Manual de Investigação Qualitativa: Conceção, Análise e Aplicações

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16,7cm x 24cm

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conceção, análise e aplicações A investigação qualitativa é um método essencial na produção de conhecimento, que implica o envolvimento de elementos multidisciplinares com recurso a diversos métodos de obtenção de dados, a respetiva análise e a subsequente apresentação dos resultados à comunidade científica. Este livro, pensado para apoiar todo o processo de investigação qualitativa, desde a sua conceção à escrita, encontra-se organizado em quatro partes, que encaminham o leitor desde os temas mais gerais e de nível conceptual, prosseguindo pelas técnicas de recolha e análise de dados e culminando num conjunto de capítulos temáticos que exemplificam diversas áreas de aplicação, procurando sempre um equilíbrio epistemológico entre a teoria e a prática.

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Esta obra, através dos seus conteúdos acessíveis, claros e cuidadosamente desenvolvidos, constitui-se como uma ferramenta de trabalho essencial para estudantes, docentes e investigadores, quer no âmbito de aulas, quer de projetos de investigação. Temas abordados:

. Desenhos de investigação qualitativa . Participantes . Qualidade e ética . Recolha de dados: entrevista, observação e investigação documental . Análise de dados, dados visuais e redes sociais com apoio de software . Escrita científica . Fotografia como fonte de dados . Análise narrativa do discurso e do desenho infantil . Investigação fenomenológica . Investigação qualitativa longitudinal

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Manual de Investigação Qualitativa Coordenação

Sónia P. Gonçalves I Joaquim P. Gonçalves I Célio Gonçalo Marques

ética

qualidade

fotografia

investigação qualitativa

escrita

entrevista

observação

estudo de caso desenho

análise documental

software

Coordenadores Sónia P. Gonçalves – Professora Auxiliar Convidada no Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas, Universidade de Lisboa. Coordenadora Adjunta da Unidade de Coordenação de Gestão e Políticas de Recursos Humanos. Coordenadora do Grupo de Investigação de Recursos Humanos e Comportamento Organizacional do Centro de Administração e Políticas Públicas. Joaquim P. Gonçalves – Investigador Integrado do Centro de Estudos Clássicos da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa (FLUL). Especialista em História Medieval, Pós-graduado em Ciências da Documentação e Informação – Área de Arquivo – e Mestre em Ciências da Documentação e Informação (FLUL). Célio Gonçalo Marques – Professor Adjunto da Unidade Departamental de Tecnologias de Informação e Comunicação do Instituto Politécnico de Tomar (IPT), Diretor do Centro de Investigação Techn&Art, Diretor do Laboratório de Inovação Pedagógica e Ensino a Distância do IPT e Presidente do Conselho Técnico-Científico da Escola Superior de Gestão de Tomar. Autores

Coord.:

Construa o seu trabalho de investigação com este guia prático: hipóteses e variáveis de investigação, pesquisa bibliográfica eficaz, recolha de dados, técnicas de amostragem, norma APA e muito mais.

Figuras a cores em www.pactor.pt, até o livro se esgotar ou ser publicada nova edição atualizada ou com alterações.

ISBN 978-989-693-114-8

9 789896 931148

Sónia P. Gonçalves Joaquim P. Gonçalves Célio Gonçalo Marques

Prefácio de Hermano Carmo Professor Catedrático, Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas, Universidade de Lisboa

www.pactor.pt

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Livro com informação fundamentada sobre os impactos e as reações sociais, emocionais e comportamentais originadas pela COVID-19. Contributos de profissionais de várias áreas. Para todos os cidadãos.

Manual de Investigação Qualitativa

Manual de Investigação Qualitativa

16,7cm x 24cm

conceção, análise e aplicações

Amália Rebolo | Ana Isabel Rodrigues | António Pedro Costa | Bruno J. Barcellos Fontanella | Carla Piscarreta Damásio | Carlos Guardado da Silva | Catarina Brandão | Climent Formoso | Eduardo Escalante Gómez | Helena Ribeiro de Castro | Jaime Ribeiro | Jordi Caïs | Jorge Revez | José Magalhães | Laia Folguera | Luís Corujo | Miguel Mata Pereira | Sandra Xavier | Teresa Alzás | Victoria Paul


EDIÇÃO PACTOR – Edições de Ciências Sociais, Forenses e da Educação Av. Praia da Vitória, 14 A – 1000-247 LISBOA Tel: +351 213 511 448 pactor@pactor.pt DISTRIBUIÇÃO Lidel – Edições Técnicas, Lda. R. D. Estefânia, 183, R/C Dto. – 1049-057 LISBOA Tel: +351 213 511 448 lidel@lidel.pt www.lidel.pt LIVRARIA Av. Praia da Vitória, 14 A – 1000-247 LISBOA Tel: +351 213 511 448 livraria@lidel.pt Copyright © 2021, PACTOR – Edições de Ciências Sociais, Forenses e da Educação ® Marca registada da FCA – Editora de Informática, Lda. ISBN edição impressa: 978-989-693-114-8 1.ª edição impressa: janeiro de 2021 Paginação: Carlos Mendes Impressão e acabamento: Tipografia Lousanense, Lda. – Lousã Depósito Legal n.º 478421/20 Capa: José Manuel Reis Todos os nossos livros passam por um rigoroso controlo de qualidade, no entanto, aconselhamos a consulta periódica do nosso site (www.pactor.pt) para fazer o download de eventuais correções. Não nos responsabilizamos por desatualizações das hiperligações presentes nesta obra, que foram verificadas à data de publicação da mesma. Os nomes comerciais referenciados neste livro têm patente registada. Reservados todos os direitos. Esta publicação não pode ser reproduzida, nem transmitida, no todo ou em parte, por qualquer processo eletrónico, mecânico, fotocópia, digitalização, gravação, sistema de armazenamento e disponibilização de informação, sítio Web, blogue ou outros, sem prévia autorização escrita da Editora, exceto o permitido pelo CDADC, em termos de cópia privada pela AGECOP – Associação para a Gestão da Cópia Privada, através do pagamento das respetivas taxas.


ÍNDICE OS AUTORES.......................................................................................................................................................... XI PREFÁCIO................................................................................................................................................................ XVII INTRODUÇÃO....................................................................................................................................................... XXIII PARTE I – CONCEÇÃO DE INVESTIGAÇÃO QUALITATIVA............................................................ 1 1 DESENHOS DE INVESTIGAÇÃO QUALITATIVA........................................................................... 3 Introdução..................................................................................................................................................... 5 Métodos e Abordagens da Investigação Qualitativa.................................................................... 6 Tipos de Desenho Qualitativo............................................................................................................... 10 Fenomenologia.................................................................................................................................... 11 Características-chave da Abordagem Fenomenológica................................................ 11 Fenomenologia: Dois Métodos de Investigação............................................................. 12 Teoria Fundamentada........................................................................................................................ 15 Teoria Fundamentada e Epistemologia .............................................................................. 16 Revisões da Teoria Fundamentada ....................................................................................... 18 Estudo de Caso..................................................................................................................................... 18 Fundamentos Filosóficos........................................................................................................... 18 Determinar o Caso/Unidade de Análise.............................................................................. 19 Determinar o Tipo de Estudo de Caso................................................................................. 19 Considerações Finais................................................................................................................................. 20 Referências Bibliográficas........................................................................................................................ 22 2 PARTICIPANTES EM INVESTIGAÇÃO QUALITATIVA............................................................... 25 Introdução..................................................................................................................................................... 27 Validade Científica e Processo de Amostragem............................................................................. 28 Quem Serão os Participantes?............................................................................................................... 29 Como Selecionar os Participantes?...................................................................................................... 32 Quantos Serão os Participantes?.......................................................................................................... 37 Considerações Finais................................................................................................................................. 38 Proposta de um Exercício ao Leitor..................................................................................................... 39 Referências Bibliográficas........................................................................................................................ 40

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3 QUALIDADE E ÉTICA NA INVESTIGAÇÃO QUALITATIVA...................................................... 41 Introdução..................................................................................................................................................... 43 Qualidade da Investigação Qualitativa............................................................................................... 44 Validade................................................................................................................................................... 45 Fiabilidade.............................................................................................................................................. 49 Outros Critérios de Qualidade da Investigação Qualitativa................................................ 50 Considerações Finais Relativas à Qualidade da Investigação Qualitativa..................... 52 Ética na Investigação Qualitativa.......................................................................................................... 53

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Manual de Investigação Qualitativa Considerações Finais................................................................................................................................. 57 Referências Bibliográficas........................................................................................................................ 58 PARTE II – RECOLHA DE DADOS QUALITATIVOS............................................................................. 61 4 ENTREVISTA................................................................................................................................................ 63 Introdução..................................................................................................................................................... 65 Entrevista: Definição e Tipos.................................................................................................................. 67 A Intervenção do Investigador.............................................................................................................. 72 A Ética na Entrevista.................................................................................................................................. 73 Respostas Emocionais............................................................................................................................... 74 Confidencialidade e Avaliação de Risco............................................................................................ 74 Análise de Conteúdo................................................................................................................................. 75 Alceste...................................................................................................................................................... 76 TextSTAT.................................................................................................................................................. 77 Diretrizes para a Realização de um Inquérito por Entrevista..................................................... 78 Antes da Entrevista............................................................................................................................. 79 Durante a Entrevista........................................................................................................................... 79 Após a Entrevista................................................................................................................................. 80 Elementos Condicionantes.............................................................................................................. 81 Considerações Finais................................................................................................................................. 82 Referências Bibliográficas........................................................................................................................ 83 5 OBSERVAÇÃO............................................................................................................................................. 87 Introdução..................................................................................................................................................... 89 O Que Significa Observar?...................................................................................................................... 90 Porquê e Quando........................................................................................................................................ 90 Proteção do Observado para Investigação...................................................................................... 91 Técnicas de Observação........................................................................................................................... 91 Observação Naturalista..................................................................................................................... 91 Observação Simples........................................................................................................................... 92 Observação Participante................................................................................................................... 93 Observação Sistemática.................................................................................................................... 93 Preparação do Observador..................................................................................................................... 93 Treino do Observador........................................................................................................................ 94 Dois Exemplos no Mesmo Local.................................................................................................... 96 Outras Possibilidades de Treino..................................................................................................... 97 Lista de Categorias..................................................................................................................................... 97 Espaços........................................................................................................................................................... 98 Materiais......................................................................................................................................................... 99 Considerações Finais................................................................................................................................. 99 Referências Bibliográficas........................................................................................................................ 100 6 INVESTIGAÇÃO DOCUMENTAL......................................................................................................... 103 Introdução..................................................................................................................................................... 105 Propósitos...................................................................................................................................................... 106

