Autora
Ivone Patrão
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Psicóloga Clínica e da Saúde, é também Terapeuta Familiar e de Casal. Docente e investigadora no ISPA. Desenvolveu, durante 20 anos, intervenção clínica no Serviço Nacional de Saúde (SNS), com crianças, jovens e famílias. Coordenadora do Projeto #GeraçãoCordão (Comportamentos e Dependências Online), já escreveu e coordenou vários livros sobre a dependência das tecnologias.
Índice Autora
III
Prefácio Daniel Sampaio
VI
Introdução
VIII
1. TECNO REGRAS PARA TODOS As regras devem ser partilhadas por todos! Na prática… Contrato de expetativas!
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2. O ADULTO ENQUANTO MODELO O adulto deve dar o exemplo online e offline! Na prática… 50/50!
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3. ATIVIDADES OUTDOOR Uma parte do dia deve ser, pelo menos, fora de quatro paredes! Na prática… A motivação que vem de fora!
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4. SONO VIRTUAL Dormir é igual a saúde! Na prática… Tecno ponto!
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5. HIGIENE DIÁRIA Os dispositivos móveis não tomam banho! Na prática… Tecno arte!
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6. MARKETING ALIMENTAR O algoritmo define o que comemos? Na prática… Consumo consciente!
V
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7. SOCIALIZAÇÃO VS ABORRECIMENTO 22 A criatividade só aparece depois do aborrecimento! Na prática… Time off e time out! 24 8. A CONQUISTA DE RECOMPENSAS DIGITAIS Se eu fiz bem, então não tenho tecnologia! Na prática… Lista de recompensas! 9. É TÃO BOM CONHECER O MUNDO ONLINE DE CADA UM DA FAMÍLIA Só pode ditar regras sobre o mundo online quem o conhece! Na prática… Tecno temas!
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10. A VULNERABILIDADE PSICOLÓGICA E A VIOLÊNCIA OFFLINE 31 Será que o mundo online influencia o que se pensa, sente e faz? Na prática… Trabalhar COM eles e não PARA eles! 33
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Conclusão
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Prefácio UM LIVRO OPORTUNO Nem sempre um livro direto e prático constitui uma obra a recomendar. Em muitos casos, a simplificação excessiva conduz a um texto com pouca densidade que, na ânsia de provocar efeito no leitor, o leva antes para uma zona de facilidade que não gera mudança. Os livros de autoajuda e os guias práticos que hoje enchem as livrarias são, muitas vezes, pequenos manuais de escrita redutora e de impacto reduzido, que apenas mobilizam quem os lê para uma ação imediata e pouco sedimentada. Perante situações de grande complexidade, as denominadas «dicas», de pouco servem, mas impedem a reflexão capaz de gerar mudança. Não é o caso deste livro. A Professora Ivone Patrão escreveu um texto claro e conciso, construído a partir da sua experiência de psicóloga, terapeuta familiar e investigadora na área, no qual é possível encontrar sugestões, mas que sobretudo ajuda a pensar. Nada do que é afirmado nesta obra resulta de opinião precipitada, mas, pelo contrário, está ancorado na prática clínica e, sobretudo, na investigação nacional e internacional sobre o tema. E esse assunto é o da internet. A net tornou-se tão habitual no nosso quotidiano que quase já não valorizamos a transformação que provocou no mundo. Em termos de comunicação,
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VII
tudo se tornou mais próximo, acessível e prático. Numa fração de segundo, um adolescente dos nossos dias comunica com outros jovens em qualquer parte do planeta, partilha os seus pensamentos e emoções, explora diferentes culturas e faz amizades. O problema é que a internet é tão sedutora que pode conduzir a dependência, ou pelo menos, com facilidade, levar à utilização abusiva, o que se traduz em problemas psicológicos do utilizador e da sua família. Para evitar esta progressão ameaçadora do bem-estar do agregado familiar, Ivone Patrão introduz a perspetiva da educação. Em primeiro lugar, definindo regras para todos e defendendo a importância do modelo do adulto para com os mais novos a seu cargo. Depois, introduz vários temas do quotidiano das famílias, como a alimentação, a higiene e o sono, todos cruciais para uma boa saúde física e mental. Trata da socialização e do aborrecimento, das regras e das recompensas, da vulnerabilidade e da dependência, do exercício físico e do descanso. Poderemos afirmar que aborda muitos dos temas essenciais para uma melhor comunicação no quotidiano familiar. Este é um livro importante e oportuno para pais e educadores, mas que também pode e deve ser lido (pelo menos em parte) por crianças e jovens. Ninguém ficará indiferente a esta leitura e encontrará nestas páginas muitas ideias para pôr em prática. © PACTOR
Daniel Sampaio Professor Catedrático Jubilado de Psiquiatria e Saúde Mental Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa
Introdução A geração cordão é aquela que não desliga. Hoje em dia, todos somos geração cordão. Todos estamos cada vez mais ligados à tecnologia e uma parte dessa ligação é muito positiva, pois a tecnologia tem trazido benefícios na educação, na saúde, no mundo empresarial, entre tantos outros. Estamos cada vez mais fidelizados ao mundo online. Mas não podemos acolher esse mundo como sendo o único, como o que é prevalente, como o melhor, como aquele que nos faz mais felizes. Porquê? Porque precisamos do equilíbrio entre o mundo online e o mundo offline para nos desenvolvermos saudavelmente, para nos sentirmos bem, para sermos felizes. É essencial sentirmo-nos ligados a alguma coisa, a alguém. Sentir-se próximo é fundamental para o desenvolvimento humano. E, apesar de, no mundo online, nos podermos sentir próximos de alguém, para o nosso cérebro não é a mesma coisa. Porque falta, na experiência online, o cheiro, o toque, o olhar. O equilíbrio entre as experiências dos mundos online e offline é o truque para que, na era da revolução tecnológica, haja poucos impactos negativos na saúde mental, física e social.
