■■ Índice
prefácio ......................................................................................................
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introdução ............................................................................................
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a selva urbana as cidades são o lar de inúmeros animais bravios ................... 10 cidades selvagens ....................................................................................... 10 criaturas com penas ................................................................................... 12 espreitar os passarinhos ............................................................................ 13 mamíferos furtivos ....................................................................................... 17 vizinhos rastejantes ..................................................................................... 18 multidões fervilhantes ................................................................................ 20 agruras da vida citadina ........................................................................... 21
últimos uivos O maior carnívoro português ............................................................... 24 retrato de um predador ........................................................................... 24 seres sociais .................................................................................................... 26 o que vem à rede é… carne ................................................................... 28 mata que é lobo! .......................................................................................... 29 territórios lobeiros ....................................................................................... 30 luta pela sobrevivência ............................................................................. 31 crendices populares ................................................................................... 36
esculturas da natureza Orquídeas selvagens portuguesas correm perigo .................... 38 plantas recentes ............................................................................................ 38 flores de faz‑de‑conta ............................................................................... 39 dispersar o pólen ......................................................................................... 40 uma estranha sedução .............................................................................. 40 palmilhar os campos ................................................................................... 42
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geografia das orquídeas portuguesas ............................................... 44
residentes euro‑asiáticos ......................................................................... 94
orquídeas em casa ...................................................................................... 46
convivência difícil ........................................................................................ 96 espécies autóctones migradoras .......................................................... 100
caça ao cogumelo
preciosidades a preservar ......................................................................... 102
Espécies em risco devido à apanha desregrada ........................ 48
ameaças e conservação ............................................................................ 104
flores ou frutos? ........................................................................................... 48 assalto aos cogumelos .............................................................................. 51 o gostinho da floresta ............................................................................... 51 pitéus apetecíveis ......................................................................................... 54
espreitar os peixes ....................................................................................... 107
invasoras silenciosas As plantas exóticas infestam portugal ............................................ 108
apanha insustentável ................................................................................. 56
intrusas e invasoras ...................................................................................... 109
cuidado com os venenosos! ................................................................... 58
alienígenas invadem portugal ............................................................... 110 estrangeiras à porta de casa ................................................................... 112
vigilantes do ambiente
cortar o mal pela raiz ................................................................................. 114
Os líquenes como inspetores da poluição .................................... 60
prevenir é o melhor remédio .................................................................. 116
manchas vivas ................................................................................................ 62 inspetores da qualidade do ar ............................................................... 63
na nossa mão ................................................................................................ 122 mapear as plantas alienígenas ............................................................... 122
diz‑me que líquenes vês... ....................................................................... 70
vegetais gigantes
meça você mesmo ....................................................................................... 71
O mundo fascinante das árvores ........................................................ 124
olha o passarinho! Mais de 500 espécies de aves em portugal ........................... 72
viver como vegetal ...................................................................................... 126 animais sem pernas .................................................................................... 126 seres autotróficos ........................................................................................ 129
primeiras imagens ........................................................................................ 73
fábricas de alimento .................................................................................. 133
colecionar espécies .................................................................................... 76
o céu é o limite ............................................................................................. 134
passeios ornitológicos ................................................................................ 77
evolução das árvores .................................................................................. 136
diversidade alada ......................................................................................... 80
árvores lusas ................................................................................................... 138
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aves raras ......................................................................................................... 82 decifrar os nomes ........................................................................................ 86
majestosos herbívoros