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Índice O Documento como Fonte de Informação...................................................................................... 107 Vantagens e Limitações............................................................................................................................ 108 O Procedimento.......................................................................................................................................... 110 A Identificação e a Seleção de Documentos.................................................................................... 111 Análise do Conteúdo................................................................................................................................. 112 A Crítica das Fontes................................................................................................................................... 113 Os Softwares de Gestão de Referências............................................................................................. 116 Redes de Investigação.............................................................................................................................. 118 Exemplos de Investigação Documental............................................................................................. 118 Considerações Finais................................................................................................................................. 120 Pontos-chave a Reter................................................................................................................................ 121 Referências Bibliográficas........................................................................................................................ 121 PARTE III – ANÁLISE E ESCRITA DE INVESTIGAÇÃO QUALITATIVA........................................ 125 7 ANÁLISE DE DADOS................................................................................................................................ 127 Introdução..................................................................................................................................................... 129 Síntese de um Processo de Análise de Dados................................................................................. 130 Organização, Redução e Preparação da Informação Recolhida........................................ 130 Análise da Informação Recolhida.................................................................................................. 131 Conceitos Fundamentais no Processo de Análise de Dados..................................................... 132 Uma Tipologia de Análise de Dados................................................................................................... 134 Análise de Conteúdo.......................................................................................................................... 134 Análise do Discurso............................................................................................................................ 136 Análise Temática.................................................................................................................................. 138 Análise de Narrativas......................................................................................................................... 140 Aplicação de Diferentes Métodos de Análise.................................................................................. 141 A Qualidade no Processo de Análise de Dados Qualitativos.................................................... 146 Considerações Finais................................................................................................................................. 147 Referências Bibliográficas........................................................................................................................ 148 Apêndice 7.1 ................................................................................................................................................ 151

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8 ANÁLISE DE DADOS VISUAIS E REDES SOCIAIS COM APOIO DE SOFTWARE........... 159 Introdução..................................................................................................................................................... 161 Metodologia e Desenho para Análise de Dados Visuais............................................................ 162 O Que São Dados Visuais?............................................................................................................... 162 O Uso dos Dados Visuais como Elemento de Recolha de Informação.......................... 164 Os Vários Métodos de Dados Visuais................................................................................... 164 A Análise do Dado Visual: Exemplo de Aplicação do Método de Análise de Conteúdo......................................................................................................................................... 169 O Uso de Software de Análise Qualitativa em Dados Visuais............................................ 171 Alguns Pacotes de Software para a Análise de Dados Visuais.................................... 171 O Software webQDA na Análise de Dados Visuais.......................................................... 174 Metodologia e Desenho para Análise de Redes Sociais............................................................. 177 O Que São as Redes Sociais?.......................................................................................................... 177 Atores................................................................................................................................................ 179

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Manual de Investigação Qualitativa Relacionamentos.......................................................................................................................... 180 Utilitários de Análise de Redes Sociais........................................................................................ 182 Ferramentas Digitais que Exploram a Análise de Redes Sociais....................................... 182 Considerações Finais................................................................................................................................. 186 Questões para Reflexão Final................................................................................................................. 188 Referências Bibliográficas........................................................................................................................ 188 9 ESCRITA CIENTÍFICA............................................................................................................................... 193 Introdução..................................................................................................................................................... 195 Características da Escrita Científica...................................................................................................... 195 Estrutura da Escrita Científica................................................................................................................. 199 Regras de Formatação do Trabalho Científico................................................................................ 203 Direitos de Autor......................................................................................................................................... 205 Considerações Finais................................................................................................................................. 206 Referências Bibliográficas........................................................................................................................ 207 PARTE IV – APLICAÇÕES............................................................................................................................... 209 10 E SE OLHÁSSEMOS PARA A FOTOGRAFIA? A FOTOGRAFIA COMO FONTE DE DADOS NA INVESTIGAÇÃO EM CIÊNCIAS SOCIAIS............................................................... 211 Introdução..................................................................................................................................................... 213 A Fotografia, um Documento Omnipresente.................................................................................. 214 O Fotógrafo................................................................................................................................................... 216 Dispositivo Técnico, Manipulação e Montagem............................................................................. 218 O Objeto Fotografado.............................................................................................................................. 220 Uma Proposta de Análise de Fotografias em Investigação Qualitativa................................. 224 Considerações Finais................................................................................................................................. 226 Referências Bibliográficas........................................................................................................................ 227 11 ANÁLISE NARRATIVA: O OLHAR DA ANÁLISE DO DISCURSO.......................................... 229 Introdução..................................................................................................................................................... 231 Do Discurso à Análise do Discurso...................................................................................................... 231 Análise Crítica do Discurso...................................................................................................................... 235 Considerações Finais................................................................................................................................. 243 Referências Bibliográficas........................................................................................................................ 243 12 ANÁLISE NARRATIVA: ANÁLISE DO DESENHO INFANTIL................................................... 247 Introdução..................................................................................................................................................... 249 O Desenho Infantil..................................................................................................................................... 249 O Que é Desenhar?.................................................................................................................................... 250 Perspetiva do Desenvolvimento Infantil por Etapas..................................................................... 251 Etapa Pré-representacional do Desenho.................................................................................... 251 Etapa Representacional do Desenho........................................................................................... 253 Perspetiva do Processo do Desenho Infantil.................................................................................... 256 O Que Observar no Desenho de Uma Criança?............................................................................. 257 Como Responder aos Desenhos da Criança?.................................................................................. 258

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Índice Intervenção dos Adultos nos Desenhos da Criança...................................................................... 259 Considerações Finais................................................................................................................................. 260 Referências Bibliográficas........................................................................................................................ 261 13 INVESTIGAÇÃO FENOMENOLÓGICA.............................................................................................. 263 Introdução..................................................................................................................................................... 265 Origem da Fenomenologia..................................................................................................................... 266 O Que é o Fenómeno?............................................................................................................................. 267 Integração da Fenomenologia nos Estudos Qualitativos........................................................... 268 Investigação Fenomenológica............................................................................................................... 270 Fundamentos................................................................................................................................................ 270 Métodos......................................................................................................................................................... 272 Aplicações...................................................................................................................................................... 275 Considerações Finais................................................................................................................................. 276 Questões de Reflexão............................................................................................................................... 277 Referências Bibliográficas........................................................................................................................ 277 14 INVESTIGAÇÃO QUALITATIVA LONGITUDINAL........................................................................ 281 Introdução..................................................................................................................................................... 283 O Tratamento do Tempo na IQL........................................................................................................... 283 Obtenção de Dados em IQL................................................................................................................... 287 A Análise de Dados em IQL.................................................................................................................... 292 Considerações Finais................................................................................................................................. 294 Referências Bibliográficas........................................................................................................................ 295

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ÍNDICE REMISSIVO............................................................................................................................................ 297

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OS AUTORES COORDENADORES Sónia P. Gonçalves (Coordenadora e Autora) Licenciada, mestre e doutorada em Psicologia do Trabalho e das Organizações pelo ISCTE – Instituto Universitário de Lisboa (IUL). Pós-graduada em Epidemiologia, Análise de Dados e Pedagogia no Ensino Superior. Especialista em Psicologia da Saúde Ocupacional pela Ordem dos Psicólogos Portugueses e em Administração e Gestão pelo Instituto Politécnico de Tomar. Professora Auxiliar Convidada no Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas, Universidade de Lisboa (ISCSP-ULisboa). Coordenadora Adjunta da Unidade de Coordenação de Gestão e Políticas de Recursos Humanos. Coordenadora do Grupo de Investigação de Recursos Humanos e Comportamento Organizacional do Centro de Administração e Políticas Públicas (CAPP). Membro da Direção da Associação Portuguesa de Gestão de Pessoas (APG). Autora e coautora de diversas comunicações em eventos científicos, bem como artigos, capítulos e livros nacionais e internacionais. Interesses de investigação: metodologias de investigação, psicologia da saúde ocupacional e gestão de recursos humanos. Joaquim P. Gonçalves (Coordenador e Autor) Licenciado em História pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa (FLUL). Especialista em História Medieval (FLUL). Pós-graduado em Ciências da Documentação e Informação – Área de Arquivo (FLUL). Mestre em Ciências da Documentação e Informação (FLUL). Investigador Integrado do Centro de Estudos Clássicos da FLUL. Autor e coautor de artigos em revistas nacionais e internacionais e de capítulos de livros.

