Leitura e Educação Literária

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Esta obra, produzida com a colaboração de especialistas nacionais e estrangeiros, inclui 10 capítulos e percorre os vários aspetos da Educação Literária, propondo ideias e estratégias práticas para a formação de leitores, na linha daquilo que é explicitado pelo Programa e Metas Curriculares dos Ensinos Básico e Secundário. Adequa conceitos teóricos ao público-leitor, apresentando sistematizações frequentes e sugerindo diversas ideias práticas. Pela sua natureza, modo de estruturação e temáticas abordadas, Leitura e Educação Literária é uma obra com interesse para Educadores de Infância, Professores de Língua Portuguesa dos Ensinos Básico e Secundário, bem como para alunos de Mestrados em Ensino do Português, em Educação Pré-Escolar e em Ensino dos 1.º e 2.º Ciclos do Ensino Básico. C

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Leitura e Educação Literária

A promoção da Educação Literária exige do mediador de leitura – seja o docente, o bibliotecário escolar, um familiar – um amor incondicional à literatura, porque o fomento de uma educação literária só é efetivo com a aproximação e a apropriação do texto literário.

17cm x 24cm

Leitura e Educação Literária Coordenação:

Leitura e Educação Literária

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Fernando Azevedo e Ângela Balça

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Coordenação:

Ângela Balça Doutora em Ciências da Educação, é Professora da Universidade de Évora, membro do Centro de Investigação em Estudos da Criança (Universidade do Minho) e colaboradora do Centro de Investigação em Educação e Psicologia (Universidade de Évora). É Coordenadora, em Portugal, da Rede Internacional de Universidades Leitoras e Professora Visitante na UNESP (Universidade Estadual de São Paulo, Brasil). Investigadora nas áreas de Literatura Infantil, Educação Literária e Formação de Leitores.

ISBN 978-989-693-057-8

9 789896 930578

Coord.: Fernando Azevedo e Ângela Balça

Fernando Azevedo Doutor em Ciências da Literatura, é Professor do Instituto de Educação da Universidade do Minho e membro do Centro de Investigação em Estudos da Criança (Universidade do Minho). Integra o Observatório de Literatura Infanto-Juvenil, bem como a Rede Internacional de Universidades Leitoras e a Comissão de Especialistas do Plano Nacional de Leitura. Investigador nas áreas de Literatura Infantil, Didática da Língua e Formação de Leitores. Autor dos livros Géneros Textuais e Práticas Educativas, Modelos e Práticas em Literacia, Formar Leitores e Língua Materna e Literatura Infantil, publicados pela Lidel.

www.pactor.pt

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Prefácio:

Literacias

Fernando Pinto do Amaral

Comissário do Plano Nacional de Leitura

Literacias

17cm x 24cm


EDIÇÃO

PACTOR – Edições de Ciências Sociais, Forenses e da Educação Av. Praia da Vitória, 14 A – 1000-247 LISBOA Tel: +351 213 511 448 pactor@pactor.pt www.pactor.pt

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Índice Os Autores........................................................................................................ VII Prefácio............................................................................................................. XI Fernando Pinto do Amaral Introdução........................................................................................................ XIII Fernando Azevedo e Ângela Balça 1. Educação literária e formação de leitores............................................. Fernando Azevedo e Ângela Balça

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2. Avaliação da leitura: Pirls 2011............................................................. 15 Luísa Araújo, Patrícia Dinis da Costa e Célia Folgado 3. Literacia familiar no Ensino Básico: competências literácitas e representações dos alunos ....................................................................... 31 Cristina Almeida Gonçalves, Maria da Graça Sardinha e Paulo Osório 4. Educação literária e mediadores. ............................................................ 49 Jorge Passos Martins e Fernando Azevedo 5. Narrativa digital: experimentar, explorar e reinventar a narrativa na geração web 2.0..................................................................................... 59 Ana Medeiros, Íris Susana Pires Pereira e Clara Pereira Coutinho 6. Didática da literatura a partir da prática. ............................................ 75 Juan de Dios Villanueva Roa 7. A leitura de literatura e a educação literária nos novos manuais de Português do 9.º ano de escolaridade...................................................... 87 António Carvalho da Silva 8. O teatro infantojuvenil na escola e o desenvolvimento das competências leitora e literária: propostas de trabalho. ...................... 105 Moisés Selfa Sastre e Fernando Azevedo

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9. Educação literária e contadores de histórias: um testemunho na primeira pessoa........................................................................................... 113 Margarida Junça (Bru Junça) 10. Pensar a cidadania hoje através da educação literária......................... 121 Ângela Balça e Fernando Azevedo Índice Remissivo. ............................................................................................... 133 V



Os Autores

COORDENADORES/AUTORES Fernando Azevedo Professor Associado com Agregação do Departamento de Estudos Integrados em Literacia, Didática e Supervisão do Instituto de Educação da Universidade do Minho (UM). Coordenador e membro da linha de pesquisa sobre Produções Culturais para a Criança do Centro de Investigação em Estudos da Criança – UM. Membro da Rede Internacional de Universidades Leitoras e da Comissão de Especialistas do Plano Nacional de Leitura. Ângela Balça Professora Auxiliar do Departamento de Pedagogia e Educação da Universidade de Évora (UE). Membro do Centro de Investigação em Estudos da Criança – Universidade do Minho (UM). Doutorada em Ciências da Educação pela UE. Coordenadora, em Portugal, da Rede Internacional de Universidades Leitoras. Professora Visitante na Universidade Estadual de São Paulo (UNESP), Brasil. Investigadora nas áreas de literatura infantil, educação literária e formação de leitores.

COAUTORES

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Luísa Araújo Professora Coordenadora do Instituto Superior de Educação e Ciências (ISEC). Doutorada em Ciências da Educação pela Universidade de Delaware, onde estudou o bilinguismo e o ensino da língua materna e de uma segunda língua. Investigadora na Unidade de Econometria e Estatística Aplicada no Joint Research Centre (JRC) da Comissão Europeia. Patrícia Dinis da Costa Investigadora na Unidade de Econometria e Estatística Aplicada do Joint Research Centre da Comissão Europeia. Doutorada pela Universidade do Minho e espeVII


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cialista em Psicometria e Estatística Aplicada, sendo que o seu trabalho foca a avaliação educacional, em particular a análise estatística de resultados de testes internacionais, como o Progress in International Reading Literacy Study (PIRLS) e Programme for International Student Assessment (PISA). Clara Pereira Coutinho Professora Auxiliar aposentada do Instituto de Educação da Universidade do Minho (UM) e investigadora do Centro de Investigação em Estudos da Criança – UM. Desenvolve investigação no âmbito da utilização educativa de ferramentas digitais de apoio ao ensino e à aprendizagem, tendo publicado dezenas de artigos em revistas nacionais e internacionais. Participa em diversos projetos nacionais e internacionais nas áreas da educação online, dos recursos educativos digitais para crianças e do digital storytelling. Juan de Dios Villanueva Roa Professor da Faculdade de Ciências da Educação da Universidade de Granada, Espanha, onde leciona Didática da Língua e da Literatura desde 2007. Previamente, lecionou em todos os níveis educativos do ensino público. Tem publicado diversos artigos sobre este tema em revistas nacionais e internacionais. Atualmente, é subdiretor da revista Investigaciones Sobre Lectura e coordenador da Asociación Española de Compreensión Lectora. Célia Folgado Professora do Ensino Básico na área de Português e Francês e Mestre em Ciências da Educação. Especializou-se em Didática da Língua Portuguesa e tem desenvolvido trabalho na área da formação de professores, tendo sido coordenadora da formação de professores dos Ensinos Básico e Secundário sobre as Metas Curriculares de Português e Matemática na Direção-Geral da Educação. Cristina Almeida Gonçalves Doutorada em Letras (Didática do Português) pela Universidade da Beira Interior (UBI) e Docente do 1.º Ciclo do Ensino Básico. Investiga no âmbito dos estudos de literacia e tem apresentado os seus trabalhos em congressos e publicações da especialidade. Margarida Junça (Bru Junça) Contadora de histórias. Licenciada em Educação de Infância pela Universidade de Évora (UE) e Pós-Graduada em Livro Infantil pela Universidade Católica Portuguesa (UCP). Criadora e autora da coleção de livros de pano para bebés “Conto por Ponto”. VIII


OS AUTORES

Jorge Passos Martins Professor do 1.º Ciclo do Ensino Básico do Agrupamento de Escolas de Vila Verde. Investigador do Centro de Investigação em Estudos da Criança – Instituto de Educação da Universidade do Minho (UM). Pós-Doutorado em Estudos da Criança (Literatura para a Infância) e Doutorado na mesma área, na UM. Tem colaborado, como consultor, em diversas obras de literatura para a infância. O contexto da sua investigação abrange: literatura para a infância e juventude, competência literária, animação e mediação leitora, hermenêutica e literacia. Ana Medeiros Doutoranda em Tecnologia Educativa na Universidade do Minho (UM), com o trabalho intitulado Engaging kids. Desde 2011, tem estudado práticas de codesign de artefactos digitais com crianças, com o objetivo de alcançar junto das crianças formas inovadoras de aprendizagem da literacia através de práticas digitais. Paulo Osório Professor Associado com Agregação da Universidade da Beira Interior (UBI), onde é Presidente do Departamento de Letras. Desenvolve investigação em Linguística Geral e Portuguesa e, ainda, em Linguística Aplicada ao Ensino de Línguas. Membro do LabCom.IFP. Presidente da Associação Internacional de Linguística do Português. Íris Susana Pires Pereira Professora Auxiliar no Departamento de Estudos Integrados de Literacia, Didática e Supervisão do Instituto de Educação da Universidade do Minho (UM). Investigadora integrada no Grupo Tecnologias, Multiliteracias e Curriculum, RG-NORTE-1661-1297, do Centro de Investigação em Educação da UM. As suas áreas de investigação centram-se na educação em língua e multiliteracias, e na formação profissional de educadores de infância e professores. É atualmente representante de Portugal na Ação COST The digital literacy and multimodal practices of young children (DigiLitEY).

