Manual de Criminologia e Vitimologia

Page 1

16,7cm x 24cm

24,5mm

Vitimação de populações desviantes e de migrantes (refugiados)

9 789896 931186

www.pactor.pt

Violência intergeracional I Vitimologia forense I Vitimação institucional I Sistema de justiça I Violência em relações de intimidade I Violência infantil e juvenil I Género I Justiça restaurativa e mediação I Políticas sociais de apoio à vítima I Uma obra útil e necessária para estudantes e profissionais que estudam e trabalham nas diferentes áreas do combate ao crime e que representam uma consciência moral e ética da estrutura sociocultural. CM

A presente obra constitui-se como um manual de referência, reunindo textos escritos por especialistas que se dedicam a ambos os domínios: o da criminologia e o da vitimologia.

Y

Cibercrime I Crime I Direitos da criança I Direitos humanos I Forças de segurança I

M

MY

Laura M. Nunes Ana Sani Coordenação

VITIMOLOGIA

MANUAL DE

MANUAL DE CRIMINOLOGIA E VITIMOLOGIA

K

Entre a criminologia e a vitimologia, mais do que discrepâncias, encontramos “pontes” e ligações que não são de desprezar, mas sim de ser salientadas, de modo que se procurem mais e melhores interpretações do fenómeno do crime e das vítimas por ele atingidas. Na verdade, não raras vezes, as figuras do ofensor e da vítima cruzam-se num mesmo indivíduo, que ora assume um desses papéis ora enverga o outro, dependendo de aspetos contextuais e circunstanciais.

CY

CMY

MANUAL DE CRIMINOLOGIA E VITIMOLOGIA

C

16,7cm x 24cm

10 cm

Coordenadoras

Laura M. Nunes Ana Sani

10 cm

MANUAL DE

CRIMINOLOGIA Coordenação

Laura M. Nunes Ana Sani

Análise de risco, perigosidade e reincidência I Avaliação pericial I Ciência criminal I Crime organizado I Criminal profiling I Criminologia forense I Criminologia, desvio e justiça I Delinquência juvenil I Doença mental I Justiça tutelar I Prevenção criminal e policiamento I

Laura M. Nunes Ana Sani

Psicologia forense I Psicologia investigativa I Reinserção social I Relação droga-crime I Sistema prisional

Laura M. Nunes Ana Sani Observatório Permanente Violência e Crime (OPVC) Universidade Fernando Pessoa

Autores Aline Lobato | Ana Barbeiro | Ana Guerreiro | Ana María Peligero Molina | Ana Paula Monteiro | Ana Sani | André Paulino Piton | Annie Lees | Antonio Carlos da Silva | António Castanho | Antonio de Pádua Serafim | Ariana Correia | Cândido da Agra | Carlos Farinha | Carlos S. Peixoto | Cátia Pontedeira | Celina Manita | Cláudia Cruz | Cynthia Silva | Dália Costa | Diana Moreira | Eduardo Ponte Brandão | Fernando Almeida | Frederico Moyano Marques | Helmut Kury | Inês Sousa Guedes | Isabel Dias | Joana Daniel-Wrabetz | Joana Torres | João Lázaro | João Próspero-Luís | Jorge Quintas | José Antunes Fernandes | José Soares Martins | Josefina Castro | Lars Korsell | Laura Alho | Laura M. Nunes | Mafalda Ferreira | Margarida Matias | Margarida Simões | Marina Pinheiro | Marta Silva | Mauro Paulino | Miguel Saraiva | Mônica Resende Gamboa | Natália Fernandes | Olga Cunha | Pedro Cunha | Pedro Miguel Freitas | Pedro Pechorro | Raquel Reis Guerra | Renata Benavente | Rui Abrunhosa Gonçalves | Rui Leandro Maia | Rui Mateus Joaquim | Sandra Walklate | Sofia Neves | Teresa Lancry A. S. Robalo | Vanessa Azevedo | Vanessa Ribeiro Simon Cavalcanti | Vânia Salgadinho


Este trabalho é financiado por Fundos Nacionais através da FCT – Fundação para a Ciência e a Tecnologia no âmbito do projeto PTDC/DIR-DCP/28120/2017 This work is financed by National Funds through FCT – Fundação para a Ciência e Tecnologia under the project PTDC / DIR-DCP / 28120/2017

EDIÇÃO PACTOR – Edições de Ciências Sociais, Forenses e da Educação Av. Praia da Vitória, 14 A – 1000-247 LISBOA Tel: +351 213 511 448 pactor@pactor.pt www.pactor.pt

DISTRIBUIÇÃO Lidel – Edições Técnicas, Lda. R. D. Estefânia, 183, R/C Dto. – 1049-057 LISBOA Tel: +351 213 511 448 lidel@lidel.pt www.lidel.pt

LIVRARIA Av. Praia da Vitória, 14 A – 1000-247 LISBOA Tel: +351 213 541 418 livraria@lidel.pt Copyright © 2021, PACTOR – Edições de Ciências Sociais, Forenses e da Educação ® Marca registada da FCA PACTOR Editores, Lda. ISBN edição impressa: 978-989-693-118-6 1.ª edição impressa: outubro 2021 Paginação: Carlos Mendes Impressão e acabamento: Tipografia Lousanense, Lda. – Lousã Depósito Legal n.º 490259/21 Capa: José Manuel Reis Todos os nossos livros passam por um rigoroso controlo de qualidade, no entanto, aconselhamos a consulta periódica do nosso site (www.pactor.pt) para fazer o download de eventuais correções. Não nos responsabilizamos por desatualizações das hiperligações presentes nesta obra, que foram verificadas à data de publicação da mesma. Os nomes comerciais referenciados neste livro têm patente registada. Reservados todos os direitos. Esta publicação não pode ser reproduzida, nem transmitida, no todo ou em parte, por qualquer processo eletrónico, mecânico, fotocópia, digitalização, gravação, sistema de armazenamento e disponibilização de informação, sítio Web, blogue ou outros, sem prévia autorização escrita da Editora, exceto o permitido pelo CDADC, em termos de cópia privada pela AGECOP – Associação para a Gestão da Cópia Privada, através do pagamento das respetivas taxas.


PREFÁCIO O generoso convite para escrever um Prefácio – Prólogo – à obra Manual de Criminologia e Vitimologia significa, sem dúvida, um duplo desafio. Em primeiro lugar, contemplar a extraordinária tarefa realizada em favor da criminologia e vitimologia, com a coordenação das distinguidas especialistas Professora Laura M. Nunes, Doutora em Ciências Sociais/Psicologia e Professora Ana Isabel Sani, Doutora em Psicologia da Justiça, docentes na Universidade Fernando Pessoa (UFP), coordenadoras do Observatório Permanente Violência e Crime (OPVC) e, respetivamente, coordenadoras do Mestrado em Criminologia e do Mestrado em Psicologia da Justiça na UFP, com a valiosa colaboração de professores de universidades e profissionais que realizam, quotidianamente, atividades para o conhecimento, assistência e investigação, sobre os processos de criminalidade e processos de vitimização. O duplo desafio de escrever o Prefácio também representa a intenção de destacar os importantes avanços e as novas problemáticas que a criminologia e a vitimologia têm enfrentado nas últimas décadas, esforço notável ao observar o amplo e minucioso conteúdo interdisciplinar do Manual de Criminologia e Vitimologia.

