Endometriose

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16,7 X 24 cm

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Este livro fornece informação detalhada sobre os diferentes aspetos da endometriose, abordados em duas partes distintas, embora interligadas: na primeira parte é feita uma revisão dos conhecimentos atuais, pelos diferentes especialistas participantes no diagnóstico e na decisão terapêutica; na segunda parte são detalhadas as várias formas de apresentação da endometriose através de exemplos práticos, incluídos em duas secções:

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Atlas radiológico – com o objetivo de servir de guia ao radiologista, através da análise de vários casos que ilustram desde os achados mais típicos aos mais complexos, destacando, no final de cada caso, os pontos-chave a reter; Casos clínicos – através de casos concretos, apresentam-se a marcha diagnóstica, a opção terapêutica individualizada e os respetivos resultados.

Fátima Faustino Assistente Hospitalar Graduada (grau de Consultor) de Ginecologia e Obstetrícia do Hospital Lusíadas Lisboa, onde coordena o Centro Especializado em Endometriose e a Unidade de Ginecologia e Obstetrícia; Revisora das revistas Acta Obstétrica e Ginecológica Portuguesa e Acta Médica Portuguesa; Assistente Convidada de Ginecologia e Obstetrícia da Nova Medical School | Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Nova de Lisboa; Vice-Presidente da Sociedade Portuguesa de Ginecologia.

Fátima Faustino

Direitos de autor a favor de:

Apoio científico: ISBN 978-989-752-446-2

9 789897 524462

Sandra Sousa

Esta obra multidisciplinar, orientada para os vários intervenientes na abordagem destas doentes, destina-se sobretudo a radiologistas e ginecologistas, em fase de formação ou que, apesar de já experientes, desejem explorar ou procurem auxílio para o esclarecimento e tomada de decisão em casos que, frequentemente, são um enorme desafio tanto do ponto de vista do diagnóstico como terapêutico.

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Sandra Sousa Assistente Hospitalar do Serviço de Imagiologia do Hospital Lusíadas Lisboa, onde é responsável pela Imagiologia do Centro Especializado em Endometriose; possui o diploma europeu de certificação em Radiologia Urogenital – ESUR level III; Revisora das revistas Acta Radiológica e Revista Portuguesa de Radiologia e do Eurorad (secção de imagiologia genital feminina); Primeira Vogal da Secção de Radiologia Génito-Urinária da Sociedade Portuguesa de Radiologia e Medicina Nuclear.

Endometriose . a doença das mil faces

Coordenação:

12,2 mm

16,7 X 24 cm

Endometriose a doença das mil faces

Coordenação:

Sandra Sousa Fátima Faustino


Edição e Distribuição Lidel – Edições Técnicas, Lda Rua D. Estefânia, 183, r/c Dto – 1049­‑057 Lisboa Tel: +351 213 511 448 lidel@lidel.pt Projetos de edição: editoriais@lidel.pt www.lidel.pt Livraria Av. Praia da Vitória, 14 A – 1000­‑247 Lisboa Tel: +351 213 511 448 livraria@lidel.pt Copyright © 2019, Lidel – Edições Técnicas, Lda. ISBN edição impressa: 978-989-752-446-2 1.ª edição impressa: outubro de 2019 Data de comercialização: março de 2020 Paginação: Tipografia Lousanense, Lda. – Lousã Impressão e acabamento: Tipografia Lousanense, Lda. – Lousã Dep. Legal: n.º 462291/19 Capa: José Manuel Reis Imagem da capa: © Neurobite Todos os nossos livros passam por um rigoroso controlo de qualidade, no entanto aconselhamos a consulta periódica do nosso site (www.lidel.pt) para fazer o download de eventuais correções. Não nos responsabilizamos por desatualizações das hiperligações presentes nesta obra, que foram verificadas à data de publicação da mesma. Os nomes comerciais referenciados neste livro têm patente registada. Reservados todos os direitos. Esta publicação não pode ser reproduzida, nem transmitida, no todo ou em parte, por qualquer processo eletrónico, mecânico, fotocópia, digitalização, gravação, sistema de armazenamento e disponibilização de informação, sítio Web, blogue ou outros, sem prévia autorização escrita da Editora, exceto o permitido pelo CDADC, em termos de cópia privada pela AGECOP – Associação para a Gestão, através do pagamento das respetivas taxas.


Endometriose – a Doença das Mil Faces

Índice

Siglas e acrónimos

Autores............................................................................................................................ IX Agradecimentos.............................................................................................................. XI Introdução....................................................................................................................... XIII Sandra Sousa, Fátima Faustino

Siglas e acrónimos.......................................................................................................... XV Extratexto a cores............................................................................................................ XIX PARTE I – ENDOMETRIOSE: O QUE SABEMOS Capítulo 1 – Definição, epidemiologia e patogénese ....................................................... 3 Vanessa Santos, Ana Gonçalves Andrade, Luís Vicente

Capítulo 2 – Sintomas, exame objetivo e marcadores biológicos .................................... 17 Irina Ramilo, Fátima Faustino, Rui Farinha

Capítulo 3 – Exames de imagem e diagnóstico diferencial................................................ 27 Rita Lucas, Sandra Sousa, António Marques

Capítulo 4 – Diagnóstico laparoscópico............................................................................. 45 Fátima Faustino, Irina Ramilo

Capítulo 5 – Diagnóstico anatomopatológico.................................................................... 51 Ana Isabel Belo

Capítulo 6 – Tratamento médico....................................................................................... 59 Ana Gonçalves Andrade, Fátima Faustino, Irina Ramilo

Capítulo 7 – Tratamento cirúrgico..................................................................................... 69 Fátima Faustino, Rui Farinha, Ângelo Ferreira, João Varregoso

Capítulo 8 – Infertilidade................................................................................................... 83 Luís Vicente, Ana Gonçalves Andrade, Vanessa Santos

PARTE II – DA TEORIA À PRÁTICA Capítulo 1 – Atlas radiológico............................................................................................ 93

