17x24cm
Principais Entidades Psiquiátricas
Esta obra incide sobre as principais perturbações psiquiátricas, recorrendo a uma abordagem teórica, concisa e sistematizada, complementada com uma componente prática baseada em casos clínicos. A secção teórica debruça-se sobre aspetos epidemiológicos, diagnósticos – de acordo com ambos os sistemas de classificação em vigor –, do exame do estado mental, do diagnóstico diferencial e do tratamento. A secção de casos clínicos auxiliará o leitor no raciocínio clínico, visando formular uma hipótese de diagnóstico mais provável e elaborar um plano terapêutico adequado perante um doente com sintomas psiquiátricos ou neuropsiquiátricos.
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A obra termina com uma secção de psicofarmacologia, em que serão abordados os mecanismos de atuação, bem como a posologia, as indicações formais, a evidência de utilização, as contraindicações, entre outros. Este livro destina-se não só a médicos de Medicina Geral e Familiar e de outras especialidades que pretendam aprofundar o conhecimento na área da Psiquiatria, mas também a internos de Psiquiatria e outros profissionais de saúde que procurem ferramentas que lhes permitam sistematizar e organizar o raciocínio clínico necessário na abordagem do doente com patologia psiquiátrica. É ainda uma útil ferramenta de estudo no âmbito da formação médica.
Joana Pereira Médica Interna de Formação Específica em Psiquiatria no Centro Hospitalar Psiquiátrico de Lisboa.
Diana Pereira Joana Pereira
Diana Pereira Médica Psiquiatra. Assistente Hospitalar no Centro Hospitalar Universitário Lisboa Norte, EPE.
Coordenação
Diana Pereira / Joana Pereira
Raciocínio Clínico em Psiquiatria 1 Principais Entidades Psiquiátricas Com 25 casos clínicos
INCLUI ALTERAÇÕES DA
CID -11
1
COORDENAÇÃO
Com o patrocínio científico de:
Prefácio de ISBN 978-989-752-514-8
9 789897 525148
www.lidel.pt
M
Raciocínio Clínico em Psiquiatria
Raciocínio Clínico em Psiquiatria
C
17x24cm
24mm
Rui Durval
Raciocínio Clínico em Psiquiatria Principais Entidades Psiquiátricas Volume I Coordenação Diana Pereira, Joana Pereira
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Índice Autores.......................................................................................................................................
IX
Prefácio.....................................................................................................................................
XIII
Siglas e Acrónimos...................................................................................................................
XV
Capítulo 1 Introdução............................................................................................................................
1
Diana Pereira, Joana Pereira
Capítulo 2 Entrevista Psiquiátrica e Exame do Estado Mental..........................................................
2
Mariana Mendes Melo, Ciro Oliveira
Capítulo 3 Perturbações do Humor......................................................................................................
15
3.1 Perturbação depressiva........................................................................................
15
Raquel Lopes Fernandes, Beatriz Lourenço 3.2 Perturbação bipolar..............................................................................................
35
Diana Pereira, Miguel Nascimento, João Miguel Oliveira Casos Clínicos 3............................................................................................................
60
Capítulo 4 Perturbações Psicóticas......................................................................................................
88
4.1 Primeiro episódio psicótico...................................................................................
88
Tiago Ferreira, Sara Dehanov, Luís Madeira 4.2 Esquizofrenia........................................................................................................... 103 © Lidel – Edições Técnicas, Lda.
Joana Pereira, Vânia Viveiros 4.3 Outras perturbações do espectro da esquizofrenia.......................................... 119 I.
Perturbação delirante persistente.................................................................. 119 Carolina Castro Lopes, Mariana Lázaro, Henrique Prata Ribeiro, Safira Pardal Hanemann
II. Perturbação psicótica breve/Perturbação esquizofreniforme.................... 136 Inês C. Pinto, Maria João Avelino Casos Clínicos 4............................................................................................................ 147
VI
Raciocínio Clínico em Psiquiatria – Principais Entidades Psiquiátricas
Capítulo 5 Perturbações de Ansiedade............................................................................................... 200 5.1 Introdução.............................................................................................................. 200 Liliana P. Ferreira, Maria Moreno, Corona Solana, Leonor Queiroz 5.2 Fobias específicas................................................................................................. 218 Maria Moreno, Liliana P. Ferreira, Corona Solana 5.3 Perturbação de ansiedade social....................................................................... 228 Maria Moreno, Liliana P. Ferreira, Corona Solana 5.4 Perturbação de pânico......................................................................................... 239 Liliana P. Ferreira, Maria Moreno, Corona Solana 5.5 Agorafobia.............................................................................................................. 250 Maria Moreno, Liliana P. Ferreira, Corona Solana 5.6 Perturbação de ansiedade generalizada........................................................... 258 Liliana P. Ferreira, Maria Moreno, Corona Solana, Leonor Queiroz Casos Clínicos 5............................................................................................................ 269
Capítulo 6 Perturbações Obsessivo‑Compulsivas.............................................................................. 289 6.1 Perturbação obsessivo-compulsiva..................................................................... 289 Joana Aguiar, Pedro Castro Rodrigues, Lucília Bravo Casos Clínicos 6............................................................................................................ 306
Capítulo 7 Perturbações de Personalidade......................................................................................... 319 7.1 Introdução.............................................................................................................. 319 Mafalda Azevedo Mendes, Cátia Alves Moreira 7.2 Cluster A.................................................................................................................. 330 I.
Perturbação paranoide da personalidade................................................... 330
II. Perturbação esquizoide da personalidade................................................... 336 Mafalda Azevedo Mendes, Cátia Alves Moreira III. Perturbação esquizotípica da personalidade.............................................. 340 Mafalda Azevedo Mendes, Cátia Alves Moreira 7.3 Cluster B.................................................................................................................. 347 I.
Perturbação antissocial da personalidade................................................... 347 Mafalda Azevedo Mendes, Cátia Alves Moreira
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Mafalda Azevedo Mendes, Cátia Alves Moreira
Índice
VII
II. Perturbação borderline da personalidade................................................... 353 Mafalda Azevedo Mendes, Cátia Alves Moreira III. Perturbação histriónica da personalidade................................................... 363 Mafalda Azevedo Mendes, Cátia Alves Moreira IV. Perturbação narcísica da personalidade..................................................... 367 Mafalda Azevedo Mendes, Cátia Alves Moreira 7.4 Cluster C................................................................................................................. 372 I.