© PACTOR

Desde uma perspetiva histórico-sociocultural, o delito sempre esteve nos interrogantes existenciais; o porquê de uma pessoa agredir, ameaçar, roubar e matar outra pessoa. Por que uma sociedade destrói outro grupo social e cultural? A história da humanidade mostra-nos a violência como uma manifestação permanente em todas as sociedades e culturas. O delito – a criminalidade – vulnerabilizam gravemente o tecido social, impactam ao nível individual, familiar, social e cultural. O delito provoca uma mudança existencial na vida da vítima, relacionada com os seus costumes, os seus hábitos, o seu olhar sobre aqueles

que afetam as suas relações, a sua confiança, a sua segurança familiar, social e cultural. O delito é gerador de elevado stress, que comove profundamente a pessoa que sofre a conduta violenta, quaisquer que sejam o tipo e as circunstâncias delitivas. Essas situações agravam-se nos casos de vulnerabilidade da vítima, pelo grau de conhecimento ator-vítima (familiar) e nas circunstâncias de impunidade do delinquente. As consequências do delito provocam mudanças profundas na sua vida pessoal e familiar. Também e paralelamente, o ator do delito terá de enfrentar modificações existenciais na sua vida individual, familiar e social, designadamente o cumprimento de uma pena e o enfrentar de um futuro incerto, num meio que lhe é estranho. As instituições sociais, a justiça, os sistemas de saúde, carcerário, policial e forense, as instituições de investigação e as universidades observam a criminalidade e as suas consequências, não só na estrutura do indivíduo, mas também nas estruturas socioeducativas-culturais-económicas. Perguntar-se-ão quantas perdas sociais, culturais e económicas implicará o delito, e, em especial, que ética fica derrubada perante o delito? Os questionamentos envolverão o porquê de nenhuma cultura, até mesmo atualmente, poder mostrar que, num determinado grupo sociocultural, não exista violência; o porquê de não podermos proclamar que não existam as prisões, instituições que já cumpriram mais de 500 anos; o porquê de não aceder profundamente à personalidade do indivíduo, que ultrapassa a linha moral e a ética imaginária e que agride. É inegável que a criminologia e a vitimologia tentam encontrar os caminhos interdisciplinares culturais e sociais para a diminuição da criminalidade ou, pelo menos, para a sua delimitação.

• III •


MANUAL DE CRIMINOLOGIA E VITIMOLOGIA

Desde os pioneiros da criminologia, dos finais do século XIX, que se iniciaram os estudos com a abordagem do positivismo italiano; posteriormente, surgiram as clássicas teorias criminológicas: criminologia clínica, interacionista e organizacional, que predominaram até às décadas de 1960-1990 e, depois, se foram incorporando em novas teorias e linhas de conhecimento que representam esperanças de evolução para a criminologia. A história da criminologia ensina de que maneira os criminólogos foram pioneiros na compreensão dos processos de vitimação e no respeito às vítimas, iniciados na década de 1940 com os trabalhos pioneiros de Beniamini Mendelsoln, Hans Von Hentig, Henri Ellenberger, Marvin Wolfgang e, posteriormente, de Irene Melup, John Dussich, Irvin Waller, Helmut Kury, entre outros mestres, e o impulso do Symposium Internacional de Vitimologia em 1973. Em especial, cabe assinalar os transcendentes documentos das Nações Unidas sobre os Direitos Humanos, e, já na segunda década do século XXI, podem observar-se os importantes progressos sobre o conhecimento da criminalidade e da vitimação, nos seus diversos níveis. Este Manual, coordenado pelas professoras Laura M. Nunes e Ana Isabel Sani, assim o demonstra. As novas respostas perante o delito – a criminalidade – surgem devido às mudanças nas modalidades delitivas e o seu agravamento; é o caso do crime organizado, do delito económico, do tráfico e da escravidão de pessoas, do crime cibernético, da violência familiar conjugal, dos maus-tratos infantis, do abandono, das pessoas desaparecidas e da corrupção governamental e industrial. Os danos intencionais ao meio ambiente, o silêncio das vítimas, a impunidade, a lentidão das respostas policiais e da justiça, e outros, promovem estudos aprofundados, reflexões, investigações e conhecimentos, bem como a necessidade de uma atualização científica, metodológica e social permanente. Perguntas que nos conduzem a novos interrogantes sobre o agravamento nas modalidades

da criminalidade, a perversão, a tortura, os grupos delitivos e as organizações criminais, a vulnerabilidade dos movimentos migratórios, a lentidão das respostas assistenciais às vítimas e às suas famílias; sobre o sistema de penas privativas da liberdade, o sistema penitenciário, os adolescentes em conflito com a lei penal; e, principalmente, sobre o porquê de chegarmos tarde na prevenção do delito e no cuidado das pessoas mais indefesas e vulneráveis, como as crianças, os idosos e pessoas deficientes. Por que se desenvolvem as organizações criminais com alto nível de impunidade? Não obstante os elevados índices de criminalidade, conhecidos como as “cifras negras”, os factos não denunciados e o colapso das instituições, é inegável o substancial progresso no combate ao crime, tendo sido dados passos transcendentes nos estudos e nas investigações universitárias, bem como nas instituições assistenciais e sociais, governamentais e não governamentais. Salientam-se os avanços nos documentos dos Direitos Humanos das Nações Unidas; os documentos sobre proteção das pessoas detidas ou em prisão; os Princípios de Justiça para as vítimas do delito e de abuso de poder; a proteção de menores, a proteção de todas as pessoas contra os desaparecimentos forçados, a proteção de imigrantes e os numerosos documentos sobre proteção das pessoas e grupos vulneráveis. O Prefácio – prólogo de uma obra – significa o escrito que se antepõe ao material da obra, com a sua mensagem sobre o que receberá o leitor e a advertência sobre a importância do texto. E é incontestável que o trabalho excecional do livro, coordenado pelas Professoras Laura M. Nunes e Ana Isabel Sani, permite ao leitor, e em especial a quem trabalha nestas delicadas problemáticas vinculadas à violência, tanto teóricas como práticas, ter acesso a observações, estudos de investigação e respostas assistenciais atuais num amplo contexto criminológico e vitimológico.