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Sandra Sousa, Rita Lucas

1.1  Endometrioma típico na ecografia e na ressonância magnética....................... 93 1.2  Formas de apresentação dos endometriomas na ressonância magnética......... 94 1.3  Diagnósticos diferenciais dos endometriomas................................................. 98 1.4  Envolvimento tubário na endometriose........................................................... 103 1.5  Endometriose no tórus uterino e nos ligamentos uterossagrados.................... 104 1.6  Endometriose vaginal....................................................................................... 107 1.7  Endometriose intestinal.................................................................................... 108 1.8  Endometriose e colonoscopia virtual por tomografia computorizada.............. 111 1.9  Endometriose vesical....................................................................................... 114

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VIII Endometriose – A Doença das Mil Faces

1.10  Envolvimento ureteral por endometriose....................................................... 116 1.11  Endometriose e obstrução urinária grave....................................................... 117 1.12  Endometriose noutras localizações pélvicas.................................................. 119 1.13  Endometriose e envolvimento dos plexos nervosos...................................... 122 1.14  Endometriose nos ligamentos redondos......................................................... 124 1.15  Endometriose da cicatriz de histerotomia...................................................... 126 1.16  Endometriose e outras cicatrizes.................................................................... 128 1.17  Endometriose diafragmática e torácica.......................................................... 130 1.18  Endometriose e associação com malformações uterinas............................... 133 1.19  Endometriose e ascite.................................................................................... 134 1.20  Endometriose e transformação maligna......................................................... 136 1.21  Adenomiose e formas de apresentação.......................................................... 138 Capítulo 2 – Casos clínicos................................................................................................. 141 Fátima Faustino, Irina Ramilo

Caso clínico 1.......................................................................................................... 141 Caso clínico 2.......................................................................................................... 142 Caso clínico 3.......................................................................................................... 143 Caso clínico 4.......................................................................................................... 144 Caso clínico 5.......................................................................................................... 146 Caso clínico 6.......................................................................................................... 147 Caso clínico 7.......................................................................................................... 149 Caso clínico 8.......................................................................................................... 151 Caso clínico 9.......................................................................................................... 153 Caso clínico 10........................................................................................................ 154 Caso clínico 11........................................................................................................ 156 Caso clínico 12........................................................................................................ 158 Índice remissivo.............................................................................................................. 159


Endometriose – a Doença das Mil Faces

Autores

Siglas e acrónimos

Coordenadoras/Autoras Sandra Sousa Assistente Hospitalar do Serviço de Imagiologia do Hospital Lusíadas Lisboa, onde é res‑ ponsável pela Imagiologia do Centro Especializado em Endometriose; possui o diploma eu‑ ropeu de certificação em Radiologia Urogenital – ESUR level III; Revisora das revistas Acta Radiológica e Revista Portuguesa de Radiologia e do Eurorad (secção de imagiologia genital feminina); Primeira Vogal da Secção de Radiologia Génito-Urinária da Sociedade Portuguesa de Radiologia e Medicina Nuclear.

Fátima Faustino Assistente Hospitalar Graduada (grau de Consultor) de Ginecologia e Obstetrícia do Hospital Lusíadas Lisboa, onde coordena o Centro Especializado em Endometriose e a Unidade de Ginecologia e Obstetrícia; Revisora das revistas Acta Obstétrica e Ginecológica Portuguesa e Acta Médica Portuguesa; Assistente Convidada de Ginecologia e Obstetrícia da Nova Medi‑ cal School | Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Nova de Lisboa; Vice-Presidente da Sociedade Portuguesa de Ginecologia.

Autores Ana Gonçalves Andrade Assistente Hospitalar de Ginecologia e Obstetrícia do Hospital Lusíadas Lisboa, onde integra o Centro Especializado em Endometriose, e da Maternidade Dr. Alfredo da Costa do Centro Hospitalar Universitário de Lisboa Central, EPE.

Ana Isabel Belo Anatomopatologista da SYNLAB Portugal.

Ângelo Ferreira Assistente Hospitalar Graduado de Cirurgia Geral do Hospital Lusíadas Lisboa.

António Marques Assistente Hospitalar de Gastroenterologia e Medicina Interna do Hospital Lusíadas Lisboa.

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Irina Ramilo Assistente Hospitalar de Ginecologia e Obstetrícia do Hospital Lusíadas Lisboa, onde integra o Centro Especializado em Endometriose, e do Hospital Vila Franca de Xira.

João Varregoso Assistente Hospitalar Graduado no Hospital Prof. Doutor Fernando Fonseca, EPE; Coordena‑ dor da Especialidade de Urologia do Hospital Lusíadas Lisboa.

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X Endometriose – A Doença das Mil Faces

Luís Vicente Assistente Hospitalar do Serviço de Obstetrícia e Ginecologia do Hospital Lusíadas Lisboa, onde integra o Centro de Procriação Medicamente Assistida e o Centro Especializado em Endometriose; Assistente Convidado de Ginecologia e Obstetrícia da Nova Medical School | Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Nova de Lisboa; Vice-Presidente da Socie‑ dade Portuguesa de Medicina da Reprodução.

Rita Lucas Médica Radiologista do Hospital Lusíadas Lisboa; Membro do Grupo de Female Pelvic Imaging da European Society of Urogenital Radiology (ESUR).

Rui Farinha Consultor de Urologia do Serviço de Urologia do Hospital de São José do Centro Hospitalar Universitário de Lisboa Central, EPE; Assistente Convidado da Nova Medical School | Facul‑ dade de Ciências Médicas da Universidade Nova de Lisboa.

Vanessa Santos Assistente Hospitalar de Ginecologia e Obstetrícia do Hospital Lusíadas Lisboa, onde integra o Centro Especializado em Endometriose, e do Hospital Prof. Doutor Fernando Fonseca, EPE, onde é Coordenadora da Unidade de Colposcopia e LASER.