Perturbação evitante da personalidade....................................................... 372 Mafalda Azevedo Mendes, Cátia Alves Moreira
II. Perturbação dependente da personalidade................................................ 377 Mafalda Azevedo Mendes, Cátia Alves Moreira III. Perturbação obsessivo-compulsiva da personalidade................................ 382 Mafalda Azevedo Mendes, Cátia Alves Moreira Casos Clínicos 7............................................................................................................ 388
Capítulo 8 Tratamento Farmacológico................................................................................................ 405 8.1 Estabilizadores de humor...................................................................................... 405 Mariana Gomes Silva, José Oliveira 8.2 Antipsicóticos......................................................................................................... 417 Sandra Teles Nascimento, Camila Nunes Pereira, Vânia Viveiros 8.3 Antidepressivos...................................................................................................... 450 Violeta Nogueira, Inês Neves Caldas, Miguel Nascimento
Capítulo 9 As Bases do Raciocínio e da Decisão Clínica – Considerações Finais........................ 481 Maria Luísa Figueira
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Índice Remissivo....................................................................................................................... 483
Autores COORDENADORAS/AUTORAS Diana Pereira Médica Psiquiatra; Assistente Hospitalar no Centro Hospitalar Universitário Lisboa Norte, EPE.
Joana Pereira Médica Interna de Formação Específica em Psiquiatria no Centro Hospitalar Psiquiátrico de Lisboa.
AUTORES Beatriz Lourenço Médica Psiquiatra; Assistente Hospitalar no Centro Hospitalar Psiquiátrico de Lisboa.
Camila Nunes Pereira Médica Interna de Formação Específica em Psiquiatria no Centro Hospitalar Psiquiátrico de Lisboa.
Carolina Castro Lopes Médica Interna de Formação Específica em Psiquiatria no Centro Hospitalar Psiquiátrico de Lisboa.
Cátia Alves Moreira Médica Psiquiatra; Assistente Hospitalar no Centro Hospitalar Psiquiátrico de Lisboa; Assistente Livre na Faculdade de Medicina da Universidade de lisboa.
Ciro Oliveira Médico Psiquiatra; Assistente Hospitalar no Centro Hospitalar Psiquiátrico de Lisboa; Docente Convidado no Instituto Universitário Egas Moniz – Caparica; Docente Livre na Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa.
Corona Solana
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Médica Psiquiatra; Assistente Hospitalar no Centro Hospitalar Universitário do Algarve, EPE (CHUA); Coordenadora do Hospital de Dia do CHUA – Faro.
Henrique Prata Ribeiro Médico Psiquiatra; Assistente Hospitalar no Hospital Beatriz Ângelo; Assistente Livre na Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa; Coordenador da Comissão de Saúde Mental do Health Parliament Portugal; Consultor em Saúde Mental.
Inês Neves Caldas Médica Interna de Formação Específica em Psiquiatria no Centro Hospitalar Psiquiátrico de Lisboa.
X
Raciocínio Clínico em Psiquiatria – Principais Entidades Psiquiátricas
Inês C. Pinto Médica Interna de Formação Específica em Psiquiatria e Saúde Mental no Centro Hospitalar Psiquiátrico de Lisboa.
Joana Aguiar Médica Interna de Formação Específica em Psiquiatria no Centro Hospitalar Psiquiátrico de Lisboa.
João Miguel Oliveira Médico Psiquiatra no Serviço Regional de Psiquiatria Forense do Centro Hospitalar Psiquiátrico de Lisboa.
José Oliveira Médico Psiquiatra; Unidade de Neuropsiquiatria da Fundação Champalimaud – Lisboa; Professor Auxiliar Convidado na Faculdade de Ciências Médicas da Universidade NOVA de Lisboa.
Leonor Queiroz Diretora da Clínica Psiquiátrica 6 e Coordenadora do Centro Integrado de Tratamento e Reabilitação em Ambulatório Prof. João Sennfelt (CINTRA) – Centro Hospitalar Psiquiátrico de Lisboa.
Liliana P. Ferreira Médica Psiquiatra no Hospital Distrital de Santarém, EPE; Membro dos Órgãos de Direção da Associação Portuguesa de Internos de Psiquiatria do Biénio; Em formação teórica e prática para terapeuta em Terapia Familiar (Sociedade Portuguesa de Terapia Familiar – Delegação Sul).
Lucília Bravo Médica Psiquiatra; Assistente Graduada em Psiquiatria no Centro Hospitalar Psiquiátrico de Lisboa.
Luís Madeira Médico Psiquiatra no Hospital CUF Descobertas – Lisboa, no Hospital Lusíadas Lisboa e no Centro Hospitalar Universitário Lisboa Norte, EPE; Professor de Psiquiatria e de Ética na Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa.
Mafalda Azevedo Mendes Médica Psiquiatra no Centro Hospitalar Psiquiátrico de Lisboa.
Médica Psiquiatra; Assistente Graduada de Psiquiatria no Centro Hospitalar Psiquiátrico de Lisboa (CHPL); Coordenadora Clínica da Unidade Comunitária de Psiquiatria de Mafra – MESMO do CHPL; Docente das aulas teórico-práticas da cadeira de Psicopatologia I e II do Instituto Universitário Egas Moniz – Caparica.
Maria Luísa Figueira Professora Catedrática Jubilada de Psiquiatria e Saúde Mental, Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa.
Maria Moreno Médica Psiquiatra na Clínica de Santo António do Hospital Lusíadas Saúde – Amadora.
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Maria João Avelino
Autores
XI
Mariana Gomes Silva Médica Interna de Formação Especializada em Psiquiatria no Centro Hospitalar Psiquiátrico de Lisboa.
Mariana Lázaro Médica Psiquiatra; Assistente Hospitalar no Departamento de Saúde Mental de Faro, Centro Hospitalar Universitário do Algarve, EPE.
Mariana Mendes Melo Médica Psiquiatra no Centro Hospitalar Psiquiátrico de Lisboa.
Miguel Nascimento Médico Psiquiatra; Assistente Hospitalar no Centro Hospitalar Psiquiátrico de Lisboa.
Pedro Castro Rodrigues Médico Psiquiatra; Assistente Hospitalar no Centro Hospitalar Psiquiátrico de Lisboa; Professor Auxiliar Convidado de Saúde Mental na Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Nova de Lisboa.
Pedro Melo Ribeiro Médico Interno de Formação Específica em Psiquiatria no Centro Hospitalar Universitário do Algarve, EPE.
Raquel Lopes Fernandes Médica Psiquiatra no Centro Hospitalar Psiquiátrico de Lisboa.
Safira Pardal Hanemann Assistente de Psiquiatria no Instituto Nacional de Medicina Legal e Ciências Forenses, Delegação do Centro – Coimbra.
Sandra Teles Nascimento Médica Interna de Formação Específica em Psiquiatria no Centro Hospitalar Psiquiátrico de Lisboa.
Sara Dehanov Médica Psiquiatra na Equipa de Tratamento de Xabregas do Centro de Respostas Integradas de Lisboa Oriental.
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Tiago Ferreira Médico Psiquiatra; Assistente Hospitalar na Equipa Comunitária de Queluz/Massamá – Hospital Prof. Doutor Fernando Fonseca, EPE.