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Célio Gonçalo Marques Licenciado em Informática e Gestão, mestre em Comunicação Educacional Multimédia, pós-graduado em Técnicas e Contextos de e-Learning e doutorado em Ciências da Educação, especialidade de Tecnologia Educativa. Professor Adjunto da Unidade Departamental de Tecnologias de Informação e Comunicação do Instituto Politécnico de Tomar (IPT), Diretor do Centro de Investigação Techn&Art, Diretor do Laboratório de Inovação Pedagógica e Ensino a Distância do IPT e Presidente do Conselho Técnico-Científico da Escola Superior de Gestão de Tomar (ESGT). Membro do Laboratório de Tecnologia Educativa da Universidade de Coimbra. Responsável pela unidade curricular de Metodologia de Investigação em vários mestrados. Colaborou com o Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas (ISCSP, Universidade de Lisboa) e com a Universidade Lusíada de Lisboa na lecionação de várias unidades curriculares de mestrado. Colaborou em diversos projetos relacionados com a informática na educação e prestou consultoria informática a várias empresas. Autor de diversas publicações nacionais e internacionais, tem estado na organização de vários eventos científicos internacionais. Membro do comité editorial de diversas revistas científicas internacionais, entre elas, o International Journal of Technology and Human Interaction e o International Journal of Science, Technology and Society. XI


Manual de Investigação Qualitativa

AUTORES Amália Rebolo Pós-doutoramento no Instituto de Educação (Universidade do Minho). Doutoramento em Motricidade Humana e Mestre em Desenvolvimento da Criança, pela Faculdade de Motricidade Humana da Universidade de Lisboa (FMH-UL). Licenciatura em Educação Física pelo Instituto Superior de Educação Física da Universidade Técnica de Lisboa (ISEF-UTL). Professora de Educação Física no Ensino Básico. Docente na Escola Superior de Educação (ESE) Jean Piaget e no ISEIT. Formadora creditada pelo Centro Coordenador da Formação Contínua de Professores. Membro da Research in Education and Community Intervention (RECI). Interesses de investigação: bullying escolar, recreios, jogo e desenvolvimento da criança. Orientação de relatórios finais de mestrado em ensino. Autora de artigos e capítulos de livros. Ana Isabel Rodrigues Doutorada em Turismo pela Faculdade de Economia da Universidade do Algarve (FEUALG). Mestre em Comunicação, Cultura e Tecnologias de Informação pelo Instituto Universitário de Lisboa (ISCTE-IUL), Departamento de Sociologia. Licenciada em Comunicação Social e Cultural – Variante de Turismo, Universidade Católica Portuguesa de Lisboa. Bacharel em Direção e Gestão de Operadores Turísticos, Escola Superior de Hotelaria e Turismo do Estoril (ESHTE). Professora Adjunta do Instituto Politécnico de Beja (IPBeja), Escola Superior de Tecnologia e Gestão. Revisora de artigos científicos e membro de comissões científicas de congressos nas áreas do turismo & lazer e métodos qualitativos. Interesses de investigação: marketing turístico, comunicação/promoção turística, criação de imagem de destinos, metodologias visuais, ensino experiencial aplicado ao turismo e utilização de CAQDAS na análise de dados visuais. António Pedro Costa Um dos investigadores do software de apoio à análise qualitativa webQDA, área em que tem publicado, em coautoria, diversos artigos em congressos nacionais e internacionais, artigos em revistas e capítulos de livros. Coordenador do Congresso Ibero-Americano em Investigação Qualitativa e do World Conference on Qualitative Research. Membro Integrado do Centro de Investigação em Didática e Tecnologia na Formação de Formadores (CIDTFF), Departamento de Educação e de Psicologia, da Universidade de Aveiro e colaborador do Laboratório de Inteligência Artificial e Ciência de Computadores (LIACC), da Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto (FEUP). Bruno J. Barcellos Fontanella Graduado em Medicina pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp, Brasil), onde também se especializou em Psiquiatria e se doutorou em Ciências Médicas. Realizou estágio pós-doutoral na Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz, Rio de Janeiro). Professor Associado da Universidade Federal de São Carlos, no Estado de São Paulo, Brasil. Trabalha no Departamento de Medicina do Centro de Ciências Biológicas e da Saúde desta XII


Os Autores Universidade. Interesses de investigação: pesquisa com abordagem qualitativa de questões sobre saúde relacionadas sobretudo com os temas relação profissional-paciente e uso de substâncias psicoativas. Carla Piscarreta Damásio Licenciada e mestre em Ciências da Educação. Enfermeira Especialista em Enfermagem Médico-Cirúrgica. Doutorada em Enfermagem pela Universidade de Lisboa. Professora Adjunta na Escola Superior de Saúde do Politécnico de Leiria (ESSLEI), onde foi Coordenadora Departamental da Mobilidade e Presidente do Conselho Pedagógico. Coordenadora do CTeSP de Gerontologia. Integra o Grupo de Estudos e Reflexão em Medicina Narrativa (GERMEN). Autora de várias publicações científicas em revistas indexadas, capítulos de livros, comunicações orais e posters em conferências nacionais e internacionais, e integra diversos corpos editoriais de revistas internacionais. Carlos Guardado da Silva Licenciado em História, mestre em História Medieval, doutorado em História Medieval, pós-graduado em Ciências Documentais, nas variantes de Arquivo e de Biblioteca e Documentação, pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa (FLUL), e Agregado em Ciência da Informação, pela Universidade de Coimbra. Professor e Diretor do mestrado em Ciências da Documentação e Informação da FLUL. Investigador do Centro de Estudos Clássicos da FLUL. Académico Correspondente da APH. Membro da SPEM e do Centro de Investigação Joaquim Veríssimo Serrão. Sócio da SOPCOM, vice-presidente da Assembleia-Geral da BAD e diretor do Capítulo Ibérico da ISKO. Catarina Brandão Professora Auxiliar da Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação da Universidade do Porto (FPCEUP). Membro da equipa Power2Project e membro do Centro de Psicologia dessa universidade. Fundadora e responsável pela Unidade de Psicologia das Organizações e dos Recursos Humanos da FPCEUP. Integra atualmente a Comissão Organizadora do Congresso Ibero-Americano em Investigação Qualitativa e do World Conference on Qualitative Research. Tem publicado vários artigos e capítulos de livros acerca da liderança, processos de gestão de recursos humanos e desenvolvimento organizacional, com recurso a metodologias qualitativas, tema acerca do qual também tem vindo a publicar, nomeadamente no que se refere ao uso de QDAS.

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Climent Formoso Doutorado em Sociologia pela Universidade de Barcelona (UB) e licenciado em Filosofia. Professor Associado no Departamento de Sociologia da UB, onde leciona nos cursos de Sociologia, Criminologia e Ciências Políticas. Foi Professor de Estrutura Social em cursos de formação para agentes no Institut de Seguretat Pública de Catalunya (ISPC). É também professor de Geografia e História de Espanha em escolas secundárias. Interesses de investigação: sociologia política, segurança na cidadania e sexualidade. A sua publicação XIII


Manual de Investigação Qualitativa mais relevante é Miedo social: Crisis económica y poder político en España (CEPC, 2019), para além de outros artigos sobre sexualidade. Eduardo Escalante Gómez Licenciado em Linguística e Literatura (Universidade do Chile). Mestre em Ciências Sociais (Universidade de Gales, Grã-Bretanha). Ex-Pró-Reitor (Universidade de Playa Ancha, Chile), Ex-Diretor do Instituto de Investigações da Faculdade de Psicologia da Universidade Aconcagua (Argentina). Investigador da Universidade Juan Agustín Maza (Argentina) e Diretor do Instituto de Investigação em Felicidade Organizacional da Fundación Universitas (Argentina). Publicou diversos artigos científicos em revistas com comissão científica no Chile, Argentina, Perú, Colômbia, México, Nicarágua e Espanha. Publicou vários livros, nomeadamente na área da investigação científica, investigação qualitativa e psicologia organizacional. Helena Ribeiro de Castro Licenciada em Biologia, Ramo Educacional (Universidade de Lisboa). Mestre em Ciências da Educação, Formação Pessoal e Social (Universidade de Aveiro). Doutorada em Educação, Pedagogia (Universidade de Lisboa). Professora Coordenadora da Escola Superior de Educação (ESE) Jean Piaget de Almada. Coordenadora do Mestrado em Educação Pré-Escolar e Ensino do 1.º Ciclo do Ensino Básico. Investigadora em pedagogia e em história da educação. Membro da Research in Education and Community Intervention (RECI) e da Network 17, Histories of Education, e da European Educational Research Association (EERA), onde exerce funções de convenor. Jaime Ribeiro Doutorado e especializado em Multimédia em Educação pela Universidade de Aveiro e licenciado em Terapêutica Ocupacional pela Escola Superior de Tecnologia da Saúde do Porto (ESTSP). Professor na Escola Superior de Saúde do Politécnico de Leiria (ESSLEI). Membro efetivo da Sociedade Portuguesa de Engenharia de Reabilitação, Tecnologias de Apoio e Acessibilidade (SUPERA). Integra o Centro de Investigação “Didática e Tecnologia na Formação de Formadores” (CIDTFF-UA) e o Center for Innovative Care and Health Technology (CiTechCare). Investigador e autor de publicações e comunicações na área da investigação qualitativa, tecnologias de apoio, TIC, TIC em educação especial, recursos educativos digitais, saúde, envelhecimento, terapia ocupacional, acessibilidade e usabilidade. Jordi Caïs Doutorado em Sociologia pela Universidade de Barcelona (UB) e pela University of California San Diego (UCSD), onde estudou com uma bolsa da Comissão Fulbright. Mestre (M.Sc.) em Políticas Sociais Europeias pela London School of Economics (LSE) e licenciado em Ciências Económicas pela UB. Professor Catedrático no Departamento de Sociologia da UB, onde leciona cursos de Sociologia, Políticas Sociais e Técnicas de Investigação Social. Interesses de investigação: política social comparada na Europa, com destaque para XIV


