao ano a taxa básica de juros. Em geral, os bancos são seletivos na oferta de crédito, mas reportagem do Estado mostrou as facilidades disponíveis para os tomadores das linhas mais caras, como cartão de crédito e cheque especial. “O crédito pré-aprovado já está na conta, não precisa de autorização, e o consumidor acaba sendo fisgado pela facilidade e se enrola facilmente”, alerta Renata Pedro, técnica da Proteste. Os juros do cheque especial são em média de 12,16% ao mês e do rotativo do cartão de crédito, de 15,29% ao mês ou 459,53% ao ano, a maior taxa desde outubro de 1995. As empresas também pagam juros altíssimos, média de 4,75% ao mês ou 74,52% ao ano, comparados aos 4,09% ao mês e 61,77% ao ano cobrados em agosto do ano passado. O menor custo é o das operações de capital de giro (2,74% ao mês) e o maior, das contas garantidas, espécie de cheque especial das empresas, de 8,29% ao mês ou 160,05% ao ano. Em todos os casos, são juros cobrados nos mercados livres, o que explica a demanda pela alternativa: empréstimos direcionados com taxas reguladas ou subsídios como no crédito rural, imobiliário ou linhas do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). Os níveis vigentes dos juros do crédito livre são incompatíveis com a renda da maioria das famílias ou com os resultados das empresas. Para os tomadores, parece longe do fim a espera pela queda da inflação e do juro básico para que recuem também as taxas do mercado.
Acerto que se impõe São consistentes os argumentos a que a equipe técnica do Ministério da Fazenda tem recorrido para não concordar com a nova ajuda financeira pleiteada pelos governos da maioria dos Estados Fonte Jornal O Estado de S. Paulo, 17 Setembro 2016 às 03h13 São consistentes os argumentos a que a equipe técnica do Ministério da Fazenda tem recorrido para não concordar com a nova ajuda financeira pleiteada pelos governos da maioria 3
dos Estados. O próprio governo federal está empenhado na aprovação, pelo Congresso, de um severo programa de ajuste fiscal, que implica impor um rigoroso limite aos gastos nos próximos anos e cumprir uma meta primária que exige forte corte de despesas. Ao mesmo tempo, a crise nas finanças dos Estados – que ocorre por diversas razões, algumas de inteira responsabilidade dos governos estaduais – chegou a tal ponto que ameaça a continuidade de serviços públicos ou o cumprimento de obrigações financeiras no prazo devido. Embora tenha como um de seus componentes a intenção de forçar o governo federal a conceder-lhes alguma ajuda imediata, a disposição de diversos governos estaduais de decretar nos próximos dias estado de calamidade pública – o que poderia proporcionar alguma proteção jurídica aos responsáveis pelas finanças dessas Unidades da Federação –, como já fez o do Rio de Janeiro, é a demonstração política mais clara da gravidade da situação. Alguma solução, que vá além de medidas tópicas que apenas propiciam alívio temporário, precisa ser encontrada. Senadores da base governista já articulam mudanças no projeto de renegociação da dívida dos Estados com a União, que já foi aprovado pela Câmara. Por acordo fechado em junho pelo governo federal e pelos governos estaduais, os Estados ficarão sem pagar a parcela da dívida renegociada no fim da década de 1990 pelos próximos seis meses. A partir de janeiro do próximo ano, o valor a ser pago pelos Estados corresponderá a 5,5% da prestação prevista, com aumento de 5,5 pontos a cada mês, de modo que, ao final de 18 meses, o pagamento integral terá sido restabelecido. Estados do Nordeste, Norte e Centro-Oeste, que em geral têm dívidas menores do que as das demais Unidades da Federação e por isso comprometem fatias menores de suas receitas líquidas para honrar os compromissos com a União, alegam não ter sido adequadamente contemplados pelos termos da renegociação e, por isso, querem auxílio extra. Em encontro há dias com o ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, governadores dessas regiões anunciaram que poderiam trabalhar contra o projeto de renegociação das dívidas estaduais caso não recebam ajuda da União. Alegaram que seus Estados perderam R$ 14 bilhões de transferências pelo Fundo de Participação dos Estados (FPE) – constituído com uma parte do IPI e do Imposto de Renda arrecadado pela União, cuja receita vem caindo por causa da recessão – e pediram antecipação de R$ 7 bilhões em dinheiro e outra parte em aval para novos empréstimos. “Neste momento não conseguimos sinalizar nenhum tipo de apoio financeiro”, disse ao Estado o secretário executivo do Ministério da Fazenda, Eduardo Guardia. Também firme foi a resposta da secretária do Tesouro Nacional, Ana Paula Vescovi, ao pleito dos Estados. “Não vamos abrir nenhuma negociação além da feita no projeto (de renegociação da dívida)”, garantiu. Têm razão os técnicos da área econômica do governo federal quando afirmam que a crise financeira dos Estados não foi causada pela recessão, que reduziu os repasses do FPE. As dificuldades econômicas que o País enfrenta há mais de dois anos apenas deixaram expostas as dificuldades financeiras que os governos estaduais já enfrentavam, ou estavam prestes a enfrentar, em razão de uma política fiscal caracterizada por aumentos reais constantes das despesas, sobretudo com a contratação de pessoal e concessão de aumentos aos funcionários já contratados, em ritmo superior ao do crescimento das receitas. Por isso, a solução para a atual crise financeira dos Estados – que precisa ser buscada com urgência – não pode prescindir de rigorosas contrapartidas, a principal das quais, sem dúvida, é o compromisso, dos governos estaduais, com um programa de contenção ou redução de despesas, sobretudo com pessoal.
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A Justiça e a reforma trabalhista Desde que o presidente Michel Temer anunciou a disposição de colocar a reforma trabalhista na agenda política, entidades empresariais e sindicais travam um acirrado debate Fonte Jornal O Estado de S. Paulo, 17 Setembro 2016 às 03h11 Depois dos precedentes abertos pelo Tribunal Superior do Trabalho (TST), reconhecendo que empresas e funcionários têm competência legal para negociar diretamente condições de trabalho, o Supremo Tribunal Federal (STF) manifestou entendimento semelhante, admitindo que negociado entre empregados e empregadores prevalece sobre leis trabalhistas. Em maio de 2015, com base em voto do ministro Luís Roberto Barroso no julgamento de recurso extraordinário impetrado por um banco público, a Corte já havia decidido que os acordos coletivos são “instrumentos legítimos de prevenção e autocomposição de conflitos trabalhistas”, permitindo, inclusive, eventual redução de direitos em face da retração da economia. “A Constituição prestigia a autonomia coletiva da vontade como mecanismo pelo qual o trabalhador contribuirá para a formulação das normas que regerão sua própria vida, inclusive no trabalho”, disse Barroso, na ocasião. Há uma semana, com base em voto do ministro Teori Zavascki no julgamento de um recurso interposto por uma usina de açúcar e álcool de Pernambuco, o STF decidiu que os acordos coletivos entre sindicato e empresa em matéria de salário e jornada de trabalho podem se sobrepor à Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), desde que o negociado não ultrapasse os “limites da razoabilidade”. Como a decisão de Zavascki é de repercussão geral, ela orientará as demais instâncias do Judiciário. A nova decisão do STF não poderia ter vindo em melhor hora. Desde que o presidente Michel Temer anunciou a disposição de colocar a reforma trabalhista na agenda política, entidades empresariais e sindicais travam um acirrado debate. As centrais sindicais acusam o governo de querer revogar “conquistas dos trabalhadores”. Já as confederações empresariais alegam que a CLT em vigor impõe custos que comprometem a competitividade da economia brasileira. A discussão não é nova. No início da década de 2000, o governo do presidente Fernando Henrique Cardoso pressionou, sem sucesso, o Congresso a aprovar um projeto de lei que estabelecia a prevalência da negociação coletiva sobre a lei. No ano passado, vários parlamentares tentaram, também sem sucesso, incluir esse dispositivo no texto da medida provisória que criou o Programa de Proteção ao Emprego. Quando a CLT foi editada, em 1943, o País ainda dava os primeiros passos rumo à industrialização. Sete décadas e três anos depois, o mundo do trabalho passou por sucessivas revoluções tecnológicas, tornando-se cada vez mais complexo e exigindo, por consequência, novas formas de contratação, remuneração e dispensa de empregados. Com a expansão e diversificação do setor de serviços, surgiram atividades que exigem contratos por projeto e remuneração atrelada à produção, e não a salário fixo. Com isso, a CLT se converteu em camisa de força da iniciativa privada, pois dispensa o mesmo tratamento legal a uma ampla variedade de relações trabalhistas. Por ser um conjunto de leis gerais desconectadas das diferentes formas de produção de bens e prestação de serviços, a CLT engessa as relações entre o capital e o trabalho. Foi por isso que a maioria dos países desenvolvidos abandonou a ideia de um código de relações trabalhistas e passou a estimular os acordos coletivos, que possibilitam proteções mais adequadas às especificidades de cada setor produtivo. A decisão do STF é uma contribuição importante para acelerar a modernização da legislação trabalhista, valorizando o princípio da livre negociação. Mas, por causa do alcance da reforma de uma legislação trabalhista anacrônica e intervencionista e de sua importância para o 5
crescimento do emprego, o principal responsável por essa empreitada continua sendo o Executivo. Cabe a ele elaborar um projeto – e pressionar o Legislativo a aprová-lo – de um modelo mais flexível e mais eficiente de proteção trabalhista, fortalecendo a negociação coletiva e garantindo direitos ajustados às mais variadas condições de trabalho.
Uma briga necessária Confirmado no posto, o presidente Michel Temer tem mostrado muito mais disposição para mexer em assuntos delicados e até para comprar briga do que na fase de interinidade Fonte Jornal O Estado de S. Paulo, 17 Setembro 2016 às 03h09 Confirmado no posto, o presidente Michel Temer tem mostrado muito mais disposição para mexer em assuntos delicados e até para comprar briga do que na fase de interinidade. Essa é uma das notícias mais animadoras dos últimos dias. A faxina e o conserto efetivo das contas públicas, hoje em ruínas, dependem essencialmente dessa disposição. Impor maior controle à folha de remuneração do funcionalismo tem sido um dos maiores desafios para os governantes. Na quinta-feira passada, o Palácio do Planalto anunciou o veto integral ao projeto de lei de reajuste dos defensores públicos da União. Foi um lance importante para a implantação de um novo estilo administrativo. Se avançar nessa direção, o governo terá melhores condições para cuidar ao mesmo tempo das verdadeiras prioridades e da saúde financeira do setor público. Mantidos os padrões ainda em vigor, continuarão comprometidos tanto a qualidade das políticas oficiais quanto o equilíbrio orçamentário. Alguns dias antes de assinar aquele veto, o presidente Michel Temer declarou-se contrário à pretendida elevação de vencimentos dos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) – de R$ 33,7 mil para R$ 39,2 mil no próximo ano, segundo projeto em tramitação no Congresso. Se aprovada e sancionada a proposta, seu efeito se estenderá muito além da folha salarial daquele grupo de juízes. Produzirá, como lembrou o presidente, uma enorme cascata de aumentos em todos os Poderes e em todos os setores da administração, transbordando até para os níveis estadual e municipal. Embora a Constituição defina a remuneração dos ministros do STF como limite de vencimentos do setor público, na prática a elevação desse teto funciona como autorização de reajuste para os servidores da administração direta, das autarquias e das fundações. Se der resultado, a oposição do presidente à nova proposta de aumento para os ministros do STF poderá afastar um perigo imediato, evitando uma enorme cascata de reajustes. Será um alívio para todos os níveis de governo. Mas uma solução de longo prazo só será possível com medidas muito mais ambiciosas. Será preciso eliminar os mecanismos de vinculação de remunerações ou, no mínimo, encontrar meios de restringir seu funcionamento. Também será importante liquidar os esquemas de indexação ainda usados para promover a elevação dos gastos. O respeito a critérios de indexação produz consequências tanto na folha de salários e benefícios do funcionalismo quanto nas despesas da Previdência. Discute-se há anos a desvinculação entre os custos previdenciários e o salário mínimo, mas o problema continua sem solução clara e definitiva. Esses e outros vínculos são componentes de um dos mais conhecidos problemas das finanças públicas brasileiras, o engessamento. Esse problema é conhecido de economistas de todas as instituições multilaterais e de profissionais do mercado. O debate dura mais de 20 anos e nenhum resultado se alcançou até hoje. Uma iniciativa promissora foi a elaboração, ainda em 2015, de uma proposta de limitação do efeito cascata nas folhas de salários. O texto, produzido originalmente pela senadora Gleisi 6
Hoffmann, poderá ser votado em breve na Comissão de Constituição e Justiça do Senado. Mas várias emendas foram adicionadas ao projeto e algumas favorecem a preservação de vínculos entre vencimentos de diferentes grupos de servidores. Com tantos apêndices destinados a proteger interesses de categorias do funcionalismo, a emenda, se aprovada, provavelmente produzirá mudanças muito menores que as necessárias. A proposta de teto para o aumento do gasto público, enviada pelo presidente Michel Temer ainda durante a interinidade, pode atenuar o efeito das vinculações. Mas o projeto ainda tramita e permanece, portanto, sujeito a mudanças importantes e até a deformações. Sem a ajuda de uma base parlamentar também comprometida com a recuperação fiscal e com a melhora da administração, os esforços do Executivo serão muito menos eficazes. Muito mais que o governo, o grande perdedor será o Brasil.
Uma reforma possível Não é a reforma política ideal, mas a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 36/2016 – recentemente aprovada pela Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJ) do Senado – traz alterações que podem moralizar um pouco o cenário político-partidário Fonte Jornal O Estado de S. Paulo, 18 Setembro 2016 às 03h05 Não é a reforma política ideal, mas a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 36/2016 – recentemente aprovada pela Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJ) do Senado – traz alterações que podem moralizar um pouco o cenário político-partidário. Sua aprovação, nos termos do substitutivo apresentado pelo senador Aloysio Ferreira (PSDB-SP), pode significar um freio à atual proliferação de legendas que, sem qualquer funcionalidade representativa, têm como objetivo único servir a seus proprietários. A PEC 36/2016 introduz duas importantes mudanças nas regras eleitorais. A primeira é a cláusula de barreira para os partidos políticos. De acordo com a proposta, “terão direito a funcionamento parlamentar aqueles (partidos) que obtiverem, nas eleições para a Câmara dos Deputados, no mínimo, três por cento de todos os votos válidos, distribuídos em, pelos menos, catorze unidades da Federação, com um mínimo de dois por cento dos votos válidos em cada uma destas”. Caso não atinja essa tripla condição – porcentual mínimo de 3% dos votos válidos, distribuídos em no mínimo 14 Estados, com ao menos 2% em cada um deles –, a legenda não contará com os recursos do fundo partidário nem terá acesso gratuito ao rádio e à televisão, além de perder o “direito à estrutura própria e funcional nas casas legislativas”. Como se vê, não se trata da cláusula de desempenho habitual em muitos países, que faz com que sejam desconsiderados os votos destinados aos candidatos cujos partidos não atingiram o porcentual mínimo. Nesse sistema, não basta que um candidato tenha individualmente votos para ser eleito. É preciso também que seu partido supere a cláusula de barreira. A cláusula da PEC 36/2016 tem uma eficácia mais restrita. Mesmo assim, a proposta – nos termos aprovados pela CCJ do Senado – terá efeito positivo por desfazer uma perversa inversão que vem ocorrendo na vida partidária brasileira: legendas que existem apenas em função da ajuda estatal. O fundo partidário e o horário gratuito na TV e no rádio são o fundamento da sua existência. Ora, a ajuda estatal – se é que deve existir – tem sentido apenas como fomento adicional para legendas com vida própria, que representam de fato ideias e pessoas. Se uma legenda não representa uma parcela mínima da sociedade, não há por que se insistir na sua manutenção, com a ajuda artificial de recursos públicos.
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A segunda importante alteração promovida pela PEC 36/2016 é o fim das coligações eleitorais nas eleições proporcionais. Trata-se de imprescindível respeito à vontade do eleitor. Atualmente, ao votar num determinado candidato a deputado federal – o exemplo é válido também para os cargos de vereador e de deputado estadual –, o cidadão beneficia não apenas o candidato escolhido e o seu partido. O cálculo para a distribuição das cadeiras nas eleições proporcionais considera a coligação, e não o partido. Dessa forma, dependendo das coligações feitas – e, no Brasil, a afinidade ideológica não costuma ser uma condição para as coligações –, o voto pode beneficiar um candidato com perfil ideológico completamente diferente do da escolha do eleitor. Tem-se, assim, um modelo que interfere na qualidade da representação política e, portanto, deve ser prontamente revisado. Não cabem tolerâncias com um sistema que distorce a vontade do eleitor. Conscientes do caráter polêmico da proibição de coligações nas eleições proporcionais, especialmente na Câmara – onde não poucos deputados foram eleitos tão somente por causa das coligações –, os autores da PEC 36/2016 propuseram que ela vigore apenas a partir de 2020. Ou seja, os atuais deputados teriam ainda chance de uma reeleição com base nas coligações. Certamente tal concessão está longe de ser exemplar, mas obedece a uma certa prudência política. É melhor proibir a partir de 2020 do que não proibir nunca. Talvez seja esse o grande mérito da PEC 36/2016 – sem a pretensão de ser perfeita, tenta ser a reforma possível.
Código Florestal em risco Nessa semana, o Brasil deu um importante passo rumo à sustentabilidade ambiental Fonte Jornal O Estado de S. Paulo, 18 Setembro 2016 às 03h07 Nessa semana, o Brasil deu um importante passo rumo à sustentabilidade ambiental. Na segunda-feira passada, o presidente Michel Temer ratificou, após aprovação do Congresso Nacional, o Acordo de Paris sobre o Clima, que demanda esforços do mundo inteiro para reduzir as mudanças climáticas e controlar o aumento da temperatura global. Com a medida presidencial, o Brasil chegará à abertura da Assembleia-Geral das Nações Unidas, no próximo dia 20, como o terceiro grande país a ratificar o acordo. Estados Unidos e China ratificaram o tratado no início de setembro, por ocasião do encontro do G-20, em Hangzhou, na China. Firmado por 195 países, durante a 21.ª Conferência do Clima (COP-21) das Nações Unidas, o Acordo de Paris representou o primeiro marco jurídico universal na luta contra o aquecimento global. O seu compromisso central é limitar o aumento médio da temperatura da Terra a 1,5° C até 2100, cabendo a cada país organizar suas estratégias de redução das emissões de carbono com vistas ao objetivo comum. Na COP-21, o Brasil apresentou metas internas ambiciosas, que depois foram ratificadas pelo Congresso. Entre os compromissos assumidos, estão a redução em 43% das emissões de gases de efeito estufa até 2030, a recuperação de 12 milhões de hectares de florestas e 15 milhões de hectares de pastagens degradadas, a participação de 45% de energias renováveis na matriz energética em 2030 e o aumento de 5 milhões de hectares na área de integração lavoura, pecuária e floresta. São certamente compromissos audazes, que colocam o Brasil na vanguarda internacional da proteção do meio ambiente. O protagonismo internacional contrasta, porém, com o risco de um grave retrocesso interno na questão ambiental. Não faria qualquer sentido posar no cenário internacional de amigo do 8
meio ambiente e, internamente, desprezar medidas em prol da sustentabilidade que já estão funcionando. O perigo de retrocesso interno é real. Estão em curso no Supremo Tribunal Federal (STF) algumas ações questionando a constitucionalidade de boa parte do novo Código Florestal (Lei 12.651/2012), que trouxe inegáveis avanços na proteção do meio ambiente. Propostas pela Procuradoria-Geral da República e pelo PSOL, as ações querem reabrir extemporaneamente uma discussão já decidida pelo Congresso. Após intenso debate e estudo, o Poder Legislativo, cumprindo seu papel institucional, estabeleceu o necessário marco jurídico ambiental, com uma equilibrada solução entre produção rural e sustentabilidade. Os autores dessas ações descrevem a Lei 12.651/2012 como uma medida desequilibrada e permissiva a atividades rurais predatórias. Além de um desconhecimento da própria lei, revelam assim uma completa ignorância da situação da agricultura e da pecuária no País. O novo Código Florestal é exigente com os produtores rurais, impondo-lhes não pequenos investimentos no cuidado e recuperação do meio ambiente. É um despautério querer anular o novo Código Florestal. Poucas leis no País deram tão certo. Basta ver, por exemplo, que já foi feito o Cadastro Ambiental Rural (CAR) de 96,38% de toda a área passível de cadastro, de acordo com o Censo Agropecuário 2006 do IBGE. Eventual reconhecimento da inconstitucionalidade da nova lei poria em risco todo esse trabalho de regularização ambiental. Enganosamente, alguns tacham a disputa no STF de duelo entre ambientalistas e ruralistas, como se os autores dessas ações tivessem o monopólio da preocupação ambiental. Nada mais distante da realidade. O que está em jogo na Suprema Corte é uma visão romântica de meio ambiente teórica, desconectada da realidade brasileira. O novo Código Florestal é um instrumento adequado para garantir que o Brasil cumprirá internamente o que se comprometeu a fazer em relação ao meio ambiente, não apenas perante a comunidade internacional, mas, principalmente, as futuras gerações de brasileiros.
Os 14 contêineres de Lula De acordo com os cálculos feitos pelo Ministério Público Federal, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva recebeu ao menos R$ 3,7 milhões a título de propina da OAS Fonte Jornal O Estado de S. Paulo, 18 Setembro 2016 às 03h09 De acordo com os cálculos feitos pelo Ministério Público Federal, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva recebeu ao menos R$ 3,7 milhões a título de propina da OAS. Segundo a denúncia apresentada, está incluído nesse valor, além das benesses referentes ao triplex do Guarujá, o montante de R$ 1,3 milhão que a empreiteira teria pago pela armazenagem, entre 2011 e 2016, de 14 contêineres de Lula. Não há dúvida a respeito de quem bancou o custeio dessa armazenagem. O presidente do Instituto Lula, Paulo Okamotto – que também foi denunciado pela Operação Lava Jato por crimes de corrupção passiva e lavagem de dinheiro –, admitiu ter recorrido à generosa empreiteira para que ela pagasse a conta da manutenção do acervo do ex-presidente. Segundo Okamotto, ele não tinha alternativa. “É que não tínhamos dinheiro. Quando fizemos o contrato não tinha recursos. Como vai pagar um aluguel de R$ 25 mil? Não tinha outro jeito. Como é que ia fazer? Onde iria guardar 14 contêineres”? Dizendo não se tratar de um crime, Okamotto afirma que não se arrepende da decisão de pedir ajuda para a empreiteira. “Eu realmente pedi para a OAS, se isso for um crime então 9
você me diga qual é a pena que sou obrigado a cumprir. Eu sempre disse que pedi apoio à OAS”, reconheceu o diligente Okamotto, que soube com precisão onde buscar os recursos de que tanto necessitava. O presidente do Instituto Lula disse ainda que o conteúdo dos 14 contêineres – bens que, segundo ele, “integram o patrimônio cultural brasileiro e são declarados de interesse público” – justificaria que a empreiteira recorresse aos benefícios fiscais concedidos pela Lei Rouanet. “A OAS para mim deveria inclusive reivindicar Lei Rouanet porque está fazendo um pagamento para manter um bem cultural do povo brasileiro”, opinou. Antes de discutir se é razoável gastar dinheiro público para manter o acervo de Lula, é necessário investigar detalhadamente o conteúdo dos 14 contêineres, coisa que até agora não se fez. Fala-se simplesmente que ele é composto de milhares de cartas e presentes ao expresidente Lula. Ora, existe um Código de Conduta Ética dos Agentes Públicos (Decreto 4.081/2002), que proíbe o recebimento de presentes. O art. 10 é claro: “É vedado ao agente público, na relação com parte interessada não pertencente à Administração Pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, ou de organismo internacional de que o Brasil participe, receber presente, transporte, hospedagem, compensação ou quaisquer favores, assim como aceitar convites para almoços, jantares, festas e outros eventos sociais”. No caso de ser impossível ou inconveniente rejeitar o presente oferecido, o parágrafo 2.º do mesmo artigo do Código de Ética define o destino a ser dado: “Os presentes que, por qualquer razão, não possam ser recusados ou devolvidos sem ônus para o agente público serão incorporados ao patrimônio da Presidência da República ou destinados a entidade de caráter cultural ou filantrópico, na forma regulada pela Comissão de Ética dos Agentes Públicos da Presidência e Vice-Presidência da República”. Como se vê, não basta esclarecer a que título a OAS pagou a conta da armazenagem dos 14 contêineres de Lula. Também é de interesse público que seja investigado o conteúdo exato do que consta nesse acervo, já que, como preceitua o Código de Ética, presente recebido no exercício de cargo público federal não se incorpora ao patrimônio pessoal do funcionário. Pode ser que tudo não passe de um mal-entendido e os 14 contêineres estejam lotados de bugigangas – regalos de até R$ 100, que não entram na proibição do Código de Ética. De toda forma, é importante investigar o conteúdo do acervo de Lula. Afinal, não fica bem pairar sobre o homem que se diz o mais honesto do País dúvidas sobre sua adesão ao Código de Ética.
Freio de arrumação FONTE JORNAL FOLHA DE S. PAULO, EDITORIAL editoriais@grupofolha.com.br 18/09/2016 às 02h00
O presidente Michel Temer (PMDB) ensaia um rearranjo de seu governo, tanto nas aparências quanto nas prioridades. Embora outra vez reativo, procura definir providências de interesse imediato, criar condições para sua implementação e conter a balbúrdia causada por ministros inábeis. Parte dessas manobras táticas ficou evidente nos últimos dias. O Planalto relegou para o futuro, talvez ano que vem, o debate sobre mudanças na legislação trabalhista. Divulgada em fatias e sem a devida fundamentação, a reforma tornou ainda mais tenso o ambiente político e deu oportunidade à propagação de boatos pérfidos.
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O Executivo passou também a se opor ao reajuste da cúpula do Judiciário. Temer vetou parte dos aumentos dos defensores públicos federais. Embora em julho tenha sancionado o grosso das despesas de reposição salarial do funcionalismo, o presidente agora mudou de posição, dada a péssima repercussão desse gasto adicional. Após semanas de anúncios contraproducentes ou impróprios de seus ministros, Temer anunciou a centralização da comunicação em um porta-voz e, lamentável, mas previsível, a contratação de campanhas de propaganda. O presidente agora concentra-se no essencial, ou pelo menos declara tal intenção: aprovar no Congresso as duras medidas que devem preparar a recuperação econômica. Dará prioridade ao congelamento das despesas federais e à reforma previdenciária. Trata-se de decisão correta. O desassossego político, social e econômico, porém, não cede. Como reagirá o governo? Temer recuara na renegociação da dívida dos Estados. Surge uma nova onda de reivindicações dos governadores, que ameaçam decretar calamidade caso não recebam recursos —um dinheiro de que o Planalto não dispõe. Não se sabe quanto há de blefe nesse movimento nem quanto tal frente, caso insatisfeita, pode afetar a votação das medidas fundamentais no Congresso. Ainda assim, é preciso demonstrar de modo público e convincente que o país tem outra prioridade no momento. Cedendo a pressões por aumentos de gastos ou iniciando de modo desastrado debates sobre reformas controversas, o governo federal recebia críticas de partidos aliados e da sociedade e se desviava da tarefa crucial de restabelecer alguma ordem econômica. O governo de Michel Temer enfim deu a entender que notou os equívocos. Dado seu histórico, ainda que breve, de ceder a pressões e abrir demasiadas frentes de batalha, não é possível julgar se a mudança de rumo vai perdurar —mas não deixa de ser um bom sinal.
Menos distorção FONTE JORNAL FOLHA DE S. PAULO, EDITORIAL editoriais@grupofolha.com.br 18/09/2016 às 02h00
Avança no Senado uma proposta de emenda à Constituição (PEC) que ataca dois importantes problemas do sistema político brasileiro: a excessiva fragmentação partidária e as coligações nas disputas para deputado e vereador. De autoria de Ricardo Ferraço (PSDB-ES) e com relatoria de Aloysio Nunes Ferreira (PSDB-SP), a PEC foi aprovada pela Comissão de Constituição e Justiça e logo será apreciada pelo plenário da Casa. Propõe-se que o Brasil adote, a partir de 2018, uma bem-vinda cláusula de desempenho eleitoral. O pleno direito a funcionamento parlamentar, a participação no fundo partidário e o acesso gratuito a rádio e TV estariam reservados às legendas que atingissem, na disputa para a
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Câmara dos Deputados, no mínimo 2% de todos os votos válidos, distribuídos em pelo menos 14 unidades da Federação, com um mínimo de 2% dos votos válidos em cada uma delas. A partir de 2.022, seriam necessários pelo menos 3% dos votos válidos registrados nacionalmente. Políticos filiados a agremiações que não atinjam esse patamar preservarão seus mandatos e, se quiserem, poderão migrar para uma sigla com melhor desempenho, sem risco de terminarem enquadrados nas regras de fidelidade partidária. Ademais, a PEC proíbe, a partir de 2020, coligações nos pleitos proporcionais. Pelo sistema em vigor, quem vota no vereador, deputado estadual ou deputado federal de uma legenda quase sempre ajuda a eleger um nome de outra sigla —alguém que, com frequência, não tem afinidade ideológica com o candidato de fato escolhido. A fim de preservar alianças programáticas, a proposta autoriza a criação de federações de partidos na legislatura, seus membros deverão se comportar quase como se integrassem a mesma agremiação. Com essas normas, será inevitável diminuir o número de partidos políticos no Brasil. Estima-se que, passadas duas disputas, o total caia de 35 -28 dos quais com representação no Congressopara perto de dez. Seria um grande avanço, e não apenas por diminuir o grau de engano a que se submete o eleitor. O modelo atual estimula a criação de siglas nanicas, interessadas em abocanhar nacos do fundo partidário e negociar tempo de TV. Além disso, a fragmentação excessiva, quando não impede, dificulta ou torna muito custosa a racionalização do Legislativo. A boa notícia é que a maioria dos senadores parece sensível a tais argumentos; a má é que não será fácil convencer os deputados, que também precisarão dar seu aval à PEC.