• IV •


Prefácio

Cavalcanti, Antonio Carlos da Silva, Natália Fernandes e Marta Silva. O livro está dividido em duas partes: a primeira, referente à criminologia, à contextualização do crime, às diversas teorias, à criminologia forense, à tarefa policial e à prevenção; e a segunda parte, referente à vitimologia e aos seus conceitos, à história e teorias, às modalidades da vitimação e à violência infantojuvenil, familiar, entre gerações e contra migrantes, considerando a vitimologia e o sistema de justiça e, também, a vitimologia e os Direitos Humanos. Uma obra útil e necessária para os profissionais que trabalham nas diferentes áreas da dificílima tarefa de enfrentar o delito – a criminalidade – e que representam uma consciência moral e ética da estrutura sociocultural. A criminologia e a vitimologia ensinam que é necessário um olhar prospetivo, para evitar o delito, as novas consequências e o agravamento da violência, bem como um olhar preventivo, tanto criminológico como vitimológico. Entenda-se a prevenção como eixo central de sociedades e culturas, focada no respeito à pessoa. Hilda Marchiori Professora da Universidade Nacional de Córdoba, Argentina

© PACTOR

O Manual Criminologia e Vitimologia é, possivelmente, o primeiro manual editado – o agradecimento à Editora Pactor, que inclui esta obra nas suas edições de Ciências Sociais, Forenses e da Educação – que relaciona e apresenta, num mesmo texto, os enfoques criminológicos e vitimológicos. Este facto valoriza e dimensiona a obra científica coordenada pela Professoras Laura M. Nunes e Ana Isabel Sani, com a valiosa e destacada colaboração de Rui Leandro Maia, Cândido da Agra, Rui Mateus Joaquim, Mônica Resende Gamboa, Antonio de Pádua Serafim, Josefina Castro, Eduardo Ponte Brandão, Celina Manita, Margarida Matias, Margarida Simões, Cátia Pontedeira, João Próspero-Luís, Joana Torres, José Soares Martins, Isabel Dias, André Paulino Piton, Ana Guerreiro, Miguel Saraiva, Carlos Farinha, Aline Lobato, Raquel Reis Guerra, Olga Cunha, Marina Pinheiro, Vânia Salgadinho, Joana Daniel-Wrabetz, Cláudia Cruz, José Antunes Fernandes, Annie Lees, Lars Korsell, Pedro Pechorro, Rui Abrunhosa Gonçalves, Jorge Quintas, Fernando Almeida, Diana Moreira, Pedro Miguel Freitas, Teresa Lancry A. S. Robalo, Vanessa Azevedo, Dália Costa, Sofia Neves, Ariana Correia, Mafalda Ferreira, Sandra Walklate, Carlos S. Peixoto, Renata Benavente, Ana María Peligero Molina, Inês Sousa Guedes, Cynthia Silva, Helmut Kury, Ana Barbeiro, Mauro Paulino, Laura Alho, Pedro Cunha, Ana Paula Monteiro, António Castanho, Frederico Moyano Marques, João Lázaro, Vanessa Ribeiro Simon

•V•

Fevereiro de 2021 Tradução: Marta Arróniz



PARTE

I CRIMINOLOGIA


1

CRIME E CRIMINOLOGIA

2

CRIMINOLOGIA: PERSPETIVAS TEÓRICAS

3

CRIMINOLOGIA FORENSE

4

CRIME, PREVENÇÃO E POLICIAMENTO

5

CRIMINOLOGIA, DESVIO E JUSTIÇA


INTRODUÇÃO Este é um livro com duas faces: a da criminologia e a da vitimologia, ambas distintas, mas não de costas, já que uma se faz acompanhar da outra. Também por isso pareceu pertinente publicar esta obra num volume único, em que não se dissociam essas duas vertentes de um domínio que acaba por ser um só. O livro foca-se, numa das suas partes, em temas da criminologia, iniciando-se com um enquadramento, conceptual, histórico e de natureza mais pragmática, através da exploração das medidas do crime. Seguem-se depois as perspetivas teóricas da criminologia, com enfoque sobre o positivismo clássico e as abordagens de cariz biológico, as abordagens psicológicas, bem como as de caráter psicodinâmico, a que não faltaram as grelhas interpretativas da linha psicomoral, fenomenológica e de análise à personalidade criminal. Evidentemente, não são esquecidas as perspetivas cognitivas, integradoras e processuais.

Teria sido imperdoável que fossem esquecidas as questões de segurança, policiamento e prevenção criminal, a que não falta o olhar sobre crime transnacional e criminalidade local, atendendo-se sempre à prevenção, dos pontos de vista teórico e das práticas já testadas, e com resultados francamente positivos. Desvio e justiça estão particularmente presentes em textos voltados para a delinquência juvenil e a justiça tutelar, atendendo-se a fenómenos como a relação droga-crime, não deixando em branco questões como a doença mental, o sistema prisional e a reinserção social. Procura-se, desta forma, abordar a criminologia como um todo e, concomitantemente, fazê-lo de forma distribuída entre diversos contributos, multidisciplinares, complementares e, portanto, enriquecedores neste domínio. Em suma, a obra apresenta a criminologia e a vitimologia revisitadas, sob díspares pontos de vista e em distintos quadrantes.

© PACTOR

Já no plano da sociologia do crime, coloca-se o foco sobre as teorias do consenso e do conflito, não deixando de se salientar as perspetivas ecológicas/ambientais e as novas perspetivas criminológicas.

Importava também dar voz à criminologia forense, com apresentação do que se considera profiling, bem como da psicologia criminal e da perícia psicológica, não olvidando a análise de risco, perigosidade e reincidência criminal.

• XVII •

As Coordenadoras



ÍNDICE GERAL Prefácio...............................................................................................................................III Hilda Marchiori Os Autores........................................................................................................................ VII Introdução....................................................................................................................... XVII

CRIME E CRIMINOLOGIA................................................................................................ 1 1.1. Contextualização: Crime e criminologia............................................................. 3 Laura M. Nunes 1.2. Medidas e dimensões do crime.......................................................................... 5 Rui Leandro Maia 1.3. Como se faz a história da criminologia? Do modelo ingénuo ao método histórico­‑crítico.................................................................................................. 13 Cândido da Agra

CRIMINOLOGIA: PERSPETIVAS TEÓRICAS................................................................ 19 2.1. Perspetivas (psico)biológicas do crime............................................................ 21 Rui Mateus Joaquim 2.1.1. Teorias clássicas e o positivismo.......................................................... 27 Mônica Resende Gamboa e Rui Mateus Joaquim 2.1.2. Criminologia e empirismo...................................................................... 31 Antonio de Pádua Serafim 2.2. Perspetivas psicológicas do crime................................................................... 36 Josefina Castro 2.2.1. Perspetivas psicodinâmicas para o crime............................................ 39 Eduardo Ponte Brandão 2.2.2. Perspetivas psicomorais e fenomenológicas....................................... 43 Celina Manita e Margarida Matias

© PACTOR

2.2.3. Perspetivas da personalidade criminal................................................. 47 Margarida Simões 2.2.4. Perspetivas cognitivas (do crime)......................................................... 53 Cátia Pontedeira