Vânia Viveiros Médica Psiquiatra; Assistente Hospitalar no Centro Hospitalar Psiquiátrico de Lisboa.
Violeta Nogueira Médica Interna de Formação Específica em Psiquiatria no Centro Hospitalar Psiquiátrico de Lisboa.
Prefácio Decidir qual é o melhor plano de tratamento, que está também no Manual de Raciocínio Clínico em Psiquiatria (MRCP), requer conhecer bem qual é a patologia. Fazer um bom diagnóstico requer arte e exclusão de causas ditas orgânicas, como se não fossem orgânicas as coisas da “alma”, de cujas doenças, etimologicamente, trata o psiquiatra. Temos ainda de excluir outras “psico”patologias, perceber comorbilidades e entender os conceitos de espectro. Quando tratamos, parece que só tratamos sintomas: um ansiolítico para um doente ansioso; um inibidor da recaptação da serotonina em dose alta para um doente obsessivo; um neuroléptico para um doente com sintomas psicóticos… Apenas isso seria terapêutico, mas, na verdade, paramos a evolução da doença ou esperamos fazê-lo. Por exemplo, um doente bipolar a cumprir o tratamento estabilizador não está doente ou, pelo menos, está doente durante muito pouco tempo e de forma menos grave, e doentes com esquizofrenia por manterem o tratamento não deterioram. Em particular para médicos ainda com pouca experiência, mas também para os mais maduros, poder recorrer a um MRCP para encontrar a ciência que nos ajuda na nossa arte é uma ajuda cognitiva externa ótima para o nosso interno raciocínio clínico. MRCP, como o próprio nome indica, ajudar-nos-á a procurar os melhores “caminhos de pensamento clínico” para chegarmos a um diagnóstico compreensivo e a um tratamento adequado ao estado da arte. Em Psiquiatria, as linhas de pensamento são condicionadas, muitas vezes, por conceitos e categorias metafóricos e mal definidos, provenientes da conceptualização extraordinária feita por William Jones, no seu livro de 1890, fundadora da “moderna” língua para falarmos das coisas da “psique”. Não esquecendo Kraepelin, que classificou as doenças da “psique”, classificação que, com poucas diferenças, ainda usamos. Também Freud e seus discípulos ajudaram a moldar, com as suas “boas” metáforas, “os caminhos do nosso pensamento”. Os humanos aprendem melhor com estórias e histórias de que com estudo. Este manual não substitui o estudo, mas ajuda bastante. E tem descrições de casos! As metáforas moldam “os caminhos do nosso pensamento”, e tal como na construção da memória semântica a partir da memória episódica, vamos condensando as metáforas e tornando-as cada vez menos metafóricas, até chegarmos aos modelos matemáticos, não metafóricos.
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Os “caminhos do nosso pensamento clínico”, metáfora que esperamos mais próxima das dos circuitos, áreas e conexões da Neurociência, podem ganhar sustentação em algo que está à mão e condensa o conhecimento disperso na literatura. Como todos os manuais, este tem, por vezes, informação repetida e realçada, listas de consulta e tabelas, e ainda bem. E, repito, tem descrições de casos. A necessidade de sabermos usar a linguagem dos “psi” deve ter subjacente um espírito cético, tentando sempre criar metáforas menos metafóricas. Vejamos o caso da nova caracterização das perturbações da personalidade (a que eu chamaria “perturbações do carácter”) da International Classification of Diseases (ICD-11). Nas classificações anteriores, as personalidades doentes estão classificadas por clusters, do fundo para a superfície. Na conceção psicanalítica, podemos considerar a personalidade pelo grau de organização e força do Eu, imaginada metaforicamente como um poço onde as personalidades nadam; no fundo, a personalidade
XIV
Raciocínio Clínico em Psiquiatria – Principais Entidades Psiquiátricas
está desorganizada e o Eu é muto fraquinho, sendo que na superfície há personalidades bem organizadas com um Eu valente. No meio do poço estão os famosos borderline. Com a ICD-11, classificamos o grau de perturbação e os traços disfuncionais, excomungando aquele poço metafórico dos nossos “caminhos do nosso pensamento clínico”. Existem outros exemplos de que os nomes mudam a maneira de pensar: por chamarmos “bipolar” à doença, esquecemo-nos dos estados mistos e de outros estados emocionais, como a zanga; e, para mim, ganharíamos em chamar à doença “mania” ou, melhor, “desregulação do sistema de ativação comportamental”. As intervenções psicossociais são difíceis de avaliar, mas são usadas “empiricamente” em Psiquiatria; esperamos que, pelo menos, tenha “efeito inespecífico”, sem efeito nocebo. O tratamento farmacológico e, pelo menos, algumas das técnicas de estimulação cerebral vão, como dissemos, para lá do efeito sintomático. Estudos de follow-up com ressonância magnética mostram melhoria estrutural e funcional em crianças com perturbação de hiperatividade e défice de atenção a fazer metilfenidato versus crianças sem tratamento. Aproximadamente, controlos normais = com perturbação de hiperatividade e défice de atenção com tratamento > com perturbação de hiperatividade e défice de atenção sem tratamento. Tentar obter cuidados para o nosso doente nesta modalidade requer também compreender mais vocabulários, resultantes das narrativas que sustentam os procedimentos. Psicoterapia e tratamentos psicológicos podem ser deixar o doente falar, conduzi-lo a uma autonarrativa, ou, pelo contrário, ensiná-lo a pensar ou, ainda, treiná-lo a não reagir. Recomendar exercício físico, sono adequado, bons ritmos circadianos, socialização faz bem “a tudo”, com evidência para cada recomendação. O MRCP também ajuda a ter informação adequada para decidir se o nosso paciente com perturbação de hiperatividade e défice de atenção em adulto precisa de fármacos ou psicoterapia ou se treino é suficiente. No futuro, este manual servirá de modelo para outros manuais, com informação à mão e bem arrumada e condensada, para fundamentar raciocínios e decisões clínicos; e num futuro próximo como aplicação informática. Esta é a edição original. Rui Durval
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Coordenador do Hospital de Dia Eduardo Luís Cortesão; Diretor do Internato Médico e Diretor da Revista de Psiquiatria no Centro Hospitalar Psiquiátrico de Lisboa
Entrevista Psiquiátrica e Exame do Estado Mental
2
Mariana Mendes Melo, Ciro Oliveira
1. Entrevista psiquiátrica – aspetos gerais[1-3] 1.1. Introdução A entrevista psiquiátrica, como método primordial para a colheita de dados clínicos, é o elemento-chave para uma adequada avaliação, estabelecimento de um diagnóstico e tratamento de pessoas com doenças psiquiátricas, o que corresponde, como sabemos, a diagnósticos de exclusão. Além disto, a colheita de informação através do método da entrevista é, por si só, um ato terapêutico, centrando-se os seus aspetos fundamentais na escuta e no diálogo. Assim, o psiquiatra deve adquirir competências particulares a nível da entrevista, da avaliação do estado mental do doente e do estabelecimento de uma relação médico-doente terapêutica. Sem estes chamados soft skills, um clínico não empático e impaciente terá mais dificuldade em apurar os sintomas necessários para fazer um diagnóstico correto, sendo também menos provável que o doente adira ao plano de tratamento proposto. A entrevista psiquiátrica tem três propósitos essenciais: • Obter uma avaliação psiquiátrica com vista à atribuição de um diagnóstico; • Perceber as causas e o contexto da doença; • Estabelecer/Moldar uma relação médico-doente terapêutica. Embora estes objetivos sejam transversais a todos os ramos da Medicina, a avaliação psiquiátrica distingue-se através de vários aspetos-chave, nomeadamente um maior enfoque: • Na entrevista clínica, deixando para segundo plano o exame físico e/ou a avaliação laboratorial (ainda que essenciais à marcha diagnóstica); • No exame do estado mental do doente (pensamentos, sentimentos e comportamentos); • Nas queixas atuais e na história psiquiátrica (colheita de maior quantidade de informação sobre o passado biográfico do doente, comparativamente com outras especialidades).