Os Autores os cuidados continuados, as relações intergeracionais e a saúde. Especialista em técnicas de investigação comparativas e longitudinais. Autor de várias publicações. Jorge Revez Licenciado em História e mestre em História Contemporânea pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa (FLUL). Doutorado em Ciência da Informação na Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra (FLUC). Professor Auxiliar da FLUL, a lecionar no Mestrado em Ciências da Documentação e Informação. Investigador Colaborador no Centro de Estudos Interdisciplinares do Século XX (CEIS20) da Universidade de Coimbra, no Centro de Estudos Clássicos (CEC) da FLUL e no Centro de Estudos de História Religiosa (CEHR) da Universidade Católica Portuguesa. José Magalhães Doutorado em Psicologia (Universidade da Extremadura). Presidente da Comissão de Segurança e Saúde no Trabalho. Técnico Superior de Segurança e Psicólogo da Saúde Ocupacional do Instituto Nacional de Estatística (INE). Docente no Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas (ISCSP) da Universidade de Lisboa, em Gestão de Recursos Humanos, e na Universidade Autónoma de Lisboa, em Psicologia. Investigador Integrado no Centro de Investigação em Psicologia da Universidade Autónoma de Lisboa (UAL) e Investigador Convidado do SOCIUS/ISEG. Pertence ao Grupo Técnico Científico da Ordem dos Médicos para o estudo do burnout na classe médica; integra a equipa de investigação da UAL/Escola Superior de Enfermagem e é membro do Steering Group do INE. Coautor de livros e artigos. Laia Folguera Doutorada em Sociologia pela Universidade de Barcelona (UB). Professora do Departamento de Sociologia da UB. Realizou estágios especializados sobre género e técnicas de investigação social nas Universidades de Essex (Reino Unido), Califórnia (Berkeley) e Harvard (Boston). Membro do Grupo de Investigação em Sociologia Aplicada (GRISA). Preside a Comissão de Investigação de Sociologia da Sexualidade da Federação Espanhola de Sociologia (FES) e coordena os Grupos de Trabalho de Sociologia da Sexualidade dos Congressos de Sociologia da FES. Interesses de investigação: sociologia da sexualidade, masculinidades e processos associados às migrações transnacionais.

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Luís Corujo Licenciado em História (Ramo Educacional) pela Universidade do Porto, com a Especialização em Ciências Documentais (Variante de Arquivo) pela Universidade Portucalense. Mestre em Ciências da Documentação e Informação (Ramo de Arquivística) pela Universidade de Lisboa e com curso de Doutoramento em Ciência de Informação pela Universidade de Coimbra. Assistente Convidado no Mestrado em Ciências da Documentação e Informação da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa (FLUL). Investigador Colaborador no Centro de Estudos Interdisciplinares do Século XX (CEIS20) da Universidade de Coimbra e no Centro de Estudos Clássicos (CEC) da FLUL. XV


Manual de Investigação Qualitativa Miguel Mata Pereira Doutorado em Ciências da Educação e da Formação, pela Universidade de Toulouse 2, le Mirail (França). Mestre e licenciado em Psicologia Educacional pelo Instituto Superior de Psicologia Aplicada – Instituto Universitário de Ciências Psicológicas, Sociais e da Vida (ISPA). Psicólogo e membro efetivo da Ordem dos Psicólogos Portugueses, com especialidade em Psicologia Educacional e especialidade avançada em Necessidades Educativas Especiais. Docente em diferentes universidades. Membro integrado do Centro de Investigação em Educação do ISPA e investigador do Centro de Estudos Interdisciplinares em Educação e Desenvolvimento da Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias. Diretor do Centro de Investigação e Desenvolvimento da Associação QE. Formador Acreditado pelo Conselho Científico-Pedagógico da Formação Contínua. Sandra Xavier Doutorada em Enfermagem pela Universidade de Lisboa, mestre em Comunicação em Saúde e Enfermeira Especialista em Enfermagem Comunitária e Saúde Pública. Investigadora Integrada na Unidade de Investigação em Enfermagem do Sul e Ilhas (NURSE’IN), Investigadora Colaboradora na Unidade de Investigação e Desenvolvimento em Enfermagem (Linha de Emoções em Saúde), Professora Coordenadora na Escola Superior de Saúde do Instituto Politécnico de Beja. Autora de várias publicações científicas em revistas indexadas na área de enfermagem e da medicina transfusional e da transplantação, capítulos de livros, comunicações orais e posters em conferências nacionais e internacionais. Participa em vários corpos editoriais de revistas internacionais e como investigadora principal em projetos de investigação. Teresa Alzás Licenciada em Sociologia pela Universidade de Salamanca, completou o MUI em Ciências da Educação: aprendendo e ensinando ciências sociais, experimentais e matemáticas pela Universidade da Extremadura, da qual também é médica. Professora na Universidade da Extremadura. Interesses de investigação: técnicas e procedimentos de pesquisa, triangulação e estudos do sistema educacional. Victoria Paul Psicóloga e investigadora na área de riscos psicossociais. Leciona a unidade curricular de Ética e Responsabilidade Social na Pós-Graduação de Gestão Avançada de Recursos Humanos no Instituto Superior de Línguas e Administração de Leiria (ISLA-Leiria). Foi formadora no congresso Vertentes e Desafios de Segurança, no minicurso sobre a Fadiga Ocupacional. Participou em workshops sobre as normas da American Psychological Association (APA). Tem artigos publicados em revistas nacionais e internacionais.

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INTRODUÇÃO “Qualitative research is a situated activity that locates the observer in the world. It consists of a set of interpretative, material practices that makes the world visible. These practices… turn the world into a series of representations including fieldnotes, interviews, conversations, photographs, recordings… At this level, qualitative research involves an interpretative, naturalistic approach to the world…” (Denzin & Lincoln, 2000, p. 3)

Associada à natureza dos métodos qualitativos, tão bem sistematizada na afirmação de Denzin e Lincoln (2000), e à necessidade de aprofundar o conhecimento para além de quantificações estatísticas, tem-se assistido à afirmação progressiva em termos da conceção e aplicação dos métodos qualitativos na área das ciências sociais e humanas. A esta necessidade de compreender as quantificações estatísticas juntam-se outras razões que tornam apropriada a opção por uma abordagem qualitativa na investigação (Creswell, 2007). Assim, realizam-se investigações qualitativas quando: ●● Um problema ou questão precisa de ser explorado; ●● É necessário um entendimento complexo e detalhado do problema; ●● Queremos capacitar indivíduos a partilharem as suas histórias e a fazerem ouvir as suas vozes; ●● Se pretende entender os contextos ou cenários em que os participantes de um estudo abordam um problema ou questão; ●● É complementar à pesquisa quantitativa, visando ajudar a explicar os mecanismos ou as ligações de teorias ou modelos causais (i.e., o porquê dos resultados quantitativos); ●● Se ajusta o recurso à investigação qualitativa para desenvolver teorias quando as existentes são parciais ou inadequadas para determinada realidade ou quando as teorias existentes não capturam adequadamente a complexidade do problema.

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Atualmente, a realização de uma investigação qualitativa implica o envolvimento de elementos multidisciplinares com recurso a diversos métodos de obtenção de recolha de dados, a respetiva análise e a subsequente apresentação dos resultados à comunidade científica, e não só. Este paradigma tem especificidades que enriquecem e complementam o conhecimento em diferentes áreas científicas e aplicadas, traduzidas na dinâmica científica, na prolífera publicação de trabalhos académicos e na utilização crescente de aplicações informáticas (utilizadas, fundamentalmente, no registo e análise de dados). XXIII


Manual de Investigação Qualitativa De entre estas especificidades, destacamos a interação do investigador com o objeto de estudo, enquanto elemento estruturante desse estudo, e a inserção dos procedimentos de recolha e interpretação dos dados obtidos pelos instrumentos. Estas características assumem particular importância para a análise das relações sociais, porque, devido à mudança social e à diversidade que lhe está subsequente, ocasionam novos contextos sociais que exigem a realização de estudos de natureza exploratória e/ou de aprofundamento significativo. Neste contexto, salientam-se os processos e os significados, a construção social da realidade e as relações entre o investigador e o assunto em estudo e, ainda, os constrangimentos sociais que dão forma à investigação (Denzin & Lincoln, 2000). O objetivo desta metodologia consiste no estudo dos indivíduos inseridos, preferencialmente, nos seus contextos sociais naturais, assentando, para o efeito, em métodos de recolha dos dados que apresentam uma forte relação com as circunstâncias da sua produção, embora podendo ser influenciados pelos interesses sociais e culturais dos participantes. Assim, esta metodologia caracteriza-se por ser um trabalho de proximidade e interativo no qual se encontra implícita a exigência de contacto do investigador com o indivíduo ou grupo de indivíduos (Bowling, 1987). Esta proximidade transporta em si mesmo a necessidade de conceção e condução de uma investigação, por forma a minimizar a influência do investigador e procurando, desta forma, aumentar a objetividade e garantir a sua qualidade (Flick, 2005). Como em todos os paradigmas de investigação, identificamos diferentes formas de fazer investigação. Assim, enquanto Murphy, Dingwall, Greatbatch, Parker e Watson (1998) propõem como ideias orientadoras da investigação a adoção da perspetiva dos indivíduos em estudo, a descrição do contexto do estudo, a ênfase no contexto e no holismo, assim como a ênfase no processo e na flexibilidade do esquema da investigação (em que se insere a relutância em impor limites prévios), por sua vez Flick (2005) considera como fundamental a escolha adequada de métodos e teorias a aplicar, a inclusão da diversidade dos indivíduos participantes no estudo, a reflexão do investigador e a variedade de métodos e perspetivas inerentes à investigação qualitativa e adequados ao estudo, devendo o processo revestir-se de solidez e clareza e permitir a recolha de respostas. O livro Manual de investigação qualitativa: Conceção, análise e aplicações pretende reunir um conjunto de contribuições de autores de referência, nacionais e internacionais, sobre temáticas relacionadas com a investigação qualitativa, que percorrem o percurso desde a conceção à execução. A seleção dos assuntos abordados privilegiou e incidiu sobre temáticas que são objeto de preocupação académica dos cientistas sociais. Desta forma, este livro pretende ser um documento acessível e direto de utilização para estudantes e investigadores. A estrutura inicial deste manual foi concebida para o mesmo se constituir como ferramenta de trabalho, apresentando quatro partes que se complementam entre si, assentes nas diferentes perspetivas dos diversos autores. XXIV