Estado calamitoso FONTE JORNAL FOLHA DE S. PAULO, EDITORIAL editoriais@grupofolha.com.br 18/09/2016 às 02h00
A trama em torno da negociação das dívidas e da crise fiscal dos Estados vai-se tornando cada vez mais complexa. O novo capítulo começou com a ameaça de governadores das regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste de decretar estado de calamidade pública caso não consigam do governo federal até R$ 14 bilhões, entre dinheiro novo e autorizações para novos empréstimos. A demanda decorre da insatisfação com o desfecho da renegociação de dívidas realizada em junho. Pelo acordo, o prazo dos débitos foi estendido em 20 anos. A União deixará de receber R$ 50 bilhões nesse período, valor que será incorporado aos vencimentos mais adiante. O desconto beneficiou os Estados mais endividados, especialmente no Sudeste. Daí a pressão. Verdade que o próprio governo Michel Temer (PMDB) deu espaço a esse tipo de iniciativa quando aceitou tratativas individualizadas, como no caso do Rio de Janeiro. 12
Decretos de calamidade, contudo, terão pouca serventia para aliviar a penúria nos serviços públicos se não resultarem em recursos —e os governadores sabem que, na atual conjuntura, dificilmente conseguirão dinheiro federal. O levante, assim, tem um componente de autoproteção: trata-se de reduzir riscos de sanções legais a gestores que não consigam manter pagamentos em dia. O imbróglio, seja como for, pode adquirir caráter pedagógico. Há muito o país precisa encarar com seriedade a raiz dos problemas financeiros estaduais: a prodigalidade nos anos de bonança. Não é por outra razão que a folha de pagamentos, cuja expansão desenfreada se permitiu alegremente, consome mais de 80% das receitas em vários Estados (se contabilizados todos os itens). Por trás do inchaço estão insistentes lobbies corporativos, escorados na estabilidade quase incondicional de emprego —o que, diga-se, conduz à ineficiência. A dívida sem dúvida é assunto grave, mas consome uma fração do que é gasto com folha e inativos. Não se pode, por outro lado, fechar os olhos nessa situação crítica. A queda das receitas resultante da recessão agrava a indigência dos cofres públicos e afeta sobretudo a população carente, que depende de serviços gratuitos. Aliviar o caixa estadual com a ajuda da União parece inescapável. A negociação, porém, precisa ser estratégica, com exigência de contrapartidas que permitam almejar melhorias estruturais. Entre elas reformas que limitem o crescimento da folha e possibilitem investimentos, além da conclusão de acordos que ponham fim à guerra fiscal —o que simplificará o ICMS e trará ganhos de produtividade para o setor privado.
Letargia incompreensível FONTE JORNAL FOLHA DE S. PAULO, EDITORIAL editoriais@grupofolha.com.br 19/09/2016 às 02h00
Está praticamente afastada, segundo se notícia, a possibilidade de que o Tribunal Superior Eleitoral julgue ainda neste ano a ação em que se questionam as contas de campanha da chapa Dilma Rousseff (PT) e Michel Temer (PMDB) na disputa presidencial de 2014. Como informou o presidente da corte, ministro Gilmar Mendes, novos documentos e testemunhos terão de ser levados em consideração, com o que uma decisão definitiva viria apenas em 2017. Se confirmado, esse atraso será tudo menos compreensível. Não surgiram ontem as suspeitas de irregularidades envolvendo doações eleitorais. Tampouco são recentes as acusações dirigidas à campanha da chapa vencedora no último pleito nacional.
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Há muito, como se sabe, PT e PMDB têm sido citados como beneficiários de dinheiro desviado no escândalo investigado pela Lava Jato. Como se tais circunstâncias já não fossem suficientes para suscitar máximo empenho por parte das autoridades do TSE, a elas se soma uma determinação constitucional da maior importância. Pela Carta de 1988, se por qualquer motivo ficarem vagos os cargos de presidente e vice antes do prazo, haverá eleição direta para escolha do sucessor apenas se eles não tiverem passado da metade do mandato. Caso a dupla vacância ocorra nos dois últimos anos de governo, a votação será indireta, realizada só pelos parlamentares. Não se sabe, naturalmente, qual será o resultado do julgamento pelo TSE. É possível que os ministros dessa corte considerem insuficientes as provas reunidas no processo e decidam pela absolvição. O caso ainda se complica pelo impeachment de Dilma. Abrem-se insólitas polêmicas jurídicas, havendo quem questione se as supostas irregularidades nas contas do PT podem ser invocadas também contra o agora presidente Temer. Na hipótese, porém, de o TSE concluir pela cassação do mandato, cabe perguntar: o país aceitará reviver eleição indireta? Os ministros da corte eleitoral conseguirão dissociar seu julgamento jurídico da perspectiva de turbulência social? Sendo lícito responder negativamente às duas questões, a elas se acrescenta outra, apenas retórica: a quem interessa deixar para 2017 o julgamento no TSE? A ação estendeu-se por tempo demais. Seu desfecho, que meses atrás talvez guardasse a melhor solução para a crise política, a esta altura pode surgir como novo complicador; ainda assim, é imperioso que venha logo.
O partido do ‘Fora Temer’ Um eleitor desatento poderia pensar que o prefeito de São Paulo, Fernando Haddad, não é mais do PT. Sua propaganda para a eleição do mês que vem esconde a famosa estrela vermelha do partido de Lula da Silva, algo bem diferente do material que apresentou aos paulistanos “o novo homem para um novo tempo” na campanha de 2012, quando Haddad se elegeu. Pode-se dizer que o prefeito, bem como, muitos outros candidatos do PT nas eleições municipais, perceberam que assumir-se petista hoje é candidatar-se à humilhação nas urnas. Mesmo com toda a máquina municipal à sua disposição, Haddad disputa palmo a palmo com candidatos nanicos a rabeira das pesquisas, pela simples razão de que, além de mau administrador, ele continua petista. Diante de tal perspectiva, o prefeito resolveu aderir ao mais novo partido da praça: o partido do “Fora Temer”. FONTE JORNAL O ESTADO de S. PAULO, 19 Setembro 2016 às 05h00 O partido do “Fora Temer” é uma agremiação inventada pelos oportunistas do PT para congregar todos aqueles que, como consequência do impeachment da presidente Dilma Rousseff, ou perderam a boquinha de que desfrutavam no governo federal ou precisam desesperadamente de uma boia política, por mais furada que seja, para sobreviver ao naufrágio petista. 14
No primeiro time estão os grupelhos que, apresentando-se como “movimentos sociais”, recebiam fartas verbas públicas para fazer a defesa violenta do governo petista. Destacam-se, nessa turma, o notório Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra (MST) e seu subproduto urbano, o Movimento dos Trabalhadores Sem-Teto (MTST). São eles que, junto com a Central Única dos Trabalhadores (CUT), estão na vanguarda das manifestações que vêm infernizando a vida dos brasileiros a título de exigir a saída do presidente Michel Temer. No segundo grupo aparecem os políticos petistas que, aflitos, temiam ficar sem discurso na campanha eleitoral, já que o PT, antes um trunfo eleitoral, se tornou um fardo. As pesquisas de intenção de voto mostram esse peso morto: os candidatos petistas perdem em quase todas as cidades importantes, e de maneira acachapante. Além das agruras de Haddad em São Paulo, a tigrada está em maus lençóis em Belo Horizonte, no Rio de Janeiro, no Recife e até mesmo em Porto Alegre, seu tradicional reduto. Isso explica por que, de uma hora para outra, a campanha de Haddad deixou de lado qualquer discussão séria sobre a cidade que ele administra de forma tão amadora e passou a vincular os adversários do prefeito ao tal “golpe” que os petistas vivem a denunciar. Foi Lula, em recente comício com seu afilhado, quem deu a senha: “O Doria, a Marta e o Russomanno representam exatamente aqueles parlamentares que deram o golpe na Dilma”. Tanto Lula como Haddad estavam usando no paletó um adesivo em que se lia “Fora Temer, Fica Haddad” sem nenhuma menção ao PT. Assim, o “Fora Temer” foi formalizado como o “partido” dessa turma, inclusive no material de campanha. Mas, como tudo o que envolve Lula e seus sequazes, o “Fora Temer” é apenas uma palavra de ordem. É um grito vazio, irresponsável, antidemocrático. Se a reivindicação desse pessoal fosse o retorno de Dilma Rousseff à Presidência, ainda haveria nisso alguma dose de racionalidade política. Mas nem os próprios petistas – Lula à frente – querem saber de Dilma, cuja desastrosa gestão foi em parte responsável pela formidável debacle do PT. A reivindicação de que Michel Temer deixe o governo, sem mais nem menos, e que se convoquem novas eleições diretas para presidente, sabe-se lá com base em que legislação, somente se presta a fornecer aos petistas algum discurso que lhes permita evitar a discussão de temas mais constrangedores, como a corrupção envolvendo vários de seus principais dirigentes e o amadorismo gerencial de Haddad, Dilma e outros pupilos de Lula. Felizmente, a despeito do apoio que o partido do “Fora Temer” conseguiu amealhar entre alguns incautos, parece claro que a essa associação de intrujões está reservado, nas urnas, o profundo desprezo da maioria dos brasileiros.
Avanço mais firme da indústria paulista A indústria paulista, responsável por cerca de 30% de tudo o que é produzido pelo setor no País, teve crescimento de 1,6% em julho, com ajuste sazonal, em relação ao mês anterior, segundo a mais recente Pesquisa Industrial Mensal divulgada pelo IBGE FONTE JORNAL O ESTADO de S. PAULO, 18 Setembro 2016 às 03h03 A indústria paulista, responsável por cerca de 30% de tudo o que é produzido pelo setor no País, teve crescimento de 1,6% em julho, com ajuste sazonal, em relação ao mês anterior, segundo a mais recente Pesquisa Industrial Mensal divulgada pelo IBGE. O resultado é interpretado como uma sinalização de que o processo de desaceleração está próximo do fim. “A indústria paulista está melhor agora do que no início do ano e no final de 2015”, como avalia Rodrigo Lobo, economista do IBGE.
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No geral, abrangendo todas as 15 regiões pesquisadas, o crescimento industrial foi de 0,1% de junho para julho. Além de São Paulo, também apresentaram crescimento no período considerado os Estados de Pernambuco (3,9%), Paraná (2,6%), Espírito Santo (2,3%), Minas Gerais (1,1%) e Ceará (0,4%). Na comparação com o mesmo mês de 2015, porém, a indústria de São Paulo acusa uma queda de 1,8%, completando uma sequência de 29 variações negativas. Verifica-se, no entanto, que o recuo da indústria paulista está bem abaixo da média nacional de decréscimo (6,6%). Há Estados nos quais o recuo da produção ainda é superior a dois dígitos, como são os casos de Espírito Santo (21,2%), Bahia (19,2%) e Rio Grande do Sul (11,9%). O que se verifica é que, no período de 12 meses, somente dois Estados apresentam variações positivas. No Pará, a indústria extrativa mineral garantiu um crescimento de 9,9% e a produção agrícola possibilitou à indústria de Mato Grosso avançar 3,1%. No caso de São Paulo, dois fatores devem ser levados em conta. Do lado negativo, o setor industrial do Estado é muito afetado pelo grande peso do segmento automotivo, fortemente afetado pela queda da capacidade de consumo da população. O setor automobilístico registrou redução de 10% em julho, na comparação com julho de 2015. Na mesma comparação, também teve um recuo sensível (9,3%) o setor de derivados de petróleo e biocombustíveis. Em contrapartida, São Paulo conta com um forte setor de produção de alimentos industrializados. Embora os resultados mensais da produção industrial paulista possam ser animadores, mostrando uma gradual recuperação, o Estado, como o País, ainda se ressente das altas taxas de desemprego, da inflação e das condições de crédito muito deprimidas. Tudo isso desencoraja investimentos produtivos em ritmo que possa dar vigor à retomada que parece estar se esboçando.
O objetivo de Lula Sempre se soube que a entidade foi concebida para servir como escritório político e assessoria de imprensa de Lula, enquanto vendia ao público a ideia de que era um “espaço de interação e diálogo para aqueles que compartilham os ideais de Lula”, como se lê em seu site. FONTE JORNAL O ESTADO de S. PAULO, 19 Setembro 2016 às 05h00 O Instituto Lula se apresenta como uma “instituição sem fins lucrativos que tem como objetivos principais compartilhar experiências de políticas públicas de combate à fome e à pobreza com os países da África, promover a integração da América Latina e ajudar a fazer o resgate da história da luta pela democracia no Brasil”. O ex-presidente é livre para vender seu peixe como achar melhor, mas a coisa muda de figura quando se fica sabendo que o instituto goza de benefícios fiscais por se apresentar como entidade sem fins lucrativos, mas não cumpre os requisitos que devem justificar essa condição, transformando a isenção em apropriação ilegal de recursos de natureza pública. Foi por esse motivo – desvio de finalidade – que a Receita Federal decidiu suspender a isenção tributária do Instituto Lula. Segundo o jornal O Globo, os auditores do Fisco entenderam que o instituto foi usado pela empresa de palestras de Lula, a LILS (Luiz Inácio Lula da Silva), configurando exploração comercial de uma entidade que não deveria ter fins lucrativos. Além disso, conforme o jornal Folha de S.Paulo, o instituto repassou R$ 1,3 milhão para a empresa G4 Entretenimento, cujos donos são Fábio Luís Lula da Silva, o “Lulinha”, e Fernando Bittar, dono formal do sítio de Atibaia que, segundo suspeita a Lava Jato, pertenceria ao 16
chefão petista. Os auditores da Receita concluíram que houve simulação de prestação de serviços, com o objetivo de desviar o dinheiro do instituto para as mãos dos Lula da Silva. A investigação da Receita Federal abrangeu o período de 2011, quando o instituto foi fundado, a 2014. Por ora, somente a isenção tributária de 2011 será suspensa, obrigando a entidade a recolher os impostos devidos. Para os anos restantes, a Receita pretende aprofundar a investigação, mas auditores dizem que já há provas de desvio de finalidade também nesse intervalo. É por isso que não se sabe ainda qual será o valor total da cobrança do Fisco – fala-se de algo entre R$ 8 milhões e R$ 12 milhões. E o presidente da Associação Nacional dos Auditores Fiscais, Kleber Cabral, disse que a Receita aplicará ainda uma multa de até 150%, porque a fraude foi intencional. Não é de hoje que se suspeita da verdadeira finalidade do Instituto Lula e da LILS, duas entidades que estão na mira da Lava Jato. Entre 2011 e 2014, o Instituto recebeu R$ 18 milhões das empreiteiras enroladas no petrolão e terá de se explicar à Receita. Segundo a Folha, o presidente do instituto, Paulo Okamotto, disse à Receita que a ideia das empreiteiras era patrocinar projetos sociais nos países africanos nos quais têm obras. Quando os auditores quiseram saber por que razão nenhum desses projetos se concretizou, Okamotto disse que a prioridade, por ora, é organizar o acervo de Lula. O caso da LILS é semelhante. A empresa de palestras recebeu volumosos recursos de grandes empresas, mas raros são os registros desses eventos. A Lava Jato e a Receita suspeitam que as palestras tiveram uma serventia bem menos nobre do que a de levar ao mundo a sabedoria de Lula. Além disso, o Fisco suspeita que as empresas que contrataram a LILS fizeram o pagamento, na verdade, ao Instituto Lula, caracterizando confusão patrimonial – uma forma de evitar o recolhimento de impostos, já que o Instituto Lula é isento. É por esses motivos que a Receita está há tempos nos calcanhares de Lula, a ponto de o expresidente, em março passado, ter reclamado duramente com o então ministro da Fazenda, Nelson Barbosa. Em telefonema grampeado, Lula disse que a Receita estava “procurando pelo em ovo” no instituto e mandou o ministro enquadrar o responsável por aquilo. Pelo que se nota, a bronca de Lula não surtiu efeito. A ação da Receita contra o Instituto Lula só surpreende os incautos. Sempre se soube que a entidade foi concebida para servir como escritório político e assessoria de imprensa de Lula, enquanto vendia ao público a ideia de que era um “espaço de interação e diálogo para aqueles que compartilham os ideais de Lula”, como se lê em seu site. O Fisco acabou com mais essa fantasia de Lula.
OPINIÃO: Previdência – injusta, insustentável e ineficiente O Brasil é um dos poucos países que não têm uma idade mínima para se aposentar Fonte Jornal O Estado de S. Paulo, *José Márcio Camargo 17 Setembro 2016 às 03h01 O sistema de previdência e assistência social do Brasil é extremamente generoso se comparado ao de outros países. O Brasil gasta 13% do produto interno bruto (PIB) com aposentadorias e pensões (setor público e setor privado) e tem aproximadamente 7% de sua população com mais de 65 anos de idade. Países que gastam este montante do PIB com assistência e previdência social (Alemanha, por exemplo) têm uma porcentagem muito maior da população com mais de 65 anos (mais de 20%, no caso da Alemanha). 17
Além de ser um ponto fora da curva no que se refere às comparações internacionais, tal generosidade causa um pernicioso viés na alocação dos recursos públicos. Ao mesmo tempo que gasta 13% do PIB com aposentadorias e pensões, o governo brasileiro gasta 4% do PIB com ensino fundamental e médio e tem aproximadamente 30% de sua população com menos de 15 anos de idade. Um porcentual próximo da média internacional para países com estrutura etária similar à brasileira. Isso significa que o País está gastando, per capita, 14 vezes mais com aposentadorias e pensões do que com a educação de suas crianças e seus adolescentes (13/7 = 1,86 versus 4/30 = 0,13). Decidimos “investir” em nossos idosos, em lugar de investir em nossas crianças e nossos adolescentes. O Brasil é um dos poucos países do mundo que não têm uma idade mínima para se aposentar. Em média, a idade em que as pessoas se aposentam no País é de 55 anos, no auge da capacidade de trabalho. Como nessa idade a expectativa de sobrevida do brasileiro é de 25 anos (até os 80 anos de idade), em média, um trabalhador contribui por 30 (mulheres) ou 35 (homens) anos e recebe aposentadoria por 25 anos. Um arranjo financeiramente insustentável. Ao contrário do que muitos afirmam, a adoção de uma idade mínima para se aposentar não prejudica majoritariamente os mais pobres, pois estes, em geral, têm empregos informais ao longo da maior parte de sua vida laboral, portanto, não conseguem contribuir para a previdência e acabam se aposentando por idade. Hoje, 41,5% das despesas do orçamento público federal destinam-se a pagar aposentadorias e pensões. Mantidas as regras atuais, a tendência ao aumento do gasto é inexorável. Com inflação de 4,5% ao ano, os gastos com previdência e assistência social aumentariam 9,8% ao ano. Se nada for feito e se todos os outros itens do orçamento forem reajustados pela inflação, daqui a 20 anos os gastos com previdência e assistência atingirão 64% do total de gastos do governo federal. Caso seja aprovada a proposta de emenda à Constituição (PEC) que limita o crescimento dos gastos públicos à inflação passada, em 20 anos todo o gasto do governo federal teria de se destinar ao pagamento de aposentadorias e pensões. Além de generoso, o sistema é extremamente desigual. Enquanto o INSS (que paga as aposentadorias e pensões dos aposentados do setor privado) projeta um déficit próximo a R$ 120 bilhões para 2016 e cobre cerca de 29 milhões de aposentados e pensionistas, o sistema de aposentadorias e pensões dos funcionários públicos projeta um déficit próximo a R$ 90 bilhões e cobre menos de 1 milhão de beneficiários. Em grande parte estes gastos excessivos do sistema de aposentadorias do serviço público estão relacionados aos regimes especiais (aposentadorias de professores com 25 anos de contribuição e parlamentares, entre outros) e à possibilidade de acumulação de vários benefícios. Além de fiscalmente insustentável, o regime de aposentadorias e pensões tende a criar informalidade no mercado de trabalho. Como o custo sistema é muito elevado, os trabalhadores contribuem com 10% e a empresa, com 20% do salário mensal do trabalhador, existe grande incentivo para que empresas e trabalhadores “negociem” essa cunha entre si, em lugar de contribuírem para a previdência, firmando contratos informais. Afinal, todo cidadão brasileiro, ao atingir 65 (homens) ou 60 (mulheres) anos de idade, tem direito a uma pensão no valor de um salário mínimo, mesmo não tendo contribuído para a previdência, desde que prove não ter outra fonte de renda. Ou seja, para os trabalhadores que ganham salário próximo ao mínimo, o incentivo é ter um contrato de trabalho informal, não contribuir para a previdência e receber pensão ao atingir a idade apropriada. Esse fato, combinado a uma legislação trabalhista totalmente inadequada, é uma das razões por que aproximadamente 30% dos trabalhadores brasileiros têm emprego sem carteira de trabalhado assinada. Finalmente, o regime previdenciário cria um forte desincentivo à poupança. Uma das principais razões para que as pessoas poupem uma parte de sua renda quando estão na idade ativa é evitar ter uma redução no seu padrão de consumo quando perderem a capacidade 18
produtiva e se aposentarem. Isso porque na maioria dos países o valor da aposentadoria é uma fração do salário do trabalhador na ativa. Caso contrário, o incentivo para poupar é praticamente inexistente e a taxa de poupança, ou seja, a porcentagem da renda nacional que é poupada, tende a ser pequena. Esse é exatamente o caso do Brasil, pois mais de 80% dos trabalhadores recebem menos de sete salários mínimos, que é o limite superior do valor da aposentadoria. Como, ao se aposentar, o trabalhador para de pagar a contribuição previdenciária, passa a ter uma renda maior do que quando na ativa. Com baixa taxa de poupança, o País fica permanentemente dependente de capital externo para financiar os investimentos necessários para gerar crescimento da economia. Com a demanda por poupança (déficit público mais taxa de investimento = 27% do PIB) maior que a oferta de poupança (15,5% do PIB), o resultado é uma elevada taxa de juros, baixa taxa de investimento e crescimento medíocre. *Economista da Opus Gestão de Recursos, é professor do Departamento de Economia da PUC-RIO
Gentileza gera gentileza Ann Dunham é a mãe de Barack Obama. Ela ficaria surpresa ao ver seu filho na Casa Branca. Talvez ficasse ainda mais espantada se soubesse que o presidente das Filipinas, Rodrigo Duterte, a insultou sem nunca tê-la conhecido. O boquirroto chefe do arquipélago chamou Obama de “filho da p....”. Impressionados, caros leitores? Fonte Jornal O Estado de S. Paulo, Leandro Karnal 18 Setembro 2016 às 02h00 O prefeito do Rio, Eduardo Paes, fez a entrega de uma residência a uma mulher e, ao invés da fala tradicional, bradou que ela usaria muito o quarto recém-entregue para atividades sexuais intensas. O verbo exato que ele usou não poderia ser usada num texto que entra pela soleira de casas de família num domingo pela manhã. Não foi apenas um palavrão que escapou ao edil, mas uma enxurrada de vulgaridades diante dos vizinhos atônitos e das câmeras. Emília, do Sítio do Picapau Amarelo, tinha a famosa “torneirinha de asneiras” na boca. Seria a boneca uma profetisa de todos os Trumps da política? Retrocedamos: Baldassare Castiglione fez sucesso no Renascimento com o livro O Cortesão. Na forma de diálogo, estabelece os parâmetros para uma pessoa ser considerada educada. A marca distintiva do cavaleiro seria conseguir, com gestos e falas, evidenciar uma superioridade pessoal sem muito esforço. A habilidade de ser elegante de forma natural foi sintetizada no vocábulo italiano sprezzatura. Ainda que possa ser lida como uma indiferença irônica e defensiva, a sprezzatura foi concebida como um código, uma maneira correta de ser nas cortes da idade moderna. A jovem classe burguesa tentou imitar os hábitos da nobreza. Compravam-se títulos e repetiam-se maneiras. Refinamento passou a ser cartão de acesso a um mundo considerado superior. Molière ironizou esse movimento no Burguês Fidalgo. Faltava sprezzatura ao senhor Jourdain, a ridícula personagem central da comédia. A personagem oscila entre o ridículo e o empolado. Era um fingidor. Portava uma máscara que não se adequava ao rosto. Hoje, seria chamado de emergente. O século 20 multiplicou o esforço das classes médias e altas na busca de um refinamento que garantisse sua posição. Livros de etiqueta proliferaram. Em São Paulo, a obra de Marcelino de Carvalho tornou-se leitura obrigatória. Também eram concorridos seus cursos de etiqueta na escola Eva, na rua Augusta. A pauliceia ainda oferecia a chance de melhoria pessoal seguindo as aulas da suíça Louise Reynold, a famosa madame Poças Leitão, que ensinava bons modos e
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dança de salão a muitas gerações em São Paulo. Hoje é nome de simpática rua no Jardim Paulistano. A etiqueta moderna era um canal para dizer “quem é quem”, um distintivo social, uma linguagem e um código, como a estudaram Norbert Elias (A Sociedade de Corte) e Renato Janine Ribeiro (A Etiqueta no Antigo Regime). Gostaria de resgatar um sentido menos usual da palavra etiqueta: pequena ética. Etiqueta não seria o duvidoso valor de saber qual talher ou copo seriam adequados. A verdadeira etiqueta trata da convivência em grupo. A “pequena ética” seria uma consciência de que, mais do que atributo da antiga nobreza, a cortesia e a gentileza são fundamentais para a existência em sociedade. Por favor, com licença, desculpe-me e obrigado são quatro fórmulas mágicas que devem ser multiplicadas. Todas implicam reconhecer que há algo ou alguém além de mim. Saber segurar a faca corretamente na mão direita e, ao mesmo tempo, maltratar o garçom, é prova de que só se captou a parte imbecil da etiqueta. Há muito mais. Ceder lugar em transportes públicos a quem mais necessite dele, como gestantes, por exemplo. Falar baixo para não invadir ouvidos e intimidades alheias. Evitar transformar seu carro em trio elétrico nas cidades. Fugir de grosserias ofensivas como as descritas no início da coluna. Tornar o trânsito um espaço de cidadania. Respeitar o mundo ao redor não porque aspiramos à nobreza, todavia porque somos parte de uma humanidade maior, mutuamente dependente. Tudo isto assume um poder multiplicador, como garantia o profeta Gentileza no Rio: gentileza gera gentileza. Toda a essência da nova etiqueta é a consciência da vida em grupo. Estamos em crise profunda sobre os valores sociais. A grosseria e a vulgaridade imperam, de Manila ao Rio, de São Paulo a Washington. Educar é um esforço. Funciona pela indicação direta e pelo exemplo, este último o mais poderoso professor já inventado. A vulgaridade e o preconceito irmanam sofisticados salões burgueses e bares populares. Variam os atores, permanece o mesmo espírito tosco. Atrás da grosseria esconde-se alguém com duplo defeito: tem medo do mundo e dele se defende com as patas erguidas. Acima de tudo, o ser grosseiro tem dificuldade em compartilhar a alegria do convívio pois vive o isolamento e vive pleno de temores. Cortesia e etiqueta ajudam a dar alguns passos na arte da felicidade. Atrás de alguém sem noção social, existe um ser que padece e ataca para encontrar um paliativo a sua dor. Um bom domingo a todos vocês! Tumulto da travessia FONTE JORNAL O GLOBO, MÍRIAM LEITÃO 18/09/2016 às 09h 00 A Lava-Jato vive mais um momento delicado, dos muitos que viveu. A força-tarefa está sendo criticada pela maneira como apresentou a denúncia contra o ex-presidente Lula. Ele reagiu em tom político e desafiou que provassem a acusação de receber benefícios de empreiteira e comandar o esquema da Petrobras. O MP o chamou de chefe máximo da “propinocracia". Lula disse que é um perseguido político. A força-tarefa do MP precisa sustentar o que disse com tanta ênfase, sobre ele ser o chefe do esquema de corrupção. A delação de Delcídio divulgada na sexta-feira foi mais um elemento para fortalecer essa ideia. A retórica forte é o terreno de Lula, e não deve ser o do MP. O expresidente comparou-se a Tiradentes e disse que só perde no Brasil para Jesus Cristo, mas não explicou fatos bem mais atuais e terrenos, como os gastos da OAS para armazenar seus bens. A semana foi vertiginosa. Eduardo Cunha foi cassado por um placar que prova que seu poder era efêmero. Só dez votaram com ele. O ex-advogado-geral da União saiu acusando o governo 20
de querer abafar a Operação. Querer todos eles querem, de um lado e do outro da briga política nacional. Mas não está ao alcance deles. O governo tem vontade de livrar-se da operação, mas não tem esse poder. A troca do advogado-geral da União não para investigações. O movimento anticorrupção no Brasil já ganhou dinâmica e atravessou o ponto de não retorno. A cerimônia de posse da nova presidente do STF, ministra Cármen Lúcia, foi um eloquente ato em defesa do combate à corrupção. Existem ameaças à Lava-Jato. Elas vêm de projetos que tramitam no Congresso. Além disso, há dúvidas sobre como votará a nova composição da Segunda Turma do STF, e qual será o entendimento definitivo do Supremo sobre a prisão de condenados em segunda instância. Isso tudo tem mais reflexo no processo do que supostas conspirações do executivo ou bravatas de Lula. Os criminosos sempre agiram em rede. A novidade agora é que os que combatem o crime também se associaram. Um exemplo veio da operação Greenfield. Na CPI dos fundos de pensão, juntaram-se para entender, desvendar e explicar os crimes financeiros vários órgãos, CVM, Previc, Banco Central, Receita Federal, TCU, Polícia Federal. Desta forma, foi mais fácil entender a engenharia financeira que tirou dinheiro dos fundos de pensão das estatais nos Fundos de Investimento em Participações. Os FIPs são uma modalidade de crédito do cada vez mais sofisticado mercado brasileiro. Não são eles que devem ser combatidos, mas sim as fraudes montadas em alguns deles. Foi preciso unir a expertise de vários órgãos para entender. O Ministério Público atua em redes locais e internacionais, em contato com autoridades de outros países, nos quais os criminosos tentam esconder o resultado do furto. Toda essa tecnologia do combate ao crime não se desmonta pela vontade de um governo. Simplesmente está além das possibilidades do executivo parar as investigações no MP, neutralizar a ação da Polícia Federal, desfazer os laços que se formam entre instituições públicas. Mesmo assim, o exemplo histórico da Itália mostra que a corrupção tem capacidade de autoregeneração. É por isso que estão tramitando propostas perigosas no Congresso. Foi por meio de novas leis que os corruptos italianos se protegeram. Os políticos com prerrogativa de foro ainda não foram julgados, há muita decisão dependendo do Supremo Tribunal Federal e, neste momento, mudou a composição da Segunda Turma, a que julga a Lava-Jato. A ministra Cármen Lúcia saiu para ser a presidente e para o seu lugar foi o ministro Ricardo Lewandowsky. Muitas decisões foram tomadas por 3 x 2. Agora esse número pode se inverter em favor dos réus. Se a decisão do STF for de revogar o entendimento recente de que a partir da condenação em segunda instância o réu passa a cumprir a pena, os alvos da Lava-Jato respirarão aliviados. Sim, riscos existem, mas não são os óbvios. Não basta a vontade do governo para interromper o círculo virtuoso no qual o país já entrou. Também não basta os petistas vestirem vermelho, como Lula convocou. O Brasil está decidido a combater a corrupção e vivemos agora os tumultos dessa travessia. (Com Alvaro Gribel, de São Paulo)
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Novos ares A política e a sociedade estão em descompasso, o que atrapalha a necessária correção de rumos da economia; há razões, no entanto, para algum otimismo Fonte Jornal O Estado de S. Paulo, Zeina Latif 16 Setembro 2016 às 14h41 A política e a sociedade estão em descompasso, o que atrapalha a necessária correção de rumos da economia e avanço em uma agenda progressista. Há razões, no entanto, para algum otimismo. A crise econômica sem precedentes abalou alicerces. Empresas enfrentam problemas financeiros e chefes de famílias perdem o emprego. O impacto, no entanto, não se limita às dificuldades cotidianas que tiram o sono de muitos. O fracasso da agenda econômica de Dilma – de intervencionismo, indisciplina fiscal e experimentalismo descuidado – vem também chacoalhando antigas convicções e despertando aqueles que discordavam dos rumos do país, mas estavam acomodados. Uma brisa liberalizante começa a aliviar o ar contaminado por uma busca de paternalismo estatal pela classe empresarial e pela sociedade. Há um reconhecimento crescente de que o atual gigantismo estatal, que distingue o Brasil das experiências bem-sucedidas de países pares, sufoca o crescimento e o avanço nos indicadores sociais. O discurso das lideranças tradicionais da indústria que deram apoio à agenda econômica de Dilma, aos poucos, perde espaço para a visão de novas lideranças que apontam os equívocos daquela agenda e sua incompatibilidade com o crescimento sustentado da economia. Defendem a disciplina fiscal e uma agenda estruturante de redução do custo-Brasil, com aprimoramento institucional e maior racionalidade e zelo na ação estatal. Alguns que apoiaram o velho modelo de Dilma, felizmente, mudam de opinião e outros que foram preteridos na agenda de estímulos setoriais digerem as duplas perdas, de antes e de agora, e pedem uma agenda econômica horizontal. Enfim, o setor produtivo, que promoveu um sofrido e expressivo ajuste, com corte de custos, demissões e reestruturações internas, quer agora garantias de que o país não passará por esta experiência novamente. Querem seguir adiante, e numa trajetória menos acidentada e com menor risco de retrocessos. A sociedade talvez ainda não compreenda a urgência da reforma fiscal e da previdenciária. Mas o descontentamento e o desejo de mudança são inquestionáveis. Não parece haver espaço para a “política velha”, sem transparência e diálogo. Hoje uma campanha eleitoral como a de 2014, provavelmente, não teria espaço. Infantilizou-se a relação com a sociedade, hoje mais conectada e participativa. A atitude da classe política, no entanto, não ajuda. O governo anterior não admitiu os erros e o novo governo ainda não tem conseguido expor para a sociedade a herança recebida e as graves distorções no campo fiscal, e assim explicar a necessidade de ajuste. Essas posturas podem adiar o amadurecimento do país, mas não o impede. O país está mudando, o que por si só já é de grande importância. O movimento em direção a reformas modernizantes parece inevitável. O que não sabemos é a sua velocidade. Isso dependerá em boa medida da política. É crucial que a política esteja conectada com o processo amadurecimento em curso e consiga conduzir essa transição para que o país supere mais rapidamente a resistência de setores organizados que não desejam ajustes; ou quando os desejam, são apenas para os outros. 22
Será que a política conseguirá reagir à altura ao clamor por mudanças? Haverá postura responsável com o futuro do país ou a classe política ficará presa a interesses paroquiais imediatistas? Como será a atuação da oposição: de revanchismo e visão ideológica, batendo na mesma tecla de velhas bandeiras do passado, ou terá discurso e atuação responsáveis e antenados com a sociedade em mutação? Quando a crise de lideranças, apontada unanimemente por analistas políticos, será superada com a desejada renovação na política? A concorrência na política existe e é uma variável crítica para a renovação, substituindo políticos com ideias obsoletas por outros mais capazes de compreender os novos anseios da sociedade por transparência, responsabilidade com a coisa pública e igualdade. Radicalismos de esquerda e de direita, possivelmente, vão ficar no lugar que lhes cabe: na margem. Há um abismo entre sociedade e política, especialmente em tempos de Lava-Jato. O tempo da sociedade e da política não estão sincronizados. O abismo, no entanto, tende a se estreitar. É uma questão de tempo. À luz das transformações recentes, talvez não seja tanto tempo assim.