Endometriose – a Doença das Mil Faces

Introdução

Casos clínicos

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A endometriose caracteriza­‑se pela presença de glândulas endometriais e estroma fora da cavidade uterina e afeta aproximadamente 10% das mulheres em idade reprodutiva e cerca de 30­‑50% das mulheres com infertilidade e/ou dor pélvica. A doença encontra­‑se com maior frequência na cavidade pélvica, induzindo uma reação inflamatória crónica que provoca a formação de aderências e alteração da anatomia pélvica. As manifestações clínicas variam consoante as estruturas e os tecidos afetados, mas nem sempre se correlacionam com a gravidade das lesões. Os sintomas mais frequentes são a dismenorreia, a dispareunia, a dor crónica e a subfer‑ tilidade/infertilidade. Variam de mínimos a extremamente debilitantes, com grande impacto na qualidade de vida da doente, ao afetarem a sua vida profissional, familiar e social. Perante a presença de sintomas sugestivos de endometriose, o exame físico e os exames de imagem podem corroborar a suspeita. No entanto, a laparoscopia continua a ser o gold standard no diagnóstico e tratamento da doença. O diagnóstico definitivo será efetuado através da avaliação histológica de material obti‑ do por laparoscopia ou de biópsias de lesões compatíveis com endometriose (por exemplo, lesões vaginais). Contudo, a estandardização de técnicas cirúrgicas específicas continua a ser matéria de debate, e um dos problemas desta doença continua a ser o facto de a sua etiologia permanecer pouco clara. Assim, o objetivo principal do tratamento deverá ser o controlo da sintomatologia, mas, sendo uma doença crónica e recidivante que afeta mulheres jovens, deve ser abordada do ponto de vista biopsicossocial. Médico(s) e doente devem estabelecer um plano individualizado de orientação e trata‑ mento a longo prazo que tenha em consideração os sintomas, o projeto reprodutivo e a quali‑ dade de vida da doente. Para tal, é fundamental dotar a mulher das ferramentas que lhe permi‑ tam participar ativamente na elaboração deste plano, providenciando­‑lhe informação sobre a doença, as suas repercussões, os tratamentos disponíveis e o prognóstico, o que lhe permitirá também uma melhor gestão das expectativas e das situações de recaída. Lamentavelmente, verifica­‑se um considerável atraso no diagnóstico para numerosas doentes, o que acarreta sofrimento e diminuição da qualidade de vida. A identificação e o tra‑ tamento precoces são essenciais para evitar os efeitos negativos da dor, prevenir a progressão da doença e preservar a fertilidade. Assim sendo, as doentes com endometriose devem ser orientadas para equipas multidis‑ ciplinares com experiência nesta área. As referidas equipas devem incluir:

•  Ginecologistas com experiência no diagnóstico, orientação e tratamento de doentes com endometriose, incluindo treino em laparoscopia avançada;

•  Cirurgiões gerais; •  Urologistas; •  Imagiologistas;

XIII


XIV Endometriose – A Doença das Mil Faces

•  Anatomopatologistas; •  Enfermeiros; •  Psicólogos; •  Unidades de tratamento de dor crónica; •  Unidades de tratamento de infertilidade. Só esta abordagem multidisciplinar poderá oferecer a melhor orientação e os melhores resul‑ tados perante a doença de mil faces que é a endometriose. Sandra Sousa Fátima Faustino As Coordenadoras


XX Endometriose – A Doença das Mil Faces

Figura 4.4

Figura 4.2

Endometrioma do ovário esquerdo.

Figura 4.3

EP infiltrando o reto e a sigmoide.

EP infiltrando a parede vesical.

Figura 4.5

Imagem cistoscópica de endometriose da bexiga.


Extratexto a cores

A

B

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Caso clínico 5  (A) Nódulo de endometriose no SRV justa LUS direito com dilatação acentuada do uréter direito; (B) Dissecção paraureteral direita com ureterólise direita e excisão do nódulo; (C) Ureterólise/Imagem final.

A1

A2

B

C

(continua)

Caso clínico 6  Imagem de cistoscopia: (A1) Nódulo de endometriose vesical e (A2) Colocação de stent ureteral; (B) Nódulo no LUS direito com anexo homolateral aderente; (C) Individualização do ovário e drenagem dos endometriomas;

XXV


Capítulo

Endometriose – a Doença das Mil Faces

1

epidemiologia e patogénese Definição, epidemiologiaDefinição, e patogénese

Vanessa Santos, Ana Gonçalves Andrade, Luís Vicente

INTRODUÇÃO Neste primeiro capítulo iniciamos a abordagem da endometriose com os conceitos básicos, essenciais ao conhecimento de qualquer patologia, começando pela sua definição e seguindo­ ‑se o que sabemos sobre a sua epidemiologia, fisiopatogénese e formas de classificação.

DEFINIÇÃO A endometriose é uma doença crónica, benigna, estrogénio­‑dependente, definida pela presença de glândulas e estroma endometrial em localização extrauterina, o que provoca uma reação inflamatória crónica nos tecidos atingidos1­‑3. A endometriose manifesta­‑se fundamen­ talmente sob três formas:

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•  Endometriose superficial – caracterizada por pequenas lesões à superfície do peritoneu e das serosas dos diversos órgãos da cavidade abdominopélvica1,4; •  Endometriose ovárica – sob a forma de um quisto de conteúdo acastanhado tipo “chocolate” – endometrioma – que apresenta, frequentemente, aderências às estruturas vizinhas. O aspeto típico do conteúdo deriva das hemorragias sucessivas dos focos de endometriose do quisto relacionadas com as menstruações1,4; •  Endometriose profunda (EP) – definida pela presença de lesões que infiltram o perito­ neu numa profundidade superior a 5 mm, associadas a extensa fibrose. As lesões infil­ trativas atingem geralmente o septo retovaginal (SRV), o reto, a sigmoide, a bexiga, os ureteres, os ligamentos do útero e a vagina1,2,4. As três formas podem coexistir, uma vez que muitas das doentes apresentam doença multifocal2,4. A maioria das lesões de endometriose localiza­‑se ao nível pélvico, afetando, sobretudo, estruturas do sistema reprodutivo (75% dos casos), nomeadamente os ovários, as trompas de Falópio, os ligamentos redondos, os ligamentos largos, os ligamentos uterossagrados (LUS), o colo do útero, a vagina e o SRV1. Em cerca de 25% dos casos, as lesões atingem estruturas fora do sistema reprodutivo, tais como o trato gastrointestinal e os gânglios linfáticos1. Loca­ lizações menos frequentes também descritas incluem o diafragma, a pleura, o trato urinário, cicatrizes cirúrgicas abdominais (geralmente de cesariana), a nasofaringe, entre outras. As formas intraparenquimatosas são raras (fígado, pulmão, cérebro, etc.)1,2. O aspeto macroscópico das lesões de endometriose é bastante diverso, dependendo da localização, do tempo de evolução e da associação ou não a aderências fibrosas1 (consultar o Capítulo 4 da Parte I). Esta variabilidade morfológica torna o diagnóstico intraoperatório difícil e muito dependente da experiência do cirurgião.