espreitar a passarada ................................................................................. 86
Ainda há grandes mamíferos nos bosques portugueses ...... 142
onde procurar? ............................................................................................. 88
guerra dos peixes Espécies exóticas invasoras ameaçam as nativas ...................... 90
Mamas e pelos .............................................................................................. 142 Galactífagos lusitanos ................................................................................ 143 Grandes comilões de erva ....................................................................... 144 História com final feliz ................................................................................ 148
à boleia da malária ...................................................................................... 90
Hábitos fossadores ...................................................................................... 152
imigrantes americanos ............................................................................... 92
Cavalo bravo das montanhas .................................................................. 152
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■■ Prefácio
O meu primeiro contacto com o Jorge Nunes foi em 2009, quando a editora do seu livro Litoral Português – 25 Percursos a Pé, me enviou um exemplar. Achei a obra muito inte‑ ressante e, sobretudo, fiquei intrigado com a história sobre as colónias de camaleões do Algarve. Contactei a editora e obtive autorização do autor para reproduzir esse capítulo na Super Interessante. Depois, já não sei se foi ideia minha ou dele, o Jorge começou a escrever todos os meses na revista, até que as circunstâncias obrigaram a uma interrupção, em 2018. Ou seja, terá publicado cerca de cem artigos sobre diversos temas, mas sobretudo virados para as duas áreas que lhe são mais queridas: a biologia e o ambiente. São alguns des‑ ses artigos (e dois capítulos originais), devidamente atuali‑ zados e com novas fotografias, que dão forma ao livro que tem nas mãos. Quando dizemos “ambiente”, é como se fosse qualquer coisa que começa logo a seguir à nossa pele, como se nós não fôssemos, também, parte do ambiente, isto é, da nature‑ za. Além de sermos “naturais” (por oposição a “artificiais”), também somos natureza. Quando ameaçamos o ambiente, isto é, a natureza, ameaçamo‑nos a nós próprios, aos nos‑ sos filhos e aos filhos deles: não é só porque tornamos mais problemáticas as condições em que nós e os vindouros vão viver; é porque tanto nós como esses que nos seguirem na Terra também são o ambiente, a natureza que estamos a destruir. Este é um dos motes que animam o Jorge e que está bem patente em Descobrir Portugal Natural. Outro mote do autor deste livro é a sua paixão pelos bichos e pelas plantas (e algas, e líquenes, e fósseis…). Deem‑lhe uma praia e ele vê um jardim zoológico. Levem‑no
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aos penhascos da fronteira e ele começa a apontar os ninhos
conheço, pela sua escrita, é uma pessoa focada nos por‑
das aves de rapina. Subam com ele à serra da Estrela, ao topo
menores, obcecada em fornecer informação rigorosa e
mesmo da serra da Estrela: é capaz de dar uma vista de olhos
fascinada com o mundo maravilhoso que nos rodeia. Tenho a
à paisagem grandiosa, mas passado um momento anda de
certeza de que o leitor partilhará esta minha opinião quando
rastos à procura de lagartos. Corre o país de norte a sul e de
chegar ao fim do livro, e garanto‑lhe que não será o mesmo
leste a oeste para fotografar um animal que ainda não tem no
quando o terminar: nunca mais verá com os mesmos olhos o
arquivo, uma planta que lhe faltava no herbário digital.
céu, o chão ou uma simples poça de água.
Não quero alongar‑me, até porque este é o livro do Jorge
A nota final é que tenho pena de que haja tantos arti‑
sobre o Portugal natural, não o meu livro sobre o Jorge, por
gos interessantes que não foi possível incluir neste volume.
isso terminarei com umas notas pessoais.
Espero que possa haver mais livros assim. Material não falta!
A primeira é que aprendi muito com os artigos do Jorge, alguns dos quais são recuperados nesta obra. Por exemplo,
Carlos Madeira
nunca tinha compreendido verdadeiramente que os jardins (qualquer jardim ou quintal, por pequeno que seja) são uma selva. É claro que todos sabemos isso, num recanto profun‑ do do nosso cérebro, mas é preciso um entusiasta para ir buscar esse conhecimento difuso e colocá‑lo à frente dos nossos olhos: “Vês?” Pela mesma ordem de razões, devo ao Jorge a consciên‑ cia de que há uma extraordinariamente variada fauna urba‑ na, mesmo em grandes cidades como Lisboa ou o Porto, e que as nossas casas alojam inúmeras criaturas que ignora‑ mos, algumas das quais nos prestam serviços impagáveis,
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outras com histórias que remontam ao tempo dos dinossau‑ ros. Poderia acrescentar esta lista, mas deixo ao leitor o pra‑ zer de descobrir essas surpresas página a página. A segunda nota é que só conheço o Jorge pelo que ele escreve e escreveu. Por isso, estamos em pé de igual‑ dade, eu e os leitores. Nunca vi o autor deste livro, nunca nos encontrámos, nunca sequer falámos ao telefone. O que
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■■ Introdução
Ainda criança, deixei‑me enfeitiçar pelas cores e formas
extraordinariamente belas que se escondem no mundo natural. Julgo que tudo terá começado ainda durante a meninice campestre, quando as plantas e os animais sil‑ vestres moravam paredes‑meias e participavam em muitas das minhas brincadeiras (no início, como vítimas indefesas e, mais tarde, como tesouros valiosos aos quais dedicava horas de estudo e contemplação). Quando há mais de duas décadas comecei a palmilhar o território português, de máquina fotográfica ao pescoço e bloco de notas na mão, estava longe de imaginar como seria prazenteira essa viagem. Descobri, por exemplo, que os mexilhões não vivem apenas no mar e que há plantas que inverteram a ordem natural das coisas e “comem” animais. Encontrei seres qua‑ se imortais, como os tardígrados, e outros, como as algas e os fungos, que se tornaram companheiros inseparáveis e eficazes vigilantes da poluição atmosférica. Ao longo dos anos, conheci uma multidão fervilhante de pequenas criaturas, quase esquecidas, que pareciam saídas de filmes de ficção científica e majestosas aves e mamíferos, mal‑amados, que se viram obrigados a fugir do Homem para sobreviverem. Com tudo o que vi e ouvi, senti‑me demasiado peque‑ no perante a grandeza, a complexidade e as curiosidades do mundo natural. Afinal, Portugal tem uma diversidade biológica verdadeiramente impressionante e há muito para descobrir nas paisagens portuguesas. Embora vivamos, hoje, num mundo onde o acesso à infor‑ mação está banalizado – o Google sabe tudo –, possuímos
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uma incipiente literacia científica e ambiental e um fraco (e
Super Interessante, remodelados e atualizados, e com
deturpado!) conhecimento do nosso património natural –
novas imagens, cuidadosamente selecionadas do meu vas‑
testemunhos encontrados nos artigos sobre o lobo‑ibérico
to acervo fotográfico, este livro inclui novos artigos com‑
e os cogumelos são bons exemplos disso.