Dr. Ulysses, a dignidade da política Evoco sua memória com saudade e o grato reconhecimento de quem com ele conviveu Fonte Jornal O Estado de S. Paulo, *Celso Lafer 18 Setembro 2016 às 03h07 Este 6 de outubro assinala o centenário do nascimento de Ulysses Guimarães. É um momento apropriado para celebrar sua trajetória, 24 anos após sua morte, em 12/10/1992, em trágico acidente de helicóptero. Seu corpo desapareceu no mar, de que tanto gostava. Por isso ele, que estimava a poesia desde os tempos de aluno da Faculdade de Direito da USP, apreciaria a lembrança dos versos de Cecilia Meirelles: “Para adiante! Pelo mar largo!/ Livrando o corpo da lição frágil da areia! Ao mar! – Disciplina humana para a empresa da vida”! A empresa da vida do dr. Ulysses foi a política. Viveu weberianamente para a política, e não da política, e nela encontrou sua vocação e seu destino. “A política foi a abrangência do seu universo. Política como arte, não como artimanha”, para me valer de suas palavras a respeito de Rui Barbosa. Política de quem tinha as mãos limpas, de quem sabia que “quem só cuida de coisas pequenas torna-se pequeno; a ninharia é o ofício do pigmeu e o terreno dos répteis” e que a obra dos estadistas “não é forjada pelo varejo da rotina ou pela fisiologia do cotidiano”. A política foi para ele uma convocação vital, um ofício que passava pelo perigo, pelo desafio, pelo surpreendente, pela escalada e pela queda, como definiu ao celebrar Tancredo Neves em 1987. As palavras são reveladoras da experiência das vidas paralelas de dois eminentes brasileiros que disputaram o espaço público do País com íntegra visão do bem comum, mas sem rivalidades fratricidas, sensíveis ao respeito mútuo que os aproximava. Dr. Ulysses foi o grande timoneiro de uma campanha civilista, que forjou a sua identidade política. Projetou-se destemidamente com sua mobilizadora anticandidatura presidencial em 1973 pelo MDB do “navegar é preciso”, consolidada nos anos 80 na campanha das Diretas-Já. Foi graças à sua liderança no MDB e no PMDB, na sua origem a grande frente de resistência civil ao regime militar, que o País logrou alcançar, pacificamente e pela atuação política, a redemocratização. Soube aglutinar “autênticos” e “moderados”, reunir forças e vontades, gerando poder pela ação conjunta para propiciar a liberação do Brasil do peso do arbítrio discricionário. Completou a tarefa presidindo a Constituinte, que institucionalizou o Estado Democrático de Direito. Este só alcançou o equilíbrio jurídico do movimento no texto constitucional graças à sua autoridade na condução dos trabalhos. A “Constituição cidadã” logrou dosar nas suas 23
normas a força de aceleração necessária para a transformação social que o País almejava e a força da contenção para lidar com os riscos dos impulsos fragmentários das facções. Dr. Ulysses dizia que “o estadista é o arquiteto da esperança”. Conferiu dignidade à política ao constituir-se como o arquiteto da esperança da liberdade e da democracia no País. Entre as suas virtudes estava a coragem, no seu entendimento, “a primeira virtude do estadista. Sem ela, todas as demais desaparecem na hora do perigo, como hierarquizou Churchill”. Sabia diferenciar oportunidade, que “é servir o tempo”, de oportunismos, que “é servir-se do tempo”. Entendia os riscos inconsequentes da impaciência: “Joaquim Nabuco admoesta que o tempo não perdoa o que se faz sem ele”. Compreendia que o estadista “quer a ordem justa” e “se antecipa à rua na solução dos problemas sociais. Está com a rua, mas não na rua”. Não fazia “política com o fígado, conservando o rancor e o ressentimento na geladeira”. Destaco a firmeza com que lidou com as quedas, muito especialmente a derrota eleitoral para a Presidência em 1989 e os abandonos subsequentes que o levaram à planície política, da qual se estava erguendo quando a morte o colheu. Seu aprendizado de cidadania, como tantos que o antecederam e lhe sucederam, deu-se na atmosfera da política estudantil na Faculdade de Direito do Largo de São Francisco. Participou das atividades do Centro Acadêmico XI de Agosto, foi em 1940 o primeiro vice-presidente da UNE e na tradição das Arcadas associou à política o gosto pelas letras. Organizou a antologiaPoesia sob as Arcadas (1940), que mereceu registro de Antonio Candido no primeiro número da revista Clima. Daí a origem da força da sua oratória, do apreço pela cultura e do gosto pela palavra. “Gosto das palavras. Se fosse poeta, seria parnasiano ou simbolista. A mim cabe a crítica de Flaubert: Lambe as palavras, como a vaca lambe a cria.” As “artes da política”, que exerceu com pertinente tenacidade, ele foi adquirindo na sua militância no PSD, o partido do equilíbrio do sistema político de 1945 e 1964, pelo qual se elegeu deputado estadual em 1947 e quatro vezes deputado federal. Dizia: “O PSD foi o grande laboratório político das soluções brasileiras”. Nele “não havia improvisação”. Ele sabia que “o jeito” também é força. Se vence obstáculos e antagonismos, é força. Foi com esse lastro que, mesclando, numa dialética de complementaridade, moderação e rebeldia inconformista, exerceu o mandato parlamentar, eleito outras sete vezes pelo MDB e PMDB, tendo presidido a Câmara quatro vezes, na última acumulada em 1987 na já destacada lúcida presidência da Constituinte. Sua única e breve experiência no Executivo foi a de ministro da Indústria e Comércio de 1961 a 1962, no Gabinete Tancredo Neves, na vigência do regime parlamentarista que sucedeu à renúncia de Jânio Quadros. Dessa fase não posso deixar de destacar a qualidade da sua avaliação do sistema multilateral do comércio na reunião ministerial do Gatt em 27/11/1961. Era, em suma, como se classificava,“do gênero parlamentar; espécie deputado”. Foi como parlamentar, em que o exercício bem-sucedido do poder não é monocrático, mas requer aglutinar para conduzir, que se fez o estadista da esperança, que tanto contribuiu para a vida política brasileira. Evoco com saudades a sua memória com o grato reconhecimento adicional de quem teve o privilégio de com ele conviver e aprender. *Professor emérito da USP, ministro das relações exteriores e do desenvolvimento, indústria e comércio no governo FHC, é membro da Academia Brasileira de Letras e da Academia Paulista de Letras
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O que setembro nos ensina Só uma esquerda atrasada se pode valer de uma permanente estratégia de tensão... Fonte Jornal O Estado de S. Paulo, *Luiz Sérgio Henriques 18 Setembro 2016 às 03h07 Setembro acaba de nos trazer à memória dois acontecimentos espantosos e relativamente recentes, mas já históricos, cuja relação, direta ou indireta, é difícil fazer, a não ser que usemos cautelas acima das convencionais. À primeira vista, de fato, não há muita coisa em comum entre o cruel atentado às torres gêmeas de Nova York, em 2001, e a igualmente violenta deposição do presidente chileno Salvador Allende, em 1973, ainda que se possa argumentar que, cada qual a seu modo, ambas as tragédias deixaram fundas marcas nos contemporâneos e contribuíram para reorientar decisivamente modos de ver e de viver os fatos da política e da cultura. Acontecimento global, o 11 de setembro de 2001 logo pareceu ter inaugurado o século 21, alterando radicalmente a “estrutura do mundo”. O adversário do Ocidente democrático não era mais o conjunto diversificado dos comunismos no poder, mas uma versão irracional e extrema do islamismo. O marxismo como ideologia de Estado definhava, enquanto a nova confrontação passava a ser entendida, por parte dos conservadores ocidentais, como irreconciliável “choque de civilizações”. Dispensável dizer que uma direção política como a de George W. Bush não perderia a ocasião de desatar todas as fúrias, deixando de lado a imensa onda de solidariedade formada em favor de seu país no momento da agressão sofrida. Seguiram-se, em série mais ou menos lógica, intervenções unilaterais, guerras sectárias nos países sob intervenção e vagas migratórias que hoje alimentam o espectro horripilante da extrema direita na Europa e nos Estados Unidos, com evidente ameaça às liberdades civis e aos direitos sociais que dão significação à ideia de Ocidente. O outro 11 de setembro, mais recuado no tempo, vestiu-se com o léxico obviamente mais racional do marxismo e suas formas de entender a História, não obstante o histórico sectário de tantos marxistas. Tratava-se, no bravo e pequeno Chile, de fazer uma transição de novo tipo para o socialismo, mantendo vivas as instituições básicas da democracia, como, entre outras, o Parlamento e as eleições regulares. Bem verdade, repetimos, que nem todos os marxistas, no Chile e fora dele, falavam a língua mais razoável: estamos na América Latina e, aqui, o paradigma da revolução regeneradora, hostil à “via pacífica”, organizava, e organiza, teoria e prática de parte considerável da esquerda, dos adeptos da revolução cubana até o bolivarianismo dos nossos dias. O que já está registrado na História é que a reação da direita chilena – apoiada por aberta ação norte-americana de tipo imperial, que só seria revertida no governo Carter, com sua agenda dos direitos humanos – foi especialmente violenta, matando Allende e cancelando a democracia por quase duas décadas. A tragédia foi de tal ordem que terminou por abrir dolorosa reflexão entre os comunistas fora do poder, como o italiano Enrico Berlinguer, então à frente do maior Partido Comunista do Ocidente. Berlinguer, comprovando que a esquerda clássica, diferentemente do deserto atual, soube produzir políticos capazes de falar a todos, e não só à própria parte, logo intuiu que a divisão radical das sociedades em dois campos inimigos é sempre a antessala da catástrofe. Antes de significar um bom encaminhamento de qualquer estratégia de reformas, tal divisão pressagia a derrota das forças reformistas e, levada às últimas consequências, antecede a ruína comum de partidos e forças em luta, com a explosão mais ou menos incontrolada da violência e a inviabilização da convivência civil. 25
Se isso fizer sentido, só uma esquerda atrasada e irresponsável, carente de ideias convincentes de mudança, pode se valer de uma permanente estratégia de tensão, adotando políticas de terra arrasada quando na oposição e de degradação das instituições quando no governo, sob o pretexto de que elas são “burguesas” e, por isso, não passam de instrumentos da dominação de classe. Por que, então, respeitar a liberdade de imprensa em sua plenitude, com a devida e natural regulação democrática? Por que ter preocupação constante com a independência dos Poderes e seu bom funcionamento, se se trata – nessa visão primitiva e “rebelde” – de herança “liberal” a que devemos renunciar? Ocioso acusar dirigentes como Allende ou Berlinguer por não terem, afinal, “construído o socialismo” ou terem sido ingenuamente derrotados. Uma acusação que denota “finalismo”, a saber, a ideia de que só o que conta é guiar povos e nações até o suposto estágio final da História – o socialismo –, em que desapareceriam mercado e Estado, conflito social e política. É evidente que não o fizeram, o que não lhes diminui minimamente o papel positivo nas lutas de suas respectivas sociedades em momentos históricos bem determinados. Ambos os estadistas, no interior do socialismo e do comunismo clássico, ou da parte “herética” dessas correntes, colocaram no centro de suas trajetórias o que se costuma chamar de questão democrática. Por definição, quem adota tal posição está aberto ao diálogo com outras tradições, até muito afastadas, convergindo todas elas para um irrestrito compromisso de defesa e aprofundamento do Estado Democrático de Direito e dos mecanismos de mudança nele inscritos. De resto, não ter percebido essa questão em sua radicalidade explica muito das dificuldades atuais da esquerda brasileira e latino-americana em sua tosca vertente bolivariana, uma esquerda que na primeira década do século se teve a si mesma em alta e indevida consideração juízo, infelizmente, corroborado por intelectuais e forças políticas dos países do “centro” do capitalismo. Uma falta de percepção ainda mais inexplicável se admitirmos que “regras e valores da democracia”, na periferia ou no centro, no norte ou no sul do planeta, estão hoje sob ameaça e devem ser defendidos a todo custo, por terem óbvia dimensão universal. *Tradutor e ensaísta, é um dos organizadores das ‘obras’ de Gramsci no Brasilsite: www.gramsci.org
União pelo clima FONTE JORNAL FOLHA de S. PAULO, JOÃO GOMES CRAVINHO 18/09/2016 às 02h00 Em dezembro do ano passado, 195 países e a União Europeia negociaram, em Paris, o novo acordo climático global. Foi um momento raro nos tempos que correm, um assomo de responsabilidade por parte da comunidade internacional sobre um dos temas mais significativos para o nosso presente e futuro. O acordo é universal e juridicamente vinculativo. Define um plano de ação para o mundo evitar mudanças climáticas perigosas, limitando o aquecimento global a menos de 2º C, com os esforços para chegar a 1,5º C. Agora, só falta transformá-lo em realidade. O Brasil está entre os líderes do processo. A recente promulgação, pelo presidente Michel Temer, permite apresentar às Nações Unidas, na quarta-feira (21), o instrumento de ratificação do Acordo de Paris pelo Brasil.
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Mas validar o acordo, por si só, não vai concretizar as ações de mitigação, adaptação e financiamento. Todos os países devem agora implementar políticas para desenvolver planos climáticos nacionais robustos e abordagens internacionais. Sabemos que o Brasil tem expressivas ambições, como reduzir as emissões de gases do efeito estufa em 37% até 2025, tendo como base os níveis de 2005. A União Europeia continua a avançar com políticas climáticas arrojadas, tendo por objetivo reduzir as emissões em pelo menos 40% até 2030. Há temores de que medidas contra as mudanças climáticas possam afetar o crescimento econômico. A experiência, contudo, mostra que o oposto é verdadeiro: nossas emissões diminuíram 23% desde 1990, enquanto o PIB cresceu 46%. A União Europeia está pronta a compartilhar sua experiência e lições aprendidas para o benefício de todos; temos ampla cooperação com muitos parceiros. As principais economias do mundo têm a responsabilidade de assumir a liderança, tanto por meio de suas ações no plano nacional quanto pelo apoio aos países mais vulneráveis. Como assegurar um aumento contínuo de nossa ambição nos anos vindouros? Como construir o quadro de transparência que acordamos em Paris? Não só os governos possuem responsabilidade -também os agentes econômicos, as cidades e a sociedade civil desempenham um papel crucial para a eficácia do plano. A cooperação entre a União Europeia, os seus Estados-membros e o Brasil é intensa e robusta. Nossa parceria fez a diferença na conferência histórica em Paris. No ano passado realizamos um grande evento, denominado "Mudanças Climáticas, Somos Todos Responsáveis", durante oito dias no Rio de Janeiro, com mais de 6.000 pessoas, entre autoridades públicas, empresas, sociedade civil organizada e público em geral. Debatemos uma sociedade e economia de baixo carbono, mais resiliente às mudanças climáticas. Neste ano, com o lema "Baixo Carbono Brasil", apoiaremos a transferência de tecnologias e parcerias entre as pequenas e médias empresas europeias e brasileiras em temáticas como eficiência energética, resíduos sólidos, biogás, biometano e energias renováveis. Devemos manter o impulso de Paris, pois o prêmio vale a pena: preservar o planeta para as gerações futuras, apostando em menos emissões, maior segurança e eficiência energética e um crescimento orientado para a inovação. Há muito trabalho a fazer, e cá estamos prontos para dar continuidade à parceria com o Brasil. JOÃO GOMES CRAVINHO, 52, português, doutor em economia pela Universidade de Oxford, é embaixador da União Europeia no Brasil Também subscrevem este artigo os embaixadores dos Estados-membros da União Europeia no Brasil,
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Mudanças no pré-sal são boas para o Brasil FONTE JORNAL FOLHA de S. PAULO, JORGE M. T. CAMARGO 18/09/2016 às 02h00 A COP21, conferência do clima da ONU em Paris, deu uma sinalização inequívoca da transição do planeta para uma economia de baixo carbono. Os países participantes decidiram reduzir emissões de gases de efeito estufa para combater as mudanças climáticas. O esforço terá efeito profundo na indústria global de energia por restringir o horizonte de tempo dos combustíveis fósseis. Neste cenário, o Brasil não pode mais perder tempo e desperdiçar a chance de aproveitar ao máximo os benefícios da extraordinária província petrolífera do pré-sal. No caminho do desenvolvimento dessa imensa riqueza que jaz nas profundezas do subsolo marinho brasileiro existe um entrave: a exigência de que a Petrobras seja obrigatoriamente a operadora com participação mínima de 30% nos investimentos. O plenário da Câmara dos Deputados deverá votar em breve o projeto de lei 131/2015, que libera a estatal dessa obrigação e oferece a ela uma opção preferencial. A mudança é boa para a Petrobras, que poderá escolher os projetos em que queira participar, sem o dever de acompanhar ofertas feitas com base em avaliações com que não concorde ou premissas estratégicas e comerciais diferentes das suas. Uma opção será sempre melhor que uma obrigação. A mudança é boa para o Brasil, pois poderá decidir, de forma soberana, sobre o ritmo de desenvolvimento do pré-sal que melhor atenda aos interesses do país, sem depender, e ter de aguardar, da recuperação da capacidade financeira de sua estatal. A mudança é boa para a indústria nacional. Um operador único se torna cliente único, o que aumenta o risco das empresas fornecedoras locais -como sabem, dolorosamente, os milhares de desempregados pela crise que hoje enfrenta a Petrobras- e limita o desenvolvimento tecnológico e as oportunidades de internacionalização que um ambiente de maior diversidade de operadores propiciaria. A mudança é boa para a saúde e a educação. Embora o projeto não trate da distribuição dos recursos oriundos do pré-sal, que continuam com o mesmo destino definido por lei, a aceleração dos investimentos trará um aumento significativo na arrecadação de impostos. De acordo com estudos e projeções da Universidade Federal do Rio de Janeiro, com a obrigatoriedade do operador único a arrecadação do setor será de R$ 21,3 bilhões em 2030. Removendo essa restrição, passaria a R$ 205 bilhões. A mudança é boa para a economia brasileira. Por subordinar-se a uma commodity internacional, o setor do petróleo é menos dependente da retomada do crescimento econômico do país, podendo, inclusive, dar considerável impulso a ele, pela dimensão de investimentos, empregos e tributos que é capaz de gerar.
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Como sabemos, mudanças são as únicas certezas na vida. O Brasil fez no passado escolhas hoje vencidas pela força da realidade. Não mudaram, porém, os fundamentos do sucesso de nossa indústria de petróleo -o potencial geológico brasileiro e a capacidade tecnológica local. A mudança na legislação do pré-sal é boa para a indústria de petróleo brasileira por torná-la ainda mais diversificada, competitiva e saudável. Até a realização da Rio Oil & Gás, maior evento do setor, entre 24 e 27 de outubro, aguardamos o anúncio de outras medidas importantes para destravar investimentos. JORGE M. T. CAMARGO, 62, mestre em geofísica pela Universidade do Texas (EUA), é presidente do Instituto Brasileiro de Petróleo, Gás e Biocombustíveis (IBP)
Temos de refazer o caminho de Vasco da Gama, mas agora saindo do Brasil AFP
Trabalhadores em porto de Lianyungang, China: Ásia virou principal destino do agronegócio brasileiro FONTE JORNAL FOLHA de S. PAULO, MARCOS SAWAYA JANK 17/09/2016 às 02h00
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Numa investida inédita sobre os grandes mercados de produtos agropecuários e alimentos do mundo, o ministro da Agricultura, Blairo Maggi, realiza no momento uma missão a oito países asiáticos. Acompanhado de cerca de 35 empresários de 12 setores do agro, durante quase um mês a missão percorre China, Coreia do Sul, Hong Kong, Tailândia, Myanmar, Vietnã, Malásia e Índia. Vários fatores comprovam a importância estratégica da iniciativa: - A Ásia tornou-se o principal destino do agronegócio brasileiro, respondendo por 45% do total exportado. Quase todos os setores a veem como a região mais promissora para comércio, integração e investimentos. - A China responde sozinha por um quarto das exportações do agro e é o país do mundo com maior interesse em Brasil, em áreas como indústria de processamento, tradings, energia, infraestrutura e até mesmo no investimento em terras agrícolas. Como já disse em coluna anterior, no momento não há nada mais estratégico para o Brasil do que encarar esse complexo jogo de curto e longo prazo com aquele gigante asiático, com preparo, bons times e coordenação público-privada. - Mas, se a China suga todas as atenções neste momento, Maggi optou corretamente por um roteiro inovador que cobre quatro países-chave da Asean (Associação de Nações do Sudeste Asiático), hoje o segundo bloco comercial do planeta, com 640 milhões de habitantes e PIB de US$ 2,6 trilhões. Os quatro países visitados somam 250 milhões de habitantes e, por também estarem na zona tropical, se parecem demais com o Brasil. O potencial de cooperação tecnológica, comercial e de investimentos é imenso. - A missão se encerrará na Índia, país ainda bastante fechado, mas que vive um processo de grandes reformas econômicas e forte crescimento, que vai levá-la a rivalizar com a China. A missão mostrou claramente que precisamos estar mais presentes no Oriente. Além do melhor conhecimento mútuo, a missão é composta por reuniões oficiais, seminários empresariais em cada país, entrevistas, convite para visitas ao Brasil e assinatura de acordos sanitários, de cooperação técnica e de investimentos. A Ásia é uma região em que a confiança e os negócios se desenvolvem com base em relacionamentos fortes e duradouros. O processo decisório costuma ser lento, depende de muitas conversas e negociações, nas quais nem sempre os resultados são entendidos da mesma forma. O "sim" pode, na verdade, significar "talvez". E o "talvez" pode ser só uma forma educada de dizer "não". Há grandes diferenças culturais, econômicas, étnicas e religiosas em relação ao Ocidente, entre os próprios países asiáticos e mesmo dentro de cada país. A grande questão que fica após uma viagem tão longa e exaustiva é definir que tipo de followup precisaria ser dado para não deixar o entusiasmo se perder. No meu entendimento, os passos seguintes não deveriam ficar apenas a cargo dos diplomatas locais ou esperando uma próxima missão ministerial. O setor privado precisa ocupar o seu papel instalando-se e atuando localmente em cada país visitado.
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Há 40 anos pequenos agricultores do Sul deixaram a sua terra natal para desbravar regiões inóspitas do Centro-Oeste com conhecimento e tecnologia modernas. Nesse mesmo período a demanda mundial se deslocou dos países desenvolvidos para os emergentes da Ásia. A missão do ministro da Agricultura mostra que, mais de 500 anos após Vasco da Gama, temos de voltar a percorrer o mesmo caminho, só que agora saindo do Brasil. Mas não vamos mais buscar especiarias no Oriente. Ao contrário, precisamos convencer os povos orientais a comprar as nossas especiarias tropicais. Mais do que isso, precisamos integrar as cadeias alimentares dos dois lados do planeta, com eficiência, tecnologia, sustentabilidade e ganhos mútuos. A missão foi dada.
Chuva inesperada na colheita nos Estados Unidos eleva preços dos grãos Daniel Acker - 28.mai.2013/Bloomberg
Plantas rodeadas por água em plantação nos EUA FONTE JORNAL FOLHA de S. PAULO, MAURO ZAFALON 17/09/2016 às 02h00
Começou a chover em plena safra de soja e de milho nos Estados Unidos, um cenário inusitado para o Meio-Oeste. Tradicionalmente, o clima é seco neste período do ano na região.