EPIDEMIOLOGIA A endometriose é uma doença comum e com a qual os ginecologistas são, frequentemente, confrontados. Afeta predominantemente mulheres em idade reprodutiva, embora possa atingir

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24 Endometriose – A Doença das Mil Faces

evidência47. Neste sentido, constitui um marcador sem capacidade para detetar endometriose nas doentes que realmente a têm, pelo que não é recomendado. Alguns estudos mostraram um número aumentado de fibras nervosas no endométrio das mulheres com endometriose1. Estas fibras poderiam ser identificadas pela substância P ou PGP 9.5. O PGP 9.5 foi considerado, já que pequenas fibras nervosas estão associadas à dismenor‑ reia, podendo expressar­‑se de modo imuno­‑histoquímico por esta proteína. No entanto, estas fibras nervosas estão presentes nos tecidos sãos ou na adenomiose, pelo que não é um teste específico ou estandardizado e é insuficiente para avaliação ou validação.

Outros Outros imunomoduladores, como o interferão alfa 2 (IFN­‑α2) ou os inibidores do fator de necrose tumoral (TNF), têm sido estudados em modelos animais. Na endometriose, a infla‑ mação cursa com elevação de componentes, como a proteína quinase ativada por mitogénio (MAPK) e podem vir a ser um alvo terapêutico46,49,50. A Tabela 2.2 apresenta outros poten‑ ciais biomarcadores para a endometriose. Tabela 2.2 – Potenciais biomarcadores para a endometriose37. Grupo biológico

Biomarcadores

Citocinas e marcadores inflamatórios

IL­‑1b, IL­‑6, IL­‑8, IL­‑17, IL­‑21, RANTES, TNF­‑a, IFN­‑g, MCP­‑1, MIF e CRP

Hormonas e esteroides

Recetores de estrogénios, 17bHSD e aromatase

Fatores de crescimento

IGF, ativina, TGF­‑b1, HGF e anexina­‑1

Moléculas da matriz extracelular e células de adesão

Integrinas, vimentina, e­‑caderina, osteopontina, ICAM­‑1 (CD54), betacatenina e FAK

Angiogénese

VEGF, NGF, FGF­‑2, leptina, IGFBP­‑3, glicodelina, M­‑CSF, angiopoietina­‑1,2, MVD, endoglina e trombospondina­‑1

Controlo do ciclo celular e apoptose

Atividade da telomerase, Pak­‑1, ciclina D1, survivina, Bcl­‑2, MCL­‑1, Bax, Bcl­‑xL e Bcl­‑xS

Marcadores das células estaminais

CD9, 34 e Oct­‑4

Genómica

HOXA10, 3p, 5q, 7p, 9p, 11q, 16q, 17p, 17q, 18q, 19p, 19q

Proteómica

A análise das diferentes expressões de certos péptidos e proteínas na endometriose

Remodelação tecidular

MMP­‑2, MMP­‑9, TIMP e uroquinase

IL – interleucina; RANTES – regulação por ativação das células T normais expressas e secretadas; TNF­‑a – fator de necrose tumoral alfa; IFN­‑g – interferão gama; MCP­‑1 – proteína 1 quimiotática dos monócitos; MIF – fator inibitório da migração do macrófago; CRP – proteína C reativa; 17bHSD – 17b­‑desidrogenase hidroxiesteroide; IGF – fator de crescimento insulínico; TGF­‑b1 – fator de transformação do crescimento beta 1; HGF – fator de crescimento do hepatócito; ICAM – intercellular adhesion molecule; FAK – quinase de adesão focal; VEGF – fator de crescimento do endotélio vascular; NGF – fator de crescimento do nervo; FGF­‑2 – fator de crescimento do fibroblasto 2; IGFBP­‑3 – fator de crescimento ligado à proteína insulin­‑like 3; M­‑CSF – fator de estimulação da colonização do macrófago; MVD – densidade de microvasos; MCL­‑1 – célula da leucemia mieloide 1; MMP – metaloproteinases de matriz; TIMP – inibidores tecidulares das metaloproteinases.


Exames de imagem e diagnóstico diferencial

a sensibilidade da RM para avaliação deste tipo de lesões permanece baixa, uma vez que se trata de lesões pequenas, que passam facilmente despercebidas8.

Endometriose profunda A presença de tecido endometrial ectópico condiciona alterações inflamatórias crónicas que, com o passar do tempo, originam fibrose cicatricial e fenómenos aderenciais, mais frequentes entre os órgãos pélvicos. As aderências são histologicamente bandas de tecido conjuntivo com escasso componente celular. Na ecografia não têm expressão direta, enquanto na RM se traduzem por bandas lineares de hipossinal e espiculação confluentes, hipointensas em T2, sem nodularidades bem demarcadas. Os órgãos pélvicos podem surgir repuxados, com perda dos planos de clivagem adiposos e distorção das relações anatómicas habituais. De acordo com a localização preferencial das lesões, existem aspetos imagiológicos característicos, que passamos a descrever nas próximas secções.