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Maria da Graça Sardinha Professora no Departamento de Letras da Universidade da Beira Interior (UBI). Investigadora no LabCom.IFP. Coordenadora do 2.º Ciclo de Estudos em Ensino de Português e Espanhol. Supervisora Pedagógica. Consultora científica do Centro de Formação da Associação de Escolas da Beira Interior. Investigadora nas áreas da Cultura, Literacia e Metodologia/Didática do Português.

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LEITURA E EDUCAÇÃO LITERÁRIA

António Carvalho da Silva Professor Auxiliar no Departamento de Estudos Integrados de Literacia, Didática e Supervisão do Instituto de Educação da Universidade do Minho (UM). As suas áreas principais de investigação relacionam-se com a educação linguística e o ensino da gramática, tendo também realizado estudos diversos sobre os manuais escolares e os exames nacionais de Português. Moisés Selfa Sastre Professor da Universidade de Lérida (Espanha), onde é Coordenador do Mestrado em Educação Infantil da Faculdade de Educação. Os seus interesses de investigação centram-se na didática da leitura e da escrita, e na didática da literatura infantil e juvenil.

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Prefácio

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A LEITURA CONTRA A BARBÁRIE Não é fácil o contexto em que surge este volume. Sabemos que o ensino da literatura atravessa hoje uma certa crise, cujas raízes mergulham profundamente nas questões da sua própria legitimação, cada vez mais claudicante, digamos assim, ao longo das últimas gerações. Olhando para o caso português, fomos passando de um quadro tradicional – em que a aprendizagem da literatura se fazia em torno de grandes monumentos literários (como Os Lusíadas, os Sermões do Padre António Vieira, o Frei Luís de Sousa, ou mais recentemente Os Maias), estudados até à exaustão – para uma situação fluida em que tal estatuto se viu posto em causa até se desvanecer quase completamente, alargando-se mais o corpus de textos estudáveis no sistema de ensino e deixando de conceber esses textos como monumentos intocáveis ou referências insubstituíveis. Esta mudança – que alguns podem saudar com entusiasmo e outros tendem a lamentar com nostalgia – traduz em si mesma uma alteração social e cultural que nos leva a interrogar os mecanismos da legitimação do ensino da literatura na nossa sociedade, pouco a pouco dominada por uma visão tecnocrática do mundo, cujos parâmetros de atuação se regem por critérios de eficácia económica, aparentemente afastados desse que era o tradicional saber literário ou filológico, observado com alguma desconfiança ou condescendência, na medida em que não implica uma compensação ao nível do bem-estar material nem parece influenciar diretamente as taxas de crescimento económico. Deixando aqui uma questão a que não consigo dar uma resposta cabal – “o que se ensina quando se ensina literatura?” –, desejo sublinhar com alguma ênfase que vejo toda esta problemática a partir de um ângulo essencialmente pragmático. Como professor, estou cada vez mais convencido de que o ensino consiste, acima de tudo, numa prática exercida dia após dia no espaço da sala de aula e na relação com os alunos, sem prejuízo de elucubrações teóricas decerto interessantes, mas geralmente pouco frutíferas quando se trata de estimular nos estudantes o gosto pela leitura. XI


LEITURA E EDUCAÇÃO LITERÁRIA

Ora, na verdade, para essa prática torna-se essencial a mediação de leitura, tomando muitas vezes como base os textos literários, cujo papel creio ser insubstituível desde a infância, na medida em que detêm um valor estético mas também afetivo, transformando a leitura num ato que envolve toda a personalidade de quem lê, contribuindo para lhe provocar algum prazer ou alguma perturbação. Julgo que esta impregnação emocional reforça todo o processo de ensino/aprendizagem quer da língua, quer da literatura, acabando por jogar-se na eventual capacidade de partilhar com os outros o prazer de ler, a fruição individual decorrente do exercício concreto da leitura. Quanto a isso, será bom relembrar que o professor de língua materna – e especialmente o professor de literatura – não pode ser um mero funcionário que se limite a debitar penosamente os conteúdos programáticos sem os vivificar com a espessura da sua própria visão do mundo. Quando se trata de mediação de leitura, é fundamental não esquecer o carisma associado à figura de cada professor ou de cada professora, que deveremos assumir sem receios, utilizando as artes da retórica para cativar, para seduzir, para convencer os estudantes que temos à nossa frente. Claro que este propósito extravasa os limites da comunidade escolar, implicando também o envolvimento das famílias e de estruturas como as bibliotecas (escolares e municipais), num desígnio nacional que contribuirá, em última análise, para uma melhor aprendizagem da língua, já que alunos que sejam ao mesmo tempo bons leitores tenderão a mostrar uma maior riqueza e agilidade na expressão escrita e até na expressão oral, tornando-a mais dúctil, mais variada, mais subtil, o que estimulará igualmente o seu sentido crítico e a sua autonomia de pensamento. Tal como afirmam os Coordenadores desta obra, “é por essa via que coletivamente podemos construir uma sociedade mais solidária, mais inclusiva e capaz de responder positivamente à barbárie que, a passos largos, se parece vir a instituir no nosso horizonte mais próximo”. Tendo a obrigação ética de lutar contra essa ameaça de barbárie, a Escola pode e deve constituir um lugar de alegria e de partilha do prazer de ler, criando as condições mais propícias à eclosão desse encontro amoroso único, inesquecível e viciante que corresponde à descoberta da leitura no momento mais decisivo ou inesperado das vidas dos nossos alunos. Espero que um livro como este possa dar, a partir de agora, um excelente contributo para esse encontro.

Lisboa, abril de 2016 Fernando Pinto do Amaral Comissário do Plano Nacional de Leitura

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Introdução

A obra que aqui se apresenta tem como tema central a educação literária. Conceito estudado, trabalhado e divulgado há anos no âmbito do Ensino Superior, entrou há pouco tempo nas Metas Curriculares de Português para o Ensino Básico e, por consequência, chegou formalizado às escolas e às salas de aulas. A promoção da educação literária exige do mediador de leitura – docente, bibliotecário escolar, família – um amor incondicional à literatura, porque o fomento de uma educação literária só é efetivo com a aproximação e a apropriação do texto literário. E este texto literário vale por si, não necessitando para o seu conhecimento ou apreciação de uma panóplia de exercícios e atividades que o limitam, o desmembram, o desvirtuam, ou reduzem àquilo que ele nunca foi nem nunca será. O trabalho com o livro de literatura é a primeira condição para a promoção de uma educação literária. Em literatura nada se desperdiça e tudo pode ser portador de sentido. Deste modo, só o livro permite uma relação eficaz e frutífera entre o texto e os seus múltiplos paratextos, para que a comunicação literária de facto se estabeleça. Comunicar literariamente é permitir aos leitores que se relacionem com o texto literário e conduzam essa relação como desejarem. Educar literariamente é permitir a esses jovens que leiam ou não leiam esse texto; que gostem dele ou o detestem; que com ele construam os seus sentidos, as suas interpretações, as suas representações. Educar literariamente é possibilitar aos jovens uma reação individual, única, perante o texto literário, estabelecendo com ele uma relação de diálogo que consentirá uma relação marcada pelo prazer, pela emoção e pelo afeto.