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IX
Este guia prático tem por base duas áreas muito importantes: 1. A investigação sobre os comportamentos online, que nos permite compreendê-los e ajustar formas de melhor intervir ao nível da prevenção e da redução de danos. 2. A experiência na Consulta Especializada em Comportamentos e Dependências Online1 num trabalho desenvolvido há mais de 10 anos com crianças, jovens, famílias e educadores/professores. Esta experiência, tanto ao nível da investigação como da intervenção clínica, tem sido desenvolvida no âmbito do projeto Geração Cordão.
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Todos os dias, pais, educadores e professores se deparam com a necessidade de ajustar regras e limites para o uso da tecnologia, seja no contexto familiar, seja no contexto escolar. A grande novidade é que podem e devem fazê-lo. A dificuldade surge porque não se sentem seguros nas medidas a tomar. As orientações enunciadas neste guia têm na sua base uma FÓRMULA que ajuda pais, educadores e professores a calcular o número de horas aceitável para as atividades online e offline de cada criança, de cada jovem, de cada família. Ver www.geracaocordao.com
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3 ATIVIDADES OUTDOOR Uma parte do dia deve ser, pelo menos, fora de quatro paredes! Uma grande parte do tempo das pessoas é dedicado a atividades educativas e/ou profissionais. Hoje em dia, essas atividades já requerem um elevado recurso à tecnologia. Por exemplo, enviar um mail de trabalho, falar com os colegas para combinar um trabalho de grupo ou realizar uma pesquisa. A tecnologia serve de suporte para a concretização de muitos projetos a curto, médio e longo prazo e é a própria tecnologia que guarda esses projetos. O grande desafio com que nos debatemos é saber compatibilizar as exigências educativas e/ou profissionais com outros interesses e preferências (por exemplo, desporto, música, lazer). E não são só as crianças e os jovens que têm esta dificuldade! A autorregulação é um processo que exige treino, foco, uma atitude positiva e, ainda, que se dê valor e significado ao lugar que esses outros interesses/preferências têm para o projeto de vida.
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ALERTA!
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Nas atividades outdoor é essencial privilegiar o exercício físico. Ele está associado a uma melhor saúde física e mental. Nos estudos desenvolvidos nos últimos anos no projeto Geração Cordão, tem-se concluído que os jovens entre os 12 e os 18 anos retiram tempo às atividades físicas para conseguirem estar mais tempo online. É preciso estar muito atento a estes movimentos, sobretudo, na adolescência, onde ganham autonomia nas escolhas do que preferem fazer.
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Índice VII
Índice Prefácio IX Mário Cordeiro Introdução XIX
A FORÇA: As crianças e os jovens 1 O que é a Geração Cordão?
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A importância da Internet para as relações sociais
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Os diferentes “self ’s” (eus)
7
As novas tendências: likes, selfies, phubbing, youtubers, bloggers, mukbang 9 Porque é que as crianças e os jovens dizem que é bom estar online? 11 Quais as desvantagens das tecnologias?
13
Sexting, cyberbullying, ciberstalking e grooming
17
Estar online é seguro?
21
Pegada digital
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Para que serve o smartphone? 25 Entretenimento – jogos, multimédia, compras
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Crianças e jovens partilham as suas tecnoideias 31 À conversa com… Sofia Valente, educadora 31 À conversa com… Miguel Luz, youtuber 43
Pontos-chave 45
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AS REGRAS: A família 47 Os pais como modelo: presentes e virtuais
49
O fosso geracional digital: os pais estão atualizados?
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O que os pais precisam de saber
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O tempo que se passa online 59 O que podem os pais fazer?
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VIII #GERAÇÃOCORDÃO
Pais e mães partilham as suas tecnoideias 65 À conversa com… Adelaide Sousa, atriz e apresentadora 65 À conversa com… Pedro Fernandes, humorista e apresentador 70
Pontos-chave 72
OS DESAFIOS: A escola 73 A escola está a mudar?
75
Os professores têm de ser acrobatas digitais?
77
Ter ou não ter wi-fi? 79 Literacia digital
83
O professor partilha as suas tecnoideias 85 À conversa com… Carla Jesus, professora 85
Pontos-chave 94
A OFERTA: A rede e a comunidade 95 Globalização e direitos digitais
97
Os riscos: entre a oferta e a procura
99
As dependências
101
Gestão saudável do comportamento online: um projeto de e para todos?
105
Precisamos de um guião de boas-práticas?