• XIX •


MANUAL DE CRIMINOLOGIA E VITIMOLOGIA

2.2.5. Perspetivas processuais........................................................................ 58 João Próspero-Luís 2.2.6. Perspetivas integradoras do crime....................................................... 62 Joana Torres 2.3. Perspetivas sociológicas do crime................................................................... 67 José Soares Martins 2.3.1. Teorias do consenso.............................................................................. 73 José Soares Martins 2.3.2. Teorias do conflito.................................................................................. 86 Isabel Dias e Ana Sani 2.4. Novas perspetivas criminológicas.................................................................... 93 André Paulino Piton e Ana Guerreiro 2.5. Perspetiva ecológica/ambiental da criminologia............................................. 98 Miguel Saraiva

CRIMINOLOGIA FORENSE.......................................................................................... 107 3.1. Ciência criminal e especialistas forenses....................................................... 109 Carlos Farinha 3.2. Psicologia investigativa e criminal profiling................................................... 116 Aline Lobato 3.3. Psicologia forense e avaliação pericial.......................................................... 123 Raquel Reis Guerra 3.4. Análise de risco, perigosidade e reincidência................................................ 130 Olga Cunha e Marina Pinheiro

CRIME, PREVENÇÃO E POLICIAMENTO................................................................... 139 4.1. Crime organizado e transnacional.................................................................. 141 Vânia Salgadinho e Joana Daniel-Wrabetz 4.2. Diagnóstico local de segurança...................................................................... 146 Ana Sani e Laura M. Nunes 4.3. Crime, polícia e policiamento.......................................................................... 151 Cláudia Cruz e José Antunes Fernandes 4.4. Redes de prevenção criminal: O exemplo da Suécia.................................... 157 Annie Lees e Lars Korsell

• XX •


Índice Geral

CRIMINOLOGIA, DESVIO E JUSTIÇA......................................................................... 165 5.1. Delinquência juvenil e justiça tutelar.............................................................. 167 Pedro Pechorro, Rui Abrunhosa Gonçalves e Jorge Quintas 5.2. Relação droga-crime....................................................................................... 172 Laura M. Nunes 5.3. Doença mental e crime.................................................................................... 177 Fernando Almeida e Diana Moreira 5.4. Sistema prisional e reinserção social............................................................. 186 Pedro Miguel Freitas

© PACTOR

Índice remissivo............................................................................................................... 193

• XXI •



CRIMINOLOGIA FORENSE

intervenção do perito, pessoa não autómato, na vertiginosa velocidade de resposta, num imediatismo permanente, num tempo instantâneo, e iludindo a ponderação, a validação de procedimentos e perícias, a morosidade necessária das conclusões.

3.1. CIÊNCIA CRIMINAL E ESPECIALISTAS FORENSES Carlos Farinha Palavras-chave: Efeito CSI; Investigação criminal; Ciência forense; Polícia científica; Prova pericial. Segundo Aristóteles, “Os ignorantes afirmam, os sábios duvidam e os sensatos refletem…”. Refletir implica, sempre, posicionarmo-nos na qualidade de observador sobre determinado objeto. Bem sabemos que o observador condiciona o objeto observado, pelo que a visão que vamos tendo das coisas é uma visão situada, uma espécie de quinto ponto cardeal, o centro, a partir do qual não aceitamos perder o norte; assumimos, porém, com honestidade intelectual, um olhar a partir da vivência de muitos anos.1 É, portanto, a partir daqui que observamos a realidade e que damos conta da extraordinária evolução da ciência forense nos últimos tempos, no apoio à investigação criminal e no contributo para a prova científica; evolução de conhecimento acrescido e evolução de representação social, do hermetismo tradicional ao fenómeno mediático, num deslumbramento de eficácia que nos reconduz ao efeito CSI, uma espécie de nova luz, de novo foco sobre o contributo que o saber científico pode transmitir à investigação criminal, reforçando a racionalidade e a cientificidade dos procedimentos e lógicas. Porém, a imagem atraente que, hoje, se propaga encerra alguns equívocos. Desde logo, a interiorização de infalibilidade da tecnologia e das bases de dados, desprezando a © PACTOR

1

3

Um posicionamento que, sendo institucionalmente vinculado, influenciado por 39 anos de carreira na Polícia Judiciária (PJ), não vincula a instituição PJ, na medida em que só o autor é responsável pelos seus comentários e pontos de vista.

A acrescer a tudo isto, a frequente confusão entre possibilidade e garantia, entre hipótese de resultado e certeza da verificação de resultado, em todas as situações, parecendo não haver margem de erro, além do equívoco de que tudo se reconduz à intervenção da ciência forense, como se a investigação criminal ficasse reduzida a uma nova tipologia de intervenção, monopolizando no seio desta toda a verdade da justiça. Bem sabemos, da visão real que temos de ter, que estas lógicas conduzem à identificação da modernidade com a atividade de ciência forense, como se num instante tudo o resto fosse obsoleto, pouco credível, duvidoso. Sempre entendemos a investigação criminal como “conjunto de diligências que, nos termos da lei processual penal, se destinam a averiguar a existência de um crime, determinar os seus agentes e a sua responsabilidade e descobrir e recolher as provas, no âmbito do processo. A investigação criminal constitui uma área do conhecimento especializado que tem por objeto de análise o crime e o criminoso e por objetivo a tentativa de reconstituição da verdade material dos factos penalmente relevantes e a demonstração da sua autoria. Conjunto encadeado e preordenado de atos, num processo criminal, destinado a averiguar a existência de um crime, a descobrir e recolher provas, a fim de perseguir e punir os seus agentes. Sequência lógica e cronológica de diligências, no âmbito de um processo, mais ou menos formais” (Braz, 2009). Além do conceito, importa reconhecer a investigação criminal como uma atitude de aproximação e busca da verdade material, na coexistência equilibrada entre o esforço de procura de respostas e a noção da margem permanente de otimização dos resultados. Ou seja,

• 109 •


ESQUEMA-RESUMO DO CAPÍTULO 4

Crime

Organizado transnacional

Prevenção criminal

Exemplo prático do exterior: ü Entre a ciência e as práticas; ü Sistema de aplicação no terreno; ü Trabalho em rede; ü Adequação comunitária; ü Estrutura de baixa pirâmide e comunicação célere.

(Mutuamente influenciáveis)

Criminalidade local

ü Diagnóstico local de segurança (DLS); ü Sistema policial; ü (Re)Pensar policiamento; ü Adequar localmente policiamento.


CRIME, PREVENÇÃO E POLICIAMENTO

dos fenómenos é interpretada, mas também como as questões de investigação são definidas, os métodos selecionados e os resultados interpretados.