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ORGANIZAÇÃO DOS CAPÍTULOS A obra, produzida com a colaboração de especialistas nacionais e estrangeiros, percorre vários aspetos da educação literária, propondo ideias e estratégias para a formação de leitores. O primeiro capítulo define o conceito de educação literária, explicando que a sua consecução é uma tarefa coletiva, que exige um comprometimento de vários atoXIII


LEITURA E EDUCAÇÃO LITERÁRIA

res: desde a família até à sociedade, passando, obviamente, pela escola. O capítulo encerra com uma resenha dos principais termos considerados palavras-chave neste domínio. O segundo capítulo apresenta uma análise dos resultados dos alunos portugueses no Progress in International Reading Literacy Study 2011 (PIRLS 2011), e descreve a relação entre estes e alguns preditores do sucesso na compreensão leitora, como seja a frequência de leitura partilhada em contexto familiar antes do início da escolaridade obrigatória. Contextualiza ainda os resultados de Portugal face a outros países e discute os mesmos atendendo ao que a investigação na área da literacia de leitura nos diz sobre como criar bons leitores. O referido programa é desenvolvido pela International Association for the Evaluation of Educational Achievement (IEA) de 5 em 5 anos e avalia as competências de leitura de alunos do 4.º ano de escolaridade. Portugal participou no primeiro estudo, em 1991, e só voltou a participar em 2011. Neste último ano, Portugal situou-se um pouco acima da média internacional calculada a partir dos resultados dos 49 países. Para que a educação leitora aconteça, é fulcral que o estímulo para a leitura se inicie no seio da família e se prolongue ao longo da vida escolar. É, portanto, fundamental a diversidade de projetos e atividades que promovam o gosto pela leitura: nas escolas, nas bibliotecas e noutros espaços. O terceiro capítulo, apoiado num estudo empírico, pretende contribuir para o avanço dos estudos de literacia familiar. Na ótica dos autores, a educação leitora só pode ter lugar de modo profícuo se se iniciar em contexto familiar. Assim, importa que pais e educadores funcionem como modelos de leitura, para os filhos, e que os mesmos sejam habituados, desde cedo, a contactar com produtos culturais. O domínio de uma literacia emergente é, segundo os autores, condição indispensável para um posterior domínio e êxito no uso da linguagem escrita. O quarto capítulo aborda, com detalhe, o lugar, o papel e as funções dos mediadores do livro e da leitura. Partindo da definição de mediador e das suas responsabilidades na família, na escola e na biblioteca, os autores apresentam um conjunto de estratégias práticas para a promoção de uma relação frutificante e lúdica do leitor com os textos. O quinto capítulo discute uma série de questões centrais em torno das chamadas narrativas digitais e da sua utilização em contexto escolar. Num primeiro momento, situa-se o conceito de texto narrativo na noção de pensamento narrativo, para, assim, se chegar a uma definição de narrativa digital, identificando as suas principais características e dando testemunho empírico da realidade dessas propriedades nas representações atuais de crianças pequenas, reforçando, desse modo, o conjunto de justificações para a sua presença e utilização em contexto escolar. Num segundo momento, identificam-se alguns desafios que as narrativas digitais colocam ao processo tradicional de construção de significados e exploram-se posXIV


INTRODUÇÃO

sibilidades pedagógicas, abertas pelas próprias tecnologias de informação e comunicação (TIC), para dar resposta a (e preparar para) esses desafios em sala de aula. O sexto capítulo analisa os lugares da literatura numa unidade curricular consagrada à sua didática, a funcionar na Universidade de Granada (Espanha). O autor advoga a necessidade de os futuros professores do 1.º Ciclo do Ensino Básico lerem bastante, em quantidade e em qualidade, e aprenderem estratégias didáticas para fomentar o prazer do livro e da leitura com os alunos. O capítulo expõe e justifica essas estratégias. No sétimo capítulo, António Carvalho da Silva, partindo do conceito de educação literária, analisa e discute as conceções de leitura e de ensino da literatura presentes em manuais escolares para o 9.º ano de escolaridade, articulando-as com as funções que estas desempenham nesses dispositivos pedagógicos. No oitavo capítulo, Moisés Selfa Sastre e Fernando Azevedo abordam, com propostas concretas de trabalho, o desenvolvimento das competências leitora e literária através de textos dramáticos. O teatro infantil e juvenil é um género literário que ajuda a criar e a desenvolver uma boa competência leitora e literária no aluno do 1.º Ciclo do Ensino Básico. Os autores propõem seis obras deste género dramático para trabalhar estas duas competências na aula de Língua e Literatura. A viabilidade da proposta pode ser avaliada a partir de indicadores funcionais que ajudam a verificar se o aluno é capaz de mostrar interesse na leitura, compreensão e interpretação do texto teatral. No nono capítulo, Margarida Junça (Bru Junça) aborda os lugares do contador de histórias no estímulo e desenvolvimento da educação literária. A autora reflete, na primeira pessoa, sobre o papel do contador de histórias. Através de um percurso autobiográfico, onde o amor pela leitura, a partilha e o afeto marcam presença, ilumina o mundo dos contadores de histórias e dá a perceber a contribuição destes profissionais para uma efetiva promoção da leitura e formação de leitores. No último capítulo, Ângela Balça e Fernando Azevedo propõem, a partir do referencial teórico das metodologias do Programa de Leitura Fundamentado na Literatura, divulgadas em Portugal na obra Formar Leitores: Das Teorias às Práticas (edição de 2007, da Lidel), um conjunto de percursos e de estratégias didáticas para trabalhar, em contextos educativos, a educação literária, tendo como núcleos semânticos textos literários de potencial receção leitora infantil que abordam a promoção da cidadania, a tolerância e o respeito pelo outro.

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COMO USAR ESTE LIVRO A preocupação em proporcionar uma resposta adequada e satisfatória às necessidades do leitor, seja ele um profissional ou um aluno em formação, levou a que tenha havido um elevado cuidado na seleção dos assuntos e na forma de os tratar. XV


LEITURA E EDUCAÇÃO LITERÁRIA

Procurando responder a necessidades de conhecimento e de aprofundamento de saberes e práticas, esta obra estrutura-se em capítulos não muito alongados, com sistematizações frequentes, sugestão de atividades e, quando tal se revela necessário, bibliografia essencial comentada. Por forma a assegurar uma maior acessibilidade do leitor aos conteúdos deste livro, a referência a autores ou a conceitos mencionados no texto é, sempre que se justifica, acompanhada de elementos suscetíveis de possibilitarem um aprofundamento da informação. Todas as citações originalmente em língua estrangeira foram traduzidas para português pelos Coordenadores desta edição.

DESTINATÁRIOS Pela sua natureza, modo de estruturação e temáticas abordadas, consideramos que esta obra se revelará de elevada utilidade científica e pedagógica para os professores do Ensino Básico e do Ensino Secundário em formação, bem como para todos aqueles que, encontrando-se já na prática profissional, procuram, no mercado editorial, um instrumento capaz de os auxiliar a promover, com rigor, qualitativamente e de forma integrada, a educação literária.

AGRADECIMENTOS Antes de concluirmos esta introdução, gostaríamos de deixar aqui expresso o nosso agradecimento a todos aqueles que contribuíram para a consecução deste projeto. Em primeiro lugar, à Pactor, que apostou em nós e nesta equipa para a realização deste livro. Em segundo lugar, aos Coautores, que gentilmente associaram o seu nome e os seus trabalhos a este projeto editorial. Finalmente, a todos os nossos Colegas e aos nossos Alunos que, pela constante partilha de experiências e de sugestões, nos foram ajudando a dar corpo a esta iniciativa.

Universidade do Minho e Universidade de Évora, julho de 2016

Fernando Azevedo Ângela Balça

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Educação literária e formação de leitores

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Cap.

Fernando Azevedo e Ângela Balça

O capítulo define o conceito de educação literária, explicando que a sua consecução é uma tarefa coletiva, que exige um comprometimento de vários atores: desde a família até à sociedade, passando, obviamente, pela escola. O capítulo encerra com uma resenha dos principais termos considerados palavras-chave neste domínio.

INTRODUÇÃO

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Formar leitores é, hoje, um desafio e, simultaneamente, um desígnio. Um desafio porque nós não nascemos leitores, mas tornamo-nos leitores, em função das experiências positivas e gratificantes que temos com a leitura ao longo da vida. E importa tomar consciência de que a formação de leitores não é tão-somente tarefa da escola. Formamo-nos como leitores desde o berço, na família, na escola, na biblioteca, no grupo de amigos, na sociedade, isto é, ao longo da vida. Daqui decorre a necessidade de fertilizar, com boas práticas e com experiências positivas, as atividades da leitura, ajudanProjeto pessoal de leitura: os motivos do, desde cedo, a criança a construir o seu pelos quais o leitor quer aprender a ler. projeto pessoal de leitura, ou seja, ajudá-la A definição deste projeto assume relevâna encontrar motivos para querer aprender a cia no caso das crianças que frequentam o Ensino Pré-Escolar. ler e para continuar a ler depois de o saber fazer. Um desígnio porque a existência de leitores capazes de ler o mundo de modo abrangente e sofisticado, isto é, capazes de ler em quantidade e em qualidade, se correlaciona com o efetivo exercício da cidadania e é um elemento determinante na nossa configuração coletiva como sociedade democrática. Sendo capazes de ler e de interpretar qualquer texto, numa pluralidade de formatos e de suportes, os leitores mostram-se intrinsecamente capazes de interrogar as práticas, de formular juízos de valor, de opinar e de decidir em consciência. 1

ste trabalho foi financiado por Fundos Nacionais através da FCT (Fundação para a Ciência e a Tecnologia) e cofinanciado pelo E Fundo Europeu de Desenvolvimento Regional (FEDER) através do COMPETE 2020 – Programa Operacional Competitividade e Internacionalização (POCI) no âmbito do CIEC (Centro de Investigação em Estudos da Criança da Universidade do Minho) com a referência POCI-01-0145-FEDER-007562.