pletamente originais que vêm enriquecer o conjunto de
Por isso, o educador, que sempre viveu dentro de mim,
temas nele abordado.
afligiu‑se e decidiu arregaçar as mangas e dar um contri‑
Os textos e as imagens resgatados nesta obra pode‑
buto enérgico para a divulgação do património natural
rão, assim, perdurar para lá da sua existência efémera nas
português. Foi assim que os meus registos, tanto escritos
páginas de uma revista. Ficam deste modo disponíveis
como visuais, começaram a sair das gavetas e das pastas
para serem lidos e relidos pelos meus fiéis leitores (a quem
do computador e a converter ‑se, progressivamente, em
também estou e estarei eternamente grato) e por todos
reportagens, artigos e livros.
aqueles que, tal como eu, há muito se apaixonaram pela
Fi‑lo porque acredito na ideia difundida pelo ambienta‑ lista senegalês Baba Dioum de que apenas valorizamos e conservamos o que conhecemos. Assim, considero que o
Natureza. O livro que agora chega às mãos dos leitores é, pois, o espelho de duas décadas a descobrir Portugal natural.
conhecimento e a proteção dos valores naturais são pedras basilares da sustentabilidade: a biodiversidade presta ser‑ viços imprescindíveis aos ecossistemas e, consequente‑
Jorge Nunes
mente, à humanidade. Mas, afinal, o que é a biodiversidade? Será que conhe cemos as nossas espécies animais e vegetais mais emble‑ máticas? Saberemos os valiosos serviços que nos prestam, as ameaças a que estão sujeitas e as medidas de conserva‑ ção que exigem?
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Esta obra propõe‑se observar o meio natural com outros olhos, divulgando, ao longo de vários artigos temáticos, o nosso vastíssimo espólio natural, onde se encontram algu‑ mas preciosidades biológicas que vale a pena conhecer e preservar. Baseado em artigos que foram publicados, ao longo dos últimos anos, na revista mensal de divulgação científica
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Céus urbanos. No azul celeste passeiam‑se diversas aves, como os andorinhões. Em Lisboa, nidificam duas espécies: o andorinhão‑preto, que ocupa preferencialmente as zonas mais modernas, e o andorinhão‑pálido, que é mais abundante nas áreas antigas da Baixa e do Bairro Alto. O andorinhão‑preto também é presença habitual em muitas outras cidades portuguesas, como Viana do Castelo, Porto, Vila Real, Bragança, Coimbra, Leiria, Guarda, Évora e Portalegre. Já o andorinhão‑pálido pode ver‑se em Aveiro, Castelo Branco, Setúbal e Faro.
interessantes, além dos pardais, pombos e das gaivotas que
amiúde nos telhados os rabirruivos ‑pretos, as andorinhas
são omnipresentes nos céus citadinos. Entre as mais comuns,
‑dos‑beirais e as andorinhas‑das‑chaminés, entre outras.