109
A comunidade partilha as suas tecnoideias 111 À conversa com… Pedro Fernandes, psicólogo 111 À conversa com… Ângelo Marinho, enfermeiro 123
Pontos-chave 133 Conclusão 134 Contactos úteis 136 Wikipais 138
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Prefácio
Geração X, Geração Y, Geração Z… as letras do alfabeto não chegarão, um dia, para descrever o que são, afinal, os nossos filhos, sobrinhos, alunos, ou apenas as crianças que conhecemos, neste país “à beira-mar plantado”, mas que já se conecta, através das suas raízes e ramos, com todo o mundo, e de uma forma bastante mais rápida do que as caravelas dos Descobrimentos. Curioso… um país que teve tanto trabalho para “dar mundos ao Mundo”, segundo reza a História, agora está, ele próprio, interconectado com esse próprio mundo (e prisioneiro dele?), fale ele português, inglês, mandarim ou qualquer outra língua ou dialeto aborígene. Como passou a ser “anormalmente normal”, temos de fazer sempre as nossas declarações de interesses, para não sermos mal interpretados pelos defensores do politicamente correto ou nos apelidarem de “ trogloditas, adeptos do regresso às cavernas”: bom, que fique claro que sou um feroz defensor e um amplo utilizador da tecnologia, não apenas aquelas às quais chamamos “novas”, como as que, sendo recentes, já são consideradas arcaicas, como um frigorífico ou um micro-ondas… ou a invenção da roda ou da dinamite. Gabo-me, aliás, de ter frequentado, em 1975, no Instituto Superior Técnico, um curso de Fortran-Fast Translator e Computadores, em que se colocavam papéis perfurados numa máquina enorme que os “deglutia” e dava respostas. O meu primeiro computador a sério, em 1987 (depois dos Spectrum ZX), foi um Amstrad que tinha uma “enorme” capacidade no disco: 240 quilobytes (kB)… não daria para armazenar uma simples imagem ou uma música em MP3!
X #GERAÇÃOCORDÃO
Os tempos evoluíram à velocidade da luz (ou quase mais rápidos do que ela). Recordo-me do meu irmão mais velho ter instalado no carro um telemóvel, nos idos anos 80 – eu diria mais que aquilo era um tijolo pousado entre os bancos da frente –, mas, numa viagem que fiz com ele ao norte, fiquei deslumbrado por se conseguirem fazer chamadas para vários locais mas, claro, “dependendo da rede”, e a dita cuja só se apanhava de vez em quando… hoje é a rede que nos apanha, quais peixinhos ingénuos, incautos e indefesos, seja onde estivermos. Lembro-me quando levei o meu Amstrad portátil para a Direção-Geral da Saúde, onde ainda não havia computadores, e como o erro de carregar em “Control-Alt-Del” apagava tudo o que lá estava, e de vez em quando lá se ia o trabalho todo. Backups? O que era isso? Não havia pens ou clouds, e os floppy disks de 5 ¼ albergavam 160 kB, mas o meu computador já tinha uma janelinha para as que viriam, “algures no futuro”: as de 3 ½, que chegavam à “espantosa” capacidade de 720 kB. Serve esta breve introdução, que se refere a uma distância temporal de 30 anos e não, ao contrário do que alguns leitores poderão pensar, ao neolítico mais profundo, para afirmar a minha fé na tecnologia e nos avanços que nos permitem tanta coisa, mas que, como fenómeno inacreditavelmente fenomenal (passo o horrendo pleonasmo) tem efeitos que ainda não entendemos, tem uma parte que nem sequer percebemos ou conhecemos e, finalmente, dando tanta coisa boa, terá obrigatoriamente de ter efeitos secundários menos agradáveis. Todavia, como dizia o outro, não são as armas que matam, mas os seres humanos que primem o gatilho. Não é assim a tecnologia que faz mal (ou bem), mas o uso que lhe damos, e numa questão como esta – acerca de computadores, jogos, consolas, redes sociais, Internet, tudo o mais –, a dimensão dos “prós e contras” é, para ambos os casos, gigantesca. A tecnologia que permite ao Homem, associando a inteligência, o raciocínio, a capacidade de dar respostas a novas questões e a oponência do polegar e posição bípede, que levaram os nossos antepassados a separar-se dos grandes primatas e passarem a ser os seres mais evoluídos da Criação, visa fundamentalmente dois objetivos: fazermos tudo com menos esforço, porque somos um animal fraco, preguiçoso e vulnerável; e ganharmos tempo, fazendo mais rápido, porque temos uma outra dimensão (cultural, ética, estética, artística, relacional, de lazer e de “não
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Prefácio XI
fazer nada”) que gostamos de cultivar, aliás, que precisamos de cultivar. Foram sempre esses os objetivos dos avanços, paralelamente à compreensão dos fenómenos e ao “ir além”, seja no micromundo, seja no espaço exterior e no Universo. Dos vírus que vemos com os microscópios eletrónicos às danças das galáxias que o Hubble nos mostra, tudo é deslumbrante. E o ser humano gosta de se deslumbrar, de contemplar, de pensar e de sonhar. “Como bola colorida entre as mãos de uma criança”, escreveu Gedeão, a propósito do “mundo que pula e avança”. A Internet e a rede móvel são das invenções mais fabulosas da Humanidade, com potencialidades fascinantes – algumas ainda a descobrir –, e por isso é também natural que tenham alguns efeitos secundários, designadamente com potencial de perigo. Uma das questões por vezes ignoradas ou menosprezadas, é o facto de permitirem uma enorme comunicação, mas que não é real, no sentido em que é possível falsear idade, nome, aptidões, conhecimentos, e até sentimentos e afetos. Sabemos como é tentador, para as crianças e os adolescentes, fazerem-se passar por mais velhos e dar azo, por exemplo, ao seu desejo de expressão da sensualidade, pelo gozo que lhes dá estes momentos de faz-de-conta, de vertigem, de experimentação do limite, e também pela hipótese de entrarem num autêntico jogo de sedução. Estas vertentes são, aliás, as “vertentes da vida” ou de qualquer desporto, a par do “jogo de oposição”, tantas vezes também visto nas redes sociais, em que, a propósito de um qualquer fait divers surgem catilinárias, reações viscerais e de ódio, expressões e frases que nunca alguém diria, olhos nos olhos, a alguém, muito menos a um conhecido, amigo ou até familiar. “Rasgam-se vestes” por tudo e por nada… Quando pensamos em riscos da comunicação e desta forma específica de comunicação (seja por telemóvel, seja por Internet e pelas suas variadas redes sociais), não nos esqueçamos que este tipo de atitude, de “ousar sem expor” sempre fez parte da condição humana, ou não haveria, então, máscaras de Carnaval. Contudo, a amplitude, banalização e universalização do fenómeno é que é transcendente, tanto mais que ainda é bastante incompreendido porque se generalizou e amplificou antes mesmo de se poder estudar cientificamente. Um exemplo banal: só há escassos anos se concluiu que o uso de telemóveis, em adultos, não causava cancro cerebral… mas se os estudos tivessem demonstrado o contrário? Que faríamos nós, que temos um ou dois desses aparelhos nos bolsos e nos ouvidos?!