4.1. CRIME ORGANIZADO E TRANSNACIONAL Vânia Salgadinho Joana Daniel-Wrabetz Palavras-chave: Crime organizado; Paradigmas; Reducionismo; Holismo; Dialética. NOTA INTRODUTÓRIA O crime organizado é um fenómeno complexo que pode ser estudado de acordo com diferentes modelos de análise. Modelos analíticos podem ser definidos como representações abstratas da realidade que permitem reduzir a complexidade de um problema ou acontecimento, de forma a possibilitar a sua análise (Giere, 2004). Porém, os modelos que escolhemos para analisar um determinado fenómeno dependem, sobretudo, da nossa perceção sobre a realidade e da forma como achamos que esta deve ser investigada, ou seja, do nosso paradigma (Maxwell, 2013). Em investigação científica, o termo “paradigma” pode ter diferentes significados, no entanto, neste texto, este conceito deve ser entendido como um conjunto de crenças ou padrões de pensamento compartilhados entre os membros de uma determinada comunidade científica ou área de especialidade (Kuhn, 2012).

© PACTOR

4

Alguns autores sustentam que os investigadores devem declarar, de forma explícita, o seu enquadramento paradigmático (Bauwens, Kennes, & Bauwens, 2013), mas, curiosamente, nem todos estão conscientes dos pressupostos filosóficos que os guiam (Maxwell, 2011). Mas porque é necessário identificar os paradigmas que informam e orientam os nossos estudos? Os paradigmas desempenham um papel fundamental no campo da investigação científica, funcionando como “mapas intelectuais”, que nos guiam ao longo de todo o processo. Por exemplo, de acordo com Morgan (2007), estes influenciam não só a forma como a natureza

Apesar de as pesquisas empíricas poderem ser guiadas por diferentes modelos paradigmáticos (Tang, 2011), o presente texto visa explorar o uso de três paradigmas específicos no contexto do crime organizado – o reducionismo, o holismo e o dialético –, exemplificando como cada um deles pode contribuir para a produção de conhecimento científico nesta área. Assim, o subcapítulo começa por abordar algumas premissas filosóficas do reducionismo e do holismo e como estas, mesmo não declaradas, têm vindo a ser utilizadas no estudo deste fenómeno. Posteriormente, são dados exemplos de alguns dos seus contributos e limitações, terminando com uma apresentação dos pressupostos que sustentam o uso de uma abordagem dialética na análise do crime organizado. ABORDAGEM REDUCIONISTA E HOLÍSTICA DO CRIME ORGANIZADO O reducionismo e o holismo são dois modelos paradigmáticos que, tal como outros paradigmas, se dedicam à natureza dos fenómenos vivos e à forma como estes devem ser analisados. Enquanto o paradigma reducionista defende que um determinado fenómeno consiste num conjunto desagregado de partes, sendo cada uma delas composta por propriedades estruturais, o holismo postula que os diferentes componentes de um fenómeno estão interligados numa vasta rede de relações, dando, por isso, origem a propriedades emergentes. Do ponto de vista metodológico, o reducionismo implica a decomposição de um fenómeno nas suas partes individuais e a análise das propriedades estruturais de cada uma, de forma isolada. Por outro lado, o holismo visa estudar um fenómeno com base no seu contexto mais amplo, incluindo a análise das relações entre as suas partes ou entre o

• 141 •


MANUAL DE CRIMINOLOGIA

Exemplos de objetivos de prevenção: • Aumentar os níveis de confiança na polícia; • Diminuir as “cifras negras” do crime; • Reforçar o apoio à vítima de violência e crime.

Exemplos de objetivos de prevenção: • Melhorar o relação cidadão-polícia; • Reforçar o sentimento do cidadão de pertença à comunidade; • Diminuir a insegurança e o medo do crime.

Estatísticas criminais oficiais

DLS

Diagnóstico do meio escolar

Observação dos espaços físicos

Exemplos de objetivos de prevenção: • Promover a “Escola Aberta”; • Fomentar o potencial e a inovação dos jovens; • Reduzir os comportamentos antissociais.

Exemplos de objetivos de prevenção: • Incorporar o direito à cidade na rotina dos cidadãos; • Disseminar informação sobre a segurança dos espaços; • Reduzir as oportunidades de crime.

Figura 4.1 – Objetivos de prevenção por fontes primárias e secundárias de análise

ou aos contextos do desvio (prevenção secundária). Obviamente que se o problema está instalado e a nossa intervenção assume um caráter remediativo, com vista a minimizar os efeitos que possam decorrer da presença de crime, estamos perante uma prevenção de nível terciário. Este tipo de intervenção pode já envolver outros subsistemas (por exemplo, o sistema de justiça, as polícias, o sistema prisional, o apoio social), sendo também por isso que acarretam mais custos financeiros. Seja qual for a intervenção mais usada, importa que não existam efeitos contraproducentes (aumento da insegurança e do medo das pessoas, entre outros). Ao Estado compete garantir a segurança e não gerar outras inseguranças, pelo que uma reflexão profunda sobre o tipo de mecanismos e de propostas que possam ser sugeridos para fazer prevenção criminal é muito importante. QUESTÕES-CHAVE 1.  Em que consiste um diagnóstico local de segurança (DLS)? 2.  Quais são os pressupostos-base de uma abordagem de prevenção criminal? 3.  Considerando as boas práticas internacionais, como pautar a prevenção criminal por

formas ajustadas de “organização, métodos e abordagens”? 4.  Caracterize os três níveis de prevenção criminal. 5.  Dê exemplos de estratégias de prevenção criminal, associando-os aos níveis distintos de prevenção. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS Azevedo, V., Nunes, L. M., & Sani, A. (2020). Diagnóstico local de segurança em comunidades urbanas: Da teoria à prática. In R. Estrada et al. (Eds.), Crime, (in)segurança e mediatização (pp. 153-171). Edições UFP. Caridade, S., Nunes, L. M., Sani, A., Gonçalves, M. J., Oliveira, A., Rodrigues, C., & Xavier, M. (2019). Análise do meio escolar na perspetiva dos agentes educativos: Características, dinâmicas e condutas. Revista Portuguesa de Investigação Educacional, 19, 67-89. Disponível em: https://revistas.ucp. pt/index.php/investigacaoeducacional/article/ view/5293 [acedido em 20/12/2020]. DGAI – Direção-Geral de Administração Interna. (2009). Manual de diagnósticos locais de segurança: Uma compilação de normas e práticas internacionais (Trad. M. Correia). Ministério da Administração Interna. Disponível em: https:// efus.eu/files/fileadmin/efus/Publications/Manual_ Seguranca_miolo_166pp_23_12_09.pdf [acedido em 20/12/2020].