contam‑se os andorinhões. Segundo Gonçalo Elias, “em Lis‑
Por oposição às áreas edificadas, geralmente mais pobres
boa nidificam duas espécies: o andorinhão‑preto, que ocupa
em avifauna, os parques, jardins e espaços verdes acolhem
preferencialmente as zonas mais modernas, e o andorinhão
uma vasta variedade de seres alados, sobretudo passerifor‑
‑pálido, que é mais abundante nas zonas antigas da Baixa e
mes. São vulgares as lavandiscas, os melros, os chapins, os
do Bairro Alto; ambos nidificam nos buracos dos edifícios, por
chamarizes, os verdilhões, os pintassilgos, as felosas, as carri‑
vezes sob as telhas”. O andorinhão‑preto, contudo, é pre‑
ças, as toutinegras‑de‑barrete‑preto, os piscos‑de‑peito‑ruivo,
sença habitual em muitas outras cidades portuguesas, como
os cartaxos e as trepadeiras, de um vasto rol de muitas outras.
Viana do Castelo, Porto, Vila Real, Bragança, Coimbra, Leiria,
Se essas zonas tiverem espelhos de água naturalizados, tal
Guarda, Évora e Portalegre. Já o andorinhão‑pálido, carac‑
como acontece nos jardins da Fundação Calouste Gulbenkian,
terizado pela sua coloração acastanhada, pode ver ‑se em
em Lisboa, ou no Parque da Cidade, no Porto, então é fácil
Aveiro, Castelo Branco, Setúbal e Faro. Ainda nessas zonas
encontrar galeirões, galinhas‑de‑água, patos, guinchos, gaivo‑
das cidades, onde dominam as catedrais de betão, surgem
tas, guarda‑rios, mergulhões‑pequenos e garças‑reais.
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Pescador citadino. Apesar do seu nome, que aponta para cursos de água, o guarda‑rios também surge nas proximidades de águas paradas, como os lagos urbanos, onde raramente passa despercebido. Afinal, falamos de uma das mais coloridas e encantadoras aves portuguesas, que pode ser facilmente reconhecida pelo dorso e asas azuis e pelo peito e ventre laranjas.
Nos campos baldios, também podem ver ‑se peneirei‑ ros (em Lisboa, nidificam desde 1995 nos respiradouros das fachadas da Torre do Tombo), águias‑de‑asa‑redonda, fuinhas‑dos‑juncos, petinhas‑dos‑prados e garças‑boieiras. Nas áreas florestais e nos pequenos bosques, serão ainda habituais os gaios, as rolas‑comuns, os estorninhos‑pretos, as estrelinhas, os tentilhões, os pombos‑torcazes, os pica‑paus, as pegas‑rabudas e as poupas. Como aves rapinas noturnas, raramente vistas, mas frequentemente escutadas, destacam ‑se os mochos‑galegos e as corujas‑das‑torres. As cidades ditas “ribeirinhas”, assim chamadas por serem banhadas por rios ou ribeiras, que são a larga maioria no nosso país, oferecem outro atrativo ornitológico: as aves aquáticas, além das que surgem habitualmente nos peque‑ nos lagos existentes nos espaços verdes. As que se localizam nas margens dos grandes estuários, tal como acontece com Caminha, Viana do Castelo, Porto, Aveiro, Lisboa, Setúbal e Faro, constituem mesmo verda‑ deiros santuários ornitológicos. Entre as aves mais comuns nessas zonas húmidas, contam‑se as gaivotas (são muitas e © Lidel – Edições Técnicas, Lda.
diversificadas as espécies que se “escondem” sob tão lata designação, sendo as mais vulgares o guincho e a gaivota ‑de‑asa‑escura), as andorinhas‑do‑mar, os corvos‑marinhos, as garças‑brancas‑pequenas, os maçaricos‑das‑rochas, os pilritos, os ostraceiros e as rolas‑do‑mar. Na zona do Parque das Nações, em Lisboa, surgem, ocasionalmente, flamingos e colhereiros e várias espécies de patos. No estuário do
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Cantora. Nos dias mais quentes, embora difíceis de descortinar, camufladas nos troncos e nos ramos das árvores, as cigarras brindam‑nos com os seus cantos estridentes e inconfundíveis.