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O mercado futuro de Chicago já deu a resposta a essa mudança de clima. Os preços da soja e do milho subiram na Bolsa de Chicago, importante referência mundial para essas commodities. Essa recuperação ocorre após um início de semana em baixa, quando os preços haviam refletido os números recordes da produção norte-americana. Na sexta-feira da semana passada (9), a soja era negociada a US$ 9,80 por bushel de 27,2 quilos em Chicago. Com a nova divulgação da safra pelo Usda (Departamento de Agricultura dos Estados Unidos), o preço caiu e a oleaginosa foi negociada, na quinta-feira (15), a US$ 9,51. Nesta sexta (16), subiu para US$ 9,66. A mais recente estimativa do Usda apontou para uma safra recorde de 114,3 milhões de toneladas de soja, ante 110,5 milhões previstas em agosto. O milho também seguiu a mesma tendência, com uma elevação dos preços praticados nesta sexta-feira (16), em Chicago, para US$ 3,41 por bushel (25,4 quilos), acima dos US$ 3,30 de quinta-feira (15). Daniele Siqueira, analista da AgRural, de Curitiba, diz que as chuvas são anormais neste período do ano, mas que elas não devem mudar muito os rumos da safra de grãos do Estados Unidos, principalmente no caso do milho, cuja colheita já está mais adiantada. Para que haja uma queda significativa na produção nos EUA, precisaria ocorrer o que se verificou em algumas regiões do Brasil, onde o excesso de chuva derrubou a produtividade e, em alguns casos, até abortou a colheita.
Deficit mundial de açúcar atinge 15 milhões de toneladas O mundo deverá conviver com um deficit na oferta de açúcar, em relação à demanda mundial, de 15 milhões de toneladas em apenas dois anos. A safra 2015/16, que se encerra, teve uma oferta de 7,9 milhões de toneladas abaixo da demanda mundial. Na próxima, que deverá começar em outubro, o deficit permanece elevado, ficando em 7,2 milhões. Os números são do Rabobank, instituição especializada em agronegócio. Uma das consequências desse deficit foi uma recuperação do preço, que esteve em 21,78 centavos de dólar por libra-peso nesta sexta-feira (16), em Nova York, 90% mais do que há um ano. O Brasil será um dos países produtores que terão crescimento na oferta de açúcar nesta safra. A produção da região centro-sul somou 19,1 milhões de toneladas de abril ao início deste mês, 17% mais do que em igual período anterior, informou a Unica (União da Indústria de Cana-deAçúcar) nesta semana. 32
Segundo o Rabobank, a Índia manterá a produção de 23,5 milhões de toneladas na safra 2016/17, enquanto a da China sobe para 10 milhões. Apesar do aumento de produção, a China deverá importar de 4 milhões a 5 milhões de toneladas em 2016/17. Os estoques do país são estimados em 7,5 milhões de toneladas. Paiol cheio A produção brasileira de milho deverá subir para 92,3 milhões de toneladas na safra 2016/17, segundo estimativas da Safras & Mercado. Boa recuperação Se confirmadas as estimativas da Safras, a produção crescerá 30%. Apesar dessa intensa evolução, fica apenas 4,4% acima da de 2014/15, quando atingiu 88,4 milhões. Os líderes 1 Conforme essa estimativa preliminar da consultoria, Mato Grosso deverá produzir 20,9 milhões de toneladas, 30% mais do que em igual período anterior. Os líderes 2 Já o Paraná deverá colher 4,2 milhões na primeira safra e 14,2 milhões na segunda. Com isso, esses 18,4 milhões de toneladas superam em 14% o do ano anterior. Na bomba O litro de etanol hidratado subiu para R$ 2,299 nesta semana na cidade de São Paulo, 1% mais do que na anterior. A gasolina esteve a R$ 3,449, em média, segundo pesquisa da Folha. Impeachment é parlamentarista no mérito e presidencialista no processo Alan Marques/Folhapress
Ministro Ricardo Lewandowski preside sessão do Senado do impeachment de Dilma Rousseff FONTE JORNAL FOLHA de S. PAULO, SAMUEL PESSÔA 18/09/2016 às 02h00 33
O processo de impedimento do presidente pode ser analisado por dois pontos de vista: o mérito e o rito processual. Um Fiat Elba ou decretos de contingenciamento orçamentário são suficientes para estabelecer o mérito segundo a redação da lei de 1950. No mérito, a lei de impedimento é um instituto do parlamentarismo. Funciona como voto de desconfiança. O rito processual, no entanto, é presidencialista. Longo processo de tramitação com maioria qualificada nas duas Casas e amplo direito de defesa. Ou seja, o instituto do impedimento do presidente de acordo com nossa legislação tem características híbridas: parlamentarista no mérito e presidencialista no ritual. Carece mudança? A resposta a essa pergunta é puramente pragmática: sistemas políticos não são estruturas puras que precisam ser tuteladas por algum princípio moral. Para sistemas políticos, aplica-se a lógica consequencialista: garantindo-se os princípios democráticos básicos, vale o que melhor funcionar para a sociedade. Nosso presidencialismo é extremamente consensual: voto proporcional, lista aberta, distritos eleitorais muito grandes, facilidade de criação de partidos, governo federativo (em três níveis!), STF com forte poder de revisão, Constituição extensa e detalhada, Judiciário com infinidade de instâncias recursais, entre outras características. Para organizar a confusão e fazer a orquestra —em que cada músico tem algum poder de veto— tocar com um mínimo de ordem, o presidente é constitucionalmente muito forte. Tem o instrumento da medida provisória, veto total e parcial, poder de alocar o Orçamento, entre outros. Adicionalmente nosso presidencialismo depende, para funcionar, de enorme capacidade de negociação do presidente. Vale contrastar com o exemplo norte-americano. Lá existe bipartidarismo, presidente constitucionalmente fraco e, portanto, Legislativo constitucionalmente forte, e Constituição enxuta. Se há um impasse entre Executivo e Legislativo, a vida segue sem maiores percalços. No Brasil, em razão de nosso desenho institucional, quando um presidente perde a capacidade de diálogo com o Legislativo, há forte embate destrutivo. O triste ano de 2015 ilustra. Um presidente constitucionalmente forte que perdeu a capacidade de diálogo com o Congresso perde também a capacidade de exercer o principal papel do chefe do Executivo em nosso presidencialismo: a defesa do interesse difuso. Assim, o instituto híbrido do impedimento do presidente —parlamentarista no mérito e presidencialista no processo— é harmônico com as demais instituições que temos. Talvez a possibilidade de recall do presidente seja uma solução menos traumática. Mas, devido ao nosso desenho institucional, o recall tem que ser iniciativa do Poder Legislativo. O que, por sua vez, não me parece boa ideia. Enfraqueceria a Presidência mais do que nosso impedimento híbrido.
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No nosso presidencialismo, o presidente é o coordenador. Tem inúmeras prerrogativas. Se avança o sinal, o Legislativo lhe corta a cabeça. A menos que mudemos completamente nossas instituições políticas, essa é a lógica interna de seu funcionamento.
O bom professor FONTE JORNAL FOLHA de S. PAULO, ARNALDO NISKIER 19/09/2016 às 02h00 Pesquisas recentes demonstram que a habilidade de ensinar não é inata. Assim como treinadores ajudam atletas a melhorar em suas modalidades, professores também podem ter suas vocações aprimoradas. Sabe-se que o segredo para notas excelentes e estudantes bem-sucedidos não são os colégios elegantes, turmas pequenas ou equipamentos mirabolantes. São os professores. É a principal conclusão da reportagem publicada na revista "The Economist", de 11 de junho de 2016. No mundo todo, poucos professores são suficientemente bem preparados. Em países pobres, muitos recebem pouco treinamento. Em países ricos, o problema é mais sutil. Os professores se qualificam, seguindo um curso longo que, normalmente, envolve discussões rasas sobre diversas teorias. Alguns desses cursos, inclusive mestrados em educação, não têm nenhum efeito sobre quão bem os alunos dos seus graduados acabam sendo ensinados. As escolas negligenciam os seus alunos mais importantes: os próprios professores. É preciso aprender como transmitir conhecimento e preparar jovens mentes para recebê-lo. Bons professores definem objetivos claros, aplicam padrões altos de comportamento e administram o tempo em sala de aula com sabedoria. Usam técnicas comprovadas de ensino para garantir que todas as cabeças estejam funcionando todo o tempo -como, por exemplo, fazer perguntas na sala de aula, escolhendo o aluno que irá responder, em vez de perguntar e esperar uma resposta, o que sempre leva a ter os mesmos alunos ansiosos levantando as mãos. A aplicação dessas técnicas é mais fácil em teoria do que na prática. Com o ensino, o caminho para a maestria não é uma teoria confusa, mas sim uma intensa prática orientada, baseada no conhecimento do assunto e métodos pedagógicos. Os estagiários deveriam ficar mais tempo em sala de aula. Os países onde os alunos têm o melhor desempenho fazem professores inexperientes passar por um aprendizado exigente. Na América, as escolas com alto desempenho ensinam os estagiários em sala. Acertar nos incentivos também ajuda. Em Xangai, os professores ensinam somente de 10 a 12 horas por semana, menos que metade da média americana de 27 horas. Estudos recentes da Universidade Harvard destacam o poder do bom ensino. Mas uma pergunta persegue os criadores de políticas: "Bons professores nascem bons ou se tornam bons?". Preconceitos na cultura popular sugerem a última opção. Professores ruins são vistos como pessoas preguiçosas que odeiam crianças.
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Edna Krabappel, de desenho "Os Simpsons", trata as aulas como obstáculos para chegar aos intervalos. Enquanto isso, professores bons e inspiradores são vistos como pessoas dotadas de dons sobrenaturais. Em 2011, um levantamento sobre atitudes em relação à educação verificou que essas visões indicam a crença das pessoas: 70% dos americanos acreditavam que a habilidade de ensinar resultava mais de talento inato que de treinamento. As instituições que preparam professores precisam ser mais rigorosas. Mudanças nos sistemas escolares são irrelevantes se não mudarem como e o que as crianças aprendem. Para isso, importa o que os professores fazem e acham. A resposta, afinal, está na sala de aula. ARNALDO NISKIER, 80, é membro da ABL - Academia Brasileira de Letras e presidente do CIEE - Centro de Integração Empresa-Escola no Rio de Janeiro
Novas perspectivas se abrem para o Mercosul Boris Vergara - 5.ago.2016/Xinhua
Militares venezuelanos hasteiam bandeira do Mercosul em Caracas para marcar presidência do bloco FONTE JORNAL FOLHA de S. PAULO, AÉCIO NEVES 19/09/2016 às 02h00 Nossa diplomacia acaba de adotar uma posição histórica. Em defesa da democracia e das instituições, impediu, ao lado das chancelarias da Argentina, do Paraguai e do Uruguai, que a Venezuela ocupasse a presidência temporária do Mercosul. Com a decisão, abrem-se novos caminhos para o bloco.
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Esta seria a segunda ocasião em que o país liderado por Nicolás Maduro chefiaria o Mercosul —a primeira foi há três anos. Desta vez, porém, prevaleceu a postura firme do governo do Brasil, com o apoio dos demais parceiros. Valeu o que estabelecem as regras do bloco: é preciso cumprir plenamente os requisitos previstos para exercer a presidência. Um país que nem de longe lembra uma democracia —pude ver isso de perto em viagem a Caracas, um ano atrás, ao lado de outros senadores—, e que desrespeita reiteradamente os direitos humanos não poderia sequer ter sido aceito na aliança regional. Mas o alinhamento ideológico que dominou a diplomacia de alguns dos países-membros do Mercosul até pouco tempo atrás permitiu o ingresso da Venezuela em 2012. Se persistir a intransigência do governo venezuelano, em dezembro o país poderá ser suspenso do bloco. Não é o desejável, uma vez que a intenção dos países membros é fortalecer o Mercosul e apoiar o povo irmão da Venezuela na superação das enormes dificuldades a que tem sido sujeitado. Mas será inevitável, caso o governo Maduro não desista da escalada autoritária que vem patrocinando. Não é possível aceitar como parceiro diplomático e comercial um governo que trata como crime o mero exercício do direito de opinião, que encarcera seus opositores e reprime seus adversários violentamente nas ruas. As tentativas de diálogo e de encaminhamento de uma solução pacífica e democrática vêm naufragando. Não bastasse o terror antidemocrático, os venezuelanos estão hoje sujeitos a condições de vida deploráveis. O país apresenta uma das mais altas taxas de inflação do mundo e assiste seu PIB decair de forma continuada. Recentemente, Caracas superou a hondurenha San Pedro Sula e tornou-se a cidade mais violenta do planeta. A experiência venezuelana ressalta, com tintas fortes, os limites e o fracasso dos regimes populistas. A truculência, a manipulação econômica, a irresponsabilidade fiscal, o desmazelo com o patrimônio público e um intervencionismo sem paralelo produziram um país empobrecido, com mais de 70% da população em condição de pobreza. Com a recente decisão, a diplomacia brasileira, sob a liderança do chanceler José Serra, está conduzindo o Mercosul a seus melhores caminhos, deixando para trás o isolacionismo que marcou a última década e abrindo novas perspectivas para o bloco.
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Que Cármen Lúcia reafirme na presidência do Supremo o 'cala a boca já morreu' Pedro Ladeira/Folhapress
Ministra Cármen Lúcia acaba de assumir a presidência do Supremo FONTE JORNAL FOLHA de S. PAULO, RONALDO LEMOS 19/09/2016 às 02h00 A Ministra Cármen Lúcia acaba de assumir a presidência do Supremo. Essa é uma boa notícia para o constitucionalismo brasileiro, especialmente aquele que presta atenção ao artigo 5º da Carta Magna, que define os direitos e as garantias fundamentais de todos os cidadãos. Em decisão recente, a ministra posicionou-se claramente em favor da liberdade de expressão, proferindo a célebre frase "Cala a boca já morreu" ao votar sobre o direito de realizar biografias no Brasil. No entanto, "cala a boca" não morreu. Ao contrário, está cada vez mais robusto e nefasto. Há um grande número de juízes ordenando não só a remoção de alegações da internet como exigindo que essas informações permaneçam banidas, especialmente quando dizem respeito a políticos. Os casos mais graves são pura censura prévia: ordens judiciais mandando que algo não seja sequer publicado. Se for publicado, que seja removido. Se for removido, que não seja publicado novamente. Relatório recente da Abraji (Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo) mostra que mal começou o período eleitoral e os pedidos de censura prévia no Judiciário por políticos já 38
totalizam 28 ações, superando todo o período eleitoral anterior. São demandas contra cidadãos, empresas de mídia, sites e jornalistas ordenando-os a calar a boca. O campeão de pedidos é o ex-senador Expedito Júnior (PSDB-RO), com sete processos. Em segundo lugar vêm Dilma Rousseff (PT), o senador Benedito de Lira (PP-AL) e o senador Marcelo Crivella (PRB-RJ), todos com seis processos. Um a cada cinco pedidos de censura prévia é concedido pelo Judiciário. Infelizmente, o Brasil destoa das regras de liberdade de expressão que são praticadas nos países democráticos. Desvia-se não só do modelo dos EUA, onde políticos e figuras públicas praticamente não têm direito de reparação contra ofensas, mas também dos vizinhos latinoamericanos. Países como Argentina, Costa Rica, El Salvador, México, Nicarágua e Uruguai nunca criminalizaram ou recentemente revogaram suas leis que permitiam a políticos recorrer ao Judiciário para banir afirmações (mesmo que ofensivas) contra eles. Um bom exemplo disso é a Lei Kimel, passada na Argentina em 2009. O país foi condenado pela Corte Interamericana de Direitos Humanos ao punir o jornalista que expôs os agentes públicos responsáveis pelo massacre da igreja de são Patrício. A Lei Kimel limitou que figuras públicas possam acionar o Judiciário para proteger sua "honra". Enquanto nossos vizinhos defendem a liberdade de expressão, a jurisprudência dos nossos tribunais superiores é desanimadora. Quando têm de decidir sobre o conflito entre liberdade de expressão e a proteção à honra, optam pela honra em 70% dos casos. Com isso, a presidência do STF exercida por Cármen Lúcia traz esperança para reverter esse quadro. Espera-se que sua atuação reafirme o "cala a boca já morreu" proferido anteriormente. Isso seria, aliás, mais belo ponto para sua biografia.
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Governo tem de cuidar de uma agenda micro, diz sócio de gestora FONTE JORNAL FOLHA de S. PAULO, MARIA CRISTINA FRIAS 19/09/2016 às 02h55
Fabio Braga/Folhapress
Antonio Quintella, sócio fundador da Canvas Capital e ex-presidente do Credit Suisse nas Américas e no Brasil
Apesar da premência de o governo se concentrar no ajuste fiscal, é preciso que a equipe do presidente Temer se dedique também a uma agenda de reformas microeconômicas para melhorar o ambiente de negócios e atrair investimentos. A avaliação é do empresário Antonio Quintella, sócio fundador da gestora de recursos de terceiros Canvas Capital e ex-presidente do banco Credit Suisse no Brasil e nos Estados Unidos. "É compreensível que o governo esteja focado nas principais questões macroeconômicas", diz. "Mas uma hora, e não pode demorar muito, precisaremos tornar o ambiente de negócios menos hostil, e um conjunto de reformas microeconômicas precisará vir à tona." A seguir, os principais trechos da entrevista à coluna. Folha - Além do ajuste, como vê a atuação do novo governo? Antonio Quintela - O governo tem sido muito claro quanto à necessidade e à urgência de encaminhar as suas prioridades: controle do gasto público e reforma da Previdência. Por outro lado, me preocupo porque o ambiente de negócios é muito difícil, mais hostil que em países comparáveis ao Brasil. Não se sabe bem quais as prioridades do governo para melhorar as condições para se fazer negócio. Há comentários esporádicos da necessidade de atrair capital 40
privado e estrangeiro, sem que isso tenha sido articulado com uma agenda microeconômica. Seria importante para retomar a confiança e aumentar investimentos que reformas fossem acompanhadas de outras tantas para facilitar negócios. O que destacar nessa agenda? O conjunto de medidas traria um enorme ganho, aceleraria o restabelecimento da confiança e incentivaria investimentos privados. Tem questões trabalhistas, tributárias, relacionadas às agências regulatórias, à dificuldade dos processos de licença ambiental, o ambiente ainda muito burocrático... O que exatamente? O Brasil continua em posições péssimas em rankings de ambiente de negócios, segundo o Banco Mundial. Um exemplo é abertura e fechamento de empresas. O alto endividamento retarda a retomada da economia? Nunca o país entrou em crise com empresas e pessoas tão endividadas. Não existia empréstimo consignado, os financiamentos imobiliários, de veículos, de crédito ao consumidor e às empresas eram pequenos. Espero que não ocorra, mas temo que a velocidade da retomada seja aquém da que vimos antes. O investidor está voltando? O estrangeiro, lentamente e com muita cautela. Tem a questão das reformas. Há urgência -o presidente e a equipe econômica têm sido enfáticos nesse ponto. Mas isso também condiciona as expectativas, de forma geral. Empresários estão otimistas com o governo? Estou mais animado. Observo pelo comportamento dos preços dos ativos financeiros, como a Bolsa, que a comunicação do governo está sendo bem-sucedida. Mas o governo vêm dando sinais de cautela. Em que sentido? Ele vem alertando sobre a situação fiscal e a evolução da dívida do Brasil. Sem os ajustes macro, em particular a PEC limitando a evolução do gasto público e a reforma da Previdência, a dívida pública vai entrar numa trajetória insustentável. Isso poderá resultar em mais inflação e ou na incapacidade de servir a dívida. A situação é emergencial e bastante dramática. O governo vai conseguir convencer a sociedade e o Congresso da necessidade desses drásticos ajustes? Se não conseguir, a situação pode, deve piorar muito. RAIO-X Antonio Quintella Carto atual: Sócio fundador da Canvas Capital, que tem R$ 3,5 bilhões sob gestão, e o Credit Suisse como sócio minoritário Carreira: Presidente do Credit Suisse nas Américas (EUA, Canadá, México e Brasil). Formação: Economista pela PUC do Rio de Janeiro, com MBA pela London Business School Dose reduzida A arrecadação de ICMS (sobre circulação de mercadorias e serviços) de produtos farmacêuticos no Estado de São Paulo cresceu 9,84% no primeiro semestre deste ano, para R$ 1,6 bilhão. 41
O aumento se deu apesar de o imposto cobrado sobre medicamentos genéricos ter caído de 18% para 12%, em fevereiro. O governo calcula que os preços dos fármacos baixaram até 6%. "Os Estados tendem a resistir a cortes nas alíquotas, mas as vendas ajudaram a compensar a redução do imposto", diz Nelson Mussolini, do Sindusfarma (do setor). Entre janeiro e junho, a indústria farmacêutica faturou R$ 6,74 bilhões (já descontada a inflação), o que representou aumento de 12,6% sobre igual período de 2015. O executivo projeta elevação de 4,6% na arrecadação de ICMS até o fim deste ano, um valor de R$ 3,14 bilhões. Dinheiro no lixo O tratamento de resíduos industriais no Brasil representa um mercado potencial de R$ 1,67 bilhão ao ano, por pelo menos uma década, aponta a Abetre, entidade do setor, em estudo feito pela consultoria Tendências. O estoque de passivos ambientais calculado é de 58 milhões de toneladas. Hoje, a recuperação dos resíduos movimenta, em média, R$ 400 milhões anuais, afirma o presidente da associação, Carlos Fernandes. "Com a retração econômica, as empresas colocaram o tema em segundo plano." A queda do orçamento público desacelerou os investimentos para eliminar lixões e aterros sanitários, o que contribui à paralisia do setor, diz. O mercado mais aquecido hoje é o de tratamento de efluentes, impulsionado pela crise hídrica. "Há fundos interessados em investir no setor. O que falta é demanda."
Mérito na Olimpíada, cotas nas universidades? O sucesso da Olimpíada de 2016, no Rio de Janeiro, serve para mostrar como é possível enfrentar dificuldades e superá-las. As previsões catastróficas sobre o fracasso do evento por causa de criminalidade solta no Rio de Janeiro, epidemia de zika, obras inacabadas e transporte caótico não se confirmaram e a Olimpíada decorreu dentro do padrão de Beijing e Londres. Fonte Jornal O Estado de S. Paulo, José Goldemberg* 19 Setembro 2016 às 05h00 O magnífico visual da cerimônia de abertura, preparada pelos talentosos Andrucha Waddington, Daniela Thomas, Fernando Meirelles e Débora Colker, teve até uma apresentação sóbria e cientificamente correta sobre os problemas do aquecimento global e suas consequências, preparada por cientistas brasileiros, como Paulo Artaxo. O Brasil, que era um vilão nessa área por causa do desmatamento da Amazônia, apareceu para uma plateia de 3 bilhões de pessoas como um país sério e responsável que está fazendo sua parte para tentar resolver o problema. Mas a lição fundamental da Olimpíada, a nosso ver, é que ela abre espaço para confrontos em que só o talento e a competência têm valor. A meritocracia é o fator determinante em todos 42
os eventos, não há favorecimentos de espécie alguma e os melhores vencem, levando suas medalhas de ouro, prata ou bronze. Na Olimpíada não há distinções entre ricos e pobres, classes sociais, religiões e cor da pele, mas premiação dos melhores; não importa de onde venham, Etiópia, França ou Brasil: vencem os melhores. A riqueza de países como EUA ou Inglaterra permite preparar mais atletas, mas não é uma garantia de sucesso. São comoventes as histórias contadas por atletas de famílias humildes ao receber as medalhas sobre como superaram seus problemas com o esforço próprio e dedicação. Competir numa escala mundial e vencer nas provas é a melhor forma de se autoafirmar como ser humano e cidadão. Curiosamente, esses mesmos critérios são abandonados sistematicamente no Brasil com a introdução de sistemas de cotas para assegurar vantagens a corporações, alguns grupos sociais e até étnicos. Corporações foram muito poderosas no passado, mas o avanço da democracia como forma de governo nos séculos 19 e 20 abriu horizontes mais amplos em muitos países. As bandeiras da Revolução Francesa de liberdade, igualdade e fraternidade criaram a figura da cidadania, em que todos são iguais perante a lei e têm as mesmas oportunidades. A introdução de cotas para proteger certos grupos pode se justificar em casos muitos especiais, como o das pessoas com deficiências físicas, mas pode levar a distorções e discriminações intoleráveis, como ocorreu no século 20 com os sistemas totalitários, particularmente na Alemanha nazista, que levou ao holocausto dos judeus. Assistimos hoje à tentativa do mesmo tipo de tentar criminalizar o islamismo, que deve ser energeticamente repelida. No caso brasileiro, em que distinções raciais não fazem sentido, com a enorme miscigenação que caracteriza nosso país, a introdução de cotas adquiriu características particularmente negativas no acesso às universidades públicas, que são gratuitas e só conseguem atender cerca de 25% dos estudantes que nelas desejam ingressar. Os restantes 75% pagam por seus estudos em universidades privadas. Os estudantes que concluem o ensino médio competem por esses 25% de vagas em exames vestibulares que selecionam os mais capacitados. Essa é uma situação parecida com uma competição olímpica, em que os mais talentosos são escolhidos. Poder-se-ia argumentar que o desejável seria que todos os que concluíssem o ensino médio pudessem cursar uma universidade pública, como é na França ou na Itália, mas simplesmente não existem recursos públicos para tanto. Em contrapartida, em muitos países do mundo as universidades públicas cobram anuidades, como as privadas. No caso das universidades federais, seu custo representa mais de 70% dos recursos do Ministério da Educação, que tem um dos maiores orçamentos do governo federal. Se atendesse a todos os que desejam matricular-se em universidades públicas, seu orçamento teria de quadruplicar. Nessas condições, cabe aqui perguntar para que servem as universidades públicas. Pelo artigo 207 da Constituição federal, elas têm por finalidade o ensino, a pesquisa e a prestação de serviços à comunidade, e não apenas o ensino, como a grande maioria das universidades privadas. A primeira universidade pública no País, a Universidade de São Paulo (USP), criada em 1934, introduziu a ideia de promover a investigação científica e cultural e, portanto, a criação de um grande mercado de profissionais capazes de identificar as tecnologias modernas e aplicá-las para o desenvolvimento do Brasil. Essas atividades têm alto custo, mas o retorno desses investimentos se vê hoje com a modernização do País.
