De Porta Aberta para o Mundo

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DE

Livro de Contos

Índice 1 Sete dias 7 2 O recado 17 3 O homem da lanterna 27 4 Génios 45 5 Olhos de Lua 57 6 As horas e o piano 69 7 O espelho 77 8 O Lápis de Cor 87 9 O grão de café 95 10 Anel e Capim 107 11 Na pele 117 12 Jesusalém 129 13 O mundo dela 141

2 O recado

Catarina mostrava alguma agressividade, só de vez em quando. Mas não era agressividade, era a adaptação a coisas que eram diferentes no mundo onde ela era morava.

–Catarina, o que estás a fazer?

–Um bilhete! – Entoava sempre com exclamação, era uma menina alegre.

Catarina mostrava alguma agressividade só de vez em quando. Mas não era agressividade, era a adaptação a coisas sobre as quais não a tinham avisado, que eram diferentes no mundo onde ela era morava do lado de fora.

–O bilhete é para quem? – Perguntava ainda a professora, entrando devagarinho na comunicação da Catarina.

Sempre que podia, a professora arranjava um tempo a mais para estar mais próxima da Catarina e do seu mundo. Há pessoas que são como uma viagem. Aprende-se tanto com elas no seu percurso, assim como quando chegam à sua meta. Catarina apreciava a professora e permitia que ela tocasse na sua porta de sabão. Porta frágil de um mundo forte, o mundo de Catarina.

–É para a Dulce! Hoje não veio, não deixou um recado. Vou escrever-lhe algo para ela vir e se lembrar de mim. – A menina dizia isto sem despregar os olhos do papel no qual escrevia com cuidado.

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Dulce era uma das funcionárias da escola, com quem Catarina tinha estabelecido um laço bonito de carinho. Não era com todos que a menina fazia isto. Nem sempre se sentia integrada e escolhia muito bem as suas pessoas.

–Ela não se esquece de ti, nunca! O que lhe vais dizer?

–Dizer? Hum… isto! – Ecoava Catarina, juntando-se à fala da professora. Estavam, assim, em sintonia. Catarina mostrava, de braço esticado, o bilhete, mas a professora não conseguiu ler, só sentiu o cheiro intenso a ameixa.

–Cheira tão bem, Catarina! – Elogiou a professora.

–Eu ponho sempre perfume nos bilhetes. É para guardar as palavras como segredos. Percebes? – A menina revelava isto como se fosse a autora de códigos indecifráveis. Encriptados.

A professora não percebeu. Precisava de continuar a “viagem” com a Catarina.

–Mas, não consigo ler porque o perfume levou as letras. Como vai a Dulce perceber o teu bilhete? – Perguntou a professora.

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–Vou explicar-te muito direitinho. Olha… Este –Apontava para o bocado de papel avermelhado pelo perfume de ameixa – Significa “amor”. Este – Voltava-se para outro pedaço, mas com tom amarelo – Significa “bonita”.

–Ah! Estou a perceber! Cada cor do papel significa uma palavra? – Disse a professora, tentando acompanhar o ritmo. Estava a conseguir escalar a terra das cores e dos segredos.

–Não, não são só palavras. São os “sentires” –Sorria a Catarina que acabava de inventar este plural de “sentir”. – Deixa-me continuar. Aqui, eu pus “aprender” –Disse enquanto apontava para um pedaço mais longe dos outros papéis que estava com uma cor púrpura – E “palavra” está neste bocadinho de papel que é branco. Ah! E este bocadinho com perfume laranja é “querer”.

–Hum, então estás a “compor” um recado colorido e perfumado para a Dulce?

–Sim, mais ou menos, não é bem um recado. É uma mensagem. É que eu aprendi a palavra “amor” ontem. – Catarina ficou entusiasmada com a descoberta que partilhava. E que perfumava.