1.2. Preparação da entrevista • Local da entrevista e organização do espaço físico: Tendo em conta a natureza dos tópicos abordados, muitas vezes assuntos sensíveis ou íntimos, o espaço onde se realiza a entrevista deve ser o mais confortável e privado possível, preferencialmente num gabinete. Contudo, não sendo exequível, deve ser garantida a privacidade através de uma cortina ou biombo, podendo ser necessário manter alguma reserva relativamente à exploração de alguns temas. Sendo as interrupções momentos perturbadores da fluência da entrevista, estas devem ser evitadas ao máximo, pelo que se devem adotar medidas tão simples como colocar os telemóveis em modo silencioso. As cadeiras do médico e do doente devem ser colocadas formando um ângulo de 45° entre si, de modo a quebrar a sensação de distanciamento
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Uma avaliação psiquiátrica completa é, necessariamente, extensa. Atendendo ao objetivo prático deste livro, optamos por uma abordagem pragmática, focando-nos nos aspetos que consideramos absolutamente fundamentais para a recolha da informação essencial ao estabelecimento célere de um diagnóstico.
Perturbações do Humor
45
• Segundo o DSM-5 (Tabela 3.2.4): Tabela 3.2.4 – Classificação da perturbação bipolar – DSM-5. Categorias
Especificadores
• PB tipo I
Segundo episódio atual ou mais • recente • • •
• PB tipo II • Perturbação ciclotímica • Outras perturbações bipolares e relacionadas
Segundo a gravidade do episódio
Maníaco Hipomaníaco Depressivo Não especificado
• Leve • Moderado • Grave
Segundo as características do episó- • Com ansiedade dio • Com características mistas • com características psicóticas Segundo as características do episó- • Características melancólicas dio depressivo • Características atípicas Segundo a evolução longitudinal do • Em remissão parcial episódio • Em remissão total Padrões específicos da evolução da • Com padrão sazonal doença • Com ciclos rápidos Outras especificações da doença
• Com sintomas catatónicos • Com início no periparto
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Nota: Outros especificadores sugeridos para integrarem futuras versões do DSM: polaridade predominante (maníaca ou depressiva); presença de alterações cognitivas; história familiar de perturbação bipolar; e idade de início da doença. • Diferenças importantes entre o DSM-5, a CID-10 e a CID-11: – CID-10: - Não distingue entre perturbação bipolar tipo I e tipo II (embora a versão mais recente – CID-11 – faça esta distinção); - Tem uma categoria própria para episódio maníaco único sem antecedentes prévios de episódio depressivo ou hipomaníaco, que o DSM-5 e a CID-11 colocam na categoria da perturbação bipolar tipo I; - Tem uma categoria própria para episódio hipomaníaco único sem antecedentes prévios de episódio depressivo, que o DSM-5 coloca na categoria outras perturbações bipolares ou relacionadas específicas; - Subdivide o episódio maníaco em dois – com características psicóticas e sem características psicóticas –, sendo o primeiro considerado de maior gravidade; - Considera o episódio misto como uma categoria, e não como um especificador (mistura ou alternância rápida de sintomas hipomaníacos, maníacos ou depressivos durante ≥2 semanas). – CID-11: - Inclui a PAB tipo II como uma categoria independente, com base na sua utilidade clínica e na validade desta distinção, com base nas diferenças na resposta à monoterapia com antidepressivo, avaliação neuropsicológica e achados de neuroimagem; - À semelhança do DSM-5, não permite a categorização dos episódios de humor de forma independente (mania, hipomania ou depressão); - Elimina o subgrupo das perturbações persistentes do humor, nomeadamente a ciclotimia.
Raciocínio Clínico em Psiquiatria – Principais Entidades Psiquiátricas
guidelines
• NICE (2016): – Antipsicótico oral + Intervenção psicológica (TCC). • Australian Clinical Guidelines for Early Psychosis (Orygen – The National Centre of Excellence in Youth Mental Health, 2016)[7]: – Psicose não afetiva: - Amissulprida: ° Iniciar com 50-100 mg/dia; ° Dose-alvo inicial de 300-400 mg/dia; ° Dose máxima de 800 mg/dia. - Aripiprazol: ° Iniciar com 5-10 mg/dia; ° Dose-alvo inicial de 15-20 mg/dia; ° Dose máxima de 30 mg/dia. - Quetiapina: ° Iniciar com 25-50 mg/dia; ° Dose-alvo inicial de 300-400 mg/dia; ° Dose máxima de 750 mg/dia. - Risperidona: ° Iniciar com 0,5-1 mg/dia; ° Dose-alvo inicial de 2-3 mg/dia; ° Dose máxima de 6 mg/dia. - Ziprasidona: ° Iniciar com 20-40 mg/dia; ° Dose-alvo inicial de 80-120 mg/dia; ° Dose máxima de 160 mg/dia. Caso não haja resposta ao fim de 6-8 semanas de dose otimizada, mudar para outro antipsicótico atípico (switch cruzado). Condiderar olanzapina (iniciar com 2,5-5 mg/dia; dose-alvo inicial de 10 mg/dia; dose máxima de 20 mg/dia). Se nova ausência de resposta, considerar clozapina (iniciar com 25 mg/dia; dose-alvo inicial de 300 mg/dia; dose máxima de 900 mg/dia) ou combinação de antipsicóticos.