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LEITURA E EDUCAÇÃO LITERÁRIA

Para além de argumentos de natureza sociopolítica, mas também de natureza ideológica e cultural – o conhecimento do imaginário de um povo, configurado nos seus documentos escritos e no seu património imaterial –, a leitura não pode ser dissociada do mercado cultural a que pertence e que, movimentando muitos milhares de euros, é um elemento gerador de crescimento económico e de emprego.

PORQUÊ E PARA QUÊ A EDUCAÇÃO LITERÁRIA? Compagnon (2013), na sua Lição Inaugural proferida no Collège de France, a 30 de novembro de 2006, intitulada La littérature, pour quoi faire?, dirige-nos uma série de questões explícitas importantes no contexto contemporâneo: ■■ Que

valores pode a literatura criar e transmitir ao mundo atual? lugar deve ser o seu no espaço público? ■■ Para quê a literatura? ■■ Qual a sua pertinência para a vida? ■■ Por que razão defender o seu lugar na escola? ■■ Que

A literatura desempenha hoje, nas sociedades atuais, um papel fulcral na partilha de valores, saberes, conhecimentos, que nos auxiliam a pensar o mundo, a interrogá-lo e a sentirmo-nos habitantes de uma casa comum. A literatura e, em particular a literatura infantojuvenil, familiariza os seus leitores com o mundo, um espaço plural no qual se mostra a experiência humana, o que significa ser humano e não humano. Além disso, como explicitamente o diz Compagnon (2013), no sentido aristotélico, a literatura é mimesis, isto é, possui a capacidade de representar ficcionalmente determinados mundos possíveis e, nessa perspetiva, deleita e, simultaneamente, instrui. Ela possui igualmente a capacidade de interrogar o mundo, tem o poder de contestar a submissão ao poder. Assim, o seu lugar jamais será o da sua intransitividade, mas o de um diálogo mediato com o mundo empírico e histórico-factual em que se encontram os seus leitores/intérpretes. A educação literária, explicitamente consagrada em documento oficial nas Metas Curriculares de Português do Ensino Básico, visa dotar o leitor de um conhecimento relevante acerca de textos, autores, géneros, bem como de convenções, temas e estilemas literários, de modo que ele se possa sentir membro ativo e participante de uma mesma comunidade. Rechou (2013) assinala que a educação literária procura que o leitor desenvolva um conjunto de saberes culturais, literários e sociais que o auxiliem a fertilizar a sua competência enciclopédica, em particular a competência intertextual. É este saber, de natureza eminentemente pessoal, que ajuda o leitor a preencher aquilo que o texto não diz, mas promete ou indicia (os 2


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Cap.

Avaliação da leitura: PIRLS 2011

Luísa Araújo, Patrícia Dinis da Costa e Célia Folgado

Este capítulo apresenta uma análise dos resultados dos alunos portugueses e descreve a relação entre estes e alguns preditores do sucesso na compreensão leitora, como seja a frequência de leitura partilhada em contexto familiar antes do início da escolaridade obrigatória. Contextualiza ainda os resultados para Portugal face a outros países e discute os mesmos atendendo ao que a investigação na área da literacia de leitura nos diz sobre como criar bons leitores.

INTRODUÇÃO O Progress in International Reading Literacy Study (PIRLS), desenvolvido pela International Association for the Evaluation of Educational Achievement (IEA) de 5 em 5 anos, avalia as competências de leitura de alunos do 4.º ano de escolaridade. Portugal participou no primeiro estudo, em 1991, e só voltou a participar em 2011, situando-se um pouco acima da média internacional calculada a partir dos resultados dos 49 países participantes (Mullis, Martin, Foy & Drucker, 2012).

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COMPREENSÃO DA LEITURA O estudo internacional PIRLS avalia a capacidade de os alunos do 4.º ano de escolaridade lerem por prazer e para adquirir informação a partir da compreensão de textos literários e informativos (Mullis, Kennedy, Martin & Sainsbury, 2006). Pressupõe que neste nível de ensino os alunos já sejam capazes de construir significado a partir de um texto, de ir para além do sentido literal do mesmo e de fazer inferências sobre as estratégias usadas pelo autor para transmitir a informação. Assim, e de acordo com os estudos conduzidos por Jeanne Chall (1996), o PIRLS foca a segunda etapa do desenvolvimento da leitura: ler para aprender. Durante a primeira etapa, que corresponde aos primeiros 2 anos de escolaridade, os alunos aprendem a ler consolidando competências de descodificação do código escrito e desenvolvendo o reconhecimento automático de palavras (Stanovitch, 2000). São estas aptidões que possibilitam o acesso à compreensão daquilo que se lê. 15


LEITURA E EDUCAÇÃO LITERÁRIA

Contudo, a compreensão do texto impresso depende, também, do conhecimento sobre o assunto que um determinado texto trata e da capacidade de formar um modelo mental ou uma representação coerente dos acontecimentos relatados. Um leitor tem de formar mentalmente um todo coerente entre as relações temporais, causais e lógicas da informação ou tópico e ativar os seus conhecimentos para conseguir compreender o que lê (Catts, 2009). Por exemplo, se observarmos um aluno a fazer uma leitura oral de um texto sincopada, por frases ou unidades de sentido, a que corresponde um observável respeito pelos sinais de pontuação e entoação adequada, muito provavelmente esse aluno compreende bem o que leu (Rasinski & Padak, 2001; Schreiber, 1980). Estima-se que, para que uma boa compreensão tenha lugar, os alunos devem ser capazes de reconhecer/descodificar automaticamente, pelo menos, noventa por cento das palavras de um texto e saber o significado de noventa e cinco por cento das palavras, no mínimo (Walsh, Glaser & Wilcox, 2006; Adams, 2009). Na verdade, “o conhecimento do vocabulário é extremamente importante para a compreensão oral e para a compreensão do texto, desempenhando também um papel no reconhecimento de palavras” (Lopes, Spear-Swerling, Oliveira, Velasquez, Almeida & Araújo, 2014:19). Por exemplo, se um aluno tiver dificuldade em reconhecer a palavra auxílio e ler o grafema x com o fonema [ch] em vez do [s], mas perceber que a palavra que pronunciou é parecida com o vocábulo que conhece, facilmente corrige a pronúncia e compreende o que leu. Assim, a finalidade da leitura – a compreensão do texto impresso –, não sendo possível sem a automatização da descodificação, também depende do conhecimento de vocabulário e de estruturas textuais, bem como do conhecimento do mundo. Vários estudos mostram que as experiências de literacia que as crianças têm antes do início do 1.º Ciclo do Ensino Básico influenciam o desenvolvimento da compreensão leitora quando esta é avaliada no 4.º ano de escolaridade. De acordo com o modelo de literacia familiar proposto por Sénéchal (2012), quando os pais se envolvem em leituras compartilhadas com os seus filhos durante a infância, ensinam-lhes implicitamente, ou informalmente, vocabulário, porque as interações durante a leitura de histórias giram em torno da discussão do significado do texto impresso. Por outro lado, quando os pais chamam a atenção dos seus filhos para as palavras impressas (por exemplo, Observa-se que as crianças cujos pais encontrar todas as ocorrências da letra “A” lhes ensinam a reconhecer o código escrinuma página), facilitam a sua aprendizato e a interpretar o sentido das palavras gem formal do código escrito. No caso durante os anos pré-escolares apresentam melhores resultados na compreensão leida aprendizagem das letras do alfabeto, a tora no 4.º ano de escolaridade do que investigação mostra que nomear as letras aquelas que não tiveram estas experiêné uma competência que está relacionada cias (Sénéchal e LeFréve, 2002). com o desenvolvimento da consciência 16


Literacia familiar no Ensino Básico:

3

Cap.

competências literácitas e representações dos alunos Cristina Almeida Gonçalves, Maria da Graça Sardinha e Paulo Osório

Para que a educação leitora aconteça, é fulcral que o estímulo para a leitura se inicie no seio da família e se prolongue ao longo da vida escolar. É, portanto, fundamental a diversidade de projetos e atividades que promovam o gosto pela leitura: nas escolas, nas bibliotecas e noutros espaços. O presente capítulo, apoiado num estudo empírico, pretende contribuir para o avanço dos estudos da literacia familiar.