• 150 •


10 cm

16,7cm x 24cm

24,5mm

16,7cm x 24cm

10 cm

9 789896 931186

Coordenadoras

MY

CY

CMY

MANUAL DE CRIMINOLOGIA E VITIMOLOGIA

C

M

Y

www.pactor.pt CM

Vitimação de populações desviantes e de migrantes (refugiados) Violência intergeracional I Vitimologia forense I Vitimação institucional I

Laura M. Nunes Ana Sani Coordenação

VITIMOLOGIA

K

Laura M. Nunes Ana Sani

Sistema de justiça I Violência em relações de intimidade I Violência infantil e juvenil I Género I Justiça restaurativa e mediação I Políticas sociais de apoio à vítima I Cibercrime I Crime I Direitos da criança I Direitos humanos I Forças de segurança I

Uma obra útil e necessária para estudantes e profissionais que estudam e trabalham nas diferentes áreas do combate ao crime e que representam uma consciência moral e ética da estrutura sociocultural. A presente obra constitui-se como um manual de referência, reunindo textos escritos por especialistas que se dedicam a ambos os domínios: o da criminologia e o da vitimologia. Entre a criminologia e a vitimologia, mais do que discrepâncias, encontramos “pontes” e ligações que não são de desprezar, mas sim de ser salientadas, de modo que se procurem mais e melhores interpretações do fenómeno do crime e das vítimas por ele atingidas. Na verdade, não raras vezes, as figuras do ofensor e da vítima cruzam-se num mesmo indivíduo, que ora assume um desses papéis ora enverga o outro, dependendo de aspetos contextuais e circunstanciais.

MANUAL DE

MANUAL DE CRIMINOLOGIA E VITIMOLOGIA

MANUAL DE

CRIMINOLOGIA Coordenação

Laura M. Nunes Ana Sani

Análise de risco, perigosidade e reincidência I Avaliação pericial I Ciência criminal I Crime organizado I Criminal profiling I Criminologia forense I Criminologia, desvio e justiça I Delinquência juvenil I Doença mental I Justiça tutelar I Prevenção criminal e policiamento I

Laura M. Nunes Ana Sani

Psicologia forense I Psicologia investigativa I Reinserção social I Relação droga-crime I Sistema prisional

Laura M. Nunes Ana Sani Observatório Permanente Violência e Crime (OPVC) Universidade Fernando Pessoa

Autores Aline Lobato | Ana Barbeiro | Ana Guerreiro | Ana María Peligero Molina | Ana Paula Monteiro | Ana Sani | André Paulino Piton | Annie Lees | Antonio Carlos da Silva | António Castanho | Antonio de Pádua Serafim | Ariana Correia | Cândido da Agra | Carlos Farinha | Carlos S. Peixoto | Cátia Pontedeira | Celina Manita | Cláudia Cruz | Cynthia Silva | Dália Costa | Diana Moreira | Eduardo Ponte Brandão | Fernando Almeida | Frederico Moyano Marques | Helmut Kury | Inês Sousa Guedes | Isabel Dias | Joana Daniel-Wrabetz | Joana Torres | João Lázaro | João Próspero-Luís | Jorge Quintas | José Antunes Fernandes | José Soares Martins | Josefina Castro | Lars Korsell | Laura Alho | Laura M. Nunes | Mafalda Ferreira | Margarida Matias | Margarida Simões | Marina Pinheiro | Marta Silva | Mauro Paulino | Miguel Saraiva | Mônica Resende Gamboa | Natália Fernandes | Olga Cunha | Pedro Cunha | Pedro Miguel Freitas | Pedro Pechorro | Raquel Reis Guerra | Renata Benavente | Rui Abrunhosa Gonçalves | Rui Leandro Maia | Rui Mateus Joaquim | Sandra Walklate | Sofia Neves | Teresa Lancry A. S. Robalo | Vanessa Azevedo | Vanessa Ribeiro Simon Cavalcanti | Vânia Salgadinho


1

VIOLÊNCIA, CRIME E VITIMOLOGIA

2

VITIMOLOGIA: HISTÓRIAS E TEORIAS

3

VÍTIMAS DE VIOLÊNCIA E DE CRIME

4

VITIMOLOGIA, DESVIO E TRANSGRESSÃO

5

VITIMOLOGIA E SISTEMA DE JUSTIÇA

6

VITIMOLOGIA, DIREITOS HUMANOS E POLÍTICAS


INTRODUÇÃO Este é um livro com duas faces: a da criminologia e a da vitimologia, ambas distintas, mas não de costas, já que uma se faz acompanhar da outra. Também por isso pareceu pertinente publicar esta obra num volume único, em que não se dissociam essas duas vertentes de um domínio que acaba por ser um só. No contexto dos temas da vitimologia, enquanto um dos domínios explorados nesta obra, que se dedica também à criminologia, após um enquadramento teórico sobre a vítima e a vitimologia, bem como de formas e processos de vitimação referentes à violência e ao crime, passa-se à história e às teorias, percorrendo um eixo temporal, até se perspetivar o futuro neste domínio do conhecimento. Numa parte dedicada a vítimas de violência e crime, é o momento de se abordar a violência infantojuvenil, bem como em contexto de relações íntimas e em termos intergeracionais, não deixando de se visitar as questões do cibercrime.

Na estreita associação da vitimologia com o sistema de justiça resultam temas como a vitimologia forense, assim como reflexões em torno da vítima e modelos de justiça, bem como da vítima e modelos de mediação. Já no plano das políticas e dos direitos humanos, exploram-se temas como a proteção à vítima, as questões de género, os direitos da criança e as políticas sociais de apoio à vítima. Assim, a vitimologia é apresentada sob perspetivas genéricas e, simultaneamente, sob olhares mais específicos e de caráter pluridisciplinar. Em suma, a obra apresenta a criminologia e a vitimologia revisitadas, sob díspares pontos de vista e em distintos quadrantes.

© PACTOR

Atendendo à vitimação em contexto desviante, é explanada a vitimação de populações mais

específicas, como pessoas dependentes de drogas e com conduta delinquente, socialmente mais fragilizadas e migrantes. A vitimação institucional encontra também, neste livro, um espaço para debate.

•V•

As Coordenadoras



ÍNDICE GERAL Introdução........................................................................................................................... V

VIOLÊNCIA, CRIME E VITIMOLOGIA.............................................................................. 1 1.1. Enquadramento: Vítima e vitimologia................................................................. 3 Ana Sani 1.2. Violência, crime e vitimologia: Contextualizações............................................. 6 Ana Sani e Teresa Lancry A. S. Robalo 1.3. Vitimação: Formas e processos........................................................................ 12 Vanessa Azevedo e Ana Sani

VITIMOLOGIA: HISTÓRIAS E TEORIAS........................................................................ 21 2.1. Perspetiva histórica da vitimologia................................................................... 23 Ana Sani 2.2. Vitimologia positivista e radical........................................................................ 27 Dália Costa 2.3. Vitimologia crítica.............................................................................................. 38 Sofia Neves, Ariana Correia e Mafalda Ferreira 2.4. Perspetivas futuras em vitimologia................................................................... 43 Sandra Walklate

VÍTIMAS DE VIOLÊNCIA E DE CRIME.......................................................................... 51 3.1. Violência infantil e juvenil.................................................................................. 53 Carlos S. Peixoto e Ana Sani 3.2. Violência em relações de intimidade................................................................ 60 Ana Sani e Renata Benavente 3.3. Violência intergeracional................................................................................... 67 Ana María Peligero Molina Ana Sani

© PACTOR

3.4. Vitimação por cibercrimes................................................................................ 74 Inês Sousa Guedes e Cynthia Silva