Introdução A Parte I foca a conceção de investigação qualitativa, abordando os desenhos desta tipologia de investigação e, ainda, os participantes e a qualidade e ética, temas que têm de ser pensados e definidos quando o investigador procede à conceção do estudo. A Parte II debruça-se sobre a problemática da recolha de dados qualitativos, integrando os três principais métodos utilizados na realização de um estudo: ●● Análise documental; ●● Entrevistas; ●● Observação. A aplicação destes métodos procura obter dados que permitam fornecer pistas teóricas e operacionais. A Parte III dedica-se à análise e à escrita como forma de apresentação dos dados e das conclusões do estudo, iniciando-se com um capítulo introdutório à análise de dados, seguido da análise de dados com apoio de software e, finalizando, com a apresentação das principais características da escrita científica. Desta forma, procuramos contribuir para a valorização da fase de recolha de dados, encerrando o processo completo da investigação. A Parte IV apresenta diversas aplicações, nomeadamente, estudo de caso através do recurso ao suporte fotográfico, análise narrativa de discurso e de desenho, investigação fenomenológica e, ainda, estudos qualitativos longitudinais. Estes capítulos visam possibilitar ao leitor uma visão abrangente de potenciais aplicações da investigação qualitativa, quer em termos das metodologias quer das áreas de trabalho. Os coordenadores do Manual de investigação qualitativa: Conceção, análise e aplicações pretendem que este livro contribua para lançar sementes que germinem em trabalhos de investigação que se apresentem como verdadeiros contributos para a evolução do conhecimento, com particular incidência no desenvolvimento da pesquisa científica na investigação qualitativa afeta à área das ciências sociais e humanas, colocando pertinentes questões teórico-metodológicas para as quais os investigadores atuais e futuros procurarão encontrar respostas.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS Bowling, A. (1987). Research methods in health. Buckingham (2.ª ed.). Philadelphia: Ed. Open University Press. Creswell, J. W. (2007). Qualitative inquiry and research design: Choosing among five traditions. Thousand Oaks: Sage Publications. Denzin, N. K., & Lincoln, Y. S. (Eds.) (2000). Handbook of qualitative research. London: Sage Publications. © PACTOR

Flick, U. (2005). Métodos qualitativos na investigação científica. Lisboa: Editora Monitor. Murphy, E., Dingwall, R., Greatbatch, D., Parker, S., & Watson, P. (1998). Qualitative research methods in health technology assessment: A review of the literature. Health Technology Assessment, 2(16), 1-276.

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Parte I

CONCEÇÃO DE INVESTIGAÇÃO QUALITATIVA



Capítulo 1

DESENHOS DE INVESTIGAÇÃO QUALITATIVA Eduardo Escalante Gómez



INTRODUÇÃO Aqueles que defendem a investigação qualitativa fazem-no conscientes de que com ela se estuda a mediação simbólica, esse aspeto tão escassamente tido em consideração por positivistas e – à sua maneira – por estruturalistas. Seria uma questão de resgatar o espaço da subjetividade, essa necessária presença que escapa ao que é diretamente observável e às metodologias tradicionais do inquérito e do questionário. Tratar-se-ia, também, de captar essa dimensão específica em que o humano é tipificado como tal, tão bem trabalhada, à época, pela fenomenologia. Determinar a credibilidade dos resultados da investigação qualitativa é uma área sobre a qual existe já bastante discussão, bem como muitos temas, perguntas por responder e ambiguidades não resolvidas (Cutcliffe & McKenna, 2004). O desenho escolhido pelo investigador qualitativo é uma questão que exige uma significativa análise teórico-metodológica. Trata-se de uma tentativa de reunir informação que permita fazer conjeturas abdutivas plausíveis1, isto é, de desbastar um campo em que a condição dedutiva de empregar uma teoria prévia dificilmente poderia ser aplicada, como acontece com a ciência dita “normal”, conforme estabelecido por Kuhn sob a noção de “paradigmas” (nos quais novos problemas empíricos são resolvidos sob condições já conhecidas, os chamados puzzles)2. Daí o tipo de abordagem adotada neste capítulo, tentando ir além do que é propriamente instrumental. O que acima se expõe representa uma discussão não resolvida e com muitas nuances, em que a tarefa mais delicada corresponde a tentar ajustar os critérios positivistas de validade (objetividade, validades interna e externa e fiabilidade) para aplicá-los a estudos qualitativos. É evidente que não existe uma fórmula mágica, porém, o melhor que se conseguiu foi feito ao nível da definição da credibilidade dos investigadores, para a qual foram sugeridas diferentes estratégias, incluindo a observação intensiva e a triangulação, e, para garantir a transferibilidade, uma amostragem intensiva (teórica/intencional) e descrição densa. Além disso, foi apontado que a “confirmabilidade” na investigação qualitativa depende de investigadores externos que a possam auditar e da negociação dos resultados como parte da necessária interdependência entre investigador e investigado. No entanto, poderia argumentar-se que a validade das investigações (quantitativas e qualitativas) depende do rigor e da integridade dos investigadores. Cada decisão tomada pelo investigador deve ser fundamentada, refletir o quadro de referência teórico e da metodologia utilizada, e ser explícita para os leitores, assim como no que diz respeito às instâncias de validação teóricas, metodológicas e operativas. Sobre a abdução, pode consultar-se Calvo, S. (1996). El pragmatismo y la abducción. In E. Díaz (Ed.), La ciencia y el imaginario social. Buenos Aires: Biblos. 2  T. Kuhn afirma que a ciência dita normal não questiona – frequentemente nem sequer reconhece – as bases cognitivas do paradigma. Apenas resolve casos empíricos como se a lógica de resolução fosse “natural”. Esses casos são as “adivinhas” (previamente traduzidos, de forma errónea, como “enigmas”, na versão em espanhol).

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Manual de Investigação Qualitativa

MÉTODOS E ABORDAGENS DA INVESTIGAÇÃO QUALITATIVA A relação entre o investigador e o investigado segue, necessariamente, determinadas premissas ontológicas. No caso da investigação qualitativa, em particular, essas premissas acarretam implicações epistemológicas. Eis algumas das possíveis questões ontológicas: Como é criado e negociado o significado numa cultura específica ou numa situação social em concreto? A implicação epistemológica desta questão pode também ser formulada enquanto pergunta: O que faço, como investigador, para representar de forma adequada esse significado na minha investigação? É tão relevante uma recuperação subjetiva do sentido específico de determinada experiência como a possibilidade de conhecer em detalhe as homologias e as diferenças que apareçam entre as histórias relatadas pelos diferentes atores sociais de uma determinada realidade – histórias tal como foram reconstituídas ao nível da significância. Os significados dos métodos de indagação não existem por si próprios (isto é, teoricamente enquanto “metodologia”), sendo reconhecíveis pela situação cultural e social em que são praticados (em termos heideggerianos, existem como modos de prática). O significado nunca é neutro, acontecendo sempre numa situação histórica, cuja compreensão se exige, sendo, por conseguinte, também necessária a sua interpretação, qualquer que seja o método de investigação qualitativa empregado. Embora nem todos os hermeneutas concordem com este tipo de enunciado. Os dois sujeitos (investigador/investigado) convergem numa relação que molda o significado. Alguns investigadores ficar-se-ão por este ponto, ao passo que outros poderão indicar que ela reflete não só a significação individual de uma prática social do sujeito, mas também a realidade sociocultural do mesmo, que é expressa e recriada no processo de investigação qualitativa. Existe um tipo de estudos qualitativos com base na comparação das narrativas produzidas pelos atores, com outras informações que possam ser obtidas de forma “objetiva”, como ficheiros, documentos, depoimentos de terceiros, etc. O objetivo é que os próprios inquiridos ofereçam informação útil para a comparação das diferentes histórias. As perguntas apontarão para várias situações, a fim de identificar com a maior precisão possível o acesso a informação discreta (no sentido estatístico da expressão) sobre as condições específicas em que elas existem. Nesse processo, as noções de validade, de legitimidade e do papel do investigador encontram-se associadas à capacidade de interpretar, constituindo, consequentemente, prova significativa de que a hermenêutica “apropriada” depende da profundidade e da adequação da interpretação, e não de noções objetivistas, como a previsibilidade e a replicação. A compreensão requer participação na investigação que se esteja a realizar, além de uma constante abertura, que significa estar continuamente envolvido nos seus próprios preconceitos como parte do processo de compreensão. Esses preconceitos são parte constitutiva do que se compreende. 6


Capítulo 4

ENTREVISTA José Magalhães e Victoria Paul



INTRODUÇÃO Embora seja uma temática que parece de proximidade de compreensão, o facto é que existe pouca literatura atual sobre o método de entrevista como ferramenta para a investigação. Neste contexto, importa fazer algum percurso na análise de conteúdo, tipologia e versatilidade na aplicação em concreto. Uma grande parte da literatura que atualmente se encontra disponível tem como base informação obtida através de um inquérito. O avanço da tecnologia e o acesso às redes sociais popularizaram o seu uso, permitindo atingir uma população cada vez mais abrangente. Continua a existir alguma confusão entre os termos “questionário” e “inquérito”. Embora, por vezes, utilizados como sinónimo, é importante saber distinguir entre os dois. Enquanto um questionário se refere a um instrumento de investigação composto por várias perguntas, com o objetivo de recolher informação do respondente, um inquérito engloba tanto as perguntas como o processo de recolher, agregar e analisar as respostas às perguntas colocadas. Ou seja, enquanto o questionário descreve o conteúdo, o inquérito integra conteúdo, método e análise. Um inquérito é, talvez, a forma mais eficaz de medir comportamentos, atitudes, crenças e opiniões (Boynton, 2009; Mathers, Fox & Hunn, 2009; McLeod, 2018; SurveyMonkey, 2019). “A interacção directa é uma questão-chave da técnica de entrevista” (Carmo & Ferreira, 2008, p. 141), pois esta encontra-se valorizada pela presença dos intervenientes, sendo fundamental que, no início da entrevista, se apresente o investigador e o problema da pesquisa, assim como o papel do entrevistado (Carmo & Ferreira, 2008). A entrevista face a face, também conhecida como entrevista pessoal, é provavelmente o método mais conhecido e mais antigo de recolha de dados de investigação. Permite minimizar a ausência de resposta e maximizar a qualidade da informação obtida. É comummente utilizada quando se pretende abordar temas sensíveis (Dialsingh, 2008).