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Se essa é a finalidade das universidades públicas, é evidente que é preciso escolher os estudantes mais adequados para fazê-lo e o único critério para tal é o mérito. Resolver problemas sociais e dar oportunidades aos mais pobres são objetivos importantíssimos, mas não é nas universidades, e sim no ensino fundamental e médio, que isso deve ser feito. Tentar resolver esses problemas facilitando o ingresso em universidades públicas pode ser mais fácil, mas não é o método adequado. Universalizar o ensino público de boa qualidade no nível fundamental e médio foi uma das bandeiras da Revolução Francesa de 1789, mas esse objetivo só foi atingido cerca de 80 anos depois, com o magnífico sistema de liceus franceses, apesar da riqueza de um país como a França. Introduzir cotas nas universidades públicas brasileiras como instrumento para compensar/corrigir discriminação racial ou social é muito mais fácil e menos oneroso do que corrigir o problema fundamental, que é melhorar a qualidade e a equidade do ensino fundamental e médio para que todos tenham as mesmas oportunidades no acesso ao ensino superior. *professor emérito da USP, foi ministro da Educação
Comandante Máximo Triste destino o do PT. Escolheu, ademais, atrelar o seu futuro ao “comandante máximo”, a essa estrela cadente, assumindo toda a sua defesa e se apegando a essa pantomima. Se assim continuar, sucumbirá com ele. Fonte Jornal O Estado de S. Paulo, Denis Lerrer Rosenfield 19 Setembro 2016 às 05h00 Fidel Castro, ditador perpétuo dos cubanos, deve ter ficado louco de inveja dos promotores do Ministério Público Federal. Como podem eles ter tido a ousadia de lhe roubar o nome que tanto preza? Diria ele: comandante máximo não pode ter outro igual a mim! Posso ser amicíssimo de Lula, porém tudo tem limites! Para Lula, parece que não. Não contente de haver sido eleito e reeleito presidente, acreditou ter sido o seu poder ungido por algum tipo de beneplácito absoluto, que lhe autorizava tudo fazer. Regras, leis e instituições deveriam estar simplesmente a seu serviço. Intitulou-se redentor dos pobres. Até esboçou a origem de um novo calendário, uma espécie de ano zero da História nacional, que deveria começar a ser contada de outra maneira. Seu adágio foi: “Nunca antes nesse país”. E assim foi. O Estado tornou-se mero instrumento de sua política, com o seu partido introduzindo-se em todos os poros de sua máquina. Nada deveria ficar imune à sua influência, nenhuma instância deveria ficar a salvo dessa sua nova crença. O que para uns seria crime, para ele se tornou mera forma de exercício do poder. Desobedecer às leis tornou-se um jogo semântico, como se palavras não pudessem mais expressar o certo e o errado, o justo e o injusto, o bom e o mau. A partir desse novo momento inaugural da História deste país, a linguagem política e, por consequência, a moral e a jurídica deveriam ser incorporadas a uma nova metalinguagem, a petista. Novos significados seriam atribuídos a nosso linguajar corrente. Note-se que a defesa de Lula e a da ex-presidente Dilma, assim como, de resto, o PT e seus movimentos sociais, atribuem a conceitos como “prova”, “democracia” e “golpe” outros significados, para eles, evidentemente, os únicos verdadeiros. Todos os que discordem dessa 44
sua nova atribuição de significados são imediatamente rotulados de “conservadores”, “representantes da direita”, “golpistas” – heréticos, em suma. Para os detentores dessa ideologia, não há “provas”, isto é, qualquer prova produzida contra eles não tem esse significado; não passa de falsificação de “golpistas” e “reacionários”, a saber, os jornais, a mídia, o Ministério Público, o Judiciário, e assim por diante. Ou seja, todos os que defendem o Estado Democrático de Direito! Dilma foi afastada da Presidência da República em ausência completa de “provas”. Lula está sendo denunciado, com falta de “provas”. Apesar de nada ter sido provado contra eles, os tesoureiros do PT e líderes do partido estão presos. Outros foram condenados também sem provas. Nada, para eles, é probatório, pois por definição nada poderia atingi-los. Estariam imunes à lei, que a eles não se aplicaria. Golpe, aliás, para quem? Só se for para intelectuais e artistas que vivem nos desvarios ideológicos e se acostumaram à subserviência de guardiães do novo linguajar. Tornaram-se servos deste novo poder, traindo a razão que deveriam representar. Só se for para incautos e militantes que, desbussolados, procuram um repouso dogmático para se eximirem da tarefa de pensar. Enchem a boca para falar de democracia, quando nada mais fizeram do que a sua instrumentalização com o intuito de dar uma vestimenta politicamente correta aos crimes cometidos. As instituições democráticas foram sendo enfraquecidas, enquanto eles se diziam os seus defensores. Seguiram, de outra maneira, a máxima bolivariana de subverter a democracia por meios democráticos. Estão, agora, indignados por seu estratagema ter sido descoberto. Peguem a Petrobrás. Um dos maiores patrimônios brasileiros foi literalmente saqueado. Tornou-se a fonte de um imenso propinoduto, que envolvia empreiteiros inescrupulosos, funcionários ávidos de enriquecimento e todo um sistema criminoso voltado para preservar o poder petista. E, no entanto, na curiosa linguagem partidária, eles estão atualmente a defendê-la contra a privatização! Ocultam o fato real: ela foi privatizada partidariamente! Lula e os petistas não são muito originais. Adotaram o critério da discriminação da política entre amigos e inimigos, tão teorizado por um intelectual nazista, Carl Schmitt. Em sua versão tupiniquim, adotou a versão do “nós” contra “eles”. O “nós” expressaria os representantes da verdade que salvariam os pobres, mostrando-lhes o seu verdadeiro caminho, pelo qual os crimes seriam tão somente instrumentos redentores, um detalhe menor e insignificante. O “eles”, por sua vez, designaria todos os que se opõem a essa tarefa religiosa de transformação social, ocupando-se de detalhes sem nenhum valor como crime, responsabilidade e Estado de Direito. Ficariam presos a minúcias conservadoras e reacionárias. Em seu discurso da última quinta-feira, Lula mostrou-se novamente excelente ator, sabendo muito bem representar o seu personagem de “líder máximo”, embora em sua versão de vítima. A todo momento se eximiu de qualquer responsabilidade, dizendo não ter cometido nenhum crime. Se algo está sendo feito contra ele, é porque no ano zero da História brasileira empreendeu a redenção dos pobres, que estaria sendo agora desmantelada. Lula pretende posar de vítima, quando, na verdade, essa posição é de toda a sociedade brasileira. A vítima mudou de nome. Graças à política petista, aliás, os pobres estão ainda mais pobres após o populismo socialista ter sido implementado. O desemprego alcança aproximadamente 12 milhões de pessoas, ou seja, afeta em torno de, no mínimo, 44 milhões de indivíduos, considerando quatro por
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família. Mas o número pode ser ainda maior. O céu foi prometido, porém o que se abriu foi o caminho do inferno. Triste destino o do PT. Escolheu, ademais, atrelar o seu futuro ao “comandante máximo”, a essa estrela cadente, assumindo toda a sua defesa e se apegando a essa pantomima. Se assim continuar, sucumbirá com ele. Talvez não lhe reste outro caminho. DENIS LERRER ROSENFIELD É PROFESSOR DE FILOSOFIA NA UFRGS. E-MAIL: DENISROSENFIELD@TERRA.COM.B
Eleitor deve pensar seriamente sobre o que deseja que aconteça nos EUA Jim Young/Reuters
Imagens decorativas dos candidatos democrata, Hillary Clinton, e do republicano, Donald Trump FONTE JORNAL FOLHA de S. PAULO, PAUL KRUGMAN 19/09/2016 às 09h52
Faz sentido votar em Gary Johnson, o candidato libertário à presidência dos Estados Unidos? Com certeza, desde que você acredite em duas coisas. Primeiro, você tem de acreditar que não faz diferença alguma que Hillary Clinton ou Donald Trump chegue à Casa Branca —porque um deles o fará.
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Segundo, você precisa acreditar que os Estados Unidos se sairão melhor em longo prazo se eliminarmos a regulamentação ambiental, abolirmos o imposto de renda, pusermos fim às escolas públicas e desmantelarmos a Previdência Social e o programa federal de saúde Medicare —que é o que a plataforma dos libertários defende. Mas será que 29% dos eleitores norte-americanos entre os 18 e os 34 anos de idade realmente acreditam nessas coisas? Duvido. No entanto, de acordo com uma recente pesquisa da Quinnipiac, é essa a proporção dos eleitores da geração milênio que dizem que votariam em Johnson se a eleição acontecesse hoje. E a preponderância entre os norte-americanos jovens que dizem que apoiarão Johnson ou Jill Stein, a candidata do Partido Verde, parece vir de eleitores que apoiariam Hillary em uma disputa com apenas dois candidatos; incluir os candidatos de partidos menores reduz a margem de liderança dela entre os eleitores jovens de 21 pontos percentuais para apenas cinco. Por isso, eu gostaria de fazer um apelo aos jovens norte-americanos: o voto de vocês importa; por favor, encarem a eleição com seriedade. Por que os candidatos menores parecem estar atraindo tanto apoio este ano? Muito pouco desse apoio pode ser explicado com base em adesão às suas propostas políticas. Quantas pessoas de fato leram a plataforma dos libertários? Mas se você está pensando em votar em Johnson, deveria realmente fazê-lo. É um documento notável. Como eu disse, ela propõe a abolição do imposto de renda e a privatização de quase tudo que o governo faz, incluindo a educação. "Restauraríamos a autoridade dos pais para determinar a educação de seus filhos, sem a influência do governo". E se os pais não desejarem que suas crianças recebam educação, ou preferirem que sejam doutrinadas por um culto, ou as forçarem a trabalhar em uma fábrica em lugar de aprenderem a ler. Não é problema nosso. O que realmente me chamou a atenção, porém, foi o que a plataforma diz sobre o meio ambiente. Opõe-se a qualquer forma de regulamentação; em lugar disso, argumenta que deveríamos confiar nos tribunais. Uma empresa gigante está envenenando o ar que você respira ou a água que você bebe? Abra um processo. "Nos casos em que danos possam ser provados e quantificados em um tribunal, indenização às partes prejudicadas deve ser requerida". Cidadãos comuns contra equipes de advogados empresariais de alto preço —o que poderia sair errado? É realmente difícil acreditar que os jovens eleitores que apoiaram Bernie Sanders na primária democrática considerem que qualquer dessas coisas é boa ideia. Mas Johnson e Stein não receberam atenção alguma da mídia, e por isso os eleitores não fazem ideia daquilo que defendem. E os nomes de seus partidos parecem bacanas —quem dentre nós tem algo contra a liberdade? A verdade é que o Partido Libertário defende um retorno aos piores abusos da Era Dourada [o período de expansão irrestrita do capitalismo norte-americano na segunda metade do século 19], mas essa verdade não está lá fora. Enquanto isso, é claro, faz imensa diferença qual dos dois candidatos com chances reais de conquistar a presidência venha a vencer, e não só por conta de sua diferença de 47
temperamento e do grau de respeito ou desprezo pelas normas democráticas que eles demonstram. As posições deles quanto às políticas públicas também são drasticamente diferentes. É fato que muito do que Trump diz é incoerente: em suas propostas de política econômica, um dia há trilhões de dólares em cortes de impostos, e no dia seguinte eles se foram. Mas quem quer que o defina como "populista" não está considerando o direcionamento geral de suas ideias, ou as pessoas que ele escolheu como assessores econômicos. O grupo de cérebros de Trump, se é que merece esse nome, é formado por economistas direitistas linha dura, adeptos do supply-side —a quem até mesmo economistas republicanos definiram como "charlatões" e "picaretas", e para eles impostos baixos para os ricos são a grande prioridade. Enquanto isso, Hillary apresentou as propostas de política pública mais progressistas já adotadas por um candidato à presidência. Não há motivo para acreditar que essas posições sejam insinceras, que ela retornaria às políticas dos anos 90 caso viesse a assumir a presidência. O que algumas pessoas hoje definem como "nova economia liberal" deitou raízes profundas no Partido Democrata, e domina as fileiras dos assessores de Hillary. Talvez isso não o interesse. Talvez você considere que políticas de centro-esquerda são tão ruins quanto políticas de centro-direita. E talvez você tenha conseguido reconciliar esse desdém com a tolerância pela mania de livre mercado dos libertários. Se for esse o caso, com certeza você deveria votar em Johnson. Mas não vote em um candidato de partido menor só para marcar posição. Ninguém se importa. Lembre-se de que George W. Bush perdeu a eleição no voto popular, em 2000, mas de alguma maneira terminou na Casa Branca mesmo assim, em parte graças ao voto em Ralph Nader - e imediatamente passou a governar como se tivesse vencido por margem esmagadora. Você consegue imaginar um Trump vitorioso mostrando cautela em respeito a todos aqueles votos libertários? Seu voto importa, e você deveria agir de acordo —o que significa pensar seriamente sobre o que deseja que aconteça nos Estados Unidos. Tradução de PAULO MIGLIACCI
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NOTÍCIAS: Brasil perdeu 1,5 milhão de vagas com carteira assinada em 2015, pior marca em 31 anos Marcos Santos/USP Imagens
Carteira de trabalho; 1,5 milhão de vagas formais foram fechadas em 2015
FONTE UOL 16/09/2016 às 17h53 O Brasil perdeu 1,51 milhão de empregos com carteira assinada em 2015, segundo dados do Ministério do Trabalho. É o pior resultado em 31 anos, desde 1985, quando o levantamento começou a ser feito. É, ainda, a primeira vez em 24 anos que o país registra corte de vagas com carteira assinada. Em 1992, haviam sido fechadas 738 mil postos de trabalho. Com isso, o Brasil terminou 2015 com um total de 48,06 milhões de empregos com carteira assinada —abaixo de 2014 (com 49,57 milhões) e e de 2013 (com 48,94 milhões).
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Os dados foram divulgados nesta sexta-feira (16) pelo ministério e fazem parte da Rais (Relação Anual de Informações Sociais), um registro declarado anualmente por todas as empresas do país. SUDESTE PERDEU MAIS VAGAS Todas as regiões do país tiveram queda no número de vagas de trabalho com carteira em 2015, sendo que a maior perda foi no Sudeste.
Sudeste: -900,3 mil Nordeste: -233,6 mil Sul: -217,2 mil Centro-Oeste: -82,7 mil Norte: -76,9 mil Apenas três Estados tiveram aumento no número de trabalhadores com carteira assinada: Piauí (+3.000 postos), Acre (+2.800 postos) e Roraima (+2.200 postos). APENAS AGRICULTURA ABRIU VAGAS Dos oito setores de atividade econômica registrados na Rais, apenas agricultura teve aumento no número de trabalhadores com carteira (+20,9 mil postos) em 2015. Os setores que tiveram as maiores quedas foram:
Indústria de transformação (-604,1 mil) Construção civil (-393 mil) Comércio (-195,5 mil) RENDIMENTO CAI 2,56% O rendimento real (ajustado pela inflação) do trabalhador brasileiro, em média, caiu de R$ 2.725,28, em 2014, para R$ 2.655,60, em 2015. Isso representa uma queda de 2,56% no rendimento. Em 2015, o Centro-Oeste registrou o maior rendimento (R$ 3.161,17), enquanto o Nordeste teve o menor (R$ 2.103,08). A renda do trabalhador, porém, caiu em todas as regiões do país:
Nordeste: -2,98% Sudeste: -2,87% Norte: -2,65% Sul: -1,82% Centro-Oeste: -1,26% Entre os Estados e o Distrito Federal, apenas dois tiveram ganho real no ano passado: DF (+1,42%) e Amapá (+2,64%). As maiores perdas foram registradas em Sergipe (-6,95%), Acre (5,13%) e Alagoas (-4,67%). OUTRA PESQUISA 50
O ministério também divulga regularmente dados de emprego do Caged (Cadastro Geral de Empregados e Desempregados). A pesquisa Rais, porém, é mais ampla, porque leva em conta mais categorias de trabalho, inclusive servidores públicos. Já o Caged calcula apenas o número de trabalhadores de empresas privadas. O Caged com números de 2015 foi divulgado no início deste ano e mostrou que o Brasil perdeu 1,5 milhão de vagas de trabalho com carteira assinada no ano passado, no pior resultado desde o início da pesquisa, em 1992.
Em crise financeira, estados cortam cargos e podem dispensar servidores Além de enxugar folha, alguns governadores fecharam órgãos inteiros FONTE JORNAL O GLOBO, BÁRBARA NASCIMENTO, GABRIELA VALENTE E MANOEL VENTURA* 18/09/2016 ÀS 07H55
Reunião entre o ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, e governadores para tratar sobre o endividamento dos entes da federação - Ailton de Freitas / Agência O Globo
BRASÍLIA - Com o caixa dos estados em gravíssima crise financeira, os governadores tiveram de enfrentar o problema da forma mais impopular possível: enxugar a folha de pagamento. Já sem margem para limar mais comissionados e com os indicadores da Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) acima do limite permitido ou na zona de alerta, os governadores olham agora para funcionários celetistas de empresas públicas. Alguns estados consideram, inclusive, desligamentos entre os chamados servidores não estáveis, que ingressaram entre 1983 e 1988 e não são protegidos pela estabilidade. O limite estabelecido na LRF para a proporção entre gastos com pessoal e receita é de 49%. O patamar prudencial é de 44,1%. Quando considerados os três poderes, o teto é de 60%.
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São Paulo, o estado mais rico do país, está enquadrado nos limites legais, mas tem adotado medidas como a extinção de 3.723 cargos vagos e outros 396 comissionados. Isso gerou uma economia de R$ 1,9 bilhão aos cofres públicos. Estados com receitas menores tiveram de partir para ações mais drásticas. Em 2015, no auge da crise fiscal, estados de Norte à Sul do país decidiram cortar a folha de comissionados. No Rio Grande do Sul, um dos que estão em maior penúria, o governo enxugou 645 desses cargos, ou 25%, entre 2014 e 2015. O Rio Grande do Norte pretende atingir a mesma marca. A redução só não foi maior para não afetar serviços essenciais, como saúde e educação, segundo o governo gaúcho. No Amazonas, mil cargos comissionados foram extintos só em 2015. Alagoas limou 30% do total, o equivalente a 700, e já avisou que não pretende fechar mais postos. Por isso, optou por desligar concursados celetistas de empresas públicas. Já foram 550, e o governo ainda pretende demitir mais 250 nos próximos meses. Na Bahia, foram eliminados 2 mil cargos, entre comissionados e celetistas. Segundo o governo baiano, o estado também pretende reduzir terceirizados em até 15%. DF DISPENSA 4.100 COMISSIONADOS No Rio Grande do Norte, o secretário de Planejamento, Gustavo Nogueira, explica que o estado realiza uma auditoria na folha há quase dois anos. Segundo ele, o governo ainda estuda a possibilidade de desligar servidores não estáveis. Apesar de ter reduzido o montante gasto com pessoal em relação à receita corrente líquida (RCL), o estado continua acima do limite legal: 50,28%. — Não conseguimos chegar aos 49% por uma frustração agressiva de receitas — diz Nogueira. Na tentativa de enxugar a folha, alguns estados cortaram órgãos inteiros. Sergipe, por exemplo, acabou com oito secretarias e cinco subsecretarias. Extinguiu a incorporação de um terço e gratificação de funções de confiança, além de limitar o número de comissionados por órgão. Santa Catarina chegou a excluir 242 funções comissionadas e gratificadas (20,8% do total), mas não pretende fazer novos desligamentos. O estado quer extinguir duas estatais, as companhias de Desenvolvimento (Codesc) e de Habitação (Cohab), e já deu início à extinção de uma terceira. O projeto prevê um plano de demissão voluntária (PDV) para os 144 empregados dos três órgãos. Com isso, o estado espera uma economia anual superior a R$ 42 milhões. O Distrito Federal cortou 4,1 mil comissionados e instituiu um PDV em várias empresas, entre elas o Banco de Brasília (BRB) e a Companhia de Abastecimento (Ceasa). A estimativa é que 500 empregados já tenham aderido. — Isso é efeito do erro de gestão. É o que se fala há muito tempo: o setor público precisa ser eficiente. É, culturalmente, um cabide de emprego — diz o economista-chefe da Austin Ratings, Alex Agostini. No fim de 2014, Goiás cortou seis secretarias e extinguiu cerca de 2,8 mil cargos comissionados, ou 28% do total. Segundo a secretária de Fazenda, Ana Carla Abrão, essa redução possibilitou uma economia de R$ 450 milhões, ao evitar o crescimento vegetativo da 52
folha. A fim de enxugar mais a folha, o estado passa um pente-fino entre os servidores para descobrir gratificações excessivas. Segundo Ana Carla, o governo pretende realocar funcionários para áreas com deficiência de pessoal e identificar órgãos não rentáveis, que poderão ser transferidos para a iniciativa privada ou extintos: — Goiás só não entrou em colapso porque controlamos o crescimento da folha. Conseguimos tirar o nariz de debaixo d’água, agora entramos em um processo para evitar excessos. ARTIGOS DA LRF PREVEEM DEMISSÃO ATÉ DE ESTÁVEIS A demissão de celetistas e servidores não estáveis é uma alternativa usada por alguns governadores para evitar longos e burocráticos processos administrativos, exigidos para demitir qualquer concursado após a Constituição de 1988. Os especialistas apontam, porém, que há na LRF brechas para a demissão de servidores estáveis ou não estáveis, nos casos em que o estado estoura o limite de gasto com pessoal e não consegue se reenquadrar com corte de gastos e exoneração de comissionados. Nos artigos 22 e 23 da LRF, que tratam do desrespeito aos limites de despesa com pessoal, há uma determinação de que os estados eliminem o percentual excedente nos dois quadrimestres seguintes ao estouro. Para isso, a lei fala em exoneração de servidores não estáveis. No caso de essas medidas não serem suficientes, a Constituição permite que o servidor estável e concursado “poderá perder o cargo, desde que o ato normativo motivado de cada um dos Poderes especifique a atividade funcional, o órgão ou a unidade administrativa objeto da redução de pessoal”. A regra vale para União, estados e municípios. Além disso, é facultada a redução temporária da jornada, com adequação dos vencimentos à nova carga horária. A partir do desrespeito ao limite da LRF, fica proibida também qualquer concessão de vantagens, reajustes, criação de cargos e alteração da estrutura de carreira que implique aumento de despesa. — Há uma brecha na LRF. Mas o ideal é que o governo, se resolver determinar um corte de concursados, o faça em conjunto com os outros poderes, principalmente com o Judiciário. Assim, diminui o risco de ser questionado na Justiça — afirma o especialista em contas públicas Raul Velloso. Até estados com quadro mais enxuto tiveram de rever os gastos com pessoal. O Paraná extinguiu mil cargos em comissão, com uma economia de R$ 48 milhões, e fechou quatro secretarias. Rondônia reduziu salários de comissionados e limitou a jornada das 7h30m às 13h30m. O Espírito Santo cortou 12% dos comissionados, extinguiu cargos temporários e renegociou contratos. Sem planos de demitir servidores, o Acre eliminou 55 cargos, uma economia de R$ 3,6 milhões por ano. A mão de obra terceirizada foi reduzida em 30%. Já o Pará reduziu em 20% os gastos de custeio de órgãos públicos. Piauí, Amapá e Roraima não retornaram o contato. *Estagiário, sob a supervisão de Eliane Oliveira
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Para pagar contas, pessoas vendem os cabelos para fabricantes de perucas Dívidas são a motivação de 90% dos que cortam os fios para oferecer a essas empresas FONTE JORNAL O GLOBO, JOÃO SORIMA NETO 18/09/2016 ÀS 04H30
Contas atrasadas. Erika cortou os cabelos para quitar as contas de água e luz, ambas na iminência de corte: fabricante de perucas, Braz pagou a ela R$ 500 - Marcos Alves / Agência O Globo
SÃO PAULO - A crise econômica está levando os brasileiros endividados a buscarem as alternativas mais extremas para conseguir uma renda extra. Pode parecer estranho, mas uma delas é vender o próprio cabelo. Em São Paulo, nas duas principais empresas que compram cabelos humanos para confecção de perucas e apliques, entre cinco e dez pessoas, a maioria mulheres, aparecem todos os dias para oferecer as madeixas. E 90% delas dizem que só decidiram pelo corte porque estão precisando do dinheiro para pagar contas — de luz ou água, empréstimos no banco ou o rotativo do cartão de crédito —, contam os proprietários. Os valores pagos começam em R$ 200, mas podem chegar a R$ 1.200. Veja também:
Drible na crise
Seis dicas para renegociar as dívidas do cartão de crédito
Como economizar com bichos de estimação E a oferta deve continuar alta. Dados do Serasa Experian mostram que hoje há quase 60 milhões de brasileiros inadimplentes no país, um recorde. — De uns dois anos para cá, aumentou a frequência de pessoas para vender os cabelos que estão usando o dinheiro para pagar dívidas atrasadas, como aluguel, faculdade ou até mesmo para comprar comida ou remédios. Em nenhuma crise anterior apareceu tanta gente como 54
este ano — conta Nilta Murcelli, uma das pioneiras no país na produção de perucas com cabelos humanos, cuja loja e fábrica ficam na tradicional Rua Augusta, em São Paulo. Nilta conta que, com o agravamento da recessão, até imigrantes bolivianos, que vêm a São Paulo há alguns anos atraídos por oportunidades de trabalho, estão recorrendo à venda dos cabelos. Ela também relata casos de pessoas que viajam a noite inteira, vindas do interior de Minas Gerais ou mesmo de São Paulo, para oferecer os cabelos. Há ainda mães que trazem as filhas pequenas para, juntas, conseguirem quantias mais generosas. LOUROS CHEGAM A R$ 1.200 A cuidadora de idosos Eliana Claudia Reis, de 41 anos, esteve no salão de Nilta na semana passada e vendeu por R$ 300 os cabelos longos e grisalhos, que cultivava há pelo menos 15 anos. Só aparava as pontas, mas o orçamento apertado a fez cortar as mechas, de até 30 centímetros. Com renda mensal de R$ 2 mil, ela vem pagando há três meses o valor mínimo do cartão de crédito. Com medo de que a dívida, que já está em quase R$ 2 mil, virasse uma bola de neve, decidiu abatê-la. — Tive que usar o cartão para compras da casa e paguei o mínimo. Tenho medo de que fique impagável. Então decidi vender os cabelos, enquanto meu marido, que é motorista, também está fazendo bicos para quitarmos a fatura — contou ela, que estava desempregada até três meses atrás. Eliana se emocionou enquanto seu cabelo era cortado. Mas, ao final, saiu satisfeita com o novo visual. Os cabelos mais valiosos são os louros, que podem chegar a R$ 1.200 se os fios forem longos e volumosos. Já o preço pago por cabelos de tons mais escuros depende da avaliação dos profissionais. Mechas com 50 ou 60 centímetros de comprimento valem mais, podendo chegar a R$ 600, enquanto as mais curtas, de 30 centímetros, recebem a partir de R$ 200. Os cabelos não podem ter tintura. A recepcionista Erika Natasha Neves, de 38 anos, também vendeu na semana passada os longos cabelos que mantinha há quatro anos no Rei dos Cabelos. Recebeu R$ 300, porque escolheu um corte chanel, na altura dos ombros. Se cortasse mais curto, estilo joãozinho, teria recebido R$ 500. Ganhou também uma lavagem e uma escova. Com quatro filhos, pagando aluguel e com o marido desempregado, ela usará o dinheiro para pagar três contas de luz e uma de água que estão atrasadas. — Já fiz empréstimo no banco e tentei conseguir outro, mas não foi possível. Vender os cabelos foi minha última opção disse, revelando que os R$ 300 recebidos permitirão quitar totalmente as dívidas, evitando o corte de água e de luz, que já eram iminentes.
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Medo. Eliana vendeu os cabelos para abater a dívida com o cartão de crédito - Marcos Alves / Agência O Globo Histórias de sufoco financeiro como as de Erika se tornaram comuns este ano na loja de Francisco Braz, dono da loja O Rei dos Cabelos. Há 20 anos no Centro de São Paulo, Braz se apresenta como “corretor de cabelos”. Ele lembra de uma jovem que recentemente gastou quase três horas para atravessar a cidade para vender os cabelos. — Normalmente, a gente pede para a pessoa mandar uma foto por WhatsApp para fazer uma pré-avaliação. Às vezes, não é possível comprar. Mas, no desespero, ela veio direto, contou que estava desempregada e precisava muito do dinheiro. Nem sei se ela tinha como pagar a passagem de volta. Não costumo comprar de todo mundo que aparece, mas dei R$ 500 por um cabelo que valia R$ 300 — lembra Braz, que diz atuar como psicólogo para convencer os clientes a cortarem mais curto, já que precisa das mechas longas. Outra cliente recente, conta o “corretor de cabelos”, recorreu à venda porque precisava pagar a mudança de casa. Sem dinheiro e com um filho de 2 meses, Braz lembra que pagou um pouco a mais também, por temer que ela fosse despejada. Antes da crise, acrescenta, da média de dez pessoas que apareciam para vender o cabelo, cinco estavam mais interessadas em mudar o visual. Hoje, quase 100% relatam problemas financeiros. Antes, lembra Nilta Murcelli, bastava oferecer o corte gratuito e ficar com os cabelos sem nada pagar. Mas, de 15 anos para cá, os cabelos começaram a ser vistos como mercadoria e negociados. Não existem dados oficiais sobre este mercado no país, que é totalmente informal. Dados da UN Comtrade, banco de dados das Nações Unidas que reúne estatísticas do comércio de commodities, mostram que, em 2016, o Brasil exportou 461 quilos de cabelos humanos, gerando US$ 106 mil, cifra irrisória na balança comercial. Já as importações de cabelos somaram US$ 308 mil. A Índia, uma das maiores vendedoras de cabelos humanos do mundo, exportou US$ 37 milhões no ano passado.
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VENDAS BEM MENORES No Brasil, informa Nilta, as vendas são muito pulverizadas e existem até “caixeiros viajantes dos cabelos”. É gente que anda pelo interior do país comprando a matéria-prima e revendendo nas capitais para fabricantes de perucas e apliques, como ela. Os preços variam de R$ 16 a R$ 28 o quilo, dependendo do tipo de cabelo, diz ela, lembrando que para fazer uma peruca gasta-se, no mínimo, 300 gramas. Se a oferta de cabelos aumentou, os fabricantes de perucas e apliques dizem que as vendas encolheram entre 10% e 20% com a crise. Uma peruca de cabelos humanos custa a partir de R$ 2 mil (curtas de tons mais escuros), mas pode chegar a R$ 12 mil, se for loira e longa. Nilta, por exemplo, fabrica 200 perucas por mês, mas atualmente vende 60, incluindo o que exporta, a países como Itália e Estados Unidos. Ela parcela a venda no cartão de crédito e dá desconto para pagamento à vista. Sua empresa tem 40 funcionários, mas já foi maior. E vem diversificando as atividades, oferecendo cursos para cabeleireiros e alugando salas para treinamentos relacionados à estética. Já Braz diz que, com a crise, ficou mais seletivo nas compras. Mas precisa fazer estoque até o fim do ano, quando espera que as vendas melhorem. — Vou comprando até onde puder e espero que as vendas melhorem no fim do ano — diz ele, observando que os apliques têm mais saída do que as perucas, pois vende cem por mês, contra 15 a 20 perucas.
Países do Mercosul tentam acordo com União Europeia Brasil, Argentina, Paraguai e Uruguai participam de reunião da Organização das Nações Unidas FONTE JORNAL O GLOBO, GABRIELA VALENTE 18/09/2016 ÀS 10H31
Ministro tucano durante ratificação dos Acordos de Paris na segunda-feira, em Brasília Evaristo Sá / AFP BRASÍLIA - Brasil, Argentina, Paraguai e Uruguai começarão neste domingo uma pressão para tentar, enfim, fechar um acordo de livre comércio com a União Europeia. Os ministros dos países que ocupam conjuntamente a presidência do Mercosul têm uma reunião marcada para o fim da tarde em Nova York, onde participam da reunião da Organização das Nações Unidas. Depois do encontro, segundo fontes ouvidas pelo GLOBO, divulgarão uma carta, que terá um 57
recado claro: o Mercosul quer um acordo "equilibrado, ambicioso e abrangente" com os europeus. Os chanceleres da Argentina, Susana Malcorra, do Brasil, José Serra, do Paraguai, Eladio Loizaga, e do Uruguai, Rodolfo Nin Novoa, querem avançar numa negociação que começou no século passado. As primeiras conversas foram feitas em 1999. Veja também:
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Crise na Venezuela faz ‘pérola do Caribe’ perder seu esplendor Para tentar catalizar esse processo, os ministros já rascunharam um comunicado, que será divulgado após o encontro. De acordo com uma fonte do governo brasileiro, eles ressaltarão que um acordo com os europeus é prioridade para o bloco, que alinhou-se depois das trocas de governo no Brasil e na Argentina. Eles devem afirmar que a situação da economia global faz com que seja cada vez mais necessário aprofundar o processo de integração do Mercosul e a inserção das empresas dos países do bloco nas cadeias globais de produção. Nessa estratégia, fechar um acordo com os europeus - que diminuíram o ritmo das negociações nos últimos anos - é essencial. Os ministros devem argumentar que a relação dos países do bloco com o continente é intensa por tradicional histórico, cultural, comercial e investimentos. Ressaltarão ainda o potencial das economias e a complementaridade entre os países europeus e do Mercosul, ou seja, esses países possuem produções complementares. Por isso, a União Europeia é vista como prioridade na estratégia de integração internacional do bloco. Segundo a fonte ouvida pelo GLOBO, uma das grandes expectativas de avanço nessas negociações é a a Sessão XXVI do Comitê de Negociações Bi-regionais (CNB) que será realizada no mês que vem em Bruxelas. As discussões que serão feitas são sobre a troca de ofertas de acesso mercados de bens, serviços e compras governamentais.