– Psicose afetiva: Episódio maníaco/misto: Estabilizador do humor + Antipsicótico atípico: - Estabilizadores de humor: ° Lítio: Iniciar com 400-500 mg/dia e otimizar a dose para valores séricos alvo; ° Se não houver resposta ao lítio, optar pelo ácido valproico: Iniciar com 500-1000 mg/ /dia e ajustar a dose consoante os valores séricos alvo; ° Se não houver resposta, considerar outros estabilizadores de humor (carbamazepina, oxcarbazepina) ou combinação de estabilizadores de humor. - Antipsicóticos: ° Mesmas doses de iniciação que na psicose não afetiva): Risperidona, quetiapina, ziprasidona, aripiprazol; ° Na ausência de resposta, trocar para outro antipsicótico atípico considerando olanzapina; ° Se não houver resposta, ponderar eletroconvulsivoterapia (ECT). – Psicose afetiva: Episódio depressivo: Se depressão unipolar: Antipsicótico atípico + Antidepressivo: - Antipsicóticos: Risperidona, quetiapina, amissulprida, ziprasidona, aripiprazol; - Se não houver resposta, ponderar olanzapina; - Se não houver resposta ao antidepressivo, switch para outro antidepressivo, ou considerar estabilizadores de humor (lítio, lamotrigina) ou ECT. Se depressão bipolar: Estabilizadores de humor ou quetiapina: - Estabilizadores de humor: Lítio, lamotrigina; - Se não houver resposta, adicionar outro estabilizador de humor ou considerar combinação de antipsicótico atípico e fluoxetina. Considerar ECT.
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Raciocínio Clínico em Psiquiatria – Principais Entidades Psiquiátricas
° Desvantagens: Deve ser utilizada com precaução nos doentes com elevado risco cardiometabólico; Deve ser evitada em doentes com antecedentes de má adesão terapêutica, devido à inexistência de formulação injetável de longa duração. - Ziprasidona: ° Vantagem: Perfil tolerável de efeitos adversos (pouca propensão para ganho ponderal e baixo risco cardiovascular); ° Desvantagens: Requer duas tomas diárias acompanhadas de refeições, de modo a aumentar a sua absorção (mínimo de 500 calorias); Ativadora quando utilizada em doses baixas. – Típicos: Disponíveis sob a forma de injetáveis de longa duração. (para obter mais informação, nomeadamente sobre doses recomendadas, consultar o Cap. 8.2 “Antipsicóticos”). São eles: - Haloperidol: ° Um estudo realizado em doentes com PDP (subtipo persecutório) sugere a sua eficácia na formulação depot, com remissão da sintomatologia em até 69% dos doentes; ° Vantagem: Vantajoso no controlo de agitação psicomotora (disponível em formulação oral ou IM de libertação imediata); ° Desvantagem: Maior risco de efeitos adversos comparativamente com os atípicos (efeitos extrapiramidais, hiperprolactinemia, prolongamento do QTc, risco de torsades de pointes e neurotoxicidade em doentes com tireotoxicose). - Flupentixol: ° Vantagens: Menor propensão para sedação e hipotensão ortostática do que outros antipsicóticos típicos; Remissão sintomatológica em 80% dos doentes em estudos de caso no subtipo somático; ° Desvantagem: Não existe formulação oral para realizar o teste de tolerabilidade, o que limita a sua utilização no contexto clínico. - Flufenazina: ° Vantagem: Remissão completa em 70% dos doentes com o subtipo somático; ° Desvantagens: Evitar exposição solar; Utilizar com precaução em doentes com patologia respiratória. - Pimozida: ° Outrora considerado o fármaco de 1.ª linha na PDP, no subtipo somático; ° Desvantagens: Disponível apenas em formulação oral, sendo que não é comparticipado na sua totalidade; Estudos subsequentes não confirmaram a sua eficácia, por não conseguirem replicar os resultados obtidos; Elevado risco de efeitos adversos cardíacos com prolongamento do QTc (dose dependente) e de efeitos extrapiramidais e interações farmacológicas. - Zuclopentixol: ° Vantagens: Elevada afinidade para os recetores dopaminérgicos (D1 e D2); É rapidamente absorvido a atinge a concentração máxima cerca de 4 horas após toma única; ° Desvantagens: Numerosas interações medicamentosas que podem induzir prolongamento do QTc ou arritmias fatais [por exemplo, depressores do SNC, antidepressivos tricíclicos (TCA), sais de lítio]. • Antidepressivos: Evidência científica pouco robusta relativamente ao seu benefício na PDP, tendo sido estudados os seguintes fármacos (para obter mais informação, nomeadamente quanto às doses recomendadas, consultar o Cap. 8.2 “Antipsicóticos”): – Inibidores seletivos da recaptação da serotonina (SSRI): - Paroxetina: ° Vantagem: Fármaco de eleição, particularmente se existirem sintomas depressivos e ansiosos comórbidos;
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Casos Clínicos 4
CASO CLÍNICO 4.4 Esquizofrenia II Joana Pereira, Vânia Viveiros Doente do sexo feminino, 28 anos de idade, solteira, 11.º ano de escolaridade, desempregada há cerca de 6 meses (trabalhava no sector da restauração como empregada de mesa), a residir com os pais. Trata-se de uma doente que foi levada ao Serviço de Urgência (SU) pelos pais, no contexto de heteroagressividade dirigida à mãe (“Ela disse que a mãe lhe queria mal, que a estava a envenenar… Ameaçou-a com uma faca”). Segundo os mesmos: “Há cerca de 7 meses para cá que começou a ficar esquisita, fechava-se no quarto e deixou de ir ao trabalho. Às vezes, ouvimo-la a falar sozinha, mas pensávamos que estava a falar ao telefone ou assim, mas depois começou a falar sozinha no corredor, a murmurar coisas estranhas. Dizia ‘Não digas isso… Eu não sou assim!’”. No SU, a doente encontrava-se bastante agitada, em mutismo, pelo que não foi possível colher história da mesma. Tendo em conta que a doente não aceitou tratamento e que apresentava risco para terceiros e para a própria, foi necessário interná-la compulsivamente.