como poderá tirar melhor partido dos diferentes habitats das urbes, mesmo quando escasseiam os espaços verdes e os refúgios nas edificações modernas. O exemplo mais notório é o dos peneireiros: embora estivessem habituados a fazer as suas posturas em rochedos e falésias, rapidamente descobriram que os terraços, as varandas e os parapeitos dos grandes edifícios urbanos são uma excelente alternati‑ va. Indiferentes ao bulício citadino, tornaram‑se uma presen‑ ça habitual nos céus de várias cidades, com destaque para Lisboa, onde são relativamente comuns. Jardins e parques públicos são hoje importantes reserva‑ tórios de vida selvagem. Além de alindarem com a sua pre‑ sença a frieza arquitetónica das cidades, alguns dos bichos bravos que aí vivem contribuem, com a sua ação polinizadora (é o caso de muitos insetos, como as abelhas e borboletas), para colorirem os campos e jardins. Outros, livram‑nos da presença incómoda de ratos, pombos e pardais (consumidos essencialmente por aves de rapina) e insetos (aniquilados principalmente por morcegos, passeriformes, répteis e anfí‑ bios), evitando que se tornem pragas incontroláveis. Por isso, não nos podemos esquecer de que também nas cidades as relações predador‑presa, em que as diferentes populações exercem controlo umas sobre as outras, contribuem para o equilíbrio dinâmico e sustentável do ecossistema. Quando a meteorologia convidar para longos e refrescan‑ tes passeios nos parques e jardins citadinos (em alguns, até já existem painéis informativos que alertam os utilizadores para a diversidade da fauna e flora aí existentes), mantenha‑se atento, pois nunca se sabe quando poderá ser surpreendido por um dos muitos bichos que fazem parte da selva urbana. O melhor é ter sempre a câmara fotográfica ou o telemóvel à mão.
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Território de lobos. Outrora, o seu uivo percorria o país de norte a sul. Hoje, as regiões mais recônditas e montanhosas a norte do Douro são o seu principal, e quase único, refúgio. Mas mesmo aí continua a viver acossado, tentando passar despercebido e evitando a todo o custo o contacto com os humanos.
risco a sua preservação: de quando em vez, os lobos famin‑
de indemnizações quando os animais estiverem guardados
tos atacam animais domésticos e rebanhos, provocando
por pastores e com um cão por cada 50 cabeças de gado
prejuízos que motivam a revolta das populações e a atenção
ou quando mantidos em locais que os confinem”, lê‑se na
dos órgãos de comunicação social.
legislação), quando os ataques imputados ao lobo são, afi‑
Do ponto de vista legal, não se justifica tanto alarido,
nal, cometidos por matilhas de cães assilvestrados, logo,
uma vez que a legislação que visa a proteção do lobo prevê
não passíveis de indemnização, ou quando os processos
indemnizações (têm sido gastos cerca de 700 mil euros por
indemnizatórios se arrastam em teias burocráticas que fazem
ano) pelas perdas resultantes dos ataques lupinos. O pro‑
desesperar os lesados. Nesses casos, as comunidades preju‑
blema agudiza‑se quando os proprietários são negligentes
dicadas tentam fazer justiça pelas próprias mãos, perseguin‑
no resguardo dos seus animais (“só há lugar a pagamento
do o lobo (caçando‑o ou envenenando‑o) ao arrepio da lei.
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Assaltos fortuitos. O ataque a rebanhos e animais domésticos só acontece em último recurso e porque o homem matou as presas naturais do lobo.
Uma forma curiosa de tentar apaziguar os conflitos tem
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sido através do Projeto Cão de Gado, lançado em 1994 pelo
com o projeto, liderado pelo professor Petrucci ‑Fonseca, galardoado com o Prémio BES Biodiversidade 2010.
Parque Natural de Montesinho. Tratava‑se de uma iniciativa
Além da perseguição humana, outras causas silenciosas,
que visava a oferta e utilização, pelos criadores de gado, de
como a destruição do habitat e a fragmentação do território,
cães apropriados para a defesa dos rebanhos contra os ata‑
têm contribuído igualmente para acentuar o desaparecimen‑
ques de lobo. Desde 1996, passou a ser uma iniciativa promo‑
to do lobo em Portugal. Um bom exemplo são os incêndios,
vida igualmente pelo Grupo Lobo, que tem comprado cães
que todos os anos calcinam vastas áreas de mato e floresta,
das raças CastroLaboreiro e Serra daEstrela para oferecer aos
degradam o habitat, destroem locais de criação e refúgio e
pastores (já foram dados mais de 230 cães). Tanto os pastores
expulsam as suas presas. O mesmo acontece com os parques
como os mentores da iniciativa têm demonstrado satisfação
eólicos, que passaram a ser um lugar‑comum nas cumeadas
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sexual, baseadas sobretudo na aparência dos seus tubércu‑ los. A forma do par de tubérculos das plantas pertencentes ao género Orchis, semelhante aos testículos humanos, pare‑
Forma caprichosa. Os cientistas chamam‑lhe Ophrys scolopax, mas o povo conhece‑a por flor‑dos‑passarinhos. Esta surge em terrenos incultos e relvados húmidos, de março a junho.
ce ter estado na origem etimológica da palavra “orquídea” e ter sido a principal causa para que várias espécies tivessem
também ao desenvolvimento de processos peculiares de
passado a constar nos receituários afrodisíacos da medicina
germinação, que envolvem a simbiose com determinados
popular, já mencionados por Teofrasto (372-287 a.C.).
fungos, formando endomicorrizas.