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Endometriose no tórus uterino e nos ligamentos uterossagrados Os ligamentos uterossagrados (LUS) originam­‑se numa prega transversal localizada na face posterior do colo do útero – o tórus uterino –, dirigem­‑se para trás, contornando lateralmente o reto, e terminam no sacro. Na literatura, a sensibilidade global da ecografia para avaliação de lesões nesta topografia é relativamente baixa, quando comparada com a RM3, aspetos que podem dever­‑se, em parte, à variabilidade interobservador, dependência do grau de experiência individual e difícil reprodutibilidade18. Associam­‑se ainda as limitações individuais da paciente (por exemplo, biótipo, preenchimento das ansas intestinais, sintomatologia álgica), não sendo sempre possível identificar com segurança estas estruturas anatómicas19. O diagnóstico ecográfico de envolvimento dos LUS baseia­‑se na presença de espessamento hipoecogénico difuso ou identificação de um nódulo na sua topografia, com margens mais ou menos irregulares. Por vezes, são visíveis pequenos focos hiperecogénicos. Relativamente à RM, independentemente do biótipo, o detalhe anatómico e tecidular é elevado, pelo que esta técnica constitui o gold standard na avaliação imagiológica da EP. Nas sequências ponderadas em T2, tanto o tecido fibrótico como o músculo são, geralmente, hipointensos. Da mesma forma, as lesões de EP, caracterizadas por proliferação de músculo liso e fibrose, são, por norma, hipointensas relativamente aos músculos pélvicos nesta sequência. No tórus, apresentam­‑se como lesões nodulares ou espiculadas, frequentemente envolvendo a origem dos LUS (consultar os Casos A e B do Subcapítulo 1.5 da Parte II). Habitualmente, os LUS sem alterações patológicas não são visíveis na RM ou surgem como feixes hipointensos finos, de contornos regulares. Apesar de, inicialmente, se ter tentado estabelecer um limite de espessura a partir do qual se poderia inferir a presença de endometriose nesta topografia20,21, estudos mais recentes salientam sobretudo a existência de assimetrias de espessura entre os dois ligamentos ou nodularidades focais6. Torna­‑se, assim, essencial uma avaliação anatómica cuidada, por forma a identificar estas lesões. Podem ainda visualizar­‑se pequenos focos de hipersinal em T2 no seio das lesões nodulares, traduzindo estruturas glandulares endometriais ectópicas dilatadas. Se não existir hemorragia, o tecido glandular endometrial tem sinal intermédio e homogéneo em T1. Contudo, quando ocorre extravasamento de sangue dos ductos glandulares para o estroma

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Diagnóstico laparoscópico

Estes quistos podem ser volumosos e constituídos por líquido acastanhado, com aparên‑ cia de chocolate ou alcatrão, dentro de uma cápsula que pode ser mais ou menos espessa e constituída por tecido endometriótico (Figura 4.2).

Figura 4.2

Endometrioma do ovário esquerdo (ver figura a cores em extratexto).

Podem ser uni ou bilaterais, estando descrito que a unilateralidade tem predomínio à esquerda, suportando a teoria do fluxo retrógrado e das diferenças anatómicas das hemipélvis. A presença da sigmoide à esquerda proporciona um microambiente, facilitando o processo aderencial, a implantação e o crescimento das células endometriais, no sentido de desen‑ volvimento dos endometriomas à esquerda14. Estes endometriomas, que raramente surgem isolados, têm associação com implantes superficiais ou profundos e aderências, sendo mais frequentes ao nível da fosseta ovárica.

Lesões profundas

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As lesões profundas infiltram o peritoneu ou as serosas dos órgãos numa profundidade de, pelo menos, 5 mm15. Apresentam­‑se com áreas de aglomerado de tecido, com fibrose, e áreas de componente muscular, hemorrágicas ou inflamatórias. Tem­‑se verificado que estas lesões têm localizações distintas, podendo atingir, preferen‑ cialmente, os ligamentos uterossagrados (LUS), principalmente à esquerda, o fundo de saco de Douglas e o septo retovaginal (SRV)8. O aparelho digestivo é também uma localização particular, nomeadamente na sigmoide, na transição retossigmoideia e no reto (Figura 4.3). No aparelho urinário, onde se podem en‑ contrar lesões maioritariamente extrínsecas, a localização é mais habitual na bexiga (Figuras 4.4 e 4.5) e nos ureteres ao nível dos paramétrios.

Figura 4.3

EP infiltrando o reto e a sigmoide (ver figura a cores em extratexto).

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52 Endometriose – A Doença das Mil Faces

A fibrose, a formação de tecido cicatricial e o processo aderencial posteriormente desencadeado vão ser responsáveis pela distorção anatómica dos órgãos e vão constituir a base morfológica do estadiamento da gravidade da doença. Classicamente, estes implantes de endométrio classificam­‑se, pelas suas características macroscópicas, em4: •  Implante clássico – implante nodular com graus variados de fibrose e alterações da pigmentação, dependentes da quantidade de resíduos celulares e hemossiderina; •  Implantes vesiculares – pequenos, de diâmetros que não excedem 5 mm, focais ou organizados em pequenos aglomerados. Estes focos são, normalmente, muito vascula‑ rizados e têm coloração avermelhada. A hemorragia luminal e o edema perivesicular dão origem ao aspeto vesicular; •  Implantes papulares/nodulares – implantes pequenos, de tamanho semelhante ao dos vesiculares, habitualmente encontrados no peritoneu. O peritoneu que os delimita é, normalmente, muito vascularizado e a acumulação de produtos secretórios dá origem a estas estruturas quísticas, contendo líquido amarelado; •  Implantes hemorrágicos – correspondem aos implantes ativos, com proliferação e hemorragia associadas ao ciclo menstrual; •  Implantes cicatriciais (healed) – implantes nodulares ou cicatriciais, constituídos, pre‑ dominantemente, por tecido conjuntivo. O tecido endometrial é escasso.