XII #GERAÇÃOCORDÃO
Não haverá hoje, obviamente, nenhuma criança ou adolescente que não conheça a palavra Internet (ou, na sua forma mais carinhosa e trivial – a “net”), ou a palavra “telemóvel”. Serão provavelmente raros os que nunca os utilizaram, nem que fosse por apenas alguns momentos e, arriscava, a larga maioria terá acesso fácil, em casa ou na escola (ou, atualmente, em qualquer espaço social – restaurantes, cafés, jardins públicos – ou usando a rede de dados móveis), a longos períodos de “navegação” cibernáutica e a comunicação constante. Aliás, os novos servidores e a possibilidade de contratos, cujo preço é independente das horas de utilização, permitiram um acesso generalizado, ao longo do dia, sem acréscimos de custos e sem ocupação da rede telefónica. É claro que um fenómeno destes, com a magnitude de tudo o que implica, não podia deixar de criar paixões e ódios, antagonismos, debates e reflexões de vária ordem, fundamentando opiniões e previsões, desde as mais catastrofistas às francamente otimistas, muitas vezes carregadas de excesso de ingenuidade. Assim, se, por um lado, temos o privilégio de viver estes tempos maravilhosos em que se universalizam as tecnologias que representam saltos qualitativos no desenvolvimento humano, por outro, estamos também a assistir aos efeitos físicos, psicológicos e sociais deste mesmo fenómeno. Com um pormenor adicional: os acontecimentos desenrolam-se tão rapidamente que, no espaço temporal de identificarmos um problema e pensarmos as melhores estratégias para o resolver, já a realidade mudou e novas questões surgiram – o caso das redes sociais é paradigmático… pensar em Facebook, que há escassos anos era uma novidade, já é visto pelas crianças e adolescentes como um pensamento “cavernícola”: “Então o pai não sabe que há o Instagram, o WhatsApp, o Twitter, o YouTube?” e, pelo menos, cerca de 50 (sim, 50!) mais redes. Daí a necessidade de estimularmos a nossa capacidade de antecipação e de resposta, sem prejuízo de uma análise profunda e lúcida das situações, segundo uma metodologia científica de grande rigor – mesmo que mais lenta do que a voracidade mediática. Isto para não cairmos em armadilhas, como é a de tomarmos como verdades ideias feitas ou preconceitos que, depois, se vêm a revelar serem falsos. Porventura, falar de “revolução cultural” pode não ser exagero, com tudo o que a Internet implica na saúde, educação, relações interpessoais, aquisição de conhecimentos,
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Prefácio XIII
acesso aos saberes e, de igual modo, na gestão dos tempos, da memória, dos hábitos de leitura, lazer e desporto, entre outras. Alguém disse, um dia que a melhor definição para a Internet era “uma rede de comunicações na qual, se alguém tiver algo de interessante para comunicar, pode dizê-lo a toda a gente, em qualquer parte do mundo, no mesmíssimo instante, assim como se quisermos procurar alguma informação ou facto, poderemos fazê-lo da nossa casa, também no mesmo instante, e esteja essa informação onde estiver”… tudo isto a um custo quase negligenciável... – o que nos deixa algumas dúvidas sobre a possibilidade de produzir informação tríada e de qualidade sem ter de a pagar ao preço justo... Mas, no fundo, a Internet é como, se fosse “uma praça pública medieval, onde se acumula um sem fim de bancas e tendas onde tudo se vende e tudo se compra”, ou “um enorme centro cultural e comercial organizado à maneira dos armazéns londrinos Harrod’s, onde nada é impossível de comprar, desde um alfinete até um elefante”. Curioso saber que a Internet nasceu nos princípios dos anos 70, como produto imediato da “Guerra Fria”. É verdade. Por muito que doa aceitar isto, a “net” desenvolveu-se a partir da tecnologia informática militar da Defesa americana, quando da escalada belicista de há 30 anos. Há sempre efeitos colaterais benignos e malignos de qualquer coisa, e o investimento militar feito nos Estados Unidos, com os consequentes orçamentos “generosos”, acabaram por trazer, entre muitas desgraças, um enorme benefício à humanidade. Foi a preocupação do Pentágono em relação à eventual vulnerabilidade dos sistemas de informação, face a um hipotético ataque nuclear soviético, que determinou o desenvolvimento da ARPA (Advanced Research Projects Agency), que concebeu um sistema descentralizado, a “net”, que unia os computadores de quatro universidades, pelo que um ataque a um deles não inutilizaria o sistema, dado que os outros continuariam a funcionar. Em 1972, a ARPAnet já unia 40 computadores em outros tantos centros científicos, os quais comunicavam através de um sistema de correio eletrónico. Perante a eficácia e facilidade do modelo, rapidamente a ideia começou a estender-se a outros locais fora dos Estados Unidos, e para lá das fronteiras dos objetivos militares. Mais do que uma ligação física entre computadores – computadores são também os telemóveis, em todas as suas vertentes, iPads, etc. – que permite uma rede de comunicações alternativa e qualitativamente