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Estava a juntar os pedacinhos de papel para escrever à Dulce que tinha aprendido a palavra “amor”. Como se estivesse a subentender um encontro de meditação sobre essa conquista. Tinha um estojo com poucos lápis, mas cheio de pequenos frascos de plástico com diferentes aromas que, por sua vez, tinham cores. De ameixa, de alfazema, de lavanda, de açaí e de nada.

Havia mais, mas a professora não conseguia ver tudo. E a Catarina não gostava, especialmente, de revelar tudo o que tinha. Mantinha a sua história contente de códigos. A professora intrometeu-se na sua descoberta:

–Então o que aprendeste sobre o “amor”?

–“Amor” é dar. É uma palavra tão linda, não é? –

Apaixonada, Catarina fixava as cores e os papéis. Depois ficou apreensiva porque os colegas da sala começaram a levantar-se e a arrumar os cadernos e os estojos de lápis e canetas. Sem perfumes, sem cores.

–Catarina, o que foi? – A professora ainda estava perto da menina e preocupou-se com a expressão confusa dela.

–Eles já acabaram de aprender hoje, não foi?

–Só acabaram os trabalhos de hoje, aprender é toda a vida, Catarina. – Disse a professora, sossegando-a

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e tentando ajudá-la a arrumar a sua mochila. Mas a menina impediu-a e entregou-lhe um bilhete com pedaços de papel colados, numa ordem propositada, de diferentes cores.

–Catarina, não entendo bem este bilhete. – A professora estava agora confusa com as cores e as letras desmaiadas pelos aromas – O que é este pedaço laranja, depois o púrpura e… este esverdeado no fim? É uma frase?

–Sim, eu já te ensinei as minhas palavras… –Disse, aborrecida, a Catarina. Sentou-se na cadeira da qual se tinha acabado de levantar.

–Vou relembrar as cores e os sentimentos de que me falavas há pouco. – A professora juntava meticulosamente as cores, a memória dos sinónimos ensinados há pouco pela Catarina e, assim, decifrava. – Então…queres dizer “querer”, “aprender”… Mas e o esverdeado, significa oquê?

Catarina contraiu-se com vergonha de estar a fazer um pedido, por julgar que tinha um ritmo tão diferente e porque a sala ecoava agora o vazio dos colegas e dos cadernos fugidos.

–Verde, para mim, significa “esperar”.

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E, de repente, a professora ficou comovida porque compreendeu, de forma muda, o pedido de socorro e perfumado de Catarina:

“– Quero aprender, esperas?”

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Isto não é apenas um livro. É um atlas de histórias que abrem portas para todo o Mundo.

Descobre, encontra-te, chama pelas personagens e abraça as diferenças que fazem de ti um ser humano único.

Eurico tinha uma mão demorada e uma mente complexa. Tinha nascido prematuro.

Catarina mostrava alguma agressividade. Mas não era agressividade, era a adaptação a coisas que eram diferentes.

Mariah era uma menina refugiada. Refugiada foi o adjetivo que reconheceu como seu nome.

Alice tinha uma imaginação fértil. Preferia confraternizar com os seus génios imaginários.

Margarida era invisual. Precisou dos sons, depois das mãos, agora das palavras para se encontrar.

Rui tinha de ser levado pela mão, de perto, para fazer a maioria das coisas. Era autista.

Inês tinha síndrome de Asperger. Estava entre dois mundos, o dela e o dos outros.

Tiago não compreendia porque o mandavam estar quieto e silencioso.

O pequeno grão de café a igia-se com as semelhanças das palavras e não conseguia acompanhar a velocidade de leitura dos colegas.

Capim tinha os movimentos limitados, mas a cadeira dava-lhe o tempo necessário para observar.

O menino sofria com as discussões dos pais. Ficava muito triste quando ouvia os gritos na sua casa.

Abib era muçulmano. Não poderia explicar facilmente o tamanho das coisas de uma religião tão diferente.

Vera tinha uma forma especial e rara de ver o mundo. A verdade é que tinha muitos “eus” dentro de si.

ISBN 978-989-693-162-9 9 789896931629

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