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Trata-se de uma doente com o diagnóstico prévio de esquizofrenia, efetuado há 7 anos, que abandonou a terapêutica e o seguimento em consulta, sem o conhecimento da família, há cerca 7 meses. A doente conta com seis internamentos na Psiquiatria, todos no contexto de ideação delirante persecutória acompanhada de alucinações auditivo-verbais. Segundo os pais, a doente abandona sistematicamente as consultas e a medicação, tendo inclusivamente chegado a sair da casa dos pais há cerca de 2 anos (“Ela não queria ser seguida, e como nós a obrigávamos a ir, ela fugiu…”). A doente retorna a casa dos pais após o último internamento, o qual ocorreu porque foi levada ao SU pela polícia por distúrbios na via pública (terá gritado com os transeuntes no contexto da ideação delirante persecutória). A doente teve alta do último internamento com olanzapina na dose de 10 mg/dia. Durante o internamento, dada a resposta prévia à olanzapina, esta foi novamente introduzida e titulada até aos 10 mg. A doente respondeu parcialmente após 4 semanas de internamento, tendo ficado mais calma e recetiva. Neste período, a doente explica o que se estava a passar com ela. Segundo a mesma, estava a ser perseguida por um grupo que a queria matar, que teriam inclusivamente subordinado a mãe para colocar veneno na comida. Ela refere que era veneno porque a comida sabia diferente (“Sabia a veneno!”). Refere que esse grupo começou por colocar altifalantes microscópicos na sua casa para comunicar com ela (“Estava sempre a ouvi-los, sempre! Eles esconderam minialtifalantes, que eu não sei onde estavam, e falavam por lá… Diziam que eu não valho nada, que eu devia morrer! Diziam para eu me matar com uma faca! Por vezes, falavam entre eles e começavam a comentar tudo o que eu fazia enquanto me insultavam e gozavam com a minha cara! Como eu não lhes obedeci e não me matei, eles envolveram a minha mãe há cerca de três meses! Não sei o que lhe fizeram, mas devem ter colocado uma tecnologia qualquer porque ela consegue saber tudo o que estou a pensar, ela consegue inclusive roubar-me os pensamentos!”). Dada a falta de resposta total à olanzapina, fez-se o switch para risperidona, tendo sido titulado até aos 9 mg/dia. Neste momento, a doente está na 3.ª semana de tratamento com risperidona na dose de 9 mg/dia, com resposta parcial ao tratamento. Quanto aos antecedentes pessoais, não possui antecedentes médico-cirúrgicos relevantes. Relativamente à medicação habitual, faz contracetivo oral, que não sabe especificar. Cumpriu olanzapina na dose de 10 mg/dia até há 7 meses, altura em que descontinuou. Nos antecedentes familiares, não são mencionados antecedentes psiquiátricos familiares relevantes. Ao exame físico, não apresenta alterações e, ao exame do estado mental (EEM), a doente apresenta-se consciente e orientada nas quatro referências. Aspeto adequado ao contexto hospitalar,
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com cuidados de higiene preservados. Contacto desconfiado. Postura inquieta. Atitude pouco colaborante, embora mais recetiva do que no início do tratamento. Sem alterações na marcha ou nos movimentos. Biótipo normal. Discurso desorganizado e de baixo débito. Humor eutímico, aplanamento afetivo. Apura-se afrouxamento associativo, sem outras alterações da forma, do curso ou do ritmo do pensamento. Apura-se ideação delirante persecutória, sistematizada, com elevado grau de dinamismo e com elevado impacto funcional. Apuram-se alucinações auditivo-verbais na 2.ª e na 3.ª pessoas, comentadoras, de comando e insultuosas. Apuram-se ainda alucinações gustativas. Apuram-se alterações da vivência do Eu, como leitura e roubo do pensamento. Não se apura ideação suicida. Doente sem crítica para o estado mórbido, embora não recuse toma da medicação. A avaliação laboratorial do SU não revelou nenhuma alteração relevante, verificando-se tóxicos e serologias negativos. O eletrocardiograma (ECG) e a tomografia computorizada cranioencefálica (TC-CE) estão sem alterações de relevo. A avaliação laboratorial de momento não revela alterações relevantes.
1. MARCHA DIAGNÓSTICA Parâmetros
Características
Comentários
1. Humor
Eutímico
A ausência de alteração do humor afasta a hipótese diagnóstica de perturbações do humor
2. Sintomas psicóticos
Sim:
3. Sintomas associados
• • • • •
4. Duração
7 meses
• O presente caso caracteriza-se por sintomatologia psicótica exuberante. De notar que estes três sinto• Ideação delirante persecumas são considerados sintomas 1.ª ordem de Kurt tória Schneider, que, apesar de não serem patognomóni• Alucinações auditivo-verbais cos da esquizofrenia, são altamente sugestivos na 2.ª e na 3.ª pessoas (comentadoras, de comando e • A ausência de alterações do humor e a presença de sintomas psicóticos colocam-nos na pista de uma insultuosas) perturbação psicótica pura, como esquizofrenia, PDP • Alucinações gustativas ou PPB/PE • Leitura e roubo de pensa• Dado as características do delírio (que afetam todas mento as áreas da vida do doente), a presença de alucinações auditivo-verbais e a alteração dos limites do Eu, podemos excluir com algum grau de confiança a hipótese diagnóstica de PDP Aplanamento afetivo Afrouxamento associativo Discurso desorganizado Mutismo (no SU) Contacto desconfiado
• Além dos sintomas de cariz psicótico, a doente apresenta vários sintomas que fazem parte dos critérios de diagnóstico do DSM-5, como aplanamento afetivo (sintoma negativo) e discurso desorganizado, reforçando, assim, a nossa hipótese diagnóstica de esquizofrenia • O afrouxamento associativo é comummente encontrado em doentes com esquizofrenia (que se manifesta por desorganização do discurso), assim como outras alterações da forma do pensamento, como tangencialidade, descarrilamento ou “salada” de palavras • Os restantes sintomas apoiam a linha de pensamento de uma perturbação psicótica Excluímos com segurança o diagnóstico de PDP/PE (Continua)
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Casos Clínicos 4
(Continuação)
5. Impacto funcional
Sim:
6. Excluir outras causas
• Antecedentes médico-cirúrgicos: Ausentes • ECD: – Avaliação analítica e pesquisa de tóxicos sem alterações – Imagiologia (TC-CE) sem alterações • Ausência de outras queixas não psiquiátricas
• Problemas laborais • Conflitos com a família • Isolamento social
O diagnóstico de esquizofrenia, segundo o DSM‑5, requer a presença de impacto funcional em duas ou mais áreas da vida do indivíduo Neste caso, uma vez que não identificamos nenhum fator que possa estar na origem ou no agravamento destas alterações, podemos assumir que a origem do quadro é psiquiátrica
PDP: perturbação delirante persistente; PPB: perturbação psicótica breve; PE: perturbação esquizofreniforme; DSM-5: Manual de Diagnóstico e Estatística das Perturbações Mentais (5.ª Edição); ECD: exames complementares de diagnóstico.
1.1. Conclusão[1] O presente caso diz respeito a um episódio agudo de esquizofrenia resistente. Trata-se de uma doente que apresenta ideação delirante persecutória, sistematizada, com elevado grau de dinamismo e impacto funcional, alucinações auditivo-verbais na 3.ª e na 2.ª pessoas, alucinações gustativas, alteração da vivência do Eu (difusão do pensamento), discurso desorganizado, afrouxamento associativo e aplanamento afetivo (sintoma negativo). O caso tem evolução de mais de 6 meses e é acompanhado por alto impacto funcional (a nível sociofamiliar e laboral). Foram excluídas possíveis causas secundárias de cariz não psiquiátrico. Sendo assim, encontram-se reunidos os critérios do DSM-5 para o diagnóstico de esquizofrenia: presença de delírio, alucinações, discurso desorganizado e sintomas negativos pelo período de, pelo menos, 1 mês; persistência de disfunção durante, pelo menos, 6 meses, com prejuízo na funcionalidade em duas áreas; e exclusão de causas secundárias de sintomas psicóticos. Trata-se de um caso de esquizofrenia resistente porque não houve resposta terapêutica a, pelo menos, duas classes de antipsicóticos, neste caso a olanzapina 10 mg/dia e a risperidona 9 mg/dia, em doses e duração adequadas.