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Referem Michels, Mackinnon e Buckley (2008) que a entrevista tem uma componente que ultrapassa a sua cientificidade e que tem a ver com a capacitação do entrevistador às vicissitudes do entrevistado e do contexto. Neste aspeto, o que emerge é o seu poder de aquisição técnica e metodológica e não a pedagogia do seu ensino. O que talvez seja exato, no entanto, muitas coisas poderão ser aprendidas para aumentar a habilidade no entrevistar. Esta reflexão sobre a entrevista implica reter que, para a sua melhor operacionalização, não chega conhecer as metodologias, sendo necessário saber aplicá-las em cada contexto, em cada situação e para cada indivíduo. As características essenciais de uma entrevista face a face são: ●● Contacto pessoal direto entre o entrevistador e o entrevistado; 65


Manual de Investigação Qualitativa ●● Divisão específica de tarefas entre eles (um faz as perguntas, enquanto o outro responde); ●● Uso de um questionário no qual a redação e a ordem das perguntas podem ser corrigidas e ajustadas ao entrevistado e ao decorrer da entrevista. A aplicação de um inquérito numa entrevista face a face fornece não só as respostas desejadas, mas também permite observar o comportamento dos entrevistados, seja individualmente, seja em grupo. É, no entanto, mais adequado para entrevistas mais longas e com tarefas mais complexas (Loosveldt, 2008; Sincero, 2019). O inquérito por entrevista possui determinados benefícios e, por esse motivo, é preferido por alguns investigadores. Antes de saber se é o método mais adequado a aplicar numa investigação, convém compreender algumas das suas vantagens e desvantagens (DeFranzo, 2014; Mackman Research, 2013; Steber, 2016). Estas encontram-se descritas no Quadro 4.1: QUADRO 4.1 – VANTAGENS E DESVANTAGENS DE UM INQUÉRITO POR ENTREVISTA Vantagens

Desvantagens

•• Identificação e recolha de informação •• Custo – o custo é a grande desvantagem

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precisa e completa – ao contrário do que acontece com inquéritos online, que garantem o anonimato do respondente, num inquérito por entrevista o indivíduo é identificado. Obriga à partilha de informação fidedigna, tal como género, idade ou etnia. Por outro lado, o entrevistador consegue garantir que todas as perguntas sejam respondidas; Inclusão de todos os grupos – permite a inclusão de grupos de respondentes que, de outra forma ou por inquéritos online, poderiam ser excluídos, como analfabetos, cegos, acamados ou idosos; Empatia e interação pessoal – o entrevistador consegue estabelecer uma ligação com o participante, mostrando que compreende o que este sente. Ao sentir-se seguro e compreendido, mais facilmente o participante irá abrir-se e partilhar as suas emoções;

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de um inquérito por entrevista. Os custos ocorrem tanto em termos de tempo, pessoal, como de forma indireta (salas de entrevistas, material, etc.). No entanto, embora o investimento possa ser dispendioso, poderá valer a pena. Existem situações em que essa metodologia é a melhor maneira de alcançar os resultados desejados; Competência do entrevistador – entrevistas face a face são intrusivas, reativas e requerem grande habilidade para serem administradas sem introduzir preconceitos; Processamento de dados – embora o plano de recolha de dados possa parecer óbvio, o plano de processamento de dados é comummente ignorado, mas deve ser considerado no início do processo. Se a entrevista for administrada em papel, a introdução dos dados e a digitalização de questionários em papel podem aumentar significativamente o custo do projeto e prolongar o processo de análise; (continua)

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Entrevista (continuação)

Vantagens

Desvantagens

•• Fornece informação verbal e não ver- •• Limitação do tamanho da amostra –

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bal – para além da informação verbal obtida através das questões colocadas, o método de entrevista face a face permite igualmente capturar questões não verbais, incluindo a linguagem corporal que pode indicar, por exemplo, um certo desconforto às perguntas colocadas. Através do registo de emoções e informação não verbal é possível obter uma resposta mais holística à questão colocada; Foco – o entrevistador detém o controlo sobre a entrevista e pode manter o entrevistado focado e livre de distrações, garantindo que todas as perguntas sejam devidamente respondidas.

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dada a sua natureza, as entrevistas face a face precisam de ser administradas a um número menor de indivíduos do que é possível através de outros métodos (e.g., online). O tamanho da amostra terá de ser ajustado ao tamanho da equipa de investigação e aos profissionais disponíveis; Informação desatualizada – um inquérito por entrevista é um processo longo e a informação recolhida corre o risco de ficar desatualizada devido aos períodos prolongados que a envolve.

ENTREVISTA: DEFINIÇÃO E TIPOS A entrevista é uma situação de interação pessoal, conduzida tecnicamente, que tem como objetivos principais fazer um diagnóstico, recolher informação e/ou prestar ajuda. Uma entrevista envolve um entrevistador, que coordena o processo da conversa e faz perguntas, e um entrevistado, que responde a essas perguntas. É um método apropriado quando existe a necessidade de recolher informações detalhadas sobre as opiniões, os pensamentos, as experiências e os sentimentos das pessoas. Neste contexto, alguns dos procedimentos básicos e estratégicos devem contemplar a definição dos objetivos, motivar o obter partilha e colaboração do entrevistado, facilitar a expressão de ideias e sentimentos, utilizar adequadamente a centralização e a estruturação, controlar a comunicação e atribuir significados aos factos. Trata-se de uma ligação fundamental entre o entrevistador e o entrevistado que possibilita uma análise precisa.

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A entrevista, como método qualitativo, permite uma recolha de informação nos contextos próprios dos respondentes, durante um espaço temporal determinado, tornando-se importante porque o ser humano condiciona o seu comportamento ao contexto em que interage. Pretende-se, na análise de conteúdo, já encetada, criar a possibilidade de uma melhor compreensão dos respondentes, congregando a informação e o conhecimento dos envolvidos, o que só se torna possível quando fazem a descrição das suas experiências dentro do campo das significações. Esta abordagem traduz a diferenciação de processos e direções, a análise de ocorrências e a análise avaliativa e associativa (Osgood, 1959), sendo que implicam algumas operações (Vala, 2001), como a definição do quadro teórico condutor da pesquisa para 67


Manual de Investigação Qualitativa enquadramento dos objetivos, a construção de um constructo de material de análise e a definição de categorias e das unidades de análise que enfocam o objeto da entrevista. Tendo como base a entrevista de emprego/seleção, considerada a “mãe das entrevistas”, podemos considerar que existem outros tipos utilizados, quer em termos organizacionais quer em termos científicos. Entre outras, podemos considerar as entrevistas de: ●● Acolhimento (receção de novos trabalhadores na organização, com um papel de pré-socialização); ●● Avaliação (balanço do desempenho funcional); ●● Apoio (também designadas por coaching, mas que podem ser igualmente de ajuda); ●● Orientação (dedicadas ao encaminhamento vocacional); ●● Aconselhamento (dirigidas a situações de acompanhamento situacional); ●● Reconversão (focalizadas na reorganização funcional de um trabalhador); ●● Despedimento (em casos de saída forçada de um emprego); ●● Reinserção (reencaminhamento e acompanhamento social para casos marginais). É evidente que seria “pesada” uma abordagem em detalhe sobre cada uma destas tipologias, pelo que nos vamos dedicar à essência da entrevista, como componente metodológica, com particular foco nas envolventes de processo. Citando Chiavenato (2004), podemos reter como ponto de partida que a entrevista tem de ter uma componente de sensibilização do entrevistador face ao ambiente e ao interlocutor e que a adoção desta técnica é uma decisão regular, mesmo que se tenha de ter em linha de conta a sua parcial falta de objetividade. Lévy-Leboyer (2000) define entrevista como um contexto de cariz social que os dois participantes representam quanto às origens, podendo, assim, repercutir os preconceitos adquiridos, bem como as estratégias imprescindíveis para terem sucesso face ao foco da entrevista, o que implica ter em consideração a função de recolha de informação específica, por um lado, e, por outro, reunir dados que permitam efetuar uma opinião global sobre o objeto da entrevista. Neste âmbito, a entrevista tem sido considerada, por alguns autores, como uma técnica de elevado grau de subjetividade. Embora esta perceção da técnica tenha suporte real, não deixa de ser uma mais-valia de recolha de informação pertinente para a investigação, considerando que os questionários também apresentam limitações que prejudicam o seu uso com cariz universal e indiscriminado. 68