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Cresce número de brasileiros que declaram deixar país Fisco vai apertar o cerco; técnicos suspeitam de mudanças fictícias FONTE JORNAL O GLOBO, BÁRBARA NASCIMENTO, DAIANE COSTA E RENNAN SETTI 17/09/2016 ÀS 04H30
BRASÍLIA e RIO - A Receita Federal detectou um salto no número de pessoas que desistiram de ter domicílio fiscal no Brasil, transferindo as obrigações tributárias para outros países. Esse aumento coincide com a entrada em vigor da Lei de Repatriação, encaminhada em 2015 e aprovada este ano, que criou incentivos para brasileiros regularizarem bens e dinheiro no exterior já que, a partir do ano que vem, a entrada em vigor de um tratado internacional, assinado pelo Brasil e mais de 100 países, vai facilitar a fiscalização desses recursos. O número de declarações de saída definitiva entregues, segundo os dados mais recentes, obtidos pelo GLOBO, subiu 67%, de 11.584 em 2014 para 19.377 entre janeiro e 11 de setembro de 2016. Técnicos da Receita já detectaram que parte dessa alta é de contribuintes que tentam se livrar da tributação. Mas crise econômica, segundo a Receita e advogados tributaristas, também é forte motivo para a saída de brasileiros para o exterior. Veja também:
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No Brasil, volume de recursos repatriados foi baixo até agora — Tem casos de pessoas que estão vendendo patrimônio no Brasil e saindo, parte delas saindo de forma fictícia — afirma um técnico da Receita, acrescentando que o Fisco está mobilizado para rastrear casos falsos de troca de domicílio fiscal.
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Alessandro Fonseca, sócio do Mattos Filho, sustenta que saídas definitivas “fictícias” podem ser tratadas como lavagem de dinheiro se for para omitir recursos no exterior que não foram declarados: — Essas pessoas serão fiscalizadas, e os processos, enviados ao Ministério Público. Podem ser enquadradas em lavagem, um outro tipo de crime, que acrescenta até 10 anos à pena. Para Raquel Preto, especialista em Direito Tributário, sair do país para escapar à tributação é uma péssima ideia. A Justiça brasileira pode remeter para a Justiça de outros países a execução da dívida. De acordo com Raquel, cerca de um quinto dos seus clientes que têm recursos não declarados lá fora cogita sair do país para fugir do Fisco: — Mas a grande maioria das pessoas que estão saindo do país se cansou da violência, da crise, da instabilidade política. O aumento da saída tem acontecido nos últimos anos, não só agora. O advogado Guilherme Domingues, do escritório Schreiber, Domingues, Cintra Lins e Silva Advogados, que cuida de mais de 40 casos de repatriação, acredita que as pessoas que estão saindo do país por causa da lei confiam que a troca de informações prevista no tratado assinado pelo Brasil valerá só a partir de 2017. Já estando no exterior, o contribuinte ficaria livre, pois não teria domicílio fiscal no Brasil e não teria como ter enviado recursos do Brasil para o exterior naquele ano. Para Antonio Gil Franco, da Ernst Young, pode ser uma tentativa de impedir que o patrimônio seja bloqueado: — Essas pessoas se mudam e vão gastar o dinheiro delas lá fora porque aqui correm o risco de terem os bens no exterior bloqueados. BANCOS ESTÃO EXIGINDO REGULARIZAÇÃO Mas ele acredita que a maior parte das declarações de saída do país seja motivada pela recessão. Segundo fontes que acompanham o setor, mas não quiseram se identificar, bancos estrangeiros e brasileiros com atuação no exterior têm enviado cartas a clientes informando da necessidade de aproveitar a chance de regularização. Entre as instituições estariam Bank of America Merrill Lynch, BTG Pactual, BNP Paribas, Credit Suisse e Bradesco. Leonardo Antonelli, presidente da Comissão de Defesa do Jurisdicionado da OAB, diz que os bancos estão exigindo que clientes façam a adesão ao programa de repatriação, sob pena de congelamento dos recursos e posterior encerramento da conta: — Há casos de bancos que se negam a fazer o câmbio e a remessa. Se um contribuinte não adere à repatriação, existe indício de que o recurso seja ilícito. Isso pode gerar graves repercussões para a banco, principalmente se ficar comprovado que o gestor sabia da origem do dinheiro. Maria Eugênia Lopez, diretora executiva do segmento Private do Santander, afirmou que o banco tem feito abordagens durante visitas: — Listamos os clientes com necessidade de regularização de recursos pessoalmente. A procura pela anistia aumentou, mas esperávamos adesão maior. 60
Outros bancos, conta Domingues, também têm enviado carta a clientes brasileiros: — São casos de contas de menor valor. Clientes de bancos suíços e dos EUA, conta Felipe Coelho, da Ernst Young, estão recebendo cartas semelhantes. Os demais bancos, procurados, não se manifestaram.
A supremacia do Google na disputa com a Apple Fabricante do Android ofusca a do iOS e avança em outras frentes FONTE JORNAL O GLOBO, BRUNO ROSA 18/09/2016 ÀS 04H30
- Michael Short / Bloomberg RIO - Entre os anos 1980 e 1990, a Microsoft reinou sozinha com o seu o Windows nos computadores pessoais. Na virada do século, a Apple tomou a dianteira das inovações tecnológicas com seu iPod e a criação de um sistema próprio de navegação, lista que cresceu com iPhone e iPad nos anos seguintes, colocando a companhia em patamar acima dos principais concorrentes, como Motorola, Nokia e BlackBerry. Mas aí a Google decidiu apostar em um ecossistema próprio de olho no mundo móvel: em nove anos, o seu Android já está presente em 83% dos celulares ao redor do mundo. Com uma base de centenas de milhões de usuários, a gigante da internet vem dando as cartas nas principais tendências mundiais, dizem os especialistas, como realidade virtual, inteligência artificial e a chamada internet das coisas. A percepção de que a Apple vem perdendo espaço na corrida tecnológica ganhou força há duas semanas, quando a companhia lançou o iPhone 7. Embora conte com melhorias em seu processador e em sua câmera, o aparelho não trouxe as inovações esperadas pelo mercado e pelos aficionados da marca de Cupertino, na Califórnia, criada por Steve Jobs, dizem os especialistas. Apesar de o volume de pré-venda do novo modelo estar quatro vezes superior ao da versão 6 nas operadoras dos EUA, a falta de novidades tem afetado as vendas gerais do
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celular da companhia, que apresentou queda de 9% nos últimos nove meses (fechados em junho), para 166,3 milhões de unidades.
No centro da disputa entre Apple e Google está o sistema operacional. As plataformas são diferentes: o iOS, criado pela empresa de Steve Jobs, é fechado e funciona apenas em seus próprios aparelhos. O Android, da Google, é aberto e recebe interações de fabricantes de celulares e até de operadoras de telefonia móvel, funcionando, assim, em quase todas as marcas do mundo. Considerado o divisor de águas para a gigante da internet, o sistema vem permitindo à Google ampliar seu domínio no mundo móvel, liderando a corrida para outros setores além do celular. — A Google abriu várias frentes, criando opções reais para diferentes cenários de futuro. Como envolve diferentes indústrias, chamamos de ecossistema. Assim, a empresa vem conhecendo cada vez mais o consumidor e criando produtos ao redor de sua própria órbita. Há iniciativas em biotecnologia, robótica e inteligência artificial. Não há um nome por trás da empresa, e sim toda uma equipe. Talvez esse seja um dos trunfos da companhia — afirma Paula Chimenti, vice-diretora da Coppead/UFRJ. Veja também:
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Executivos americanos pressionam UE para evitar multa à Apple Para ampliar seu domínio e estar à frente de novas soluções, a holding que controla a Google, a Alphabet, vem apostando em aquisições. Desde o ano passado, foram 24 compras nos mais variados setores, como o Waze (aplicativo de trânsito e navegação), Orbitera (um software de cloud computing), Apigee (produtora de software), Moodstocks (reconhecimento facial), Synergyse (tutoriais interativos), entre outros.
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Para o engenheiro Hermano Pinto, o ponto de partida para a empresa passou a ser o seu sistema operacional móvel. No Brasil, reina quase absoluta: está em 94,4% dos aparelhos. Por isso, diz ele, a Apple talvez precise revisar o seu modelo de negócios. — Nos últimos anos, a Google vem conseguindo criar uma grande camada de usuários e, com isso, vendendo seus serviços. Com esse domínio, consegue sair na frente de novas tendências, como o Google Glass, o óculos de realidade virtual, e até mesmo popularizar o Pokémon Go. Essas coisas só são possíveis quando há um sistema dominante. É quando você consegue identificar as tendências e sair na frente. A forte presença da Google no mundo móvel ajuda a criar uma percepção da supremacia da empresa na tecnologia — diz o engenheiro. 90% DA RECEITA VÊM DE PUBLICIDADE Mas há desafios. Segundo Luiz Antonio Joia, professor da Escola Brasileira de Administração Pública e de Empresas da Fundação Getulio Vargas (Ebape/FGV), a Google está fora hoje das redes sociais, segmento dominado pelo Facebook. Ele lembra que, após Orkut e Google Mais, a companhia ainda está muito longe de incomodar Mark Zuckerberg. — O Facebook está colocando tudo dentro de sua plataforma, como comércio, sistema de compras e transmissão ao vivo. O mundo caminha para a rede social móvel. Um desafio para a Google é entrar nessa. Enquanto isso, a empresa vem investindo em várias áreas. E não vemos esse drive, por exemplo, na Apple e na Microsoft, companhias que têm que se recriar, pois passaram a viver inercialmente, alimentando-se de seu legado — destaca Joia. Mas, mesmo com várias iniciativas, a Google tem 90% de sua receita vinda apenas da publicidade — dilema semelhante enfrentado pelo Facebook (com 96% das receitas em publicidade). A Apple também é muito dependente de uma única fonte de receita — mas, no caso, das vendas dos iPhones, que respondem por 64% do faturamento da empresa e que vêm caindo. Paula, da Coppead, lembra que hoje o grande valor da Google, a venda de publicidade, é possível através das informações obtidas dos usuários. — A questão é que hoje não há muita preocupação com a privacidade. Mas, no futuro, se houver mudanças nesse sentido, o modelo de negócios da companhia é posto em xeque. Isso é perigoso, por isso a companhia vem investindo em outras iniciativas com força. O Facebook tem desafio semelhante, embora venha criando o conceito de engajamento para a propaganda. A jornalista especializada em tecnologia Cora Ronai, colunista do GLOBO, destaca que a Google vem investindo em projetos diversos, como a realidade virtual e a tecnologia 3D. Um trunfo da companhia, brinca Cora, é a “pesquisa”. Por isso, diz, a virada da Google é um somatório de fatores: — Não foi um momento específico. Foi um trabalho consistente desde o início, de ter uma curiosidade de tecnologia e, muitas vezes, em áreas que nada tem a ver com seu core business. Eles não têm medo de fazer tentativas, algo que talvez a Apple tenha. No sistema operacional, o Android está dando um banho no iOS, com aplicativos rodando melhor nos aparelhos. Segundo os especialistas, é difícil definir um período em que uma empresa consegue se manter no topo da cadeia da inovação. Joia lembra, por exemplo, que nomes como Motorola, Nokia e BlackBerry não conseguiram se manter na indústria justamente porque não tinham um ecossistema, não conseguindo ir além de seus aparelhos. 63
— É um desafio saber o momento exato de fazer a ruptura e diversificar. A Google é um polvo, com tentáculos parecidos com o que a Microsoft fez no passado, com e-mail, navegador. A Apple era dependente de Steve Jobs, que era um designer. E as pessoas pagam pelo design. Mas hoje a empresa não consegue evoluir nesse quesito. Se ficar parada, é engolida. Se correr, pode perder o foco — ressalta Joia, da FGV. APPLE NÃO CONSEGUE EVOLUIR EM DESIGN O especialista Sergio Miranda, do canal Loop Infinito, lembra que as pessoas confundem inovação com design. Segundo ele, é natural a expectativa em torno da Apple, já que os consumidores se acostumaram a ver produtos e serviços inovadores com grande frequência nas últimas décadas. — Mas hoje sabemos que, sem o Steve Jobs, o brilho da companhia foi afetado. Ele sempre teve um sentido aguçado para a solução de determinados problemas. Hoje falta um foco. Uma nova fronteira que vem ganhando força entre Apple e Google são os aparelhos destreaming de conteúdo (set top box) para a televisão. Mas hoje quem lidera a tecnologia? É difuso. Em aparelhos celulares, há a Samsung. No streaming de vídeo, há o Netflix — afirmou Miranda. Colaborou Gabriela Antunes, estagiária, sob a supervisão de Claudia dos Santos
Franquias e startups têm fôlego e vagas Indiferentes à crise, negócios continuam crescendo e criando postos de trabalho FONTE JORNAL O ESTADO de S. PAULO, CRIS OLIVETTE 18 Setembro 2016 às 07h30 Luis Yamanishi, Mania de Churrasco! Prime Steak House (foto: Tadeu Brunelli) Estudo realizado pela empresa Rizzo Franchise mostra que enquanto a crise causa o fechamento de milhares de postos de trabalho, o segmento de franquias segue crescendo e gerando empregos. Conforme o levantamento, no primeiro semestre de 2016 foram abertos 7.590 novos negócios que geraram 71.350 empregos diretos. Em 2015, no mesmo período, foram abertos 6.206 novos negócios, que geraram 63.922 empregos diretos. A estimativa do estudo é de geração de aproximadamente 108 mil novas vagas até o final do ano, para atender os novos negócios que serão abertos. Sócio-diretor da rede Mania de Churrasco! Prime Steak House, Luis Yamanishi conta que, neste ano, a marca abriu seis unidades e gerou 90 vagas de emprego. “Até o final do ano, devemos abrir mais quatro unidades, totalizando 38 pontos e 570 postos de trabalho”. Yamanishi diz que as vagas são para atendentes, churrasqueiros, supervisores e gerentes. Segundo ele, em 2017 a rede pretende abrir mais dez unidades. “Atualmente, temos mais candidatos à franquia do que disponibilidade de lojas em bons pontos”. A rede de fast-food especializada em churrasco, fundada em 2001, nasceu com a proposta de levar comida caseira e churrasco de qualidade para o corre-corre das praças de alimentação de shopping centers. “Nosso objetivo é oferecer os melhores cortes de carnes nobres, normalmente encontrados apenas em churrascarias, restaurantes e butiques de carnes”. O fundador da rede Mr. Cheney Cookies, Lindolfo Paiva, afirma que nos últimos quatro anos, a marca vem gerando, em média, 100 vagas por ano para os postos de atendente e supervisor. “Em 2016, já inauguramos oito unidades e até o final do ano devemos inaugurar mais sete. 64
Cada loja necessita, em média, de sete funcionários. Algumas, que têm melhor desempenho, chegam a contar com dez colaboradores”, diz.
Lindolfo Paiva, presidente do Mr Cheney Cookies Paiva afirma que dentro da estrutura da franqueadora também são geradas novas vagas para atender o crescimento da rede, que conta com 58 unidades. “São posições para as áreas de treinamento e produção. Também geramos empregos indiretos ao contratar serviços para atender necessidades da marca. No momento, por exemplo, estamos implantando política de boas práticas e contratamos diversas consultorias”. Startups. Movimento semelhante é vivido por startups que necessitam contratar novos funcionários, principalmente para as áreas técnicas. O aplicativo de finanças GuiaBolso, por exemplo, aumentou a equipe em mais de 40% neste ano. Fundada em 2014, a empresa começou apenas com os fundadores, Thiago Alvarez e Benjamin Gleason. “Agora, estamos com 80 pessoas. Só em 2016 contratamos 40 colaboradores”, diz Alvarez. Segundo ele, 53% dos contratados destinam-se às áreas de tecnologia e desenvolvimento. “Mas também ofertamos vagas para marketing, recursos humanos, financeiro, administrativo, produto e atendimento”. Alvares afirma que a crise financeira ajudou na disseminação do uso do aplicativo de controle financeiro, que é 100% automático e gratuito.
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Thiago Alvarez, CEO e fundador do Guia Bolso “As pessoas sentiram necessidade de buscar mais informações sobre a vida financeira para se organizarem. O crescimento foi tamanho que o aplicativo ficou no topo dos mais baixados na Apple Store”. Ele diz que em 2017 a equipe deverá chegar a 160 pessoas. O empresário acrescenta que um comportamento que ocorreu nos Estados Unidos está começando a ocorrer no Brasil. “Quando os universitários estavam se formando, eles queriam trabalhar em uma instituição financeira. Depois, o legal passou a ser trabalhar em consultoria. Depois do Google e do Facebook, trabalhar em startup virou a opção número um, porque essas empresas possibilitam um aprendizado muito rápido. Vejo uma clara mudança no comportamento dos jovens brasileiros”. Inspiração. Alvarez conta que a ideia do negócio surgiu da vontade dos sócios de gerar grande impacto social dentro do mundo de serviços financeiros. “Identificamos que o consumidor não tinha as informações necessárias para fazer boas escolhas.” Eles, então, criaram um aplicativo que permite ao cliente entender melhor as informações bancárias e gerenciá-las adequadamente. Segundo ele, ao cadastrar a conta bancária no aplicativo, o sistema do GuiaBolso passa a acompanhar a movimentação e fazer análises. “Organizamos as informações financeiras da pessoa para que ela saiba quanto gasta e onde. Assim, pode fazer planejamento de longo prazo, estabelecer uma meta financeira e acompanhar automaticamente. Há uma série de funcionalidades legais.” Alvares afirma que, depois de quatro meses usando o aplicativo, as pessoas começam a economizar duas vezes e meia a mais. Uma média de R$ 470 por mês. “Depois de quatro meses, há 25% menos pessoas usando o cheque especial. É surpreendente. Essa informação não é da pessoa, tiramos do extrato e o extrato não mente. Estamos 66
conseguindo gerar impacto positivo na vida dessas pessoas e também estamos conseguimos mensurar isso”. Enquanto o País perdeu 1,5 milhão de empregos com carteira assinada em 2015, franquias e startups seguem contratando. Um exemplo é a GetNinjas, plataforma de contratação de serviços. Fundada em 2011, a empresa conta atualmente com 90 colaboradores, 40 deles contratados neste ano. “Abrimos muitas vagas para desenvolvedores de sistemas e atendimento aos profissionais cadastrados na plataforma. Também reforçamos os times dos departamentos de marketing, administrativo e financeiro”, diz o CEO e fundador, Eduardo L’Hottellier.
Eduardo L’Hotellier, CEO e fundador da GetNinjas O empresário afirma que pretende terminar o ano com 100 pessoas na equipe. Para 2017, sua expectativa é fechar o ano com 150 colaboradores. “A plataforma cresce mais de 100% ao ano impulsionada pelo time de desenvolvedores. Como consequência, temos a necessidade de contratar profissionais para outras posições. É claro que exploramos o uso da tecnologia para conseguirmos fazer mais coisas com menos pessoas. Mas ainda temos espaço para atrair muitos profissionais. No entanto, não medimos o sucesso do negócio pelo número de contratações”, diz. Segundo ele, por mês, cerca de 120 mil pessoas fazem solicitação de orçamento no GetNinjas. “É um volume bem grande. Temos mais de 100 mil profissionais cadastrados na plataforma, sendo que cerca de 30 mil são mais ativos. Um professor de piano, por exemplo, que está em uma região muito pequena, não recebe cliente todos os meses, enquanto um eletricista residente em São Paulo recebe mais de um contato de clientes por dia”. L’Hottellier ressalta que o volume de empregos indiretos gerados pela plataforma é bem interessante. “Hoje, movimentamos cerca de R$ 15 milhões por mês para os profissionais cadastrados. Há um ano, esse valor era de cerca de R$ 5 milhões, ou seja, neste último ano triplicamos o valor das transações”.
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Segundo ele, o grande impacto gerado pela atuação da empresa, além da geração de empregos diretos, é a geração de trabalho para os milhares de profissionais que conquistam clientes por meio da plataforma. “Vários chefes de família que perderam o emprego, encontram no GetNinjas uma forma de continuar sustentando suas famílias”. Ele conta que por conta do desemprego, cresceu muito na plataforma o número de ‘marido de aluguel’ e de professores de inglês. “Para nós, o impacto da crise foi o de trazer mais profissionais para a plataforma. Por outro lado, ainda existe uma grande demanda de pessoas precisando de pedreiro, pintor, encanador etc. Portanto, nosso impacto na geração de trabalho é muito maior nos empregos indiretos do que nos diretos”.
Renata Barbieri, gerente de varejo e novos negócios das redes Touch e Euro Franquia. A gerente de varejo e novos negócios das redes Touch e Euro, pertencentes a Technos, Renata Barbieri, conta que neste ano foram inauguradas sete unidades. “Nosso objetivo de expansão prevê uma aceleração nas inaugurações até o final do ano. Pretendemos inaugurar mais 30 unidades, somando as duas marcas. Nossa previsão é de fecharmos o ano gerando 210 postos de trabalho”. Renata conta que a companhia tem uma estrutura de assistência técnica, suporte operacional, consultoria de campo, e suporte financeiro que emprega 1.100 colaboradores, incluindo o time da fábrica em Manaus. “Destes, 422 são diretamente ligados à franqueadora”. Ela conta que a Euro virou franqueadora em 2011 e a Touch em 2009. “A Euro está muito conectada ao mundo da moda e foca o público feminino, oferecendo relógios, acessórios, óculos e semijoias. A Touch é voltada para homens e mulheres entre 20 e 35 anos”.
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Aposentadoria muito cedo tira eficiência da economia Lalo de Almeida - 9.out.2015/Folhapress
Brasileiros se aposentam mais cedo do que cidadãos de países de renda parecida
FONTE JORNAL FOLHA de S. PAULO, MARIANA CARNEIRO DE SÃO PAULO 18/09/2016 às 02h00 Os brasileiros se aposentam mais cedo do que cidadãos de países de renda parecida, como mexicanos e chilenos, e isso enfraquece a capacidade do país de crescer. A idade média de aposentadoria no Brasil não chega a 60 anos -segundo o Ministério da Previdência Social, foi de 59,4 anos no ano passado. Isso ocorre porque muitos trabalhadores optam por deixar o mercado assim que completam o tempo mínimo de contribuição à Previdência, apesar de terem condições de saúde e disposição para seguirem ativos. A legislação brasileira permite que os homens se aposentem após 35 anos de contribuição, e as mulheres, depois de 30 anos. Segundo dados oficiais, quem se aposenta assim deixa o mercado, em média, aos 54,7 anos.
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São trabalhadores com mais escolaridade e melhores condições de vida. "São a melhor parte da mão de obra brasileira", diz Luiz Henrique Paiva, do Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada). Estudo que ele produziu em parceria com Leonardo Rangel e Marcelo Caetano, atualmente o secretário da Previdência do Ministério da Fazenda, concluiu que o Brasil poderia crescer 0,6 ponto percentual mais por ano se trabalhadores como esses adiassem a aposentadoria. No ano passado, mais de 30 mil brasileiros se aposentaram por tempo de contribuição —eles são três em cada dez aposentados. Além do Brasil, só outros três países permitem a aposentadoria por tempo de contribuição sem idade mínima: Equador, Irã e Iraque. A definição de uma idade mínima de 65 anos para aposentadoria no Brasil é a principal mudança prevista pelo projeto de reforma da Previdência que o presidente Michel Temer promete apresentar ao Congresso até o fim deste mês. A proposta é peça essencial do plano de Temer para equilibrar as contas públicas e recuperar a economia. O projeto também deve incluir mecanismos para inibir a aposentadoria de quem já tem condições de se aposentar pelas regras atuais, oferecendo benefício maior para quem trabalhar mais tempo. As estatísticas do IBGE mostram que cerca de um terço dos brasileiros que tinham 59 anos de idade em 2014 estava aposentado. Desde o ano 2000, a expectativa de vida do brasileiro aumentou 5,6 anos, mas a idade média de aposentadoria por tempo de contribuição só subiu 2,7 anos. DESCOMPASSO O descompasso se acentuará no futuro se nada for feito, afirma Paiva. As projeções indicam que o envelhecimento da população fará com que o país tenha em meados do século mais idosos e menos gente no mercado de trabalho para apoiá-los na velhice. Assim, a conta da Previdência não vai fechar. Diferentes governos recorreram a expedientes para inibir aposentadorias precoces, como o fator previdenciário e o fator 85/95, fórmulas que reduzem o benefício de quem se retira do mercado mais cedo. Embora a legislação permita que os aposentados sigam no mercado de trabalho, a maioria abandona suas funções ou opta por trabalhos cuja remuneração é mais baixa, segundo estudo do Ipea. Aos 55 anos, idade média em que os homens se aposentam por tempo de contribuição, só 44% dos aposentados se mantêm no mercado, segundo Paiva. No caso das mulheres, que chegam à aposentadoria nessas condições aos 52 anos, só 37% estão ocupadas ou buscando emprego. Dirigentes sindicais como o presidente da UGT (União Geral dos Trabalhadores), Ricardo Patah, discordam dos economistas do governo e prometem se opor à fixação da idade mínima.
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Para ele, o brasileiro deixa o mercado cedo porque começa a trabalhar antes, por volta dos 17 anos. "O francês se aposenta mais tarde, mas também começa a trabalhar mais tarde, após os 20 anos", diz. O QUE VEM POR AÍ O que a proposta do governo Temer deve incluir IDADE MÍNIMA O governo quer fixar em 65 anos a idade mínima para aposentadoria, mas ainda discute se o limite será igual ou menor para as mulheres TRANSIÇÃO A proposta é que as novas regras sejam aplicadas para trabalhadores com menos de 50 anos. Haveria uma regra de transição para os mais velhos, que teriam de trabalhar 40% a 50% mais tempo para se aposentar EXCEÇÕES O presidente Michel Temer defende idade mínima menor, de 63 anos, para mulheres e professores. Uma alternativa pode ser uma transição mais longa, de 20 anos, para que as mulheres se adaptem às mesmas regras dos homens FÓRMULA DE CÁLCULO O governo quer estimular os trabalhadores a adiar a aposentadoria mesmo se tiverem atingido as condições exigidas, oferecendo bônus para os que continuarem trabalhando e contribuindo com a Previdência Social UNIFICAÇÃO O governo que uniformizar as regras para trabalhadores urbanos e rurais, do setor privado e do serviço público, com exceção dos militares TRABALHADOR RURAL O governo poderá propor mudanças na contribuição dos trabalhadores do campo, que em geral hoje contribuem pouco para financiar suas aposentadorias e atualmente podem se aposentar ao completar 60 anos de idade
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Para recuperar credibilidade, novo plano da Petrobras busca meta realista FONTE JORNAL FOLHA de S. PAULO, NICOLA PAMPLONA DO RIO 18/09/2016 às 02h00
Um desafio do novo plano de negócios da Petrobras é passar credibilidade com relação às metas propostas, depois de anos de frustração de expectativas. O documento que será analisado nesta segunda-feira (19) segue a máxima das "metas realistas", que vem sendo repetida desde que Aldemir Bendine assumiu a empresa, em fevereiro de 2015. Em seu primeiro e único plano de negócios, a equipe de Bendine reduziu a meta de produção de 2020 de 4,2 milhões para 2,8 milhões de barris por dia, adiando para a próxima década projetos importantes como as descobertas de petróleo em Sergipe. Ele reviu também o objetivo de 2015, levando a estatal a superar, pela primeira vez em 13 anos, a meta de produção de curto prazo, que era de 2,1 milhões de barris por dia. O número, porém, é 46% inferior ao projetado no plano de negócios 2011-2015, lançado ainda pelo ex-presidente José Sergio Gabrielli, que previa investimentos de US$ 224 bilhões para chegar a 3,99 milhões de barris por dia no fim do período.
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A frustração dos objetivos era tão recorrente que, em sua primeira apresentação de plano de negócios como presidente, em 2012, Graça Foster apresentou uma tabela com todas as metas não cumpridas nos anos anteriores. Sua gestão, porém, também não conseguiu cumprir o prometido. Naquele ano, a estatal previu que a produção de petróleo chegaria a 2,5 milhões de barris por dia em 2016. Hoje, a Petrobras trabalha para fechar o ano produzindo 2,145 milhões de barris por dia. Segundo a Folha apurou, a estimativa de produção para 2020 não deve sofrer grande corte no novo plano que será apresentado nesta semana.