2. ABORDAGEM TERAPÊUTICA 2.1. Medidas clínicas gerais
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• Estabelecer aliança terapêutica; • Avaliar a gravidade da doença junto de terceiros (por vezes, o doente tentar normalizar o seu comportamento durante a entrevista); • Avaliar o suporte social.
2.2. Tratamento O tratamento baseia-se em[2]: • • • •
Resposta e tolerabilidade prévias ao tratamento; Perfil de efeitos secundários; Comorbilidades médicas do doente; Preferência do doente/cuidador.
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2.3. Algoritmo de atuação[2-4] Estratégias terapêuticas para a esquizofrenia resistente: Rever o diagnóstico
Se tudo confirmado Propor clozapina
Confirmar adesão à terapêutica
Propor clozapina a utentes que não responderam adequadamente a dois antipsicóticos diferentes em doses e duração adequadas (sendo, pelo menos, um de 2.ª geração)
Confirmar que a dose foi feita em doses e duração adequadas Caso não responda à clozapina
Associar outro antipsicótico à clozapina
ECT
• Propor clozapina a utentes que não responderam adequadamente a dois antipsicóticos diferentes em doses adequadas (sendo um deles um antipsicótico de 2.ª geração) Nota: A olanzapina deve ser um dos medicamentos oferecidos antes de iniciar clozapina. • Regime de introdução da clozapina: – A maioria dos efeitos secundários da clozapina são dose-dependentes e associados à velocidade da titulação do fármaco, pelo que é imperativo começar numa dose baixa e fazer uma titulação lenta.
Dia 1
12,5 mg ao deitar
Dia 2
12,5 mg 2 id
Caso o doente não tolere um incremento de dose
Voltar à dose prévia que tolerou A partir do dia 3
Aumentar 25-50 mg/dia até perfazer 300 mg/dia
A partir de 300 mg/dia
Aumentar 50-100 mg/semana
Começar ao deitar, porque efeito sedativo Perfil hipotensivo
Quando os efeitos secundários remitirem, voltar a fazer incremento de forma mais lenta
Homens e fumadores podem necessitar de maior dose de clozapina para obter estes níveis sanguíneos
Dosagem: Geralmente, entre 300-450 mg/dia Máximo: 900 mg/dia 350-420 µg/l de clozapina na corrente
Em fumadores que não atingem o nível sanguíneo desejado, poderá ser ponderada a introdução de inibidores metabólicos (fluvoxamina ou cimetidina) – Extrema precaução!
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Casos Clínicos 4
Nota: Este esquema tem um início de titulação lento, sendo que poderão ser feitos esquemas mais rápidos (começar com 25 mg ou 50 mg, por exemplo). Em doentes mais jovens, idosos ou com comorbilidades, aconselha-se este regime de titulação. Se o tratamento for descontinuado por mais de 2 dias, deverá ser reiniciado o esquema de iniciação. • Caso não responda à clozapina: Associar outro antipsicótico à clozapina: – Pode ser tentado em caso de não resposta/resposta parcial à clozapina: - Se não houver melhorias, não ultrapassar os 3-6 meses de tratamento. – Racional para a associação com a clozapina: A clozapina tem pouca ocupação dos recetores D2, logo, um antipsicótico com maior afinidade D2 poderá trazer benefícios; – A evidência não é suficiente para a elaboração de guidelines ou algoritmos de atuação: - Os fármacos estudados em associação têm pouca/modesta evidência e frequentemente vários estudos contradizem-se; - Escolher antipsicótico com perfil farmacológico diferente da clozapina. – Antes de associar: Estabelecer adesão terapêutica (pedir avaliação laboratorial dos níveis de clozapina, se necessário); – Algumas associações podem permitir reduzir efeitos secundários: - O aripiprazol reduz o risco cardiometabólico associado à clozapina (reduz peso e reduz colesterol das LDL). – A resposta poderá ser lenta: 6-10 semanas. • Eletroconvulsoterapia: Opção relativamente eficaz e com ligeiros sintomas secundários. • Outras estratégias: – Altas doses de antipsicóticos: Não há evidência de benefício; – Combinação de antipsicóticos: - Pouca evidência de eficácia; - Utilizar apenas quando a clozapina falhou.
3. CONCLUSÃO
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Neste caso, dada a falha da olanzapina e da risperidona em doses e duração adequadas, começaríamos por pedir apoio à equipa de Enfermagem para toma de medicação supervisionada (faríamos este pedido logo após o primeiro switch). Caso se verificasse adesão terapêutica, e sendo o diagnóstico claro, iniciaríamos clozapina. É de notar que, neste caso, a doente falhou a dois antipsicóticos, ambos atípicos, sendo um deles a olanzapina. Antes de iniciar a clozapina, pediríamos ecocardiograma, PCR, troponinas e hemograma. A doente iniciaria a clozapina na dose de 50 mg ao deitar, titulando 50 mg diariamente até perfazer as 300 mg. Caso não houvesse resposta total, incrementaríamos 100 mg semanalmente. Semanalmente, pediríamos hemograma, PCR e troponinas. No caso da clozapina, tendo em conta a ausência de formulação injetável de longa duração (ILD) e a necessidade de monitorização constante, iniciaríamos junto com a família e eventual colaboração da Psicologia um programa de psicoeducação, de modo a garantir a adesão farmacológica no pós-alta. Caso estivesse disponível, recomendaríamos a doente para programa assertivo, de forma a obter uma melhor articulação entre a doente e os familiares e os cuidados de saúde mental. No caso de obter apenas resposta parcial à dose máxima de clozapina em monoterapia, proporíamos a doente para ECT ou associação da clozapina com aripiprazol. A associação teria ainda a vantagem de haver em formulação injetável mensal, garantindo, assim, a adesão terapêutica (pelo menos, em parte) e diminuindo o risco de aumento de peso e hiperprolactinemia associado
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à clozapina. A doente iniciaria aripiprazol oral 10 mg/dia, sendo administrada a formulação depot na dose de 400 mg ao 14.º dia de tratamento. A formulação oral na dose de 10 mg deveria ser continuada apenas por mais 14 dias após a 1.ª dose de injetável.