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INTRODUÇÃO Segundo Dionne (2011), a literacia familiar é um conceito que pode ser definido de diferentes modos. No entanto, seja qual for a perspetiva adotada, a literacia familiar estará sempre relacionada com a influência do meio familiar no sucesso escolar da criança. Esta implicação da família torna-se importante no que diz respeito à aprendizagem da leitura e da escrita. Os fatores socioeconómicos influenciam fortemente a transmissão ou não da leitura nas crianças. Consequentemente, a literacia familiar pode influenciar, posiAs atividades de literacia desenvolvidas tiva ou negativamente, a literacia escolar. pelos pais, em casa, são cada vez mais O gosto pela leitura e pela escrita adquiessenciais para o desenvolvimento das re-se. Neste contexto, o papel da família capacidades de leitura das crianças, priné crucial e deve ser aprofundado pela cipalmente antes de iniciarem a escola. Por isso, a família, enquanto primeiro e escola, particularmente na sala de aula e principal centro educador, deve dar o na biblioteca escolar, para que as crianças exemplo de uma cultura leitora. e os jovens desenvolvam hábitos e competências de leitura e escrita. A participação e o envolvimento dos pais na educação dos filhos e no desenvolvimento das competências de literacia dos seus educandos influenciam a motivação e as aquisições ao nível da leitura. Tendo em conta que o ambiente e a literacia familiares têm mais impacto nos primeiros anos de vida das crianças, Bergen (2006) indica que, na faixa etária entre os 3 e os 8 anos, as experiências ambientais enriquecedoras são fundamentais, pois irão permitir um desenvolvimento do vocabulário. Segundo este autor, o tipo de palavras proferidas, inicialmente, pela criança, 31


LEITURA E EDUCAÇÃO LITERÁRIA

bem como o crescimento do seu vocabulário estão diretamente relacionados com as variações das palavras proferidas pela mãe. A existência de diversos estudos revelou que as mães de diferentes classes socioeconómicas diferem na quantidade e na complexidade do discurso apresentado aos filhos, pelo que estas diferenças se irão manifestar no discurso dessas crianças. Refere, ainda, que investigações na área da literacia indicam existir uma relação positiva entre um vocabulário vasto O domínio de uma literacia emergente é, deste modo, uma condição indispensável quando entram para a escola e a capacidade para um posterior domínio e êxito no uso de leitura no futuro, pelo que o ambiente da linguagem escrita e de todas as atividalinguístico inicial pode vir a influenciar o des que lhe estão associadas. sucesso académico da criança.

ESTUDO EMPÍRICO Para a amostra, foram, somente, selecionados os alunos a partir do 3.º ano de escolaridade, pois era imprescindível que estes já tivessem adquirido as técnicas de leitura necessárias para que pudessem responder adequadamente e de forma independente às questões que lhes seriam colocadas. Optou-se pelo questionário, enquanto instrumento de recolha de dados, definindo-se os cuidados considerados durante a sua construção, tendo em conta a opinião dos intervenientes num pré-teste. Para definir a população-alvo deste estudo, foram predeterminados critérios para a seleção da amostra. Dos agrupamentos de escolas do distrito de Castelo Branco, selecionaram-se apenas os que possuem todos os graus do Ensino Básico (1.º, 2.º e 3.º Ciclos) e, desses, foram selecionados aleatoriamente alguns agrupamentos. Após a seleção aleatória, procedeu-se ao contacto com os diretores dos agrupamentos, a fim de que estes permitissem a aplicação dos questionários a uma turma de cada ano de escolaridade. Posteriormente, foram enviados os questionários, que foram entregues aos alunos, após a declaração de autorização da participação no estudo estar assinada pelos respetivos encarregados de educação. Os alunos procederam ao preenchimento dos questionários dentro da sala de aula durante o 3.º período. A recolha dos mesmos foi efetuada no início do mês de junho de 2011. Depois de recolhidos os dados, procedeu-se ao tratamento estatístico dos mesmos, recorrendo ao Excel do Microsoft Office e ao programa Statistical Package for Social Sciences (SPSS).

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Educação literária e mediadores

4

Cap.

1

Jorge Passos Martins e Fernando Azevedo

O capítulo aborda, com detalhe, o lugar, o papel e as funções dos mediadores do livro e da leitura. Partindo da definição de mediador e das suas responsabilidades na família, na escola e na biblioteca, é apresentado um conjunto de estratégias práticas para a promoção de uma relação frutificante e lúdica entre o leitor e os textos.

INTRODUÇÃO A leitura e a leitura de literatura encerram um enorme potencial para a formação das crianças e dos jovens. A literatura, pela sua capacidade de interrogar o mundo e de proporcionar outros modos de o pensar, constitui, como assinalou Gordon (2012), um precioso lugar que nos liberta da “caixa” em que, por vezes, nos sentimos aprisionados. Saber ler, com gozo e fruição, voluntariamente, em quantidade e em qualidade, permite ao leitor fertilizar e expandir um conhecimento cultural que, por sua vez, o auxiliará a interpretar, de modo não ingénuo, a realidade do mundo empírico e histórico-factual. É este saber-fazer, intrínseco à competência literária, que importa fomentar e desenvolver, precocemente, na criança.

LITERATURA E MEDIADORES

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O livro pode fazer parte da vida da criança muito antes de ela conhecer e ter competência para a leitura, entendida como interpretação de textos escritos e construção de significados. A leitura do mundo precede a leitura da palavra. A família, a escola, a biblioteca e as livrarias consubstanciam-se como contextos sociais e pedagógicos que permitem às crianças uma aproximação ao universo dos livros e da leitura. Sendo a leitura uma atividade cultural, que requer esforço cognitivo, esta tem de ser motivada e estimulada por parte dos mediadores. Se a criança vive num Este trabalho foi financiado por Fundos Nacionais através da FCT (Fundação para a Ciência e a Tecnologia) e cofinanciado pelo Fundo Europeu de Desenvolvimento Regional (FEDER) através do COMPETE 2020 – Programa Operacional Competitividade e Internacionalização (POCI) no âmbito do CIEC (Centro de Investigação em Estudos da Criança da Universidade do Minho) com a referência POCI-01-0145-FEDER-007562.

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LEITURA E EDUCAÇÃO LITERÁRIA

ambiente familiar rico em produtos culturais, onde tem a oportunidade de observar os familiares a interagir positivamente com a leitura e com os livros, se o espaço cultural onde se movimenta é por si sentido como natural e plenamente integrado nas suas vivências quotidianas, através de uma série de práticas, estará mais predisposta a ser uma leitora habitual. Porém, nem todas as crianças e jovens possuem contextos familiares favoráveis à cultura e a ambientes de literacia, pelo que terão de A noção de intertextualidade foi empreendida por Kristeva (1969:146), numa refleser outros mediadores (escola, biblioteca xão sobre a obra de Bakhtine, com a ou outros atores educativos e sociais) a afirmação: “Todo o texto se constrói como estimularem a curiosidade e a suscitarem um mosaico de citações, todo o texto é um apetite pela cultura e pela literatura. absorção e transformação de um outro texto. No lugar da noção de intersubjeConcordamos com Cerrillo (2006:34) tividade instala-se a de intertextualidaquando este afirma que o leitor deve ser de”. Atualmente, entende-se este conceito aquele que, lendo diversos géneros de como “a interação semiótica de um texto textos, em múltiplos contextos, é capaz de com outro(s) texto(s)”, por essa razão “definir-se-á intertexto como o texto ou “discriminar, refletir e opinar acerca dos o corpus de textos com os quais um conteúdos do que leu”, realçando que estas determinado texto mantém aquele tipo de práticas potenciam o estabelecimento de inter­acção” (Silva, 2002:625). relações de intertextualidade. A aquisição de conhecimentos prévios é importante na formação leitora do indivíduo, mas não é suficiente para formar um leitor competente do ponto de vista literário, sendo necessário o contacto com textos de carácter significativo, com elementos simbólicos pertencentes a um imaginário cultural, representativos de uma sociedade ou mesmo universais, com códigos semióticos que convidam à imaginação e criatividade, uma vez que esses textos são plurissignificativos e polissémicos. Sardinha (2007) defende que as crianças devem interagir com os livros e a literatura precocemente para, desta forma, se suscitar e motivar o prazer da leitura, que pode ser desenvolvido, desde cedo, com uma metodologia adequada, sendo imprescindível que as atividades de aprendizagem da pré-leitura e da leitura sejam apropriadas durante o período pré-escolar, porque é neste período que as crianças têm uma maior capacidade de aquisição das competências básicas do processo leitor. No entender de Cerrillo (2006:35), “o leitor não nasce, faz-se”, sublinhando que o não leitor corre o perigo de se instituir se não mudarmos as estratégias no processo formativo, em que intervém “o desenvolvimento da personalidade” e no qual se vivem experiências de leitura motivadoras ou desmotivadoras, operando-se na generalidade dos casos em dois contextos: na escola e na família. Deste modo, a importância da leitura leva-nos a compreender a pertinência, por exemplo, de uma 50


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Cap.

Narrativa digital:

experimentar, explorar e reinventar a narrativa na geração web 2.01 Ana Medeiros, Íris Susana Pires Pereira e Clara Pereira Coutinho

O capítulo discute questões que se nos afiguram centrais em torno das narrativas digitais e da sua utilização em contexto escolar. Num primeiro momento, situa-se o conceito de texto narrativo na noção de pensamento narrativo para chegar a uma definição de narrativa digital, identificando as suas principais características e dando testemunho empírico da realidade dessas propriedades nas representações atuais de crianças pequenas, reforçando, desse modo, o conjunto de justificações para a sua presença e utilização em contexto escolar. Num segundo momento, identificam-se alguns desafios que as narrativas digitais colocam ao processo tradicional de construção de significados e exploram-se possibilidades pedagógicas, abertas pelas próprias tecnologias de informação e comunicação (TIC), para dar resposta a (e preparar para) esses desafios em sala de aula.