Mercado resiste a contratar profissionais com mais de 50 Moacyr Lopes Junios/Folhapress
Mercado resiste a contratar profissionais com mais de 50
FONTE JORNAL FOLHA de S. PAULO, MARIANA CARNEIRO DE SÃO PAULO 18/09/2016 às 02h00
Se não se aposentam, profissionais com idade ao redor de 55 anos encontram espaço no mercado de trabalho? Nem sempre. 73
Diretor da Michael Page, empresa especializada em recrutar executivos, Henrique Bessa diz que precisa fundamentar muito bem currículos de pessoas com essa faixa etária para que sejam chamados para uma entrevista. "Eu busco mostrar os diferenciais, como a experiência em lidar com situações que possam interessar à empresa, destaco a energia desse profissional e a sua capacidade de adaptação a novidades." Aos 50 anos, M.P. ocupou posições de chefia em grandes bancos no Brasil e no exterior, mas há um ano não consegue um emprego formal. Ele pediu que seu nome não fosse revelado. M.P. atribui a demora à recessão. "Com a minha idade, ainda tenho muito a entregar", afirmou. Mesmo se já tivesse o tempo de contribuição exigido, ele diz que não sairia do mercado. "A aposentadoria não pagaria nem meu condomínio. Tenho um filho de 18 anos, não vale a pena parar." Outro complicador mais recente, na opinião de Bessa, é que muitas empresas vêm adotando uma aposentadoria compulsória, ao redor dos 65 anos, o que limita a uma década a vida profissional extra de um trabalhador de 55 anos, dificultando sua contratação. Ricardo Patah, presidente da UGT (União Geral dos Trabalhadores), afirma que, diante da resistência de empregadores em absorver essa mão de obra, sindicatos filiados à central, como dos comerciários, estão incluindo em suas negociações salariais pedido para criação de vagas destinadas a aposentados. Mas ele acrescenta outro problema. Se por um lado o brasileiro está vivendo mais e precisa trabalhar mais, por outro é preciso liberar vagas para os mais jovens, que estão entrando no mercado. "Com a mudança tecnológica e a mecanização em vários setores, como na indústria automotiva, há menos demanda por mão de obra. Não haverá espaço para todos", afirma Patah.
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Mais velho, Japão volta a se abrir para estrangeiros Koji Sasahara/Associated Press
Desde que Shinzo Abe chegou ao poder, número de estrangeiros que vivem no Japão subiu quase 10%
FONTE "FINANCIAL TIMES" 18/09/2016 às 02h00
Trabalhar em uma loja de conveniência é um rito de passagem para muitos universitários japoneses: o clássico emprego de meio período. Nos centros de treinamento do grupo de varejo Lawson, os jovens selecionados aprendem maneiras polidas de cumprimentar os fregueses e depois são enviados a trabalhar em milhares de lojas espalhadas pelo Japão. Mas há algo de diferente nos recrutas recentes. Eles não são japoneses, e sim vietnamitas, e seu treinamento não é em Tóquio, mas em Hanói ou em Ho Chi Minh, cerca de um mês antes que embarquem para seus estudos em universidades japonesas. Em um sinal do extremo aperto no mercado de trabalho japonês —com a queda da população em idade de trabalho e três anos de estímulo econômico sob o plano de recuperação do premiê Shinzo Abe puxando a demanda por empregados, a Lawson começou a treinar universitários vietnamitas antes mesmo que saiam de seus países.
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A decisão da empresa ilumina um resultado pouco percebido do plano de estímulo de Abe, o "Abenomics": alta forte e cada vez mais rápida na imigração de curto prazo, sob categorias de vistos que permitem que trabalhadores de países mais pobres aproveitem a prosperidade da mais rica economia asiática. Desde que Abe chegou ao poder, no final de 2012, o número de estrangeiros que vivem no Japão subiu quase 10%, para 2,2 milhões, e o número de "estagiários técnicos" teve alta de 27%, enquanto o de estudantes estrangeiros cresceu em 36%. Embora a imigração permanente seja rigidamente controlada, os números destacam uma das válvulas de segurança que as empresas japonesas empregam para controlar a alta dos salários, com o influxo de trabalhadores estrangeiros equivalendo a entre 10% e 15% dos postos de trabalho totais criados no período pela Abenomics. A Lawson informa que vai recrutar cem universitários vietnamitas no primeiro ano de seu programa e número maior nos anos seguintes. A empresa só recruta universitários que já estariam se mudando para o Japão de qualquer forma. Não se envolve com os estudos deles ou com a obtenção de seus vistos. ESCASSEZ Segundo a empresa, o esquema é um dos diversos adotados para enfrentar a escassez de mão de obra agora que a população japonesa em idade de trabalho está caindo em 1 milhão de pessoas ao ano. Com o desemprego em 3%, há 1,74 emprego de meio período disponível para cada candidato nível de oferta visto pela última vez em 1992. "Em alguma medida, creio que a alta na imigração seja resposta à escassez de mão de obra", disse Mitsuhiro Fukao, professor de economia na Universidade Keio. Uma das principais áreas de imigração é a de "estagiários técnicos", categoria de visto que permite que trabalhadores de países em desenvolvimento sejam treinados por até três anos em empresas japonesas de alta tecnologia. "Alguns são verdadeiros trainees, mas outros são uma forma disfarçada de importar mão de obra estrangeira barata", diz Fukao. Cerca de metade dos estagiários técnicos vem da China, mas o número de vietnamitas explodiu, triplicando desde 2012. Embora a imigração de curto prazo alivie parte da pressão no mercado de trabalho, as grandes empresas desejam desesperadamente que a imigração permanente cresça, a fim de compensar o arrasto econômico causado pela queda na população. O assunto continua controverso. Abe flertou com algumas ideias para trazer trabalhadores estrangeiros altamente capacitados ao país, mas apenas alguns milhares deles chegaram até agora. Tradução de PAULO MIGLIACCI
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Atrás de inovação, empresas buscam projetos para programas de aceleração Divulgação
Empreendedores trabalham em escritório da Wayra, aceleradora de start-ups da Telefónica
FONTE JORNAL FOLHA de S. PAULO, FELIPE DE OLIVEIRA DE SÃO PAULO 18/09/2016 às 02h00
Em busca de inovação ágil e barata, grandes empresas começaram uma corrida para atrair projetos inovadores em desenvolvimento por start-ups (iniciantes de tecnologia) e dar a eles um empurrão para que conquistem o mercado. Ao menos 13 companhias mantêm programas de aceleração de empresas no Brasil, a maioria lançada a partir de 2015. Entre os mais novos, estão os de Google, Samsung, Cetip, Porto Seguro, Basf, Senior, Nestlé e Danone. Bradesco, Itaú e Baidu também desenvolveram variações do modelo para se aproximar das novatas. Nessas iniciativas, quem promove a aceleração seleciona companhias ou empreendedores para apoiar por período de até um ano.
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Elas recebem infraestrutura e consultoria de especialistas e executivos da empresa realizadora do programa para desenvolver seus projetos. Também podem fechar parcerias ou acessar clientes da empresa apoiadora. Antes de ser adotado pelas grandes empresas, esse tipo de programa já era desenvolvido por grupos de investidores, com o objetivo de se associar a novatas, fazê-las crescer e lucrar vendendo-as mais tarde. Newton Campos, coordenador do centro de estudos em private equity e venture capital da FGV, diz que a crise brasileira diminuiu o incentivo para investidores apostarem no modelo, de um lado, e despertou o interesse das grandes por esses programa, de outro. O benefício vislumbrado por elas nessas iniciativas é a possibilidade de inovar de forma barata, afirma. O desafio, contudo, é que, quando muitas empresas disputam um número limitado de bons projetos, localizar e investir nos melhores primeiro fica mais difícil, afirma. Outro motivo que impulsiona essa tendência é a percepção dessas companhias de que, apenas com seus próprios recursos, enfrentando burocracias internas e limitadas pela busca por evitar riscos e por pressão por resultados no curto prazo, elas não conseguem criar novos produtos e serviços com a mesma agilidade das start-ups, afirma Marcelo Nakagawa, professor do Insper. "Os novos negócios estão se tornando grandes muito rápido. Se você não pegá-los no começo, a hora vai passar", diz Renato Valente, diretor da Wayra, aceleradora da Telefónica, iniciada em 2012 e pioneira do modelo no Brasil. Italo Flammia, diretor da Oxigênio, aceleradora aberta pela Porto Seguro em São Paulo neste ano, afirma que é necessário que as start-ups ofereçam algo que tenha relação com projeto da seguradora para serem apoiadas. A start-up Automobi exemplifica o tipo de parceria buscada. Ela oferece aplicativo para que condutores sejam notificados sobre a necessidade de manutenção preventiva em seus veículos conforme o usam e sobre a plataforma em que podem localizar prestadores de serviço credenciados próximos a eles. CORRIDA EMPRESARIAL Confira companhias que buscam start-ups para acelerar
Porto Seguro (Oxigênio) Início da aceleradora: Janeiro de 2016 Empresas aceleradas: 12 Valor investido por empresa: US$ 50 mil Participação acionária nas companhias: 10% Duração do programa: 6 meses Seleção: Próximas inscrições com início em 3/10
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Acelerada há um mês e meio, a empresa fechou parceria para incluir a Renova Ecopeças, negócio de venda de peças usadas da Porto, como um dos parceiros que a Automobi indica aos seus usuários, diz Davi Barboza, 31, fundador da empresa. INVESTIMENTO Mesmo que o objetivo da aceleração corporativa em geral não seja vender a empresa acelerada, é comum que quem promove o programa faça investimentos nas companhias selecionadas, em troca de participação acionária. Porém a regra tem exceções. O Google, por exemplo, não fica com ações das empresas que apoia. "Quando as start-ups crescem, usam mais nossas ferramentas ou desenvolvem serviços que tornam nossos produtos melhores, e todos prosperam", diz José Papo, gerente de relações com desenvolvedores e start-ups do Google para a América Latina. A aceleração de negócios também tem sido usada para a descoberta de projetos com potencial de unir impacto social e retorno financeiro. Neste mês, Nestlé e Natura lançaram chamadas para acelerar empreendedores na Amazônia, com o objetivo de encontrar ou desenvolver projetos que estejam relacionados a problemas identificados pelas companhias. ACELERAÇÃO Saiba como funciona O que são? Programas que dão apoio a start-ups, com o objetivo de lançar uma empresa ou aumentar sua participação no mercado Para quem é? Empresas inovadoras novas com potencial para realizar parceria futura com a grande Quais seus objetivos? Para a grande, ter agilidade na inovação e testar novas ideias sem a necessidade de assumir muito risco ou fazer grandes investimentos; para a start-up, conseguir apoio técnico e possibilidade de conquistar clientes O que oferecem? Ajuda de executivos e especialistas, acesso a clientes, infraestrutura Dão dinheiro? Parte dos programas oferece investimento para as start-ups, que costuma ser de até R$ 200 mil; em troca, passam a controlar até 20% das ações da companhia investida
Chefe da Opep diz que pode convocar reunião extraordinária sobre petróleo 79
Essam Al-Sudani/Reuters
Refinaria de petróleo na cidade de Basra, no Iraque
FONTE REUTERS 18/09/2016 às 15h30 Membros da Opep (Organização dos Países Exportadores de Petróleo) podem convocar uma reunião extraordinária para discutir os preços do petróleo se chegarem a um consenso durante um encontro informal em Algiers neste mês, disse o secretário-geral da Opep, Mohammed Barkindo, em visita a Argélia, publicou a agência estatal do país APS neste domingo (18). Barkindo disse estar otimista sobre o encontro na Argélia entre 26 e 28 de setembro. Ele havia dito anteriormente que as discussões em Algiers seriam consultas e que nenhuma grande decisão seria tomada. "O encontro informal foi proposto como uma medida para promover uma reunião extraordinária com o intuito de tomar decisões para estabilizar o mercado", disse Barkindo. O chefe da Opep disse que a organização não busca definir um preço, mas garantir estabilidade para o mercado. A Rússia, o Irã e outros grandes produtores de petróleo devem participar da reunião em Algiers.
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Vários produtores da Opep pediram um congelamento da produção para conter o excesso que causou o colapso do preço nos últimos dois anos, atingindo receitas de grandes produtores. A Arábia Saudita e a Rússia, que não é um membro da organização, concordaram neste mês em cooperar no mercado de petróleo, dizendo que podem limitar a produção futura. O presidente do Irã, Hassan Rohani, disse que o país apóia qualquer movimento para estabilizar o mercado de petróleo e elevar preços, publicou a agência de notícias iraniana Shana, também neste domingo. "A instabilidade e a queda dos preços do petróleo são prejudiciais a todos os países, especialmente aos produtores de petróleo", afirmou Rouhani, segundo a Shana. "Teerã considera bem-vinda qualquer medida que visa a estabilidade do mercado e a melhoria dos preços do petróleo, baseadas na justiça, equidade e participação de mercado justa para todos os produtores de petróleo", disse o presidente. Irã, o terceiro maior produtor da Opep, tem aumentado a produção de petróleo após a retirada das sanções ocidentais, em janeiro. Teerã recusou-se a participar de uma tentativa anterior, neste ano, de membros e não membros da Opep para estabilizar a produção. Os membros da Opep se reunirão durante o Fórum Internacional de Energia, que agrupa produtores e consumidores, na Argélia em entre os dias 26 e 28 de setembro. A Rússia, não integrante da Opep, também vai participar do fórum.
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Petrobras acelera venda de ativos e busca sócios, para reduzir dívida Veja a cronologia do inferno astral da Petrobras
FONTE JORNAL FOLHA de S. PAULO, NICOLA PAMPLONA DO RIO 18/09/2016 às 02h00 Com o objetivo de acelerar o processo de redução de seu endividamento, a Petrobras deve ampliar os esforços de venda de ativos e corte de custos nos próximos cinco anos. As propostas estão na base novo plano de negócios da companhia, que será avaliado nesta segunda (19) pelo conselho de administração. É o primeiro plano da gestão Pedro Parente, indicado ao cargo em junho pelo presidente Michel Temer, e terá foco na redução da dívida. A estatal não comenta detalhes, mas o mercado espera um corte no orçamento de investimentos para a casa de US$ 15 bilhões por ano —queda de 20% em relação à média do plano atual, lançado em 2015 e revisto em janeiro. O novo plano da Petrobras terá ênfase em parcerias com outros sócios, abrindo a possibilidade de venda de participações em negócios nos quais a empresa hoje é dominante, como refino e transporte de óleo e derivados. A ideia é concentrar os gastos nas operações relacionadas à produção de petróleo, com maior potencial de geração de receitas.
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Todas as outras operações, como gás, energia, biocombustíveis e petroquímica, poderão ser vendidas, caso haja interesse no mercado. Como parte do plano de venda de ativos lançado em 2015, a estatal já concluiu três operações, somando US$ 4,6 bilhões —a meta é arrecadar US$ 15,1 bilhões neste ano. A lista de vendas fechadas inclui negócios na Argentina e no Chile, 49% de sua subsidiária de participações em distribuidoras de gás canalizado e a área de Carcará, na região do pré-sal. A empresa deve anunciar em breve a venda de sua rede de gasodutos da região Sudeste, por US$ 5,2 bilhões. As negociações com um consórcio liderado pela canadense Brookfield já foram concluídas e dependem apenas de aval do conselho. DÍVIDA Com uma dívida líquida de US$ 103,5 bilhões ao fim de junho, a gestão financeira ganhará ainda mais relevância no novo plano de negócios. Como resultado do corte de custos e venda de ativos, a empresa pretende antecipar a meta de redução dos indicadores de endividamento para antes de 2020. A empresa tem hoje um nível de alavancagem (relação entre dívida e patrimônio) de 63%. A relação entre dívida e geração de caixa era de 4,49 vezes. O mercado considera adequado um limite de 35% e 2,5 vezes, respectivamente. A companhia estatal criará também uma meta de segurança operacional, para reduzir os indicadores nos próximos cinco anos. AS CONTAS DA PETROBRAS US$ 103,5 bi era a dívida da estatal no fim do segundo trimestre US$ 15,1 bi é a meta de arrecadação com a venda de ativos neste ano
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TCU aponta fiscalização frouxa e cobra metas rigorosas para teles Alan Marques –.fev.2013/Folhapress
Fachada da Anatel, que fica em Brasília
FONTE JORNAL FOLHA de S. PAULO, JULIO WIZIACK DE BRASÍLIA 19/09/2016 às 02h00 Uma auditoria do Tribunal de Contas da União (TCU) aponta frouxidão na maneira como a Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) fiscaliza os serviços prestados pelas operadoras de celular. As teles gastam por ano cerca de R$ 16 bilhões (8% de sua receita) para cumprir metas de qualidade definidas pela Anatel que, segundo o TCU, não têm resultados práticos. As empresas devem cumprir mais de 1.200 indicadores estabelecidos pela agência. As operadoras precisam relatar, por exemplo, índices de chamadas completadas e interrompidas e de atendimento em call centers e lojas. O TCU faz recomendações à Anatel desde 2012 e pede que a agência adote indicadores que considerem a satisfação dos clientes. As reclamações contra as teles nos órgãos de defesa do consumidor aumentaram de 9% do total em 2012 para 13% em 2015, afirma o Ministério da Justiça.
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Cobranças indevidas são o principal motivo. Em relatório aprovado na semana passada, o TCU afirma que 22 mil chamadas foram cobradas indevidamente entre 2012 e 2013, e outras 36 mil em 2014. "O TCU não substitui a Anatel, mas concluímos que há um enorme deficit regulatório que causa prejuízos aos usuários de celular", afirmou o ministro Bruno Dantas, relator do caso no tribunal. Procurada pela Folha, a agência disse que só se manifestará quando conhecer o relatório. O TCU apontou falhas da Anatel que beneficiaram as empresas, como a substituição de penalidades e sanções por novas metas de investimento que também não foram cumpridas. Em maio, a Oi fechou um acordo desse tipo no valor de R$ 1,2 bilhão para, pouco tempo depois, entrar em recuperação judicial. Embora critiquem a interferência do TCU, as empresas concordam que os indicadores da Anatel não colaboram com a melhoria da qualidade. Elas dizem que o problema é uma herança da época da privatização do setor, quando a prioridade da agência era garantir que os equipamentos da rede funcionassem bem. Para as empresas, as falhas de regulação criaram uma indústria de multas. Dos cerca de R$ 20 bilhões acumulados em penalidades, mais da metade se deve ao descumprimento de metas de qualidade. "Um simples ranking com a percepção da qualidade pelos consumidores daria mais resultado hoje", afirmou Gustavo Gachineiro, vice-presidente de assuntos corporativos e institucionais da Vivo. "Ninguém quer ficar atrás [da concorrência]. Isso é pior que multa. A gente precisa de liberdade para direcionar o que investimos [no cumprimento das metas] para a melhoria da qualidade", disse. ESTAMOS VERIFICANDO 13% das queixas de consumidores foram contra teles em 2015 36 mil chamadas cobradas indevidamente em 2014 Fontes: Ministério da Justiça, TCU
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São Paulo, Paraná e Santa Catarina lideram ranking de competitividade FONTE JORNAL FOLHA de S. PAULO, FERNANDO CANZIAN DE SÃO PAULO 19/09/2016 às 09h00
Os Estados brasileiros do Sul e Sudeste como São Paulo, Paraná e Santa Catarina lideram no país entre as unidades da federação mais competitivas na busca por investimentos em função de itens como infraestrutura, potencial de mercado e inovação. Atrás dessas regiões vêm o hoje emergente Centro-Oeste, principalmente em função do agronegócio, e os Estados do Norte e Nordeste, que ocupam as últimas posições no Ranking de Competitividade dos Estados, lançado nesta segunda-feira (19) pelo Centro de Liderança Pública (CLP). O levantamento, elaborado pela Tendências Consultoria e pela Economist Intelligence Unit, foi realizado a partir de 65 indicadores divididos em dez pilares gerais que têm como referência dados das mesmas áreas dos países que fazem parte da OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico). Entre os pilares constam as áreas de infraestrutura, solidez fiscal, eficiência da máquina pública, potencial de mercado e segurança, entre outras. A posição no ranking dos Estados é obtida por meio de pontos, onde os Estados e seus respectivos pilares têm 100 como nota máxima. Segundo as análises dos autores do ranking, em suas últimas edições o posicionamento dos Estados vem espelhando em boa medida a dinâmica atual da economia brasileira, com perda 86
de participação do setor industrial e aumento da atividade nas regiões mais voltadas ao agronegócio. AGRICULTURA O potencial de mercado das regiões agrícolas tem crescido, o que acaba influindo em uma melhora da situação fiscal dessas unidades da federação. Já os Estados do Sudeste, mais industrializados, apresentam tendência de piora na situação fiscal. O economista Adriano Pitoli, da Tendências, diz que os Estados agrícolas do Mato Grosso e Mato Grosso do Sul são exemplos de melhora tanto em termos de potencial de mercado quanto de sustentabilidade de suas contas. "O crescimento potencial só não é maior por causa de problemas na infraestrutura, que, espera-se, sejam minimizados com os novos programas de concessões de obras para a área", diz. De um modo geral, o trabalho destaca que, juntamente com a educação, a deficiência crônica do Brasil na área de infraestrutura é "sem dúvida, um dos principais desafios para a melhoria da competitividade do país". Já os Estados mais ricos como São Paulo e Rio de Janeiro seguem a tendência de piora na questão financeira justamente por terem ficado mais expostos, por conta do seu alto grau de industrialização, aos efeitos da recessão dos últimos trimestres (que levou a quedas mais acentuadas na arrecadação tributária). Para o também economista da Tendências Fabio Klein, embora o levantamento mostre como os Estados do Sul e Sudeste (SP, PR e SC são os três primeiros colocados no ranking geral) ainda concentram as melhores condições competitivas no país, a ascensão das áreas agrícolas é "muito positiva". "Trata-se de um sinal de desconcentração de renda", diz. Para Luiz Felipe d´Ávila, diretor-presidente do Centro de Liderança Pública, é possível inferir que a atual recessão tenha diminuído de maneira geral o grau de eficiência dos Estados. Mas ele pondera que vários deles vêm fazendo ajustes que poderão ajudar em uma recuperação futura.
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Fundos que apostam em imóveis voltam a oferecer ganho alto
FONTE JORNAL FOLHA de S. PAULO, DANIELLE BRANT DE SÃO PAULO 19/09/2016 às 02h00 Após três anos ruins por causa da recessão econômica, fundos de investimento que aplicam seus recursos no setor imobiliário voltaram a oferecer ganhos significativos para os investidores neste ano. Com cotas negociadas na Bolsa, esses fundos chegaram a render 35% em 2012, segundo o índice Ifix, que reflete o desempenho médio dos mais negociados. Neste ano, eles renderam mais de 25% até a sexta passada (16). Os fundos imobiliários aplicam seus recursos em shopping centers, escritórios, hotéis e agências bancárias. Muitos oferecem como rendimento parte das receitas obtidas com aluguéis e a administração dos imóveis. O investidor também pode ganhar com a valorização das cotas na Bolsa. Como o rendimento é isento do pagamento de Imposto de Renda para pessoa física, os fundos podem ser uma boa opção para quem quer lucrar com o setor imobiliário, mas não tem dinheiro para investir sozinho. "O brasileiro gosta de imóveis. Com R$ 30 mil, eu não consigo comprar um bom imóvel no Brasil, mas consigo fazer uma carteira excepcional de fundos imobiliários", afirma o planejador financeiro Renato Roizenblit. Embora incorporadoras, construtoras e outras empresas do setor enfrentem dificuldades desde o início da recessão, os fundos imobiliários voltaram a oferecer rendimentos atraentes por causa de uma combinação de fatores.
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Muitos investidores apostam que o Banco Central começará a reduzir a taxa básica de juros da economia m breve, reduzindo a rentabilidade de investimentos em renda fixa e levando à procura de opções mais rentáveis. Além disso, a crise desvalorizou muitos fundos imobiliários, tornando-os relativamente baratos. Isso tem feito investidores voltar a prestar atenção neles, apostando em ganhos no longo prazo com a recuperação da economia. RISCOS Os especialistas advertem, contudo, que a recuperação do setor imobiliário não deverá se refletir no desempenho de todos os fundos, e recomendam que os investidores pesquisem antes de escolher um produto desse tipo. "Os fundos sofreram com imóveis vagos e inadimplência", afirma Lucas Stefanini, analista da Guide Investimentos. "Há sinais de que o pior já passou, mas o cenário ainda está complicado." Fundos que investiram em shoppings, por exemplo, tiveram perdas porque muitos lojistas fecharam as portas e suas antigas lojas ficaram vazias. Receitas com estacionamento e aluguel de outros pontos comerciais ajudaram a compensar essas perdas. "Quando se fala de vacância, o problema é maior em edifícios de escritórios do que em shoppings", explica Anita Spichler Scal, gerente da área de investimentos imobiliários da gestora Rio Bravo. Outros fundos investiram em agências bancárias e podem se tornar pouco atraentes no futuro, porque os bancos têm indicado em seus balanços que planejam fechar agências nos próximos anos. Os especialistas recomendam que os investidores reduzam seus riscos. Em vez de concentrar o dinheiro em fundos que investem em um só empreendimento, o ideal é ter carteiras diversificadas. Que fundos são esses? > Formado por investidores que têm como objetivo aplicar recursos em negócios imobiliários, os fundos são negociados na Bolsa > O investimento inicial depende do fundo, mas é possível encontrar cotas abaixo de R$ 100 Como eles rendem? > Os investidores podem ganhar com receitas geradas pelos imóveis e vendendo suas cotas a outros investidores > Os Fundos não recompram as cotas. Quem quiser sair tem que achar ouros interessados no mercado Quanto custam? > Taxas de corretagem e custódia da corretora e emolumento para a Bolsa > Para pessoas com menos de 10% das cotas de fundo com mais de 50 cotistas, o rendimento mensal é isento de Imposto de Renda > O lucro é tributado em 20% na venda das cotas
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‘Congresso não pode desfigurar a PEC do Teto’, diz Meirelles Segundo ministro, parlamentares podem discutir alocação dos recursos, mas sem elevar limite de gastos Fonte Jornal O Estado de S. Paulo Adriana Fernanes e Irany Tereza de BRASÍLIA 19 Setembro 2016 às 03h00
Notícias relacionadas: Governo oferece aval para que Estados tomem até R$ 20 bi em empréstimos Crise dos Estados chega após 10 anos de receita recorde Foto: André Dusek/Estadão
Desonerações a setores específicos serão revisadas, diz Meirelles O ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, afirma que os princípios básicos da PEC do Teto, que limita o crescimento dos gastos públicos à inflação do ano anterior, não podem ser alterados. “Se a proposta não for eficaz do ponto de vista de gestão fiscal, certamente teremos uma continuação, num grau maior ou menor, do problema atual”, diz. Ele insiste em deixar com o Congresso a tarefa de dividir o insuficiente orçamento entre os setores. Mas não abre mão do limite de gastos. A seguir, os principais trechos da entrevista: O que é negociável na PEC do teto dos gastos? O processo de negociação é natural. Seria absolutamente surpreendente que uma PEC não tivesse todo esse debate. Existem os pontos básicos que, a princípio, não são negociáveis. O mais relevante é o teto em si, incluindo saúde e educação. O Congresso sempre terá a prerrogativa de alocar, dentro do Orçamento, a despesa que achar necessária. 90
E a redução do prazo de vigência de para sete anos? O prazo tem de ser suficientemente longo para que a projeção de crescimento da dívida já seja moderada e comece a cair ainda no prazo de vigência da PEC para que os mercados, a economia e os próprios consumidores possam antecipar essa queda pública ao longo do tempo e isso possa ser refletido no presente, através das taxas de juros. O Congresso pode desfigurar a proposta? Não pode desfigurar a PEC. Se isso acontecer, não vai ter efeito nas expectativas e no crescimento da economia a curto prazo. Se a proposta não for eficaz do ponto de vista de gestão fiscal, certamente teremos uma continuação, num grau maior ou menor, do problema atual. Os investidores querem saber se a PEC vai ser aprovada este ano. É viável? A minha expectativa é que sim. De qualquer maneira, o Orçamento de 2017 já está de acordo com o teto. A aprovação ou não da emenda constitucional este ano não altera isso. Mas não há dúvida de que, do ponto de vista de expectativa da economia, a aprovação este ano é bastante importante. No meio da discussão de PEC e da reforma da Previdência, apareceu a reforma trabalhista. O governo não está abrindo muitas frentes ao mesmo tempo? A determinação do presidente é que devemos focar em primeiro lugar a PEC. Em segundo, a reforma da Previdência. Depois de aprovadas ou encaminhadas positivamente essas reformas, aí sim, vamos tratar de outras. O foco de discussão com o Congresso é a PEC. Os Estados serão socorridos? É interesse de todos que o governo federal cumpra a meta de déficit primário de 2016. É fundamental para a confiança, a atividade e a retomada da arrecadação de todos. Portanto, não podemos fazer nada que sacrifique o cumprimento da meta. Existe um espaço na LRF (Lei de Responsabilidade Fiscal) em que a União pode conceder aval para empréstimos contraídos pelos Estados e pretendemos usar todo esse espaço para dar aval aos Estados de tomar empréstimo até R$ 20 bilhões ainda este ano. Isso é uma ajuda importante. É um aval que viabiliza empréstimos a serem tomados pelos Estados. Colocamos com muita clareza aos governadores que não há espaço fiscal além da meta de déficit primário de R$ 170,5 bilhões. No momento, não vemos esse espaço para outras medidas. Mas vem aí a repatriação que vai beneficiar uma série de Estados e pode surpreender positivamente. Há expectativa de arrecadar R$ 70 bilhões com repatriação? Não só não é tão alta, como não é um número específico. Nossa última projeção indica que pode variar entre R$ 8 bilhões e R$ 50 bilhões. E as pessoas estranham uma amplitude tão grande. Mas a razão é muito simples: quando fazemos uma previsão, por exemplo, de arrecadação tributária, é uma coisa simples porque existe toda uma série histórica e projeções baseadas nessas séries. No caso da repatriação, não. Exatamente porque é um dinheiro que não foi declarado. Então, por definição, não há informação. Depois do programa vai haver devassa dos recursos ainda mantidos ilegalmente no exterior? Vai acontecer. Agora, a questão é: quanto há de recursos no exterior e quanto será efetivamente declarado? Não há dúvida de que nossa recomendação aos contribuintes é de que usem essa oportunidade, porque não haverá outra. O presidente da Câmara, Rodrigo Maia, está liderando movimento de mudança no processo às vésperas do prazo final. Como o sr. vê isso?