Inúmeras orquídeas têm sido subtraídas ao seu habitat
A polinização por insetos específicos e a associação das
natural com a convicção infundada de que ajudam a ultra‑
sementes a determinados fungos são fenómenos raros e
passar algumas dificuldades sexuais. Há quem acredite que
aleatórios. Assim, as orquídeas produzem um número infin‑
os tubérculos administrados com o leite aumentam o vigor
dável de sementes, de modo a aumentar a probabilidade
do coito ou que o seu consumo antes do ato sexual determi‑
de esses fenómenos ocorrerem, garantindo a perpetuação
nará o sexo da criança (o tubérculo maior levará à conceção
da espécie. O satirião ‑bastardo (Dactylorhiza caramulen-
de rapazes, o menor à de raparigas). Mas as crenças afro‑
sis), endemismo português que surge em algumas locali‑
disíacas não se ficam apenas pela ingestão dos tubérculos,
zações dispersas a norte do Mondego, produz em média
pois, em muitas regiões, também são escondidos na roupa
6200 sementes por cápsula e pode ter até 30 cápsulas ao
interior como amuletos de fertilidade.
mesmo tempo. Uma só planta desta espécie poderá produ‑ zir mais de 186 mil sementes. Se a totalidade germinasse,
Dispersar o pólen
bem como todas as produzidas pelos seus descendentes,
Consideradas verdadeiras obras ‑primas da Natureza, as
as plantas daí resultantes cobririam toda a Terra em apenas
orquídeas suscitaram desde sempre a paixão dos homens.
quatro gerações!
Belas e sumptuosas, a sua reprodução manteve ‑se em segredo durante largo tempo.
As orquídeas são ainda detentoras de vários recordes dignos de registo. Apresentam as sementes mais peque‑
O facto de as orquídeas possuírem o pólen agrupado em
nas do reino vegetal (com 0,5 mm de comprimento e 10
sacos designados “polinídias”, ao contrário do que aconte‑
microgramas de peso) e, como se não bastasse, produzem
ce com maioria das plantas, em que o pólen se assemelha a
também o maior número de sementes: uma única orquídea
pó, impossibilita o seu transporte pelo vento e exige que a
tropical americana da espécie Cycnoches chorochilon chega
sua dispersão se faça através de animais, geralmente insetos
a produzir 3,77 milhões de sementes.
(abelhas, moscas, vespas, escaravelhos e borboletas), ara‑ nhas, aves (colibris) e mamíferos (ratos).
Uma estranha sedução
Os animais polinizadores, responsáveis pelo transporte
A atração de insetos pelas flores é um fenómeno bastan‑
das polinídias de flor para flor, são, regra geral, específi‑
te comum na Natureza. Para atrair os seus polinizadores,
cos de determinada espécie de orquídea. Para além desta
que transportarão o pólen de uma flor para outra, as plan‑
estreita relação com o inseto polinizador, de que depende
tas recorrem a vários truques, como o uso de cores vivas e
a sobrevivência da planta, a total ausência de reservas nutri‑
de odores inebriantes. As orquídeas, no entanto, apuraram
tivas (endosperma) nas suas minúsculas sementes obrigou
esse poder de sedução para lá do que se poderia imaginar.
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Invernante ubíquo. O lugre, também conhecido por “pintassilgo‑verde”, tem a plumagem amarela e preta e apresenta o bico cónico, característico das aves granívoras. Costuma visitar‑nos durante o inverno, formando, amiúde, bandos numerosos.