Capítulo 8

ANÁLISE DE DADOS VISUAIS E REDES SOCIAIS COM APOIO DE SOFTWARE Ana Isabel Rodrigues, Teresa Alzás e António Pedro Costa



INTRODUÇÃO Os pacotes de software específico de suporte à investigação qualitativa possibilitam a organização e sistematização da recolha e análise dos dados, bem como potenciam a definição de dimensões, categorias e subcategorias de análise, processos usualmente muito laboriosos (Souza, Costa, & Souza, 2015). Os diferentes pacotes de software têm-se munido de novas funcionalidades, com a pretensão de dar resposta às diversas metodologias e técnicas de análise de dados. Por outro lado, autores como Kaefer, Roper e Sinha (2015) referem que muitos investigadores discutem as vantagens e limitações do uso de pacotes de software na análise qualitativa de dados na investigação. No artigo A software-assisted qualitative content analysis of news articles: Example and reflections (Kaefer et al., 2015), os autores afirmam que o uso de software torna mais rápida e eficiente a gestão de dados, a gestão de ideias, permitindo modelar graficamente essas ideias e analisar um maior volume de dados. Ao mesmo tempo, reduz a complexidade do processo de análise, potencia o rigor metodológico, a consistência e a transparência analítica. Além disso, as funcionalidades destes pacotes de software possibilitam a procura e a modelação dos dados, dando-lhes uma visibilidade que não seria possível com métodos manuais, permitindo, assim, obter novas perceções (insights) e reflexões sobre um determinado projeto/estudo. Por outro lado, alguns pacotes de software exigem um (por vezes, elevado) investimento financeiro e de tempo na sua aprendizagem. Muitos utilizadores confiam em demasia nestes pacotes que, na maioria das vezes, criam expectativas irrealistas. Bazeley (2007) refere que a relativa facilidade de codificação assistida por software pode reduzir a leitura crítica e reflexiva e irá mecanizar a análise qualitativa, comprometendo, assim, o carácter exploratório e interpretativo da maioria das investigações qualitativas. Richards (2002) afirma que o excessivo uso de software pode levar ao “fetichismo de codificação” (nossa tradução de coding fetishism).

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Os autores Costa e Amado (2018, p. 18), por outro lado, referem que “[…] nenhum investigador equaciona escrever um artigo usando uma máquina de datilografar, também neste domínio há que saber aliar a sabedoria e a prudência do artesão que questiona, fundamenta, decide e age com pessoal e experiencial domínio da matéria que trabalha, com as potencialidades das novas tecnologias”. No que diz respeito à análise de dados qualitativos, as atuais ferramentas permitem analisar diferentes tipos de dados (texto, imagem, áudio e vídeo), explorar diversos métodos e técnicas de análise, codificar e categorizar, interpretar e inferir os dados. Cabe ao investigador decidir como e quais os dados a codificar e garantir que o uso do software se adapta ao quadro teórico, ao contexto e às questões de investigação. Face ao que anteriormente foi referido, a análise de dados visuais e redes sociais com apoio de software 161


Manual de Investigação Qualitativa específico de suporte à investigação qualitativa constitui o foco deste capítulo. A sua organização e objetivos são os seguintes: ●● Especificar e concretizar a análise de dados visuais com uso de software numa investigação qualitativa, dando a conhecer o papel e a importância do dado visual nos dias de hoje (secção “Metodologia e desenho para análise de dados visuais”); ●● Explorar e mostrar o exemplo concreto do webQDA como um software de análise qualitativa que trabalha com fontes como dados visuais (imagem estática, como fotografias, e/ou dinâmica, como vídeos); ●● Conhecer os diferentes modelos de análise de redes sociais; ●● Apresentar algumas das ferramentas digitais utilizadas na análise de redes sociais; ●● Analisar o procedimento metodológico seguido na análise de redes sociais.

METODOLOGIA E DESENHO PARA ANÁLISE DE DADOS VISUAIS A metodologia e desenho para análise de dados visuais pressupõe um entendimento da natureza, funcionalidade e tipologia do elemento visual em investigação qualitativa.

O Que São Dados Visuais? Para compreendermos melhor a importância do dado visual e a sua relevância nos dias de hoje, propomos iniciar a leitura deste capítulo com uma “viagem” à origem da palavra “imagem”. Esta breve “viagem” organiza melhor o nosso pensamento, permitindo enquadrar a temática do dado visual. A etimologia da palavra “imagem” foi tomando distintas denominações ao longo do tempo. A sua raiz etimológica é de origem grega – ikon, que se refere a imagem, figura; em grego antigo, corresponde ao termo eidos, raiz etimológica do termo idea ou eidea, cujo conceito foi desenvolvido por Platão, e do substantivo latino imago, -inis, que significa retrato, reprodução, representação de algo. Neste contexto, o entendimento de “imagem” está confinado a uma representação visual, a uma ideia de “coisas” físicas que realmente existem na realidade. Com o evoluir do conceito de “imagem”, a realidade foi passando de um plano físico, em que o Homem vê esta mesma realidade e a perceciona através dos cinco sentidos (tato, visão, olfato, paladar e audição), para um plano da representação, da imaginação, por vezes do ilusório. Quer isto dizer que, ao longo dos séculos, desde a Grécia Antiga, a realidade deixou de ser apenas o que ela é de facto, a realidade empírica, das experiências vividas, sentidas ou observadas, a realidade que os nossos olhos veem, as nossas mãos sentem ou os nossos ouvidos escutam, para uma realidade cada vez mais “imagética”, interpretada, deliberada e intencional (Rodrigues & Costa, 2017). Para Platão, a imagem 162


Análise de Dados Visuais e Redes Sociais com Apoio de Software era entendida como uma projeção da mente, uma projeção da ideia, em que a verdadeira realidade está no mundo das ideias (fundador do idealismo). Controversamente, Aristóteles acreditava que a imagem provém dos sentidos, as tais ideias originárias da produção humana, já uma representação real de um objeto (fundador do realismo). Não existe apenas uma, mas várias imagens, vários entendimentos, várias perspetivas. Uma imagem é sempre uma forma de compreendermos o mundo que nos rodeia. Como afirma Berger (1972, p. 1), “seeing comes before words. The child looks and recognizes before it can speak”. Mas a imagem é sempre, e apenas, uma (entre várias) perspetiva(s), uma perceção, um entendimento. A invenção da máquina fotográfica (no final do século XIX, por George Eastman, fundador da Kodak Company) não só mudou o que vemos, mas como vemos. A máquina fotográfica permitiu a reprodução de imagens, sem limites de tempo, de espaço ou propósito. Cada imagem pode ser hoje observada, analisada, interpretada em múltiplos lugares em simultâneo, e cada um olha para essa imagem (e.g., uma fotografia) partindo sempre do contexto da sua própria vida. O mundo mudou e, com o surgimento das tecnologias de informação e do mundo digital, a nossa forma de olhar e interpretar uma imagem mudou também. Precisamos de estudar as imagens que nos rodeiam, todos os detalhes numa imagem são parte dessa mesma imagem… com conteúdo “imagético” que necessita de ser investigado. Como refere Joly (2007, p. 9), “a utilização das imagens generaliza-se de facto e, quer as olhemos quer as fabriquemos, somos quotidianamente levados à utilização, decifração e interpretação”. Fruto de uma sociedade profundamente marcada por uma cultura visual, o que Mitchell (2005, p. 345) designa por “uma construção visual do campo social”, novos contextos se revelam ao investigador que, como sabemos, em investigação qualitativa é muito mais sensível ao que o rodeia. O dado visual assume-se hoje como método e corpus de análise que merece atenção por parte da investigação qualitativa. Duas razões o justificam (Banks, 2007): ●● Na sociedade contemporânea, as imagens são omnipresentes e, exatamente partindo desta premissa, toda a representação visual deve potencialmente ser considerada em todos os estudos científicos sobre a sociedade;

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●● Um estudo de imagens, ou um estudo que utilize dados visuais, pode ser revelador de novas perspetivas sociológicas que não estão acessíveis através da utilização de outro tipo de dados. Novas abordagens, métodos e técnicas de análise de dados visuais são hoje uma realidade. A utilização do elemento visual na investigação qualitativa materializa-se no denominado “visual movement” (Heisley, 2001), com as suas raízes de aplicação primeiramente no campo da antropologia visual e depois da sociologia visual (Prosser & Loxley, 2008). Todavia, é apenas na década de 90 do século XX que o uso de métodos visuais se difunde amplamente pelas ciências sociais (Athelstan & Deller, 2013). Os investigadores têm hoje à sua disposição um conjunto de dados com suporte visual, como pinturas, fotografias, filmes, desenhos, diagramas, entre outros, que permitem a introdução de novos elementos interpretativos que enriquecem a análise e entendimento do seu objeto de estudo. 163


Manual de Investigação Qualitativa A imagem informa, elucida, documenta, acrescenta valor e sentido ao fenómeno em si. A investigação qualitativa passou a dispor de um universo novo e profícuo em termos de análise e de interpretação da realidade social. A utilização de métodos visuais surge, assim, como um campo de estudo e aplicação consolidado, o que Rose (2016) define como “métodos de investigação visual” (MIV) (visual research methods, no original), a desenvolver na secção “O uso de dados visuais como elemento de recolha de informação”. A investigação pode usar imagens disponíveis para análise, as próprias imagens podem ser criadas/produzidas pelo investigador ou pelo próprio indivíduo que está a ser estudado, ou ainda o elemento visual pode surgir como dado para análise ou como elemento que induz e conduz o processo de investigação. Lembre-se! ✓✓ O dado visual assume-se hoje como método e corpus de análise, por exemplo: pinturas, fotografias, filmes, vídeos, desenhos, diagramas, mapas mentais, entre outros.