INTRODUÇÃO

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O digital turn transformou irrevogavelmenO digital turn designa uma mudança te as formas de comunicação e de inter­ação na comunicação originada pelos servino (e para o) século XXI (The New London ços digitais (p.ex. Google, Skype, redes sociais...) suportados por dispositivos Group, 1996; Cope & Kalantzis, 2009; cada vez mais inteligentes, avançados e Mills, 2010). Existe hoje um complexo capazes de gerar e construir mensagens. mundo novo de possibilidades de repreEstas transformações afetaram amplasentar significados e de os fazer chegar aos mente os nossos contextos individuais, outros resultante da aliança de diferentes sociais, laborais, educativos, económicos e recreativos de comunicação, a que se formatos digitais. Trata-se da fusão dos faz referência frequente através do termo recursos de tipo web 1.0, serviços e ferra“literacia digital”. mentas digitais que se servem de uma multiplicidade de códigos para a representação de significados (imagem, cor, som, voz, escrita, etc.), com os recursos de tipo web 2.0, serviços e ferramentas sociais, tais como o motor de busca Google, os sites de partilha e colaboração como o YouTube e a Wikipédia ou as redes sociais, como Este trabalho foi financiado pelo Fundo Europeu de Desenvolvimento Regional (FEDER) através do Programa Operacional Fatores de Competitividade e da Fundação para a Ciência e a Tecnologia (FCT), no âmbito da Bolsa de Doutoramento SFRH/ /BD/84029/2012 – Engaging kids.

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LEITURA E EDUCAÇÃO LITERÁRIA

o Twitter e o Facebook, os chats, fóruns, blogues, quizzes e wikis, que fizeram do mundo digital multimodal um mundo de interação à escala mundial quase “babélico”, nunca antes experienciado. O extenso e emaranhado uso desse vasto conjunto de tecnologias determinou a emergência de inúmeras novas práticas de literacia, isto é, de novas formas de representar, veicular e construir significados no mundo laboral, na cidadania, nas práticas de lazer e de comunicação pessoal e privada: as multiliteracias (The New London Group, 1996). Um dos traços distintivos das multiliteracias é o uso de novos géneros de texto, emergentes das novas necessidades comunicacionais (por exemplo, sites), e de géneros textuais renovados pela utilização, muitas vezes múltipla, de novos códigos de significação (por exemplo, SMS). Tal significa que a existência das TIC proporcionou o aparecimento de novas práticas culturais, que fazem uso de novas formas textuais – “hipertextos, textos em diferentes suportes, textos multimodais, o multimédia” (Tavares & Barbeiro, 2011:128) – e, nesses textos, de códigos de significação que vão muito para além do código verbal escrito, que deteve, até há algumas décadas, a hegemonia dos modos de representação nas práticas de literacia. A literatura, expoente máximo da arte verbal, não ficou imune a toda esta transformação proporcionada pelo digital turn. A este respeito, as mudanças proporcionadas pelas ferramentas web 2.0 e outras vão muito além da (já de si interessante) disponibilização praticamente irrestrita de textos literários. Na verdade, as potencialidades criativas oferecidas pelas ferramentas digitais têm tido um impacto muito singular e particularmente importante na redefinição dos géneros literários clássicos (texto narrativo, poético e dramático), oferecendo um enorme potencial para a emergência de textos literários que fundem os géneros clássicos de literatura e os textos não literários, dando origem a géneros híbridos, e/ou renovando os géneros clássicos, ao intervirem nos processos tradicionais de representação através do recurso a combinações de linguagem escrita com outros códigos de representação, implicando também o hipertexto. As narrativas digitais são um poderoso exemplo dessa renovação, com implicações sérias nos modos de o leitor se relacionar com os significados aí representados e, por conseguinte, nos modos de as narrativas serem relevantes para a vida dos cidadãos do século XXI. E, sendo a escola chamada a preparar para a vida, e estando a vida marcada pela emergência de novas formas de contar (a vida e as versões ficcionais da vida), que se colocaram ao lado (ou mesmo na dianteira) das formas narrativas tradicionais, cabe ao professor também conhecer esta nova realidade para ser dela partícipe e poder incluí-la nas suas preocupações e práticas pedagógicas (Gee, 2007). 60


Didática da literatura a partir da prática

6

Cap.

Juan de Dios Villanueva Roa

O capítulo analisa os lugares da literatura numa unidade curricular consagrada à sua didática, a funcionar na Universidade de Granada (Espanha). O autor advoga a necessidade de os futuros professores do 1.º Ciclo do Ensino Básico lerem bastante, em quantidade e em qualidade, e aprenderem estratégias didáticas para fomentar o prazer do livro e da leitura com os alunos. O texto expõe e justifica essas estratégias.

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INTRODUÇÃO Um dos principais instrumentos para o desenvolvimento da competência comunicativa do indivíduo é a literatura. Através dela, o leitor contacta com a língua na sua manifestação mais perfeita, mais artística, mas também, dependendo do tipo de obra que tenha nas suas mãos, mais prática para o desenvolvimento do seu vocabulário colocado em ação e para o desenvolvimento do seu pensamento. Entendemos a literatura como a arte da palavra escrita, como a máxima manifestação escrita de uma língua, como a consolidação desta no tempo e no espaço. Por isso, deve estar presente em todos os níveis educativos obrigatórios, sem esquecer os não obrigatórios, onde a sua presença poderá reforçar a capacidade de expressão escrita do aluno. A partir desta perspetiva, parece inquestionável o relevante papel que deve desempenhar na formação dos futuros professores. Não entendemos a figura de um professor sem um livro na mão, e não apenas um livro de texto ou da sua área disciplinar, mas um livro de literatura. Parece-nos paradoxal que possam existir docentes que não leem e, provavelmente, talvez nos surpreendêssemos se tivéssemos os dados daqueles que acedem ao mundo literário, lendo apenas um livro por ano, ou nenhum. Nestes casos, sendo a língua a sua principal ferramenta de trabalho, a literatura não é, no entanto, o principal sustentáculo deste, o que supõe um progressivo empobrecimento da linguagem, concentrando-se, cada A literatura é algo mais do que a máxima vez mais, nos aspetos técnicos das matérias expressão escrita de uma língua: é um ensinadas, pelo que é difícil fazer progressos canal de integração social. no desenvolvimento linguístico do professor. 1

A tradução do original espanhol para português é da responsabilidade de Fernando Azevedo, um dos Coordenadores da obra.

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LEITURA E EDUCAÇÃO LITERÁRIA

A leitura ajuda-nos a compreender os factos que aconteceram e acontecem na nossa sociedade, e a conhecer mais facilmente a alma humana. É produto da inteligência e do espírito. Por isso, através da leitura, ser-nos-á mais fácil perceber o nosso lugar no nosso tempo, compreendendo melhor de onde viemos e para onde vamos, e construir o nosso próprio papel social, pois podemos encontrar importantes referentes que nos ajudem a isso, adquirindo o leitor uma competência literária que permitirá uma aproximação e interdependência. Na opinião de Mendoza (2001:218), citado por Ezpeleta (2014:56-57), “entende-se competência literária como [um] conjunto de saberes que permite identificar as qualidades estéticas de um texto. Este processo observa a seguinte gradação: 1. O texto estimula no leitor a ativação dos seus conhecimentos. 2. O texto ganha consistência no ato pessoal do leitor que interage com ele. 3. O leitor competente assume a responsabilidade de atualizar um texto com eficácia. 4. A competência literária e a competência leitora são interdependentes. 5. A competência leitora é uma componente da competência literária. 6. O intertexto leitor intervém na construção da competência literária, já que é ele que habilita os saberes que a competência leitora gere. Em suma, o intertexto leitor permite que o leitor perceba as relações entre uma obra e outras que o tenham precedido ou seguido”. No que se refere à literatura infantil, muito se escreveu sobre ela, pelo que nos limitaremos a assinalar que a entendemos como os textos de que se apropriam os jovens leitores, sentindo-se identificados com o que encontram entre as suas linhas, tanto em interesses como em sonhos e realidades. Fugimos da literatura doutrinadora, que é utilizada como um meio de educar os leitores seguindo determinados dogmas, ainda que os valores devam estar presentes, pois formam parte da nossa vida. A literatura infantil e juvenil deve ter como fim o prazer do leitor e o desenvolvimento da sua pessoa em todos os domínios que abarque, sem dogmatizar, mas insinuando e provocando a reflexão, e deixando sempre uma satisfação na mente do leitor. Já em 1989, Cervera (1989:157) nos dizia que “existe uma visão crescente da literatura infantil que se caracteriza pelo seu desejo de globalização. Segundo esta conceção, sob o nome de literatura infantil devem acolher-se ‘todas as produções que têm como veículo a palavra com um toque artístico ou criativo e como recetor a criança’ ”. Esta definição coincide sensivelmente com a de Marisa Bortolussi (1985:16), que reconhece como literatura infantil “a obra estética destinada a um público infantil”. 76


A leitura de literatura e a educação literária nos novos manuais de Português do 9.º ano de escolaridade

7

Cap.

António Carvalho da Silva

Desde 2013, os manuais escolares do Ensino Básico foram objeto de renovação, em virtude da aprovação das Metas Curriculares de Português (MCP) do Ensino Básico em 2012. Este capítulo analisa e discute conceções de leitura e de ensino da literatura presentes em manuais escolares para o 3.º Ciclo, articulando-as com as funções que elas desempenham nesses manuais.