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diferente das restantes (telefone, telemóvel, satélite, entre outros), a Internet distingue-se por ter adotado uma linguagem comum, resultante de um protocolo de comunicação (TCP/IP), que permite que um computador, esteja ele onde estiver, possa entender-se com outro, independentemente também do sistema operativo utilizado – uma espécie de “esperanto” em linguagem máquina. A partir dos primeiros passos, os avanços foram exponenciais, até chegarmos ao que temos hoje, já melhor do que tínhamos ontem e, provavelmente, muitíssimo aquém do que veremos amanhã – este “amanhã” não é apenas uma metáfora, mas “amanhã”, mesmo, porque os avanços são a esta velocidade. Para lá do correio eletrónico e da informação universitária – que representaram o começo –, todo um mundo rapidamente se abriu e se revolucionou, designadamente em atividades que, tradicionalmente, eram realizadas de outras formas – basta pensar em ler jornais, ir ao banco, pagar contas da casa, reservar lugares para concertos ou hotéis, comprar bilhetes de avião ou saber as farmácias de serviço e os restaurantes que estão abertos, entre tantas e tantas outras soluções que poderia enumerar e que todos nós conhecemos do nosso dia a dia. Para lá das páginas pessoais, em que cada um, em inteira liberdade, fala do que quer, cria grupos de debate, mostra os seus achados profissionais, produtos para vender, hobbies, preferências, características e até as suas intimidades e perversões, vícios e virtudes, o mundo relacionado com a Internet e com a comunicação telefónica (SMS, etc.) tornou-se um agente consumidor de largas e largas horas que, mesmo sem se fazerem juízos de valor sobre a informação que se consome (e que é apenas informação e não conhecimento ou sabedoria), permitem “navegar” por bancos de dados infinitos, à escala universal e a um preço quase irrelevante. Desde a legislação americana às atividades do clube de adoradores de girafas, tudo se pode conhecer e obter. Just click! Todos os dias, mais e mais pessoas partilham informação e saberes – uns produzem-na, outros usam-na, e muitos fazem as duas coisas, simultaneamente. A “aldeia global” está, finalmente, concretizada, no que foi, talvez, um dos maiores saltos qualitativos dos milhões de história da Humanidade, e um passo de gigante no caminho do aperfeiçoamento que a condição humana tenta alcançar.
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Prefácio XV
Ora as crianças e adolescentes, como pessoas e cidadãos que são, como estudantes ou trabalhadores, como adeptos de lazeres e praticantes de artes, como seres curiosos e atualizados, e como comunicadores por excelência, não podiam ficar arredados desta revolução. Que também é deles e para eles. A “Sociedade de Informação” permitiu-nos democratizar a sociedade e universalizar essa democratização, aumentar o acesso aos bens culturais, informativos, recreativos e ao conhecimento e partilhar o poder e diversificar as fontes de informação, deixando de estar sob a alçada de um qualquer controlo. A liberdade de criação de informação e de comunicar essa mesma informação romperam com as barreiras e obstáculos políticos, e deram um golpe fatal nas estruturas que mantinham as ditaduras e os regimes iníquos: o obscurantismo e a ignorância. Um dos pontos essenciais a debater na questão da comunicação e da Internet, é que “informação é poder”, e partilhar o poder (leia-se, partilhar a informação) nem sempre é fácil para quem tem de ceder esse precioso instrumento. Por outro lado, a partilha deste poder pode ser confundida, erradamente, com perda de autoridade ou desaparecimento das hierarquias. Daí o receio de alguns adultos – pais e educadores – de que “os adolescentes naveguem demais pela Internet”, e múltiplas vezes com toda a razão, porque entramos num mundo do qual só conhecemos a ponta do icebergue – a dark web é assustadora! – e a facilidade com que crianças e adolescentes dominam este “engenho” e a sua criatividade neste domínio (e a facilidade com que nele se movem) fazem-nos sentir ultrapassados e desasados, e, por vezes, perdidos. A pseudossabedoria, imediata e efémera, que tem o ponto alto nas frivolidades e vacuidades das redes sociais, a que não necessita da experiência vivida, muda rapidamente de pontos cardeais e as fraquezas dos adultos podem ser mais facilmente descobertas, para o que contribui a maior escolaridade das gerações mais novas. Torna-se, assim, por vezes, mais difícil gerir o ecossistema familiar e escolar com as bases e regras antigas. Mas, é claro, uma coisa é informação, outra é sabedoria. Segundo especialistas na matéria observa-se, atualmente, um excesso de informação disponível, com acréscimos exponenciais em grande escala, embora mais de quatro quintos dessa mesma informação sejam viciados, factualmente
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errados, inconclusivos, incompletos ou irrelevantes. Mais: a triagem entre a informação importante e o “lixo” informativo é por vezes muito difícil. Por outro lado, deter informação, só por si, não é sinónimo de capacidade de atuar. Há que formar conhecimento, assumir uma atitude, revelar uma intenção e, finalmente, desempenhar um comportamento. Em todos estes passos todos, ou para o seu êxito, é necessária sabedoria, ou seja, o tempero e a maturidade da experiência – é aqui que os adultos entram, não por serem simplesmente “adultos”, mas por estarem cá há mais anos e “terem já visto muita coisa”... Uma questão que intriga os pais, relativamente aos filhos, é “o que é que eles andam lá a fazer...”