ENDOMETRIOSE NAS VÁRIAS LOCALIZAÇÕES Ovário As lesões ováricas podem apresentar­‑se como pequenas lesões hemorrágicas superficiais ou, mais frequentemente, como formações quísticas. Os quistos têm parede espessa e delimitada por endométrio, que pode atingir uma espessura de 1,5 cm. As características do seu conteúdo, castanho escuro e pastoso, estão na origem do termo descritivo – “quistos de chocolate”. Outras lesões ou alterações ováricas podem ter características macroscópicas semelhan‑ tes: corpo amarelo hemorrágico, quistos de inclusão do epitélio celómico, restos parameso‑ néfricos e mesonéfricos, ou mesmo um adenocarcinoma endometrioide, com hemorragia e necrose. O diagnóstico diferencial faz­‑se respeitando os critérios morfológicos – epitélio endome‑ trial e estroma.

Trompa A endometriose manifesta­‑se, com frequência, na parede das trompas. Mais frequentemente, o diagnóstico diferencial estabelece­‑se com a salpingite ístmica nodosa, que tem uma analogia etiológica com a adenomiose uterina. Habitualmente, manifesta­ ‑se como nódulos bem delimitados, branco­‑amarelados e localizados preferencialmente no istmo. Morfologicamente, observa­‑se epitélio tubário delimitado por feixes hipertrofiados de tecido muscular liso ou por tecido fibroso. O diagnóstico baseia­‑se, uma vez mais, e como nas outras localizações, na existência do binómio estroma/células epiteliais endometriais. Na trompa, a substituição da mucosa por tecido endometrial é muito pouco frequente, ocorrendo, normalmente, no terço interno, condicionando estenose do lúmen e associando­‑se a infertilidade.


Capítulo

6

Tratamento médico

Endometriose – a Doença das Mil Faces 59 Endometriose – a Doença das Mil Faces

Tratamento médico

Ana Gonçalves Andrade, Fátima Faustino, Irina Ramilo

INTRODUÇÃO O tratamento da endometriose é um desafio clínico, já que cerca de um terço das doentes são assintomáticas. Apesar de o sintoma mais frequente ser a dor pélvica1, outros sintomas podem estar presentes, nomeadamente dismenorreia, dispareunia, disquesia, hemorragia uterina anómala, lombalgia, hematúria e disúria2. A endometriose extrapélvica pode ainda cursar com quadros de hemoptise, convulsões, entre outros, de acordo com o órgão atingido. Estes sintomas têm um forte impacto na qualidade de vida, na saúde emocional e na saúde mental destas mulheres3, com elevado impacto económico4. Como já foi apresentado, a dor associada à endometriose deve­‑se a um processo fisiopatológico complexo, que inclui aumento de mediadores inflamatórios, disfunção neuronal, neuromodulação dos neurónios sensoriais periféricos e neoangiogénese induzida pela produção em excesso de estrogénios e uma resistência aumentada à progesterona5. Nas lesões de endometriose, há um aumento de células inflamatórias e citocinas pró­‑inflamatórias, como a IL­‑1, IL­‑6, fator de necrose tumoral (TNF), fator de crescimento derivado do endotélio, bem como da produção de prostaglandinas (PG). A abordagem terapêutica da endometriose inclui opções médicas e cirúrgicas, sendo que, frequentemente, a abordagem médica é a primeira linha, reservando a abordagem cirúrgica para as situações refratárias ao tratamento médico ou recidivantes. Neste capítulo, é abordado o tratamento médico, nomeadamente os fármacos utilizados, seus mecanismos de ação, efeitos secundários e os princípios de instituição terapêutica, de acordo com as orientações das principais sociedades nacionais e internacionais.

OBJETIVOS DO TRATAMENTO MÉDICO A instituição de tratamento farmacológico visa o controlo da dor, a melhoria da qualidade de vida, a prevenção das recidivas, a preservação da fertilidade e a redução da necessidade de terapêutica cirúrgica. O princípio da terapêutica médica atual assenta na indução de amenorreia, de maneira a provocar um ambiente hipoestrogénico ao nível dos focos de endométrio ectópico, inibindo, assim, o seu crescimento e a progressão da doença6.

CLASSES FARMACOLÓGICAS

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Anti­‑inflamatórios não esteroides Os anti­‑inflamatórios não esteroides (AINE) são, frequentemente, a primeira linha no tratamento da dor pélvica e da dismenorreia. Apesar de a evidência da sua eficácia no controlo da dor na endometriose ser limitada7, o seu uso é relativamente comum, devido a um perfil de efeitos secundários aceitável, a uma ação favorável na dismenorreia primária, a um custo razoável e a fácil acessibilidade8. O seu efeito na endometriose deve­‑se à inibição das enzimas COX­‑1 e COX­‑2, diminuindo, deste modo, a síntese de mediadores pró­‑inflamatórios presentes nos focos de

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72 Endometriose – A Doença das Mil Faces

Em relação à hemóstase após quistectomia, não se verificaram diferenças significativas no que respeita aos efeitos da eletrocoagulação bipolar comparativamente à sutura, nos valo‑ res pós­‑operatórios da AMH e nos resultados da fertilização in vitro (FIV)24.