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INTRODUÇÃO Além de uma grande motivação pelo debate de questões da leitura, da literatura e da educação de leitores, a principal razão de ser deste texto relaciona-se com o objetivo de estudar, com alguma sistematicidade, uma eventual renovação das práticas de ensino do Português, provocadas pela aprovação, em 2012, de um novo texto regulador – as Metas Curriculares de Português do Ensino Básico (Buescu, Morais, Rocha & Magalhães, 2012). Sabendo que este documento levou à subsequente adoção de manuais escolares para o 3.º Ciclo do Ensino Básico, desde o ano letivo de 2013/2014, considerou-se relevante fazer a análise dos discursos e das propostas desses manuais, no sentido de conferir alterações em termos dos domínios de ensino da língua e das práticas de leitura dos textos. Como se sabe, no contexto do ensino do Português, a leitura era e é (junto com a gramática) o domínio por excelência da aula de língua materna. De facto, as práticas de ensino e de aprendizagem da língua são, normalmente, realizadas a partir de textos (literários e outros), aos quais se seguem questões de compreensão e, eventualmente, de interpretação textual, além de exercícios de gramática ou de trabalhos de escrita. Ora, os manuais escolares, por constituírem o instrumento fundamental de apoio ao trabalho pedagógico dos professores e por serem, muitas vezes, o único livro de leitura(s) dos alunos, são, também, um objeto de interesse e de relevo para a Didática da Língua. A verdade é que, tal como registamos noutro contexto, “o estudo de manuais é um dos processos de aceder ao que afinal se ensina quando se ensina Português”, onde se encontra (ainda hoje) “um ‘núcleo duro’ (tradicional) 87


LEITURA E EDUCAÇÃO LITERÁRIA

em que marcam presença a literatura (ou o texto literário) e a gramática (normativa)” (Silva, 2008:105). Por conseguinte, faz sentido realizar uma análise de conteúdo dos novos manuais de Português do 9.º ano para refletir sobre os objetos e os objetivos da leitura sugeridos nesses mesmos manuais, e que estarão, atualmente, a renovar as aulas de Português.

A QUESTÃO DA LEITURA E DA EDUCAÇÃO LITERÁRIA Quando se confrontam os domínios do ensino do Português, aparecem, normalmente, como mais representativos os da leitura e da gramática. É isso que referem também vários teóricos ao discutir temas do ensino da língua e da literatura (Duarte & Figueiredo, 2011). O aspeto que, ao longo dos tempos, tem variado é uma conceção ora mais orientada para a aquisição de conhecimentos declarativos (saberes sobre a língua ou a literatura), ora Esta nova perspetiva aponta para a necespara o desenvolvimento de capacidades sidade de se entender a aprendizagem verbais (competências de uso da língua), linguística não como mera aquisição de cujos exemplos mais destacados são os das conhecimentos, mas como desenvolvimento de competências, capacidades e competências de leitura ou de escrita. atitudes que contribuam para uma formaEntretanto, em tempos recentes, também são ção global, onde a leitura e a literatura referidas e aceites, como dimensões repreocupam, de facto, um lugar especial, pelo sentativas do ensino da língua, a educação seu valor intrínseco, mas também transversal. linguística (Castro, 2000) e a educação literária (Azevedo, 2013; Roig Rechou, 2013). Convém, por conseguinte, precisar como se entende atualmente a leitura, para, de seguida, se abordarem algumas conceções de ensino de literatura e de formação literária. Notou-se, antes de mais, uma alteração das conceções de leitura, que foram evoluindo de visões centradas no autor e no texto para outras em que o leitor e o processo de leitura passaram a ter um significado mais evidente. Assim, Giasson (1993:17), ao apresentar o seu modelo de compreensão na leitura, assinala ter havido essa evolução no que toca “à participação do leitor na compreensão”, em que “a ideia de recepção passiva da mensagem deu lugar à noção de interacção texto-leitor”. Esta alteração aconteceu porque “Antigamente, julgava-se que o sentido se encontrava no texto e que o leitor devia ‘pescá-lo’. […] Hoje, concebe-se antes que o leitor cria o sentido do texto” (Giasson, 1993:19). Estabeleceu-se, deste modo, um modelo de leitura que integra três componentes: o texto, o leitor e o contexto. Destas variáveis, a mais importante é o leitor, com as suas estruturas ou conhecimentos e os processos ou competências. A aprendizagem 88


O teatro infantojuvenil na escola e o desenvolvimento das competências leitora e literária: propostas de trabalho

8

Cap.

Moisés Selfa Sastre e Fernando Azevedo

O teatro infantil e juvenil (TIJ) é um género literário que ajuda a criar e a desenvolver uma boa competência leitora e literária no aluno da Educação Básica. Neste capítulo, os autores propõem seis obras deste género dramático para trabalhar estas duas competências na aula de Língua e Literatura. A viabilidade desta proposta pode ser avaliada a partir de indicadores funcionais que ajudam a verificar se o aluno é capaz de mostrar interesse na leitura, compreensão e interpretação do texto teatral.

CONCEITO E CARACTERÍSTICAS DO TIJ E SUAS POSSIBILIDADES DE TRABALHO NA ESCOLA1 O conceito de TIJ refere-se, pelo menos, a duas classes de obras teatrais: obras dramáticas escritas por crianças e por adolescentes, nas quais o autor é quem dota o texto de uma trama argumental e sentido literário determinado; ■■ Os textos escritos para crianças e para adolescentes e que, portanto, têm presente quem é o tipo de leitor que os lerá e interpretará.

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■■ As

Neste último caso, o significado dos verbos ler e interpretar é tão subtil que normalmente foi o autor do texto quem definiu que tipo de público pode ser, pela sua idade, o destinatário de uma determinada obra de teatro. Qualquer que seja a definição conceitual adotada, é claro que o teatro, como género literário próprio e autónomo, tem um enorme potencial de trabalho didático na escola, em geral, e na Educação Básica, em particular. O teatro coloca o aluno num duplo plano (Reina Ruiz, 1998): o plano do ator e o plano do espectador. Tanto é assim que o aluno, ator ou espectador, recolhe o facto teatral, explora-o para satisfazer as suas necessidades de conhecimento e interpreta-o a partir do seu próprio contexto vital. A partir deste ponto de vista, o TIJ abre à criança e ao jovem as portas do conhecimento cultural, sem qualquer barreira, da sensibilidade estética, da reflexão, da Para aprofundar mais a questão do conceito e das características do teatro infantil e juvenil no âmbito escolar, existem, pelo menos, dois títulos clássicos de indubitável valor pedagógico: Renoult & Vialaret (1998) e Tejerina (1994).

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LEITURA E EDUCAÇÃO LITERÁRIA

capacidade de se emocionar e divertir, de rir e de chorar, em suma, de compreender os diferentes pontos de vista e realidades da vida e do mundo ao seu redor. O TIJ não só contempla a língua e a literatura, mas também a música, a pintura, a dança, o canto e a mímica. Definido o conceito de TIJ, podem referir-se as características que o texto teatral deve ter para poder ser trabalhado com sentido no campo da educação. Entre estas, podemos destacar as seguintes: ■■ Presença

de um estilo conversacional baseado na interação direta entre as diferentes personagens do texto; ■■ Existência de uma linguagem literária simples e acessível à idade do recetor; ■■ Aparecimento de situações de ação dinâmicas e fáceis de entender; ■■ Ação bem definida, dando lugar a um conflito e a uma intriga que se mantêm vivos até à sua resolução. Na escola, trabalhar com textos de teatro que reúnem estes traços identificativos converte-se numa atividade com um grande apelo pedagógico e estético. Da mesma forma, permite trabalhar a língua de um modo lúdico, e beneficiar da compreensão do texto e de cada uma das palavras que o compõem, recorrendo à ajuda da pontuação, do tom e intensidade da voz, das pausas, e até mesmo do humor das personagens.

Ouvir, ler, improvisar ou dramatizar uma peça aguça os sentidos, desperta a imaginação, estimula as avaliações estéticas, ajuda a solidariedade com os outros, treina a memória, etc.

O TIJ E AS COMPETÊNCIAS LEITORA E LITERÁRIA As enormes possibilidades de uso que o TIJ possui no desenvolvimento das habilidades intelectuais e de reflexão que um aluno deve adquirir na etapa da Educação Básica demonstram que a sua utilidade como recurso educativo neste ciclo de aprendizagem é mais do que adequada. Entre estas competências, ocupam um lugar de destaque a leitura e a criação de uma sólida competência leitora neste ciclo de ensino. Tal como propõe a Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Económico, a competência leitora consiste “na compreensão e no uso de textos escritos, e na reflexão pessoal sobre estes textos, com a finalidade de atingir metas próprias, desenvolver o conhecimento e o potencial pessoal, e participar na sociedade” (OCDE, 2001). Portanto, a leitura de textos literários, como são os teatrais, é uma das chaves para o progresso nesta competência. E em segundo lugar, aprender a ler com critério 106


Educação literária e contadores de histórias:

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Cap.

um testemunho na primeira pessoa Margarida Junça (Bru Junça)

Contar histórias é uma das atividades mais importantes e mais aliciantes para promover a leitura junto das crianças e para a formação de leitores. Neste capítulo, revela-se um percurso autobiográfico de uma jovem mediadora de leitura. Nele encontramos o livro, as técnicas para contar histórias, mas também o sonho e a alma que permite esta partilha de afetos com o outro.