• VII •


MANUAL DE CRIMINOLOGIA E VITIMOLOGIA

VITIMOLOGIA, DESVIO E TRANSGRESSÃO................................................................ 83 4.1. A vitimação de populações desviantes: O toxicodependente e o delinquente.................................................................................................. 85 Laura M. Nunes e Ana Sani 4.2. Vitimação de migrantes (refugiados)................................................................ 89 Helmut Kury 4.3. Vitimação institucional.................................................................................... 103 Ana Barbeiro

VITIMOLOGIA E SISTEMA DE JUSTIÇA..................................................................... 111 5.1. Vitimologia forense.......................................................................................... 113 Mauro Paulino e Laura Alho 5.2. Vítima, justiça restaurativa e mediação.......................................................... 119 Pedro Cunha e Ana Paula Monteiro 5.3. A vítima e as forças de segurança.................................................................. 125 António Castanho

VITIMOLOGIA, DIREITOS HUMANOS E POLÍTICAS................................................. 135 6.1. Limiar mínimo de direitos das vítimas de crimes........................................... 137 Frederico Moyano Marques e João Lázaro 6.2. Vitimação, género e direitos humanos........................................................... 143 Vanessa Ribeiro Simon Cavalcanti e Antonio Carlos da Silva 6.3. Promoção, proteção e direitos da criança..................................................... 149 Natália Fernandes 6.4. Políticas sociais de apoio à vítima.................................................................. 156 Marta Silva

Índice remissivo............................................................................................................... 165

• VIII •


1 VIOLÊNCIA, CRIME E VITIMOLOGIA


ESQUEMA-RESUMO DO CAPÍTULO 1 Violência Crime Vitimologia

Criminologia

Função de: ü Tipologia de violência; ü Natureza da violência; ü Envolvimento; ü Nível; ü Reconhecimento/(In)Visibilidade.

Quanto a: ü Experiências; ü Processo de vitimação; ü Recuperação.

Ligação Enquadramento Contextualização

Processos de vitimação

Formas de vitimação

Direito Criminal


VIOLÊNCIA, CRIME E VITIMOLOGIA

rapidamente reduziram o papel de vítima ao de testemunha (Godfrey, 2018). O monopólio do Estado relegou a vítima a uma posição de invisibilidade, que apenas em meados do século XX (após a Segunda Guerra Mundial) reemergiu, atribuindo-se-lhe um novo estatuto, simbolicamente construído neste período.

1.1. ENQUADRAMENTO: VÍTIMA E VITIMOLOGIA Ana Sani NOTA INTRODUTÓRIA A violência e o crime são fenómenos tão antigos quanto complexos, e o manifesto interesse científico associado ao seu estudo tem permitido encontrar formas de os combater. Se é certo que a compreensão destes fenómenos exige uma abordagem aos seus agentes, aos alvos e às dinâmicas e processos que possam estar envolvidos, não menos certo é que a atenção prestada à vítima é recente. Retratando a origem da palavra, passando pela compreensão do seu significado e abrangência e cobrindo múltiplas situações em diversos contextos, abrimos espaço para o debate das dinâmicas de vitimação, do estatuto, e firmamos a importância da vitimologia enquanto ciência autónoma, mas implicada necessariamente com a criminologia. Assim, neste subcapítulo exploramos alguns dos conceitos centrais associados ao estudo da vítima. CONCEITOS CENTRAIS EM VITIMOLOGIA

© PACTOR

1

A palavra “vítima” deriva do latim victima e esteve originalmente ligada à ideia de sacrifício, como retratado na história bíblica de Caim e Abel (Treffers, 2019), ainda que sem o uso daquela palavra para designar a pessoa que sofre um ato praticado por um agressor. As civilizações ancestrais deram ressonância a esta associação (vítima e sacrifício), através da condução de atos sacrificiais exibidos em cerimónias religiosas. Apenas mais tarde, nas sociedades anglo-saxónicas primitivas, as vítimas passaram a ser entendidas como pessoas, que, por terem sido alvo de uma ofensa, deveriam ser compensadas por quem infringia a lei, o que acabou por implicar o Estado no processo de realização da justiça. Entre o século XVII e o século XVIII, este envolvimento do Estado e os interesses que foram emergindo decorrentes desta intervenção

Na atualidade, o conceito de “vítima” está bastante associado à lei criminal. Em Portugal, a Lei n.º 112/2009, de 16 de setembro, no artigo 2.º, define “vítima” como “a pessoa singular que sofreu um dano, nomeadamente um atentado à sua integridade física ou mental, um dano moral, ou uma perda material, directamente causada por acção ou omissão”. Este conceito é reforçado quando, em 2015, a Lei n.º 130, de 04 de setembro, aprova o estatuto da vítima, transpondo a Diretiva 2012/29/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 25 de outubro de 2012. Outros diplomas legais esclarecem que a noção de vítima vai muito além do fenómeno criminal, estendendo-a à dimensão social e reconhecendo critérios não somente objetivos, mas também subjetivos, que evocam processos e dinâmicas na compreensão e no estudo da vítima. Assim, realcemos a noção de vítima presente na “Declaração dos Princípios Básicos de Justiça Relativos às Vítimas da Criminalidade e de Abuso de Poder” (United Nations General Assembly, 1985), adotada pela Assembleia-Geral da Organização das Nações Unidas (ONU) na sua Resolução n.º 40/34, de 29 de novembro de 1985, que se refere a “pessoas que, individual ou coletivamente, tenham sofrido um dano, nomeadamente um dano físico ou mental, um sofrimento emocional, um prejuízo económico ou um atentado importante aos seus direitos fundamentais, em resultado de atos ou omissões que violem as leis penais em vigor nos Estados Membros, incluindo as leis que criminalizam o abuso de poder” (United Nations General Assembly, 1985: 1). De acordo com o mesmo diploma (United Nations General Assembly, 1985: 1), o termo “inclui também, sendo caso disso, os familiares próximos ou

•3•


MANUAL DE VITIMOLOGIA

TEORIA DA CRENÇA NO MUNDO JUSTO Em meados dos anos 60 do século XX, Lerner (1980) desenvolveu pequenas investigações empíricas sustentadas pelas suas observações enquanto psicólogo clínico e professor numa faculdade de medicina. No seu trabalho com doentes mentais, observava médicos do hospital a culpabilizarem os doentes mentais pela sua situação e pelo modo como reagiam às dificuldades com que se confrontavam devido à doença ou ligadas à doença. Enquanto professor universitário, observava também uma tendência dos seus alunos para a atribuição de culpa às pessoas em situação de pobreza. Estas análises levaram-no a conceber que, mais do que uma atitude discriminatória, estaria perante uma função adaptativa. A teoria da crença no mundo justo (usualmente referida como CMJ) assenta na tese de que as pessoas rejeitam a possibilidade de não serem capazes, no sentido de se sentirem impotentes para dominar e alterar o seu destino. Na década de 1970, sobretudo a psicologia deu um importante contributo para esta tese, demonstrando que quando as pessoas sentem essa impotência ocorre uma deterioração da integridade física e emocional do organismo (Leftcourt, 1976; Wortman & Brehm, 1975). O processo de construção desta crença, num mundo justo, é social e ocorre por via de dois mecanismos: • A generalização, quer de experiências anteriores, incluindo experiências pessoais em que uma conduta socialmente reprovável traz efeitos negativos, sendo esta ligação identificada e interpretada e funcionando como aprendizagem, quer de ensinamentos integrados na sabedoria popular (como o adágio “cá se fazem, cá se pagam”), no património sociocultural, incluindo as histórias tradicionais (e as fábulas, como a da cigarra e da formiga, da lebre e da tartaruga, entre outras que contribuem para a construção de uma moral que ajuíza os comportamentos);