. A resposta só pode ser uma: “Muita coisa!” Porque, de facto, a Internet e a comunicação tanto podem ser usadas como fonte de conhecimentos científicos e necessidade de contactar alguém – processo indispensável à formação e ao ensino/aprendizagem –, como espaço de entretenimento, criatividade, de lazer e prazer, cultura, comunicação e ampliação de horizontes... Ou tantas vezes de perda de tempo, de talentos, de “mais do mesmo” e de, desculpem os termos, “palermice e alarvidade generalizada”. Seria ingénuo ou imprudente pensar-se que um fenómeno desta natureza não iria causar uma imensa perturbação na vida das pessoas, embora, neste contexto, a palavra “perturbação” não tenha que ser, necessariamente, lida de uma maneira negativa. Se pensarmos na avalanche de informação e comunicação, nas possibilidades infinitas de “viagens” e de navegação, de parceiros e de tertúlias, no alcance planetário das mensagens que enviamos e recebemos, é quase de admirar como é que não passamos, todos nós, o dia todo “agarrados” à net! Levanta-se, então, uma “pequeníssima” questão – será que o nosso cérebro (e o nosso corpo) está desenhado para receber tanta informação, num tempo recorde, sem os necessários processos de depuração, reflexão, acareação com a experiência, desenvolvimento de conceitos práticos e tantas outras vertentes do ensino-aprendizagem? As overdoses, de medicamentos, substâncias, elementos, etc., causam danos graves nas pessoas. Que dizer do excesso de informação, sobretudo quando os espaços de latência para a sua gestão são quase nulos? E ainda outra “pequena” pergunta: “Com o contínuo fluxo de informação atualizada, não ficará
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Prefácio XVII
a “velha” informação (leia-se: a de há 5 minutos…) condenada a perder a sua relevância e a desaparecer? Por outro lado, sabe-se, da vivência atual, baseada em processo de aprendizagem que tem obedecido mais ou menos ao mesmo paradigma, que as coisas não valem apenas por ser novas, mas mais por serem boas? O desprezo e o ostracismo a que as pessoas de idade estão frequentemente votadas, por parecerem já não ter “nada a dar” nesta sociedade revela bem como a sabedoria está a ser substituída pela informação, numa tremenda e inquietante confusão de conceitos. Será que este fenómeno vai criar “um homem novo” em total rompimento com o anterior? Quando se observa a realidade quase que parece que sim. Quando se vê que o nosso genoma é igual ao que era há milhões de anos ficamos com algumas dúvidas. Finalmente, sabendo que crianças e adolescentes (sobretudo nos primeiros cinco anos e depois entre os 10 e os 16 anos) são seres ultrassensoriais, que precisam de usar todos os sentidos, de agir corporalmente, de exercitar o olfato, o tato, o paladar, ao reduzirmos a sua existência (em casa, nas aulas, nos tempos livres) a um mero audiovisual, não estaremos a humilhar o ser humano, a castrar a criatividade; a criar pessoas que deixam de saber como se relacionar com os outros, com o mundo físico, com a Natureza; que deixam de saber argumentar, de olhar os outros nos olhos, de pagar o preço da relação e de ter alguém que os contrarie, de não poder “deletar” essa pessoa carregando num botão ou fugir do relacionamento?… Esse é um dos enormes perigos, a “virtualização” do mundo, de tão redutor que o conceito é. Temos tudo para dignificar e exaltar o ser humano, mas estamos correndo sérios riscos de o remeter para patamares, civilizacionais e concetuais, muito anteriores e – permitam-me a opinião pessoal – francamente redutores e ofensivos à condição humana. Outra questão que envolve crianças, adolescentes e adultos, é a prisão que se construiu relativamente a ter de estar sempre comunicável. Os próprios têm sentimentos de culpa se não estiverem ligados, se não há rede ou se o telemóvel está sem bateria; os outros reclamam e verberam: “Liguei e não atendeste!”, como se fosse a última das ofensas ou como se nem à casa de banho já se pudesse ir! Onde está o direito à solidão, à intimidade, ao contacto com a Natureza, ao namoro, ao encantamento, à relação com o outro sem interferências de terceiros, à contemplação? Porque desistimos de conjugar o verbo “estar”?
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Se, realmente, a tecnologia e a comunicação têm como objetivo dar-nos tempo e facilitar a preguiça e o lazer (e a nossa interioridade e desenvolvimento reflexivo pessoal), fazer cada vez “mais do mesmo” é um tiro no pé. Que esta geração – e todas as outras, afinal – saibam usar bem o que têm e entender a dimensão e as diversas facetas deste fenómeno, designadamente quando se entra nos “capítulos” da ciberpatologia, ciberadição ou ciberbullying. Como em tudo, não se pode dizer que a Internet ou os telemóveis, à semelhança de outros meios de comunicação, são bons ou maus. Tudo depende da utilização que se lhes dá e do partido que se tira deles, bem como do que se deixa de fazer por estar nesta atividade. Fazer da Internet, como certas pessoas fazem, um bode expiatório que explica todos os “males do mundo”, é uma maneira errada, ineficaz e hipócrita de os adultos se demitirem do seu verdadeiro papel e de esconderem as suas verdadeiras ineficiências. A Internet e a comunicação móvel são um dos meios mais fabulosos de comunicação e de informação, e como tal não podem ser vilipendiados. Seria o mesmo que mandar apagar o sol só porque há pessoas que têm cancro da pele provocado pelos raios ultravioletas. Tudo na vida tem duas faces, mas se ensinarmos as crianças e os adolescentes a “domar a net e os instrumentos de comunicação”, a serem consumidores exigentes, críticos e criteriosos, se os estimularmos para atividades alternativas, do seu interesse e à sua medida, e se realçarmos e cultivarmos, todos os dias, a riqueza das relações humanas e no que estas têm de insubstituível, designadamente na transmissão de sabedoria e do “prazer de estar com o outro”, talvez se evitem fundamentalismos de qualquer sinal e se possa extrair da net e das novas formas de comunicação o que realmente de formidável elas têm para nos dar. No fundo, o que deve estar em causa na análise do problema – Internet, telemóveis, comunicação, virtualidade dessa comunicação – é a dignidade da pessoa e a forma de civilização que desejamos, baseada no respeito por nós próprios e pelos outros. Cezaredas, março de 2017 Mário Cordeiro Pediatra
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Introdução