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INTRODUÇÃO Contar histórias constitui um universal humano. A capacidade narrativa e fabulística é inerente ao ser humano e, desde tempos imemoriais, que ela o tem acompanhado. Intimamente ligada a uma arte da memória, coletiva e anónima, que se concretiza em lugares definidos por uma copresença do intérprete e do recetor, e com o recurso a códigos bastante mais heterogéneos do que o policódigo da literatura escrita, a literatura tradicional oral, de que o contador de histórias é o mais excelso representante, é constituída por unidades semióticas que sistematicamente reiteram o princípio O contador de histórias recorre, na sua atividade, aos seguintes códigos: de uma tradição que se pode enriquecer, ■■ Cinésico – código do domínio da comumas que é expressamente vedado alterar nicação extralinguística que analisa os substancialmente. movimentos e processos corporais; Este princípio justifica-se não só pela natu■■ Proxémico – código do domínio da reza funcional dos seus atos de linguagem, comunicação extralinguística que analisa a organização do espaço e as relamas também, principalmente, pela natureza ções de aproximação/afastamento de ontológica dos mesmos. De facto, sendo pessoas face a objetos durante a interafruto de saberes frequentemente consideção linguística; rados fundacionais ou primordiais, saberes ■■ Paralinguístico – código do domínio da que, interconectando-se intimamente com comunicação extralinguística que analisa sinais e indícios que acompanham a os códigos culturais de uma comunidacomunicação linguística (por exemplo, de, enfaticamente sublinham determinadas tom de voz, entoação, ritmo, volume, verdades axiológicas e/ou simbólicas, cuja etc.). origem, coletiva e indeterminada, se esgota 113


LEITURA E EDUCAÇÃO LITERÁRIA

na memória do tempo, e correlacionando-se a sua concretização frequentemente com fatores de ordem ritual, estas unidades semióticas caracterizam-se por reiterarem, com reduzidas modulações, os esquemas semânticos e formais prescritos pelo respetivo policódigo.

CONTAR HISTÓRIAS E FORMAR LEITORES Hoje, a atividade do contador de histórias associa-se a várias atividades que colocam em foco a leitura. No entanto, há que perceber as diferenças. Há contadores que seguem o conto tradicional e trabalham-no através da oralidade, e há contadores que assumem uma vertente de mediação leitora, dando ênfase ao livro e explorando a leitura através do objeto – atendendo a um texto escrito e/ou pictórico. Com efeito, é frequente suscitar a curiosidade dos potenciais leitores – e pensamos em crianças que ainda não leem ou que se encontram a frequentar a escolaridade básica – e concomitantemente ativar determinados quadros de referência, através de atividades em que o contador de histórias, com o domínio dos códigos explicitados, recria um ambiente de magia e de estímulo à descoberta de textos, de leituras e de diálogos, que se procura que sejam o mais polifónicos possível. De facto, sendo detentora de uma ainda não muito alargada competência enciclopédica, a criança, em função da comunidade sociocultural em que se integra e de que partilha as experiências, possui algum saber acumulado da sua interação com estes textos da literatura tradicional oral, fruto da sua pertença a uma comunidade onde o contador de histórias tem ainda o seu lugar, ou do seu contacto com produtos televisivos que recuperam e frequentemente ressemantizam alguns desses macrotextos. É muito deste saber que auxiliará, posteriormente, a criança a interagir com os textos da literatura infantil e com o mundo em geral.

O CONTADOR DE HISTÓRIAS: UM TESTEMUNHO NA PRIMEIRA PESSOA É quem sabe Conta(r) a Dor para descontar tristezas. Um CONTA (a) DOR precisa sempre de um OUVI DOR. CONTADORA é um CONT(A)DOR que conta com o sexto sentido. CONTA E ADORA ser sabedora de mistérios. Mistérios de mãe, de filha, de mulher... Contador gosta de contar em qualquer canto, 114


Pensar a cidadania hoje através da educação literária1

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Cap.

Ângela Balça e Fernando Azevedo

Tendo como referencial teórico as metodologias do Programa de Leitura Fundamentado na Literatura, divulgadas em Portugal, entre outras, na obra Formar Leitores: Das Teorias às Práticas2, o capítulo propõe um conjunto de percursos e de estratégias didáticas para trabalhar, em contextos educativos, a educação literária, tendo como núcleos semânticos textos literários de potencial receção leitora infantil que abordam a promoção da cidadania, a tolerância e o respeito pelo outro.

INTRODUÇÃO Os textos da literatura infantil podem constituir-se como um poderoso instrumento ideológico suscetível de assumir um relevante papel na reprodução cognitiva e social de ideologias, como foi bem demonstrado, entre outros, por Stephens (1982) e Tomé (2013). Porém, esses mesmos textos, dialogando mediatamente com o mundo empírico e histórico-factual em que se encontram os seus leitores, podem e devem permitir interrogar práticas, suscitando uma capacidade de olhar a alteridade de forma positiva e integradora.

A EDUCAÇÃO LITERÁRIA E A PROMOÇÃO DE UMA EDUCAÇÃO PARA A CIDADANIA A literatura infantil não é neutra, não é inócua, é escrita num determinado tempo e espaço, dialogando com a arte, os mitos, as ideologias, os valores, os modos de vida de uma sociedade, constituindo-se ela própria uma mais-valia preciosa para a promoção de uma educação para a cidadania. A questão da educação literária, muito embora só recentemente tenha entrado nos documentos programáticos escolares, não é um tema novo nas instituições de ensino. Desde há muito que os docentes procuram promover a educação literária junto Este trabalho foi financiado por Fundos Nacionais através da FCT (Fundação para a Ciência e a Tecnologia) e cofinanciado pelo Fundo Europeu de Desenvolvimento Regional (FEDER) através do COMPETE 2020 – Programa Operacional Competitividade e Internacionalização (POCI) no âmbito do CIEC (Centro de Investigação em Estudos da Criança da Universidade do Minho) com a referência POCI-01-0145-FEDER-007562. Azevedo (2007).

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10mm

Esta obra, produzida com a colaboração de especialistas nacionais e estrangeiros, inclui 10 capítulos e percorre os vários aspetos da Educação Literária, propondo ideias e estratégias práticas para a formação de leitores, na linha daquilo que é explicitado pelo Programa e Metas Curriculares dos Ensinos Básico e Secundário. Adequa conceitos teóricos ao público-leitor, apresentando sistematizações frequentes e sugerindo diversas ideias práticas. Pela sua natureza, modo de estruturação e temáticas abordadas, Leitura e Educação Literária é uma obra com interesse para Educadores de Infância, Professores de Língua Portuguesa dos Ensinos Básico e Secundário, bem como para alunos de Mestrados em Ensino do Português, em Educação Pré-Escolar e em Ensino dos 1.º e 2.º Ciclos do Ensino Básico. C

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Leitura e Educação Literária

A promoção da Educação Literária exige do mediador de leitura – seja o docente, o bibliotecário escolar, um familiar – um amor incondicional à literatura, porque o fomento de uma educação literária só é efetivo com a aproximação e a apropriação do texto literário.

17cm x 24cm

Leitura e Educação Literária Coordenação:

Leitura e Educação Literária

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Fernando Azevedo e Ângela Balça

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Coordenação:

Ângela Balça Doutora em Ciências da Educação, é Professora da Universidade de Évora, membro do Centro de Investigação em Estudos da Criança (Universidade do Minho) e colaboradora do Centro de Investigação em Educação e Psicologia (Universidade de Évora). É Coordenadora, em Portugal, da Rede Internacional de Universidades Leitoras e Professora Visitante na UNESP (Universidade Estadual de São Paulo, Brasil). Investigadora nas áreas de Literatura Infantil, Educação Literária e Formação de Leitores.

ISBN 978-989-693-057-8

9 789896 930578

Coord.: Fernando Azevedo e Ângela Balça

Fernando Azevedo Doutor em Ciências da Literatura, é Professor do Instituto de Educação da Universidade do Minho e membro do Centro de Investigação em Estudos da Criança (Universidade do Minho). Integra o Observatório de Literatura Infanto-Juvenil, bem como a Rede Internacional de Universidades Leitoras e a Comissão de Especialistas do Plano Nacional de Leitura. Investigador nas áreas de Literatura Infantil, Didática da Língua e Formação de Leitores. Autor dos livros Géneros Textuais e Práticas Educativas, Modelos e Práticas em Literacia, Formar Leitores e Língua Materna e Literatura Infantil, publicados pela Lidel.

www.pactor.pt

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Prefácio:

Literacias

Fernando Pinto do Amaral

Comissário do Plano Nacional de Leitura

Literacias

17cm x 24cm


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