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É prerrogativa do Congresso aprovar não só a Lei da Repatriação como qualquer lei. Podem, em tese, alterar. Nossa recomendação é não patrocinar nenhuma modificação, exatamente por estarmos muito próximos à data. Há um número razoável de contribuintes fazendo, ou em processo de conclusão de suas declarações. Essa mudança de última hora pode virar um escândalo? Acho que pode gerar muita controvérsia. Em sua primeira entrevista como ministro, o senhor defendeu a revisão das desonerações. Ainda acha isso importante? Vamos revisá-las. Mas isso será anunciado e implantado no momento adequado. Num momento em que a economia está em recessão e há sinais ainda tímidos de retomada do crescimento, não é o momento de reonerar. Agora, não há dúvida que boa parte das desonerações não mostrou o efeito que se esperava. Mas não é momento de anunciar, porque no momento em que se anuncia, deve ser feito imediatamente. Parece claro que o senhor não vai aumentar o imposto. Para 2017, não. Para 2017, no Orçamento, não há previsão de aumento de imposto e nem de reonerar. O senhor acredita em retomada do grau de investimento na gestão Temer? Acredito que sim, há possibilidade.
'Prévia do PIB' inicia 3º trimestre com leve recuo IBC-Br teve baixa de 0,09% em julho, pior do que estimavam os analistas do mercado financeiro Fonte Fabrício de Castro, Jornal O Estado de S. Paulo 19 Setembro 2016 às 09h01 Notícias relacionadas: ‘Congresso não pode desfigurar a PEC do Teto’, diz Meirelles Governo busca ‘saída amigável’ em concessões
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Foto: Estadão
No acumulado do ano, retração do IBC-Br é de 5,29% Após cair 0,37% em junho (dado já revisado), a economia brasileira voltou a registrar leve retração em julho. O Índice de Atividade Econômica do Banco Central (IBC-Br) do mês teve baixa de 0,09% ante junho, com ajuste sazonal. Na comparação entre os meses de julho de 2016 e 2015, houve baixa de 5,20%. Nas duas análises, a queda veio mais forte do que o esperado pelos analistas de mercado financeiro. Em janeiro, o Banco Central promoveu uma revisão na apuração do IBC-Br para incorporar a estrutura de produtos e avanços metodológicos do Sistema de Contas Nacional, entre outros indicadores. Conhecido como "prévia do BC para o PIB", o IBC-Br serve como parâmetro para avaliar o ritmo da economia brasileira ao longo dos meses. Com Michel Temer na Presidência, desde 12 de maio, o BC já divulgou três resultados do IBCBr: para maio, junho e julho. Neste período, o indicador, considerado como um parâmetro para o ritmo da economia ao longo dos meses, somente avançou em junho. Naquele mês, o IBC-Br com ajuste sazonal registrou alta de 0,37% ante maio (dado revisado). Em julho, no entanto, conforme os números divulgados hoje pelo Banco Central, houve queda de 0,09% na margem. Em maio - mês cujo início ainda foi com Dilma Rousseff ocupando a Presidência -, houve retração de 0,46%. Neste período de maio a julho, o IBC-Br indicou retração de 0,24% em relação ao trimestre anterior, de fevereiro a abril, na série com ajuste sazonal. A atual previsão oficial do BC para a atividade doméstica deste ano é de queda de -3,3%, de acordo com o mais recente Relatório Trimestral de Inflação. No Relatório de Mercado Focus da última segunda-feira, a mediana das estimativas do mercado para o Produto Interno Bruto (PIB) estava em -3,18%.
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Mercado melhora projeção para inflação em 2016 Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) estimado para este ano passou de 7,36% para 7,34%; a perspectiva também é de PIB positivo, com crescimento de 1,36% no próximo ano Fonte Eduardo Rodrigues, Jornal O Estado de S. Paulo 19 Setembro 2016 às 09h04 Notícias relacionadas: ‘Congresso não pode desfigurar a PEC do Teto’, diz Meirelles Setor de serviços recua 4,5% e tem pior desempenho desde 2012 Vendas no varejo caem 0,3% em julho, diz IBGE Economistas projetam piora da inflação e retração menor do PIB BRASÍLIA - O Relatório de Mercado Focus divulgado nesta segunda-feira, 19, traz leve mudança para a projeção de inflação em 2016. O Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) estimado para este ano passou de 7,36% para 7,34%. Há um mês, estava em 7,31%. Já o índice para o ano que vem permaneceu em 5,12%, mesmo patamar em que já estava há quatro semanas. Pelo documento, as estimativas para o Produto Interno Bruto (PIB) este ano indicaram retração de 3,15%, ante os 3,18% projetados na semana anterior. Um mês antes, a previsão era de queda de 3,20%. No dia 9, o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) informou que a inflação em agosto foi de 0,44%. Houve desaceleração ante a taxa de 0,52% de julho. Em 2016, o IPCA acumula 5,42% e, em 12 meses, a taxa subiu de 8,74% para 8,97% - ainda mais distante da meta de inflação perseguida pelo Banco Central, de 4,5% para este ano, com tolerância de até 2 pontos porcentuais. Para 2017, a meta também é de 4,5%, com margem de 1,5 ponto porcentual. Foto: Tiago Queiroz/Estadão
IPCA estimado para este ano passou de 7,36% para 7,34% No relatório Focus, entre as instituições que mais se aproximam do resultado efetivo do IPCA no médio prazo, denominadas Top 5, as medianas das projeções permaneceram em 7,50%. 94
Para 2017, continuaram em 5,50%. Quatro semanas atrás, as expectativas eram de, respectivamente, 7,51% e 5,25%. Para 2017, o cenário é mais favorável, com perspectiva de PIB positivo. O mercado previu para o País um crescimento de 1,36% no próximo ano, superior à alta de 1,30% projetada uma semana antes. Há um mês, estava em 1,20%. No segundo trimestre de 2016, conforme dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o PIB brasileiro recuou 0,6% ante o primeiro trimestre do ano e teve retração de 3,8% ante o segundo trimestre de 2015. No ano, o PIB acumula baixa de 4,6% e, em 12 meses, recuo de 4,9%. Em junho, o BC informou no Relatório Trimestral de Inflação que sua estimativa para o PIB deste ano era de retração de 3,3%. No caso de 2017, a projeção do Ministério da Fazenda é de 1,6% de crescimento. As estimativas para a produção industrial ainda sugerem um cenário difícil. A queda prevista para este ano permaneceu em 5,93%. Para 2017, a projeção de alta da produção industrial continuou em 0,50%. Há um mês, as expectativas para a produção industrial estavam em recuo de 5,95% para 2016 e alta de 1,05% para 2017. Neste ano até julho, conforme o IBGE, a queda acumulada na produção industrial é de 8,7%. Selic. Ainda sob influência da ata do último encontro do Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central e dos dados mais recentes de inflação do IBGE, os economistas do mercado financeiro mantiveram suas previsões para a taxa básica de juros neste e no próximo ano. A mediana das expectativas para a Selic em 2016 seguiu em 13,75% ao ano. Já a taxa básica para o fim de 2017 permaneceu em 11,00% ao ano. Há um mês, as projeções também eram de 13,75% e 11,00%, respectivamente. Na última ata do Copom, o colegiado condicionou o corte de juros a três fatores que "permitam maior confiança no alcance das metas para a inflação": a limitação do choque dos preços dos alimentos, a desinflação de itens do IPCA em velocidade adequada e a redução das incertezas sobre o ajuste fiscal. No relatório Focus, a Selic média de 2016 seguiu em 14,19% ao ano. Para 2017, continuou em 11,88%. Há um mês, a mediana das taxas médias projetadas para este e o próximo ano eram de 14,16% e 11,84%, nesta ordem. Câmbio. O documento divulgado pelo Banco Central indicou que a cotação da moeda estará em R$ 3,30 no encerramento de 2016, acima dos R$ 3,25 da projeção da semana anterior. Um mês atrás, também estava em R$ 3,30. O câmbio médio de 2016 passou de R$ 3,44 para R$ 3,45 - um mês antes, estava em R$ 3,43. Para o fim de 2017, a mediana para o câmbio seguiu em R$ 3,45 de uma divulgação para a outra - quatro semanas atrás já estava em R$ 3,45. Já o câmbio médio de 2017 passou de R$ 3,38 para R$ 3,39 - estava em R$ 3,40 um mês atrás. Superávit comercial. O Relatório mostra que a estimativa de superávit comercial este ano permaneceu em US$ 50 bilhões, mesmo valor de um mês antes. Na estimativa mais recente do BC, o saldo positivo de 2016 ficará em US$ 50 bilhões. Já o Ministério da Indústria, Comércio Exterior e Serviços prevê um superávit entre US$ 45 bilhões e US$ 50 bilhões em 2016. Para 2017, as estimativas de superávit comercial foram de US$ 47,55 bilhões para US$ 47,32 bilhões de uma semana para outra - ante US$ 48,40 bilhões de um mês antes.
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Para analistas, tarifa de energia ‘flexível’ deve dar alívio à inflação Impacto deve ocorrer a partir de 2018, quandoopção será oferecida a quem consome acima de 500 kWh por mês Fonte Maria Regina Silva, Jornal O Estado de S. Paulo 19 Setembro 2016 03h00 Foto: Divulgação
A caminho. Tarifa branca foi regulamentada pela Aneel A regulamentação da chamada “tarifa branca” nos preços de energia pela Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), que permitirá ao consumidor optar por uma conta de luz com preço flexível – variando conforme o dia e o horário de consumo –, foi bem recebida por economistas, dada a possibilidade de trazer alívio para a inflação. Mas só no longo prazo, pois a adesão ao novo sistema poderá ocorrer a partir de janeiro de 2018. Ainda assim, a possibilidade será primeiro oferecida a unidades de consumo com média mensal superior a 500 quilowatts/hora (kWh) ou novas ligações solicitadas às distribuidoras. O coordenador do Índice de Preços ao Consumidor (IPC) da Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas (Fipe), André Chagas, vê a medida como “positiva” e “racional”. Para ele, a nova tarifa pode ser melhor aproveitada pelo consumidor mais disciplinado, que consegue se organizar para ter o desconto. Já quem não tem tanta flexibilidade talvez não se beneficie. “De todo modo, discutir o custo de um serviço público com a população é bem-vindo e pode ter impacto significativo.” Chagas lembrou da recente política de desconto da Sabesp, a companhia de saneamento de São Paulo, para quem economizasse água e, ao mesmo tempo, multa a quem extrapolasse determinado nível. “Houve adesão e teve efeito importante na inflação (alívio). Pena que acabou”, disse.
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Mocinho e vilão. Os preços de energia têm sido protagonistas da inflação nos últimos anos, tendo passado de mocinhos a vilões entre 2013 e 2015. No início de 2013, o governo da presidente Dilma Rousseff anunciou pacote de redução nos preços de energia, que levou o item a fechar o ano com deflação de 15,66%, com impacto negativo de 0,52 ponto porcentual no IPCA, a inflação oficial. A partir de 2014, essa política começou a ser desmontada, resultando em alta de 17,06% nos preços de energia. O ápice da reversão foi em 2015, quando dispararam 51%, com contribuição positiva de 1,50 ponto na taxa de 10,67% do IPCA. Resta saber, ainda, como os institutos de pesquisa de preços vão incorporar a tarifa branca na metodologia dos índices de inflação, uma vez que hoje a tarifa é fixa.
POLÍTICA: Cunha liga homem forte de Temer a irregularidades na Caixa Deputado cassado diz que suspeitas sobre no financiamento do Porto Maravilha têm ligação com secretário de Temer Fonte Jornal O Estado de S. Paulo, Vera Rosa 17 Setembro 2016 às 16h00 Notícias relacionadas: ‘Abandonado’, Cunha faz ameaças BASTIDORES: Planalto abandonou Cunha após ameaça direta a Temer Deputados dizem não ver clima para novos processos de cassação Cunha fará noite de autógrafos do livro sobre impeachment no Rio, São Paulo e Brasília TV ESTADÃO - Cunha: 'Moreira é quem manda no governo' Foto: DIDA SAMPAIO | ESTADAO CONTEUDO
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BRASÍLIA - O deputado cassado Eduardo Cunha (PMDB-RJ) acusou o secretário do Programa de Parcerias de Investimentos, Moreira Franco, homem forte do governo Michel Temer, de estar por trás de irregularidades na operação para financiar obras do Porto Maravilha, no Rio. Ao classificar Moreira como “o cérebro” da gestão Temer, Cunha disse que o novo plano de concessões “nasce sob suspeição” e deu sinais de que pode atingir o presidente. “Na hora em que as investigações avançarem, vai ficar muito difícil a permanência do Moreira no governo”, afirmou, na primeira entrevista exclusiva após perder o mandato. Ex-presidente da Câmara, Cunha é suspeito de ter cobrado da empreiteira Carioca Engenharia R$ 52 milhões de propina em troca da liberação de verbas do Fundo de Investimento do FGTS (FI-FGTS) para o Porto Maravilha, projeto de revitalização da região portuária. Ele chama a denúncia de “surreal” e aponta o dedo para Moreira. Cunha também criticou Temer, por “aderir ao programa de quem perdeu a eleição”. E prometeu revelar bastidores do processo de impeachment de Dilma Rousseff em livro que lançará no fim do ano. “Vai ser um presente de Natal.” O governo avalia que a denúncia da Lava Jato contra o ex-presidente Lula enfraquece as manifestações “Fora, Temer”. O sr. concorda? Tudo depende do que está motivando a sociedade para o “Fora, Temer”. Mas temos um problema: o Michel foi eleito com a Dilma com um programa que ela não cumpriu. E ele também não está cumprindo. Por outro lado, ele aderiu ao programa do PSDB e do DEM, que perderam a eleição. Que o Brasil precisa de reforma previdenciária, trabalhista, não tenho dúvida. Mas é difícil fazer uma coisa muito radical, no meio de um mandato, com alguém sem a legitimidade de estar discutindo isso debaixo de um processo eleitoral. O sr. acha que o presidente Temer não tem legitimidade? Ele tem legitimidade. Eu disse que talvez não tenha para um programa radical, contrário àquilo que foi colocado no processo eleitoral. A população aplaudiu porque tirou a Dilma, mas não está satisfeita. O sr. está dizendo que não queriam Dilma, mas também não querem Temer... Não querem porque não se sentem representados. Me preocupa um jovem virar para mim na rua, me cumprimentar e dizer: “Parabéns, a gente queria tirar essa mulher, queria tirar o PT, mas não tem por que entubar esse vice”. E o que ele deve fazer? Acho que tem de ser uma coisa mais light, tentando recuperar aquilo que a Dilma descumpriu, sem movimentos radicais. Uma vez o próprio Michel disse o seguinte: “A presidente não vai conseguir se aguentar com esses índices de popularidade”. Só que ele está(em situação) semelhante. Dilma precisava recuperar popularidade. Ele precisa ganhar, porque não tem. O Michel tem de tomar cuidado porque, no fundo, o PSDB quer jogar a impopularidade no colo dele para depois nadar de braçada. Mas quem manda no governo é o Moreira Franco. Por que o sr. chamou Moreira Franco de eminência parda? Ele é muito mais do que eminência parda. Moreira Franco, que se diz sociólogo, é o cérebro do governo. Foi ele que articulou a candidatura do genro, Rodrigo Maia (DEM-RJ), para ser presidente da Câmara, atropelando a base aliada. Dilma dizia que o sr. era quem mandava no governo interino. Fica claro hoje que não era. O Moreira Franco era vice-presidente (de Fundos e Loterias) da Caixa, antes do Fábio Cleto, que fez a delação falando de mim. Quem criou o FI-FGTS na Caixa 98
foi o Moreira Franco. Toda a operação no Porto Maravilha foi montada por ele. No programa de privatização, dos R$ 30 bilhões anunciados, R$ 12 bilhões vêm de onde? Do Fundo de Investimento da Caixa. Ele sabe de onde tirar dinheiro. Esse programa de privatização começa com risco de escândalo. Nasce sob suspeição. Delatores dizem que o sr. recebeu propina na obra do Porto Maravilha. E Fábio Cleto era ligado ao sr., seu braço-direito na Caixa. Fábio Cleto era ligado à bancada do PMDB e eu desminto qualquer recebimento de vantagem indevida. Acho engraçado quando você pega e fala de delação, citando Porto Maravilha, quando quem conduziu toda a negociação e abertura de financiamento, em conjunto com o prefeito do Rio (Eduardo Paes), foi o Moreira. E agora aparece uma denúncia e é contra mim? Isso é surreal. Quem comandava e ainda comanda o FI(Fundo de Investimento) chama-se Moreira Franco. E lá tem muitos financiamentos concedidos que foram perdas da Caixa. Na hora em que as investigações avançarem, vai ficar muito difícil a permanência do Moreira no governo. De que perdas o sr. fala? Uma de que me lembro foi da Rede Energia. Outra foi da Nova Cibe. O uso de energia, na época, teve escândalo grande. O sr. tem provas em relação a Moreira Franco? Estou levantando suspeição, em minha defesa, por uma razão muito simples. Há um inquérito instaurado com uma delação do Fábio Cleto em cima de uma operação que foi feita quando Moreira era vice-presidente da Caixa. O ministro do Supremo Tribunal Federal Teori Zavascki, relator da Lava Jato, autorizou a remessa para a Justiça Federal do Paraná da ação em que o sr. é acusado de corrupção por manter contas na Suíça para recebimento de propina da Petrobrás. O sr. tem medo de ser preso? Medo? Nenhum. Não há provas contra mim. Só se for uma motivação de natureza política. Não se pediu prisão na denúncia apresentada contra o Lula. Por que fariam em relação a mim? O Ministério Público diz que Lula é o “comandante máximo” da corrupção na Petrobrás, mas o sr. também foi acusado de ser chefe do esquema de propina... Eu não sei se ele é ou não o comandante máximo, mas o que sempre me deixou estarrecido foi quererem me carimbar como se eu fosse o chefe do esquema. Isso é ridículo. Naquele período de 2006, até 2007, eu estava no grupo do vagabundo daquele (Anthony) Garotinho, numa linha contra o Lula. O sr. está escrevendo um livro sobre os bastidores do impeachment. Vai revelar conversas comprometedoras? Não sei se são comprometedoras. Vou contar as reuniões, os diálogos, tudo, doa a quem doer. A conclusão será de quem lê. Quero lançar no fim do ano. Vai ser um presente de Natal. O sr. sempre foi amigo de Temer, mas agora tem feito ameaças. Auxiliares dele dizem que são bravatas... Estou ameaçando quem? O distanciamento que existe é porque eu quero. Houve muita hipocrisia. Não há razão para eu manter convivência com um governo que me cassou. Na sua avaliação, o presidente termina o mandato? Espero que termine. Desejo sucesso a ele, mas vejo muita dificuldade. Há ainda o risco do julgamento no Tribunal Superior Eleitoral, que pode cassar a chapa. Se levar a julgamento, vai cassar. As provas são irrefutáveis. Pergunto: por que o PSDB não desistiu da ação? Para deixar uma faca no pescoço. 99
Então o sr. avalia que o PSDB teria de deixar o governo? Não acho que tenha de colocar o PSDB e o DEM para fora, mas esses dois partidos não podem querer tomar conta do governo na mão grande. É isso que solidifica o discurso do golpe. O País ainda não entrou numa estabilidade política. E vai entrar? Acho que vamos nessa situação de empurrar com a barriga até a eleição de 2018. O que o sr. não faria novamente, se pudesse voltar atrás? Talvez eu devesse ter sido mais Renan (Calheiros, presidente do Senado) e menos Eduardo Cunha. Renan é jogador, é falso, é dissimulado. Eu meço menos o que vou fazer. Outro erro do qual me arrependo foi ter anunciado o rompimento com o governo Dilma. Eu deveria ter rompido na prática, mas não no verbo. O sr. vai sair do PMDB? Por que vou sair do PMDB? Minha guerra não está perdida. Ainda está só começando.
Em parecer ao STF, Janot diz que Lula tenta tumultuar investigações Procurador-geral endossa expressão que havia sido utilizada pelo ministro relator da Lava Jato Teori Zavascki mas que, a seu pedido, foi retirada Fonte Fábio Fabrini e Fabio Serapião, Jornal O Estado de S. Paulo 17 Setembro 2016 às 17h21 Notícias relacionadas: Teori confirma Lula nas mãos de Moro Teori diz que foi 'inadequado' afirmar que Lula tenta 'embaraçar as apurações' BRASÍLIA - O procurador-geral da República, Rodrigo Janot, afirmou que o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva tenta tumultuar as investigações sobre sua suposta participação no esquema criminoso da Petrobrás. A crítica consta de parecer enviado ao Supremo Tribunal Federal (STF), na última sexta-feira, no qual contesta argumentos da defesa do petista para suspender inquéritos que tramitam na 13ª Vara de Curitiba, sob responsabilidade do juiz Sérgio Moro, e na 10ª Vara Federal de Brasília.
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Foto: André Dusek/Estadão
O procurador-geral da República Rodrigo Janot No documento, o procurador-geral endossa palavras do ministro Teori Zavascki, relator da Lava Jato no Supremo, de que os advogados de Lula têm apresentado “diversas tentativas” no sentido de “embaraçar as apurações” da operação. A afirmação de Teori foi feita no dia 6 deste mês, ao negar pedido para parar processos na 13.ª Vara. Na quarta-feira, no entanto, o ministro manteve a decisão, mas reconheceu ter usado uma expressão inadequada e determinou que “embaraçar as apurações” fosse retirado do texto original. A defesa de Lula alega que dois inquéritos que correm perante a Vara de Curitiba e um terceiro, que tramita no Distrito Federal, devem ser “sobrestados”. Argumenta que os mesmos fatos em apuração são objeto do inquérito 3989, que verifica a participação do ex-presidente e de outros políticos numa “organização criminosa” supostamente formada para desviar dinheiro da estatal petrolífera. Na reclamação ao Supremo, o advogado Cristiano Zanin alega que Moro, portanto, “usurpa” competência da Corte superior, única jurisdição que deveria tratar dos casos. O parecer de Janot servirá para embasar decisão do plenário do Supremo a respeito. No documento, ele explica que Lula foi incluído no inquérito do STF porque surgiram elementos “bastante seguros” de que os fatos investigados não teriam acontecido “senão com a sua firme e direta participação na organização criminosa”. Porém, acrescenta, os crimes autônomos atribuídos a ele (corrupção, lavagem de dinheiro e obstrução da Justiça) devem ser apurados separadamente, “no foro natural, sem qualquer necessidade ou relação de dependência essencial com a apuração da organização criminosa”. “A investigação no Inquérito 3.989 é, exclusivamente, quanto aos fatos que caracterizam o crime de organização criminosa, e não os eventuais crimes cometidos no âmbito dessa organização. Parece que o agravante não compreende essa questão técnica. Ou, se compreende, fica nítido seu intuito de gerar tumulto”, escreveu Janot. 101
O procurador afirma que, numa outra reclamação, a defesa de Lula já havia apresentado os mesmos argumentos e que a tese de “usurpação de competência” fora rejeitada pelo Supremo. "Efetivamente, tem absoluta razão o relator: essa ‘reclamação constitui mais uma das diversas tentativas da defesa de embaraçar as apurações”, disse Janot no parecer, evocando as palavras de Teori. Não há previsão de que o pedido de Lula seja apreciado pelo plenário da Corte. Na quartafeira, a força-tarefa da Lava Jato em Curitiba ofereceu denúncia contra o ex-presidente por corrupção passiva e lavagem de dinheiro. Ele é acusado de receber vantagens indevidas da OAS que alcançam R$ 3,7 milhões.
Denúncia contra Lula usou delação rejeitada de Pinheiro Danilo Verpa/Folhapress
Empreiteiro Léo Pinheiro, da OAS, chega à sede da PF para depor na Operação Greenfield
FONTE JORNAL FOLHA de S. PAULO, MARIO CESAR CARVALHO DE SÃO PAULO 18/09/2016 às 02h00 A denúncia da força-tarefa da Operação Lava Jato contra o ex-presidente Lula, apresentada na última quarta (14), contém uma informação que só aparece no esboço da delação premiada do empresário Léo Pinheiro, que foi recusada pela Procuradoria-Geral da República. 102
Foi Pinheiro, sócio da OAS, quem disse que a empreiteira descontava os repasses que fez para o apartamento tríplex do Guarujá de uma espécie de conta-corrente que a empresa mantinha com o PT, usada para pagar propina de obras da Petrobras. No documento que fez para negociar o acordo de delação premiada, Pinheiro, sócio da OAS que já foi condenado a 16 anos de prisão, dizia: "Ficou acertado com [João] Vaccari que esse apartamento seria abatido dos créditos que o PT tinha a receber por conta de propinas em obras da OAS na Petrobras". Um esboço do documento foi divulgado pela revista "Veja" em agosto. Vaccari, que está preso em Curitiba, era o tesoureiro do partido que tratava dos subornos com as empresas que eram contratadas pela Petrobras, segundo os procuradores da Lava Jato. Apesar de não se referir à tentativa de delação de Pinheiro, a denúncia menciona a informação que ele deu a procuradores em pelo menos sete trechos para sustentar a acusação contra Lula, sem que a fonte seja indicada. Editoria de Arte/Folhapress
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"A OAS possuía um caixa geral de propinas com o Partido dos Trabalhadores, [...] [que] visava quitar os gastos de campanha dos integrantes do partido e também viabilizar o enriquecimento ilícito de membros da agremiação, dentre os quais Lula", diz um dos trechos. As milhares de mensagens de celular e documentos apreendidos com Pinheiro não trazem informações sobre esse sistema de desconto da suposta propina para Lula do caixa que a OAS usava para pagar suborno ao PT. Falam apenas que a OAS criou dois centros de custo para tratar da reforma do tríplex e do sítio em Atibaia (SP). Eram chamados de "Zeca Pagodinho (sítio)" e "Zeca Pagodinho (praia)". A acusação de que Lula recebia supostos subornos de uma conta que tinha ligações com contratos da Petrobras é essencial para caracterizar corrupção, segundo advogados ouvidos pela Folha. O ex-presidente é acusado de corrupção e lavagem de dinheiro. Ele e sua mulher, Marisa Letícia, teriam recebido vantagens da OAS que somam R$ 3,7 milhões no caso do apartamento tríplex do Guarujá. A defesa de Lula refuta a acusação. Esse montante teria sido abatido de um valor maior (R$ 87,7 milhões), que a OAS teria pago em propinas por conta de duas obras em que foi contratada pela Petrobras, nas refinarias Abreu e Lima, em Pernambuco, e Presidente Vargas, no Paraná, ainda segundo os procuradores. O acordo de delação de Léo Pinheiro foi rompido pelo procurador-geral da República, Rodrigo Janot, com a alegação de que houve quebra de confidencialidade. O rompimento foi anunciado no final de agosto, após a revista "Veja" apontar que o empresário havia citado o ministro do Supremo Dias Toffoli num caso em que não havia caracterização de crime. Pinheiro teria indicado engenheiro para analisar problemas de impermeabilização na casa de Toffoli em Brasília, mas a obra foi paga pelo ministro. Na terça (13), num evento em São Paulo e sem entrar em detalhes sobre o conteúdo da delação, o procurador da força-tarefa Deltan Dallagnol disse que os esboços apresentados por Léo Pinheiro eram imprestáveis para a investigação da Lava Jato. O uso de uma informação que não aparece no inquérito abre um flanco para a defesa contestar as acusações, de acordo com Renato Melo Jorge Silveira, professor titular de direito penal da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo. "Se essa informação não estiver em lugar nenhum do inquérito, a defesa vai arguir que a acusação de corrupção é uma ilação vazia dos procuradores, sem qualquer fundamento". Segundo ele, vale para o caso a máxima de que "o que não está nos autos não está no mundo". Ou seja, se não houver outra fonte dessa informação, além daquela que aparece no 105
esboço de delação do ex-presidente da OAS, ela não poderá ser usada pelos procuradores caso Lula venha a se tornar réu na Lava Jato em Curitiba. O juiz federal Sergio Moro terá que decidir na próxima semana se aceita ou não a denúncia dos procuradores. OUTRO LADO Os procuradores da Lava Jato em Curitiba não quiseram comentar qual a fonte da acusação segundo a qual a suposta propina paga a Lula era descontada do suborno que o PT recebia por obras da Petrobras. A reportagem da Folha enviou mensagens para Deltan Dallagnol e Roberson Pozzobon, mas não obteve respostas. A Folha enviou o mesmo questionamento para a assessoria de imprensa do Ministério Público Federal. A resposta foi que os procuradores não atenderam jornalistas nesta semana e não abririam uma exceção para a reportagem da Folha. A defesa do ex-presidente Lula diz que não há prova alguma de que ele tenha sido beneficiado por desvios da Petrobras. Os advogados também negam que o tríplex seja ou tenha sido do expresidente. Colaborou WÁLTER NUNES, de São Paulo
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