em sentido contrário, geralmente em agosto e setembro, de regresso a África: por exemplo, o papa‑moscas‑preto (Ficedula hypoleuca) e o chasco‑cinzento (Oenanthe oenanthe). Se muitas aves são comuns e de fácil observação, outras há que constituem autênticas raridades. Este termo orni‑ tológico, no entanto, não se aplica às espécies raras ou em vias de extinção, mas usa‑se para referir as que apare‑ cem esporadicamente em Portugal, ou seja, que surgem fora da sua área normal de ocorrência. Pela sua especifi‑ cidade, estas observações estão sujeitas a homologação pelo Comité Português de Raridades: um grupo de peritos que existe desde 1995 e analisa os registos enviados pelos observadores. Este órgão faz parte da Sociedade Portu‑ guesa para o Estudo das Aves (SPEA), uma ONG sem fins lucrativos que se dedica ao estudo e à conservação das aves e dos seus habitats. Até ao momento, esta entidade já confirmou a ocorrência de 146 “raridades” em território continental. Como se vê, precisaríamos de muito mais páginas, por‑ ventura até de vários livros, para falar de toda a nossa rica avifauna, das suas características, singularidades e curiosi‑ dades. Com o espaço a findar, lançamos o desafio: está na hora de pegar nos binóculos e partir à descoberta dos pas‑ sarinhos portugueses.
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Preciosidade. Embora pareçam iguais a tantos outros, estes peixes são especiais: existem apenas em algumas ribeiras da bacia hidrográfica do Guadiana e encontram‑se na lista dos mais ameaçados do mundo (estatuto de conservação: “criticamente em perigo de extinção”). O povo chama‑lhes “saramugos”, “bordalitos” ou “pardelhas”, mas o zoólogo austríaco Franz Steindachner batizou‑os em 1886 com o nome científico Anaecypris hispanica. Com apenas sete centímetros de comprimento, o saramugo é o representante mais pequeno da família dos Ciprinídeos (que inclui os barbos, as bogas, os escalos, a carpa e o pimpão, entre outros).
num plano de ação específico (Plano de Ação do Saramugo, que decorre desde 2012). De entre as cinco espécies de barbos indígenas da Penín‑ sula Ibérica, quatro são consideradas raras. Estas últimas ocorrem todas na bacia do Guadiana, embora o barbo ‑focinheiro também possa ser encontrado no Tejo e o barbo ‑do‑sul no Mira e em algumas bacias do Algarve. Quanto ao barbo‑do‑norte, não se encontra ameaçado e é muito comum, ocorrendo em todas as bacias hidrográficas, à exceção das do Mira e do Guadiana e das ribeiras algarvias. Também as quatro espécies de bogas são todas exclusivas da Ibéria, três das quais consideradas raras (boga‑portuguesa, boga‑de‑boca‑arqueada e boga‑do‑Guadiana). Quer a boga‑de‑boca‑arqueada quer a boga‑do‑Guadiana vivem principalmente naquele grande rio do sul, onde são pouco abundantes e parecem estar em regressão. Ameaças e conservação
Todos os peixes de água doce, em especial as espécies con‑ sideradas ameaçadas, estão sujeitos a inúmeros fatores que põem em causa a sua sobrevivência: poluição resultante de descargas de efluentes não tratados de origem industrial, urbana e pecuária, assim como a provocada pela utilização de pesticidas e fertilizantes na agricultura; sobre‑exploração
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Fábricas de alimento. Nas árvores, as folhas são verdadeiras fábricas de alimento (matéria orgânica), porque são os principais órgãos fotossintéticos. De um modo geral, todas possuem cloroplastos (cada célula pode conter 50, enquanto que num milímetro quadrado de folha podem encontrar‑se 500.000), organelos celulares delimitados por uma dupla membrana, em que a mais interna se invagina formando sáculos: os tilacoides. Na superfície destes tilacoides, encontram‑se enzimas e pigmentos fotossintéticos, como as clorofilas a e b e carotenoides (xantofilas e carotenos), encarregados de captar a luz solar e de a transformar em energia química. Assim, a fotossíntese permite‑lhes gerar o seu próprio alimento e libertarem oxigénio, que se vai acumulando na atmosfera.
O solo é, assim, importante para suprir os vegetais com fatores de crescimento, para permitir o desenvolvimento e a fixação de raízes e para possibilitar o movimento de nutrien‑ tes minerais, de água e de ar, através das superfícies radicu‑ lares. Contudo, é possível cultivar plantas sem utilizar solo: são as chamadas “culturas hidropónicas”. Neste caso, usam ‑se meios inertes (gravilha, areia, serradura, perlite ou vermi‑ culite, entre outros) ou simplesmente água (considerado o meio hidropónico por excelência). Maribela Pestana e Pedro Correia, professores da Universidade do Algarve, esclare‑ cem que, qualquer que seja o sistema (substrato sólido ou líquido), haverá sempre necessidade de adicionar uma solu‑ ção que contenha todos os elementos nutritivos essenciais ao desenvolvimento da planta. As plantas formam e mantêm as suas estruturas celula‑ res, crescem e reproduzem‑se de acordo com os elementos minerais que encontram no solo. O fósforo, por exemplo, é um elemento químico que surge como constituinte de compostos orgânicos (ácidos nucleicos, enzimas, fosfolí‑ pidos e ATP). Ora, como a molécula de ATP é a fonte de
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energia para as células, quando o fósforo escasseia no solo,
plantas, torna‑as bastante semelhantes na estrutura, ainda que
desenvolvem‑se áreas necróticas (mortas) nas folhas e reduz
possam ser extremamente diferentes na forma. De um modo
‑se o crescimento caulinar e radicular, uma vez que as células
geral, todas possuem cloroplastos (cada célula pode conter
não dispõem de energia para realizarem o seu metabolismo.