CIRURGIA NA ENDOMETRIOSE PROFUNDA A EP é uma entidade específica que se define pela presença de implantes endometriais que infiltram o peritoneu em mais de 5 mm de profundidade. As lesões de endometriose ultrapassam os limites dos órgãos ginecológicos e infiltram estruturas ligamentares, bem como os órgãos pélvicos adjacentes, formando estruturas tumorais que, apesar de benignas, causam significativa distorção anatómica e queixas álgicas importantes. A sua incidência exata não é conhecida, mas estima­‑se afetar cerca de 20­‑35% de mulhe‑ res com endometriose25. A distribuição das lesões é, habitualmente, multifocal e em mais de 90% das doentes afeta o compartimento pélvico posterior. O envolvimento unilateral ou bilateral dos LUS verifica­ ‑se em 64­‑95% dos casos e a obliteração completa do fundo de saco de Douglas em 11­‑45% dos casos26. Outros locais frequentes são a vagina e o septo retovaginal (SRV), o intestino, a bexiga, a parede pélvica lateral e o uréter. A indicação principal para o tratamento cirúrgico nas situações de EP é o controlo da dor pélvica crónica. A cirurgia está indicada nos casos em que a dor persiste apesar do tratamento médico, quando se verifica estenose do intestino ou do uréter, em doentes que têm contraindi‑ cação ou recusam a terapêutica hormonal ou nas mulheres que desejam engravidar26. Lesões isoladas dos LUS ocorrem em cerca de 83% dos casos. Em 16,8%, estão associa‑ das a outras lesões, com maior frequência na vagina e no intestino27. A extensão lateral das lesões dos LUS pode resultar na infiltração dos ligamentos cardinais e implicar envolvimento dos ureteres por compressão extrínseca28. A estratégia cirúrgica nas lesões dos LUS envolve ureterólise com dissecção mediana e lateralização do uréter até à inserção do LUS, evitando a lesão do nervo hipogástrico e não se estendendo para baixo da veia uterina profunda, localização onde o nervo hipogástrico se junta ao plexo hipogástrico inferior29. A lesão deste complexo nervoso, durante a excisão radical da endometriose dos LUS, pode resultar em complicações pós­‑operatórias, nomeadamente disfunção miccional, exigin‑ do autocateterização e aumentando o risco nas lesões bilaterais, pelo que se impõe uma atitu‑ de conservadora30. A endometriose retovaginal (ERV) (Figura 7.1) é considerada a forma mais grave de EP, sendo sintomática na maioria dos casos (mais de 95%), e a sua abordagem é, habitualmente, complexa. As lesões infiltram a vagina, o reto e o SRV, com obliteração do fundo de saco de Douglas. Estima­‑se que o envolvimento colorretal ocorra em 5­‑12% dos casos, sendo o reto e a região retossigmoideia as localizações mais frequentes25. Quando o nódulo endometriótico excede os 30 mm de diâmetro, o envolvimento ureteral ocorre em 17,9% das doentes31. Na endometriose do SRV, a cirurgia compreende várias etapas, que incluem a identificação dos ureteres e, por vezes, ureterólise, a dissecção da fossa pararretal, a dissecção retovaginal, a dissecção do nódulo da parede anterior do reto, a remoção do nódulo da parede vaginal posterior e o encerramento da colpotomia32. A excisão das lesões encontradas é considerada como o tratamento mais adequado, tanto mais que há estudos que apontam para uma melhoria dos resultados reprodutivos após a cirurgia33,34.


Infertilidade

Cirurgia para envolvimento do ovário A preocupação da preservação da reserva ovárica é grande. Com a utilização de marcadores da reserva ovárica, como a hormona antimülleriana (AMH), cedo se percebeu que a cirurgia que envolve os ovários se associa a uma diminuição da AMH no pós­‑operatório9. Neste sentido, as indicações para a cirurgia devem ser ponderadas. Os fatores que se associam a uma diminuição mais acentuada da reserva ovárica após a cirurgia são a idade, a bilateralidade dos endometriomas e AMH reduzida antes da cirurgia10. Por outro lado, a realização de terapêutica médica prévia à cirurgia está associada a um maior risco de remoção de tecido ovárico sem patologia, comprometendo a reserva ovárica11.

Cirurgia da endometriose profunda A sua realização tem como principal objetivo a correção da dor, não estando demonstrado que melhore as taxas de gravidez. Obviamente, durante a cirurgia da EP, o cirurgião também remove aderências anexiais e destrói focos de endometriose, o que pode melhorar o prognóstico reprodutivo12.

Recidiva da endometriose O benefício da cirurgia na fertilidade é menor na segunda cirurgia do que após a primeira. Para a obtenção da gravidez, a PMA constitui a opção com melhores resultados nas situações de recidiva, de acordo com a ASRM13.

TRATAMENTO CIRÚRGICO E PROCRIAÇÃO MEDICAMENTE ASSISTIDA O melhor tratamento deve compreender uma integração de vários fatores e ser efetuado por uma equipa multidisciplinar, conforme as recomendações atuais. A idade da mulher, a reserva ovárica e o risco da sua redução com a cirurgia, a duração da infertilidade e a presença de fatores associados, como a patologia tubária ou a presença de fator masculino, deverão ser aspetos a ponderar.

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Cirurgia De acordo com as recomendações da European Society of Human Reproduction and Embryology (ESHRE) e do National Institute for Health and Care Excellence (NICE), a cirurgia está indicada em situações em que os endometriomas tenham mais de 3 cm14,15. A indicação cirúrgica também existe quando se prevê que a punção ovárica possa ser dificultada pela sua localização16,17 ou que exista risco de rotura ou de ocorrência de abcesso ovárico17. Obviamente que se mantêm as indicações, como a presença de sintomatologia dolorosa importante ou a impossibilidade de exclusão de patologia maligna. Na presença de hidrossalpinge, está indicada a realização de salpingectomia pré­‑fertilização in vitro (FIV), de forma a que se melhorem significativamente as taxas de gravidez18. A principal razão de não estar indicada a cirurgia prévia a um ciclo de FIV em todas as doentes deriva da preocupação de uma menor resposta ovárica em PMA após cirurgia, principalmente em situações de endometriomas bilaterais19.

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Atlas radiológico

1.4 ENVOLVIMENTO TUBÁRIO NA ENDOMETRIOSE Contexto clínico Mulher de 36 anos, com EP grave, com internamento hospitalar por síndrome dolorosa intensa. Quadro arrastado com queixas desde os 13 anos e há vários anos a fazer anticonce‑ cionais orais (ACO). EO – palpação compatível com pélvis congelada com nódulo no SRV e individualização difícil dos órgãos pélvicos. 1

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Sagital T1 FatSat

Sagital T1 FatSat

4

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Sagital T2

Sagital T2

Figura   A RM sagital T1 FatSat identifica, em ambas as regiões anexiais, estruturas tubuliformes, tortuosas, com septos incompletos e conteúdo com hipersinal em T1FS (Figuras 1 e 2) e hipersinal em T2 (Figuras 3 e 4), compatíveis com hematossalpinge bilateral. Estas lesões integravam um contexto de endometriose pélvica extensa. A cirurgia confirma a presença de hematossalpinge bilateral, com prova de cromotubação negativa com constatação da não permeabilidade tubária, da qual decorre salpingectomia bilateral.