Comunicar nos dias de hoje é um processo com formas e contextos completamente diferentes dos que existiam no século passado. As pessoas comunicam e relacionam-se mais. Por vezes, essa quantidade é acompanhada de qualidade (ou seja, relacionam-se melhor). Mas, outras vezes, vence o não dito, o mal-entendido ou o conflito, ainda que experienciem esta comunicação online, a quilómetros de distância uns dos outros. Desde 1989, com o início da World Wide Web (vulgarmente conhecida por WWW, ou simplesmente Web) que se começou a navegar num mundo de possibilidades online. As vantagens de estar em rede com o mundo são muitas e para pessoas de todas as idades. Permite um acesso melhor e maior à informação e ao conhecimento. Permite a troca de mais mensagens escritas, faladas e ao vivo. Permite momentos de lazer consigo próprio e com os outros. Mas também origina fenómenos e desafios à escala global. Quem não se lembra do Pokémon Go, o jogo que deixou o mundo louco levando milhões de pessoas para a rua à caça de criaturas virtuais? E os engraçados desafios ice bucket challenge, harlem shake, mannequin challenge, que têm movimentado milhares de pessoas, conhecidas e anónimas, não só por causas nobres e solidárias, mas também por simples divertimento? Desde a massificação do acesso às tecnologias e à Internet que estamos todos mais ligados. E é esta ligação que está na base da Geração Cordão. Uma geração ligada por um cordão invisível, porque já há wi-fi, mas que faz perdurar a necessidade de estar conectado, de não estar sozinho. Desta geração
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fazem parte, principalmente, os jovens, que não se conseguem desligar, nem por um segundo, e para quem os smartphones são indiscutivelmente uma extensão de si próprios. Durante a escrita deste livro decorreu a Web Summit, em Lisboa, onde se juntaram milhares de pessoas à volta da tecnologia. A dimensão desta cimeira permite ver a importância que a tecnologia tem e terá nas profissões do futuro. E a Geração Cordão está a preparar-se para isso. Mas será que está a ser preparada para conseguir integrar esse desafio com a necessidade de sobreviver socialmente? Chegou então o momento de refletirmos em conjunto sobre o modo como as vantagens e os riscos de navegar online contribuem para o desenvolvimento dos nossos jovens (e crianças) e para a (re)construção das nossas famílias. A reflexão que este livro oferece sobre a gestão dos comportamentos online interessa a todos. Não é um livro contra a tecnologia ou a Internet. É, sim, um guião (sem que por isso tenha formato de guião) que pretende ajudar pais, professores e a comunidade em geral a descobrir quais são os desafios para um consumo saudável da Internet.
O que é a Geração Cordão? Muitos são os termos utilizados para retratar as novas gerações: “Geração Millennials”, “Nativos digitais”, “Geração Z”, “Geração Magalhães”. Ao longo deste livro vamos, de forma inovadora e pela primeira vez, retratá-los como “Geração Cordão”. Porquê? Por dois motivos essenciais. Atualmente a adolescência prolonga-se até mais tarde, cerca dos 30 anos, o que faz com que se mantenham as amarras, a ligação, o cordão, à família nuclear. Também se criou a ideia de que os jovens estão sempre ligados. Para alguns, a tecnologia, materializada no smartphone ou tablet, é uma extensão de si próprios. É uma ligação com um cordão invisível, da qual nunca se separam. Lidamos com uma Geração Cordão por não se conseguir desligar, nem por um segundo, em substituição de nada, que seria estar com eles próprios e com os outros.
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Veja-se o exemplo de Marta, uma jovem de 14 anos. Numa manhã de segunda-feira, Marta saiu de casa bem cedo com a mãe, que costumava levá-la à escola. No meio do trânsito teve o primeiro instinto de pegar no smartphone e falar com os amigos. E é neste momento que se gera o pânico – deixou o smartphone em casa! Implorou à mãe que voltasse a casa. O que se seguiram foram duas horas atribuladas para esta mãe, com o objetivo único de tranquilizar
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a filha, para que esta conseguisse manter o contacto com os amigos, que estariam mesmo ao seu lado na sala de aulas. A mãe deixou-a na escola para que não se atrasasse, voltou a casa, e regressou à escola para lhe entregar o smartphone. Chegou atrasada ao trabalho, irritada, mas impotente na adoção de outra solução para o pedido da sua filha. Ao fim de uma hora, Marta já estava no intervalo, online, a trocar fotos com as amigas. A este fenómeno chamamos FOMO (fear of missing out), isto é, o medo de perder pitada. Entram em pânico se ficam sem bateria no smartphone. Esquecer-se deste apêndice é impensável. Passou a ser um substituto da memória; fica lá tudo registado. Apenas têm de se lembrar como encontrar o que precisam de utilizar. É possível fazer quase tudo num smartphone. Para os jovens, deixou de existir time out. Se puderem, nunca param de estar online. Após um dia de escola, às seis da tarde, tudo continua com muita intensidade. Quem tiver desligado, ao chegar à escola no outro dia de manhã já perdeu todas as conversas no Facebook, no Twitter, no Snapchat, no WhatsApp, a troca de fotos no Instagram, entre outras coisas. Ou seja, está desatualizado. Recordo a história de um jovem de 13 anos, João, deprimido e em sofrimento. Um adolescente a viver todos os desafios típicos desta fase da vida. O seu problema central estava relacionado com o desejo de ter Facebook que era vedado pelos pais. Uma guerra difícil. Como ele dizia,“não entendo, todos os meus amigos têm!”. Sentia-se desenquadrado da sua realidade, dos seus pares, quase fora da vida de adolescente.