• O equilíbrio ou consonância cognitiva, que nos leva a formar conjuntos e conjugações entre coisas positivas, separando-as das negativas, por exemplo, associando bondade e felicidade, maldade e punição (Heider, 1958). Estes mecanismos estruturam a crença de que “as coisas boas acontecem a pessoas boas”; o seu contrário remete para a ideia de que as coisas más, negativas, que geram sofrimento acontecerão a pessoas más ou, por outras palavras, merecedoras. Esta crença permite explicar a adoção de determinadas condutas, incluindo a omissão de auxílio a pessoas que, noutras circunstâncias ou contexto, seriam sujeitos de compaixão, reagindo-se com empatia e prestando-se auxílio (Lerner & Goldberg, 1999). As crenças, em geral, e a que permite explicar a interpretação de determinadas pessoas acerca de outras, por vezes racionalmente identificadas como estando em sofrimento, são importantes, por terem uma dimensão volitiva, ligando-se às atitudes. As atitudes negativas sustentam, por seu turno, a desvalorização e/ou a culpabilização da vítima, a negação do seu sofrimento e/ ou a racionalização da ocorrência criminal ou outra. Lerner (1980) acrescenta que esta atitude também se manifesta quando recusamos ou adiamos tomar conhecimento de algo que ameaça a CMJ, incluindo recusar ver notícias, adiar consultas médicas, lidar com o resultado de exames de diagnóstico ou negar a gravidade de determinada situação ou do seu impacto. A noção de que existe sofrimento merecido, do ponto de vista cognitivo, permite admitir a existência de sofrimento não merecido. Aqui, o mecanismo do equilíbrio cognitivo permite, quando alguém é vítima, repor o equilíbrio. O processo cognitivo, explicado de forma simplista, é o seguinte: “Aconteceu-me a mim por acaso (azar, destino ou outro), mas quem me causou sofrimento terá o que merece, mais cedo ou mais tarde.”.

• 34 •


MANUAL DE VITIMOLOGIA

VIOLÊNCIA FILIOPARENTAL Uma das últimas tipologias de violência familiar que, cronologicamente, deixou de permanecer na esfera privada do lar foi a violência dos filhos aos pais (Agustina & Romero, 2010). De acordo com Straus, Gelles e Steinmetz (1981), as poucas evidências científicas em relação às crianças que agridem os pais dever-se-iam à necessidade de preservar o mito de que todas as crianças amam e respeitam os pais. Segundo Cornell e Gelles (1982), as causas seriam a menor aceitação social desse tipo de violência e a maior vergonha dos pais, relutantes em procurar ajuda ou chamar a atenção para a sua situação, por medo de serem responsabilizados por ela. Pereira Tercero (2011) refere o sentimento de fracasso dos pais, a vergonha de serem agredidos por uma criança e a proteção da imagem da família como alguns dos inibidores da denúncia. Cuadros (2010) acrescenta o medo de romper os laços familiares como resultado da separação forçada imposta pelo sistema penal e da qual derivam as retratações das denúncias. Um fator decisivo para a visibilidade do fenómeno (que permaneceu oculto como um dos conflitos existentes em famílias com disfuncionalidades) tem sido o seu surgimento em famílias aparentemente normativas, que não recorrem a serviços sociais ou psiquiátricos. Segundo Agustina e Romero (2010), a dimensão pública que a violência entre pais e filhos alcançou no início do século XXI constitui uma consequência da significativa evolução cultural das relações paterno-filiais, mediante a qual se proíbe legalmente o direito dos pais à correção. De acordo com a mesma fonte, em poucos anos, passou-se de um modelo autoritário para outro baseado numa cultura democrática pouco compreendida, na qual adultos e crianças passam a assumir uma situação de igualdade na tomada de decisões (Agustina & Romero, 2010). As primeiras definições de violência filioparental (VFP) são breves e genéricas. Sears,

Maccoby e Levin (1957) cunham o termo “síndrome dos pais abusados”. Por sua vez, Harbin e Madden (1979) definem a violência contra os pais como ataques físicos ou ameaças verbais e não verbais ou danos físicos. Já Laurent e Derry (1999) e Wilson (1996) referem-se ao fenómeno como um ataque físico repetido ao longo do tempo, realizado pelo menor contra os pais. Ibabe e Jaureguizar (2011) e Aroca Montolío, Lorenzo e Miró (2014) consideram que, embora não exista uma definição empírica clara de VFP, a mais utilizada na pesquisa é a de Cottrell (2001), que a define como qualquer ato de abuso (físico, psicológico ou financeiro) das crianças que cause medo nos pais e vise obter poder e controlo sobre estes. Posteriormente, Cottrell e Monk (2004) expandem a definição a outras vítimas potenciais, além dos pais, definindo VFP como qualquer ação de adolescentes com o objetivo de causar danos económicos, psicológicos ou físicos aos pais e/ou às pessoas que os substituem. Na mesma linha, Pereira Tercero (2006) define VFP como implicando comportamentos repetidos de violência física (agredir, bater, empurrar, arremessar objetos), verbais (insultos repetidos, ameaças) ou não verbais (gestos ameaçadores, quebra de objetos apreciados), dirigidos aos pais e adultos cuidadores. Mais recentemente, Ortega Ortigoza (2015) sintetiza os vínculos existentes entre as definições, concluindo que existem três dimensões que relevam para a definição: i) a intencionalidade; ii) a busca de poder e controlo; e iii) a repetição de comportamentos violentos. Os estudos de revisão que analisaram a prevalência do fenómeno mostram diferenças óbvias entre as investigações (Ulman & Straus, 2003). Aroca Montolío e colaboradores (2014) atribuem essas diferenças estatísticas às divergências metodológicas dos estudos: a definição utilizada (violência física ou psicológica); o tamanho da amostra; a natureza da amostra (clínica, judicial ou população geral); a composição (filhos, ambos os pais ou apenas um dos pais em famílias monoparentais); a delimitação etária (idade

• 68 •



Turn static files into dynamic content formats.

Create a flipbook
Issuu converts static files into: digital portfolios, online yearbooks, online catalogs, digital photo albums and more. Sign up and create your flipbook.