Descubra mais sobre o universo do dado visual: ✓✓ Blog de Gillian Rose, disponível em: https://visualmethodculture.wordpress.com/

Propomos, seguidamente, refletir sobre o uso dos dados visuais como elemento de recolha de informação (Banks, 2007; Rodrigues, 2017; Rodrigues, Souza, & Costa, 2017; Rose, 2016).

O Uso dos Dados Visuais como Elemento de Recolha de Informação O elemento visual em investigação qualitativa pode ser entendido como método que permite a extração de informação e como dado para análise com a escolha da técnica de análise mais adequada, consoante os objetivos do estudo.

Os Vários Métodos de Dados Visuais Como vimos na secção “O que são dados visuais?”, “o nosso universo está repleto de imagens. O nosso pensar passa pelas imagens. O nosso sentir não as ignora” (Abrantes, 1999, p. 9). Este autor defende a necessidade de uma “ecologia da imagem” que previna, balize, oriente os pensamentos, modos de estar e de ser que partam da imagem, que confluam na imagem. Tal como existe uma ecologia do ambiente que pretende, sobretudo, prevenir os estragos ambientais e favorecer o desenvolvimento equilibrado do ambiente e das sociedades humanas, parece legítimo defender uma “ecologia da imagem”. Importa aqui sistematizar o que podem ser linhas de pensamento para o estudo das relações do 164


Capítulo 12

ANÁLISE NARRATIVA: ANÁLISE DO DESENHO INFANTIL Miguel Mata Pereira



INTRODUÇÃO “Desenhar o que é? Como se lá chega? É o ato de abrir passagem através de uma parede de ferro invisível que parece colocada entre o que sentimos e o que podemos. Como deve atravessar-se essa parede, pois de nada serve bater-lhe com força, uma tal parede deve ser minada e atravessada à lima, lentamente e com paciência.” Van Gogh (8 de setembro de 1888)

A história e o estudo do desenho podem ser seguidos de perto pela história da arte. O desenho, tradicionalmente, era considerado subsidiário de outras disciplinas artísticas, como a pintura ou a escultura, representando, enquanto esboço, enquanto preliminar, as ideias ou os conceitos das obras a criar. A sua operacionalidade, carácter prático e funcionalidade catapultaram esta prática cultural para um plano de suporte, de apoio, uma antecâmera da produção artística (Castro Caldas, 2000). É no século XX que o desenho, enquanto disciplina com estatuto autónomo, se emancipa, transformando o olhar e a experiência em torno do próprio ato de desenhar. O desenho assume-se como um meio, mas também (e, por vezes, em simultâneo) como um fim. Uma arte com estatuto próprio. Com esta autonomização da disciplina, muitos dos desenhos dos grandes artistas, esboços, rascunhos e representações imperfeitas – porque meras aproximações à obra a criar – passaram a ser valorizados e apreciados não só como processo em marcha, mas como produto com interesse e finalidades próprias, estéticas e artísticas. Do ponto de vista educacional, o desenho, enquanto componente da formação visual e artística, passa a fazer parte do currículo escolar, possibilitando que todas as crianças que frequentam a escola se cruzem com este universo. Impressiona o facto de o desenho, enquanto prática cultural, ser compartilhado por uma vastidão de campos e áreas do saber: fazemos uso sistemático do desenho, acondicionando-o às exigências e especificidades das várias modalidades (Massironi, 1982). Em suma, o desenho adapta-se e acultura-se, constituindo-se como uma necessidade de comunicar e de agir sobre o mundo e a realidade, transmutando-a.

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O DESENHO INFANTIL O interesse pelo estudo e investigação do desenho infantil floresceu na transição do século XVIII para o século XIX. A pedagogia e o desenho estreitaram laços – pedagogos como Comenius, Pestalozzi, Fröebel e Rousseau recentraram a atenção sobre o desenvolvimento infantil, fomentando a educação integral da criança, o contacto com o mundo e a natureza, as especificidades e necessidades da criança em devir, a sua expressividade e criatividade, diferentes das do adulto. A criança passa a ser encarada como autor, e são vários os artistas – Picasso, Kandinsky, Klee, Miró – que se interessam pelos desenhos das crianças, na expectativa de neles encontrarem uma estética pura, desprovida de vícios, de moralismos, de vicissitudes e de academismos. Poderá o adulto, mesmo o adulto artista, 249


Manual de Investigação Qualitativa desenhar como uma criança? Assim, o desenho surge interligado como componente da educação estética da criança, embora fosse considerado também uma atividade e uma tarefa lúdica e com efeito propedêutico, nos bastidores da aprendizagem da linguagem escrita. Também a psicologia encontra no desenho um meio para aferir diferentes aspetos do desenvolvimento da criança e do adulto, como a inteligência (Goodenough, 1926), a maturidade (Luquet, 1927), a personalidade (Machover, 1949), os estados emocionais (Winnicott, 1975), o desenvolvimento holístico (Vygostsky, 1978) e as perturbações do foro clínico (McNeish & Naglieri, 1993). O estudo do desenho, e em particular do desenho infantil, é maioritariamente realizado por intermédio de metodologia qualitativa, pressupondo que uma determinada realidade, apreendida por um autor, é subjetiva e idiossincrática, ainda que também no desenho se possam interpretar as influências societais que, muitas vezes, correspondem a uma tipificação dos desenhos criados, mormente no que respeita a temáticas, referentes e cores. Assim, na investigação do desenho reencontramos muitas das características referenciadas nos estudos qualitativos, como o carácter descritivo do processo e do produto do desenho, a abordagem naturalista e os contextos originais de onde emana cada desenho (Bogdan & Bliken, 1994) – os desenhos podem ser melhor compreendidos quando são observados no ambiente natural de ocorrência, durante o seu processo de realização (Denzin & Lincoln, 2006). O presente capítulo tem como objetivo sensibilizar para a análise, compreensão e avaliação do desenho infantil enquanto uma manifestação do desenvolvimento cognitivo, como meio de comunicação mobilizado pela criança para expressar o seu mundo interior e como atividade gráfica que reflete o desenvolvimento psicomotor.

O QUE É DESENHAR? Numa perspetiva desenvolvimentista, desenhar pode ser enquadrado como um ato eminentemente social e comunicacional (Vasconcelos & Jesus, 2007) – a criança desenha para alguém (por vezes, para ela própria) e habitualmente quer expressar, através do desenho, uma determinada intencionalidade, i.e., o desenho cumpre um desiderato. A possibilidade de desenhar manifesta o domínio progressivo do gesto motor. A criança equipada com um instrumento de desenho (mais usualmente, lápis, caneta ou pincel) dá continuidade ao prazer do gesto. Simplesmente, este movimento motor vai ficar registado sob uma superfície, proporcionando à criança a passagem do gesto para a imagem, deixando uma marca: a sua marca. Assim, surge a perceção de que é possível representar graficamente, a criança compreende que o seu mundo pode ser rememorado através da impressividade perene que o traço permite. As marcas deixadas pela

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Análise Narrativa: Análise do Desenho Infantil criança, em qualquer superfície que descubra e permita esse encontro com o desenho, estão saturadas de sentido, têm ou obtêm uma significação que possibilita a partilha e a comunicação. A interpretação desses traços é, numa fase inicial, virtualmente impossível, quer pela imaturidade do traço, quer pelo facto de a representação projetada no desenho poder estar ligada a diferentes aspetos da realidade da criança: por exemplo, uma linha contínua pode representar um referente (como uma serpente), o percurso de um avião, uma escrita ou uma história inteira. Portanto, o desenho infantil, sobretudo nas etapas iniciais do desenvolvimento, está saturado de linguagem, i.e., a linguagem verbal é a base da linguagem gráfica contida no desenho (Vygotsky, 2009). Observar uma criança a desenhar, considerar o processo do desenho, as pausas, as hesitações, os comentários metagráficos é fulcral para perceber o que está a ser representado, para conhecer a intenção do autor do desenho. Ao desenhar, a criança liberta energia cinética, conteúdos da sua memória, expressa as suas emoções e projeta mundo interior. As tentativas de interpretação do desenho, com base apenas no produto final, e sem explicações ou uma história narrada pelo autor, constituem quase sempre meras hipóteses de trabalho. O traço refletido no desenho, a marca permanente que fica registada, é demasiado insuficiente para descortinar o autor e as suas vicissitudes. Como veremos mais adiante, do ponto de vista da qualidade do traçado, muitos adultos desenham como crianças de 10 anos de idade. Os aspetos puramente visuais da interpretação podem induzir em erro, enviesando a possibilidade de conhecer o autor e a sua intencionalidade.

PERSPETIVA DO DESENVOLVIMENTO INFANTIL POR ETAPAS A investigação sobre desenho infantil inicialmente seguiu de perto os modelos teóricos do desenvolvimento por etapas, procurando encontrar pontos de ancoragem entre as produções infantis e as manifestações do desenvolvimento intelectual e psicomotor.

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Etapa Pré-representacional do Desenho Os primeiros desenhos da criança surgem por volta dos 15-18 meses, quando já é capaz de uma coordenação óculo-manual suficiente expedita, de manter um foco mínimo de concentração e de realizar uma pinça grossa que lhe permite segurar o instrumento com que quer desenhar (Cox, 1992, 2005). Esta atividade pictórica reveste-se de interesse para a criança, permitindo-lhe explorar as suas capacidades e verificar o impacto das suas ações sobre o meio. Desenhar, nesta fase inicial, é essencialmente o prazer da motilidade, do movimento, a conquista da psicomotricidade. A criança desenhará na presença ou na ausência do adulto, bastando que tenha ao seu dispor um instrumento que deixe uma marca e uma superfície onde essa marca persista. Os primeiros grafismos da criança são comummente denominados garatujas (Figura 12.1) e catalogados como pertencentes à etapa pré-representacional do desenho.

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