50, enquanto que num milímetro quadrado de folha podem
A deficiência deste elemento pode ser percebida quando as
encontrar ‑se 500.000), organelos celulares delimitados por
folhas jovens surgem escuras ou verde‑azuladas e as mais
uma dupla membrana, em que a mais interna se invagina for‑
velhas avermelhadas ou arroxeadas. O azoto, considerado o
mando sáculos: os tilacoides. Na superfície destes tilacoides,
principal agente de crescimento das plantas, também surge
encontram‑se enzimas e pigmentos fotossintéticos, como as
na composição dos ácidos nucleicos, além de estar presente
clorofilas a e b e carotenoides (xantofilas e carotenos), encar‑
noutros importantes compostos orgânicos, como a clorofila
regados de captar a luz solar e de a transformar em energia
e as proteínas. Assim, a falta de compostos azotados absor‑
química. Os tilacoides encontram‑se mergulhados numa matriz
víveis no solo retarda o crescimento e leva à clorose foliar
semifluida, o estroma, no qual podem surgir grânulos de ami‑
(amarelecimento das folhas), entre outras mazelas.
do, gotículas lipídicas e ribossomas, e que é o local onde ocor‑ rem as reações fotossintéticas independentes da luz.
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FÁBRICAS DE ALIMENTO
A fotossíntese é um processo muito complexo, que
Os primeiros organismos simples dos quais descendem as
compreende duas fases complementares: a fase fotoquí‑
plantas atuais apareceram, nos oceanos primitivos, há cerca
mica (cujas reações dependem diretamente da luz), ao
de 3000 milhões de anos. Eram constituídos por uma única
nível dos tilacoides, em que a energia luminosa absorvida
célula, semelhante à das atuais bactérias, com uma capaci‑
pelos pigmentos é transformada em energia química (que a
dade ímpar: conseguiam fazer fotossíntese, ou seja, gera‑
planta utilizará como “combustível”, na fase subsequente),
vam o seu próprio alimento e libertavam oxigénio, que se foi
libertando‑se oxigénio proveniente das moléculas de água;
acumulando na atmosfera.
e a fase química (não dependente diretamente da luz), ao
Apesar de esses seres bacterianos fotossintéticos ainda
nível do estroma, em que o dióxido de carbono é fixado e,
existirem na atualidade e continuarem a encher a atmosfe‑
em consequência de uma série de reações cíclicas, ocorre a
ra de oxigénio, é nas plantas superiores que se encontram
produção das moléculas orgânicas, como a glicose. Vale a
organelos celulares (cloroplastos) e órgãos (folhas) especia‑
pena destacar que a fotossíntese existe com este propósito
lizados na realização da fotossíntese. Recorde‑se que, nas
e não para produzir oxigénio, como se ouve dizer amiúde.
bactérias, os pigmentos fotossintéticos (bacterioclorofila) e
Graças à fotossíntese, as plantas conseguem produzir
as enzimas se encontram em expansões da membrana plas‑
o seu alimento (matéria orgânica) simplesmente a partir
mática ou em singelas lamelas internas, tal como acontece
de energia luminosa, dióxido de carbono e água. Embora
nas cianobactérias (que possuem como pigmentos, além
se considere a glicose (um açúcar simples) como produto
das ficobilinas, a clorofila a).
final da fotossíntese, na verdade, são também sintetizados
Nas plantas, as folhas são verdadeiras fábricas de alimento
outros compostos orgânicos, sobretudo a partir de substân‑
(matéria orgânica), porque são os principais órgãos fotossinté‑
cias intermediárias do ciclo de Calvin (que ocorre na fase
ticos, ainda que, por vezes, a tarefa possa também ser parti‑
química), como aminoácidos, que farão parte das proteínas,
lhada pelos caules. Esta missão, comum às folhas de todas as
e os ácidos gordos e o glicerol, que irão originar os lípidos.
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