A importância da Internet para as relações sociais Para os jovens, pertencer a um grupo é essencial. É a forma de socializarem e de estarem vivos. Podemos falar em socialização digital, presencial e mista. A socialização mista, com supervisão parental adequada à idade, é considerada a mais saudável. Todas as plataformas nas quais se pode comunicar online vieram trazer muitas oportunidades de: ■■ Não estar só; ■■ Receber a atenção do outro; ■■ Partilhar o que é privado e às vezes até íntimo; ■■ Ser direto e autêntico; ■■ Desenvolver competências sociais, ainda que digitais; ■■ Aproximar, apesar da distância física; ■■ Ter mais registos e memórias.
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A timidez muitas vezes é ultrapassada pelo primeiro contacto online. Estar por trás de um computador, tablet ou smartphone, sem mostrar a cara, pode facilitar. Às vezes, simplesmente para iniciar uma conversa com um colega da escola, começando assim uma relação de maior proximidade, em que a Internet é a mediadora. Para os mais velhos é muitas vezes apelidada de casamenteira… A capacidade de ir cultivando as relações online e offline é característica desta Geração Cordão, que faz uso das ferramentas que tem disponíveis.
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João, de 16 anos, conheceu Maria, de 14 anos, online, através de amigos do Facebook. Foram conversando, online. Mas já se conheceram presencialmente? Não, mantêm uma relação próxima, mas online. Para quem ouve João, é difícil perceber isso, pois pela forma como fala, parece que já fizeram muitas coisas juntos. E até é verdade, mas através da troca de fotos e mensagens, do FaceTime e do Skype. Os riscos passam por transportar os jovens só para uma socialização digital. E aí permanecerem. Ao vivo, não conseguem conversar, não conseguem manter contacto visual. E assim não concretizam uma das tarefas da adolescência que lhes trará competências essenciais para ingressar no mercado de trabalho. Perdem a oportunidade de serem espontâneos, de experimentarem estratégias diferentes para a resolução de conflitos e de lidarem com a frustração. Deixam de viver em direto as emoções positivas que estar em contacto com os outros pode trazer. Se bem que nem todos concordem com isso, a Internet veio trazer vantagens para as relações amorosas. Agora há a possibilidade de saber a localização da chamada, de falar a olhar para o outro, de partilhar fotos do que se está a fazer, com quem se está, em que direção se vai. Um mar de possibilidades que permite um controlo à distância. Para uns é indiferente, para outros uma verdadeira amarra e, por isso, preferem não usar as tecnologias, ou, pelo contrário, ter relacionamentos somente virtuais. O que os estudos nos dizem é que, ao fim de um certo tempo de se experimentar apenas relacionamentos virtuais (quer seja unicamente na esfera relacional ou também na esfera sexual [cibersexo]), existe uma necessidade que não é colmatada: o toque, o cheiro, a presença. Para um desenvolvimento saudável, a Geração Cordão necessita de ter acesso a pelo menos uma socialização mista: digital e presencial.
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À conversa com… Miguel Luz, youtuber Miguel Luz – Natural de Sintra, nasceu em 1998, tem 18 anos e faz vídeos desde os 10 anos. Começou porque sempre teve vontade de fazer coisas, criar algo a partir do que sentia, e por influência de uns programas de televisão para crianças, começou a filmar-se com um amigo e a pôr as parvoíces na Internet.
Conversámos sobre as vantagens e os riscos da tecnologia, sobre como um youtuber integra a tecnologia na sua vida e como preserva a sua privacidade. Deixa no final uma dica para os jovens. Para os jovens quais são as grandes vantagens da tecnologia? A Internet é um bicho complexo. Tem um poder brutal para nos poder ligar aos outros, mas ao mesmo tempo todo esse leque de possibilidade faz com que, no geral, nos fechemos sobre nós próprios e sobre o nosso ecrã. Um artista de hip-hop que admiro, o Childish Gambino, tem um álbum inteiro dedicado a esta temática. Por um lado, a Internet tem a vantagem de permitir que nós, os jovens, possamos conhecer muito mais pessoas do que as que conheceríamos apenas através de oportunidades na vida real. Mas com essa nova maneira de manifestar o nosso lado social, que vem desde o início dos tempos, acabamos por desprezar, mesmo que pouco, a vida real. Eu vejo-o como duas realidades distintas que podem ser conjugadas apenas até um certo ponto.
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E quais os riscos? É claro que também há perigos na Internet, demasiada exposição pode não ser a melhor opção numa plataforma em que nem sabemos quem está a olhar para nós. Digo eu que ponho vídeos na Internet, por vezes
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Pontos-chave “Que a chave nos deixe abrir a reflexão para estes pontos de partida…”
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■■ A Geração Cordão tem necessidade de estar tecnologicamente ligada por dentro e por fora. ■■ Não se pode viver sem tecnologia, sob pena de correr o risco de ser infoexcluído. ■■ É importante existir uma socialização mista: presencial e digital. ■■ Há que ter consciência das vantagens e dos riscos das tecnologias de acordo com o nível de desenvolvimento. ■■ É fundamental haver um diálogo permanente sobre os perigos online. ■■ As crianças e os jovens podem contribuir com as suas ideias para a construção de um guião sobre a gestão saudável da tecnologia.