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Pontos-chave a reter •  O envolvimento tubário na endometriose pode traduzir-se por hidrossalpinge ou hematossalpinge; •  O diagnóstico de hematossalpinge faz-se pela identificação de estrutura tubuliforme, tortuosa, com septos periféricos parciais e conteúdo hemático (com hipersinal em T1 FatSat), que, por vezes, rodeia o ovário homolateral; •  A presença de hipersinal em T1 FatSat numa trompa dilatada pode ser a única manifes‑ tação imagiológica de endometriose na RM, sendo muito sugestiva deste diagnóstico; •  A hematossalpinge por endometriose não apresenta, frequentemente, o shading em T2, característico dos endometriomas; •  H á que ter em conta que as aderências em topografia anexial podem determinar a pre‑ sença de coleções hemáticas, por vezes de configuração linear alongada, que, pela sua morfologia, mimetizam o aspeto da hematossalpinge.

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146 Endometriose – A Doença das Mil Faces

CASO CLÍNICO 5 Endometriose no uréter 31 anos, leucodérmica, saudável. Nos antecedentes obstétricos, dois partos vaginais pré­ ‑termo às 35 e 36 semanas de gestação, o último há 5 anos. Contraceção com DIU de cobre. Clinicamente, apresentava dismenorreia secundária 8/10, dispareunia 7/10, disquesia e disúria catamenial. Na observação, verificava­‑se mobilização uterina dolorosa. Retirou­‑se o DIU e foi iniciada terapêutica com contracetivo oral combinado contínuo. Em termos imagiológicos, a RM mostrava foco de EP, com 10 x 8 mm, adjacente à extremidade distal do uréter direito, a 18 mm do meato ureteral, invadindo a parede do uréter distal, determinando redução do calibre e uretero­‑hidronefrose ligeira a montante. Verificava­ ‑se também um espessamento de 4 mm no LUS direito. Após renograma, que demonstrou ligeira diminuição da função renal à direita, foi coloca‑ do stent ureteral do mesmo lado, para descompressão do rim homolateral. Foi programada cirurgia eletiva por via laparoscópica, cerca de 6 semanas após a colo‑ cação do stent, para excisão do nódulo de endometriose no SRV e eventual reimplantação do uréter direito. Intraoperatoriamente, constatou­‑se um nódulo de endometriose no SRV à direita e parau‑ reteral, com dilatação acentuada do uréter homolateral. Realizou­‑se a dissecção paraureteral direita com libertação do uréter e excisão do nódulo de endometriose. Não houve necessidade de reimplantação ureteral. No final da intervenção, constatou­‑se permeabilidade tubária bilateral. Pós­‑operatório sem intercorrências, com remoção do stent às 6 semanas. Encontra­‑se em follow­‑up de 1 ano e 6 meses, assintomática, com avaliação imagiológica favorável das árvores excretoras renais e sem focos de endometriose. O renograma demostra função renal normal bilateral. A

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Caso clínico 5  (A) Nódulo de endometriose no SRV justa LUS direito com dilatação acentuada do uréter direito; (B) Dissecção paraureteral direita com ureterólise direita e excisão do nódulo; (C) Ureterólise/Imagem final (ver figura a cores em extratexto).


16,7 X 24 cm

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Este livro fornece informação detalhada sobre os diferentes aspetos da endometriose, abordados em duas partes distintas, embora interligadas: na primeira parte é feita uma revisão dos conhecimentos atuais, pelos diferentes especialistas participantes no diagnóstico e na decisão terapêutica; na segunda parte são detalhadas as várias formas de apresentação da endometriose através de exemplos práticos, incluídos em duas secções:

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Atlas radiológico – com o objetivo de servir de guia ao radiologista, através da análise de vários casos que ilustram desde os achados mais típicos aos mais complexos, destacando, no final de cada caso, os pontos-chave a reter; Casos clínicos – através de casos concretos, apresentam-se a marcha diagnóstica, a opção terapêutica individualizada e os respetivos resultados.

Fátima Faustino Assistente Hospitalar Graduada (grau de Consultor) de Ginecologia e Obstetrícia do Hospital Lusíadas Lisboa, onde coordena o Centro Especializado em Endometriose e a Unidade de Ginecologia e Obstetrícia; Revisora das revistas Acta Obstétrica e Ginecológica Portuguesa e Acta Médica Portuguesa; Assistente Convidada de Ginecologia e Obstetrícia da Nova Medical School | Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Nova de Lisboa; Vice-Presidente da Sociedade Portuguesa de Ginecologia.

Fátima Faustino

Direitos de autor a favor de:

Apoio científico: ISBN 978-989-752-446-2

9 789897 524462

Sandra Sousa

Esta obra multidisciplinar, orientada para os vários intervenientes na abordagem destas doentes, destina-se sobretudo a radiologistas e ginecologistas, em fase de formação ou que, apesar de já experientes, desejem explorar ou procurem auxílio para o esclarecimento e tomada de decisão em casos que, frequentemente, são um enorme desafio tanto do ponto de vista do diagnóstico como terapêutico.

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Sandra Sousa Assistente Hospitalar do Serviço de Imagiologia do Hospital Lusíadas Lisboa, onde é responsável pela Imagiologia do Centro Especializado em Endometriose; possui o diploma europeu de certificação em Radiologia Urogenital – ESUR level III; Revisora das revistas Acta Radiológica e Revista Portuguesa de Radiologia e do Eurorad (secção de imagiologia genital feminina); Primeira Vogal da Secção de Radiologia Génito-Urinária da Sociedade Portuguesa de Radiologia e Medicina Nuclear.

Endometriose . a doença das mil faces

Coordenação:

12,2 mm

16,7 X 24 cm

Endometriose a doença das mil faces

Coordenação:

Sandra Sousa Fátima Faustino


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