4. C UIDADOS A TER NA INTRODUÇÃO E NA MONITORIZAÇÃO DE ALGUNS FÁRMACOS[2,4,5] • A clozapina apresenta vários efeitos adversos, alguns deles potencialmente fatais (agranulocitose, miocardite, cardiomiopatia e tromboembolismo): – Tromboembolismo: Diminuir fatores de risco concomitantes para tromboembolismo, incitando o doente a fazer exercício e a hidratar-se recorrentemente; – Agranulocitose (não é dose-dependente): - Deverá ser realizado hemograma: ° Antes do tratamento; ° Semanalmente durante os primeiros 6 meses; ° Quinzenalmente entre os 6-12 meses; ° Mensalmente após o 1.º ano de tratamento. - O tratamento deve ser suspenso se: 3 ° Contagem de neutrófilos <1,000/mm ; 3 ° Contagem de glóbulos brancos <2,000/mm ; 3 ° Contagem de eosinófilos >4,000/mm . – Miocardite: - Antes de iniciar a clozapina: ° Ecocardiograma; ° PCR; ° Troponinas. - Semanalmente: ° Sinais vitais; ° PCR; ° Troponinas I e T. – Doses >550 mg/dia podem requerer administração concomitante de anticonvulsivante para reduzir a probabilidade de convulsão.
Referências bibliográficas 1. APA – American Psychiatric Association. Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders (DSM-5). 5th edition. Arlington, VA: American Psychiatric Association. 2013. 2. Taylor DM, Barnes TRE, Young AH. The Maudsley Prescribing Guidelines in Psychiatry. United Kingdom: Wiley Blackwell. 2018. 3. NICE – National Institute for Health and Care Excellence. Psychosis and schizophrenia in adults – prevention and management. National Institute for Health and Care Excellence. 2014. 4. Stahl SM. Stahl’s Essential Psychopharmacology. 4th edition. Cambridge: Press of the University of Cambridge. 2013. 5. Procyshyn RM, Bezchlibnyk-Butler KZ, Jeffries JJ. Clinical Handbook of Psychotropic Drugs. 21st edition. Göttingen, Germany: Hogrefe. 2015.
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Perturbações de Ansiedade
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(como na perturbação obsessivo-compulsiva), pela evocação de eventos traumáticos (como na perturbação de stress pós-traumático – PTSD), pela separação de casa ou de figuras de vinculação (como na perturbação de ansiedade de separação) ou por situações sociais (como no perturbação de ansiedade social). – Especificar se: Código baseado no estímulo fóbico: - 300.29 (F40.218) Animal (por exemplo, aranhas, insetos, cães); - 300.29 (F40.228) Ambiente natural (por exemplo, alturas, tempestades, água); - 300.29 (F40.23x) Sangue-injeção-ferida (por exemplo, agulhas, procedimentos médicos invasivos); Nota para codificação: Escolher o código específico da CID-10-MC como segue: ° F40.230 Medo de sangue; ° F40.231 Medo de injeções e transfusões; ° F40.232 Medo de outros cuidados médicos; ° F40.233 Medo de ferimentos. - 300.29 (F40.248) Situacional (por exemplo, aviões, elevadores, locais fechados); - 300.29 (F40.298) Outro (por exemplo, situações que podem levar a asfixia ou vómitos; em crianças, por exemplo., sons altos ou personagens vestidos com trajes de fantasia). Nota para codificação: Quando mais de um estímulo fóbico estão presentes, codificar todos os códigos da CID-10-MC que se aplicam (por exemplo, para medo de cobras e de voar, F40.218 Fobia específica, animal e F40.248 Fobia específica, situacional). • Segundo a CID-10: – Fobias específicas (F40.2): - Todos os seguintes critérios devem ser cumpridos para o diagnóstico definitivo: ° Os sintomas psicológicos ou autonómicos devem ser manifestações primárias de ansiedade, e não secundárias a outros sintomas, como ilusão ou pensamento obsessivo; ° A ansiedade deve ser restrita à presença do objeto ou situação fóbica específica; ° A situação fóbica é evitada sempre que possível. - Inclui: ° Acrofobia; ° Fobia de animais; ° Claustrofobia; ° Fobia de sangue-injeção-ferida; ° Fobia simples. • Diferenças importantes entre o DSM-5, a CID-10 e a CID-11: – DSM-5: - Considera que o medo surge como resultado da exposição a um objeto ou situação específica, provocando sintomas autonómicos e psicológicos de ansiedade aguda; - A duração mínima dos sintomas é de 6 meses. – CID-10: - Não determina que a ansiedade seja desencadeada pela antecipação do objeto ou situação fóbica; - Não estabelece uma duração mínima. – CID-11: - Elimina a distinção entre perturbação de ansiedade fóbica e as restantes perturbações de ansiedade; - O diagnóstico de fobia específica deve ser aplicado apenas quando o medo resulta em impacto significativo no funcionamento; - O evitamento ativo não é necessário, sendo exposição duradoura com ansiedade intensa suficiente; - O foco da apreensão está diretamente relacionado com o encontro ou antecipação de estímulos receados; - Considera o contexto social e cultural.
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III. Perturbação obsessivo-compulsiva da personalidade Mafalda Azevedo Mendes, Cátia Alves Moreira
1. EPIDEMIOLOGIA[1] • Prevalência: – Na população geral, a prevalência estimada é de 3,20%; – Trata-se da perturbação de personalidade (PP) mais comum[2]; – No contexto de Psiquiatria de ambulatório, a prevalência é de 8,7%. • Sexo: – Não existem diferenças significativas entre o sexo masculino e sexo feminino (alguns estudos sugerem uma prevalência ligeiramente maior em homens). • Idade: – Menos frequente em idades mais jovens (entre 20-29 anos) do que em indivíduos com idade >30 anos. • Comorbilidade: – Frequente com outras perturbações psiquiátricas, sendo particularmente frequente a coocorrência em doentes com: - Perturbações de ansiedade (entre 23-24%); - Perturbações do humor (24%); - Perturbações de uso de substâncias (entre 12-25%); - Perturbação obsessivo-compulsiva (POC) (entre 23-45%); - Outras PP: PP evitante (25,7%), PP borderline (9,2%), PP paranoide (7,9%) e PP narcísica (7,2%). informação adicional
• O conceito de personalidade obsessiva ou anancástica é descrito pela primeira vez em 1908 por Freud.
• A literatura sobre a etiologia e os fatores de risco para PP obsessivo-compulsiva (ou anancástica) é escassa e contraditória; • Fatores ambientais: – Vinculação insegura: - Proteção excessiva; - Prestação de cuidados insuficiente. • Fatores biológicos: – A evidência empírica aponta para padrão de heritabilidade; – Associação entre PP obsessivo-compulsiva e: - Polimorfismo do transportador de serotonina 5HTTLPR; - Genótipo do recetor de dopamina D3 Gly/Gly; - Resposta diminuída da prolactina à fenfluramina, sugerindo eventual disfunção serotoninérgica.
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2. FATORES DE RISCO[1]
Tratamento Farmacológico
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8.1 Estabilizadores de humor Mariana Gomes Silva, José Oliveira O conceito de estabilizador de humor é controverso e variável na literatura[1]. Classicamente, referia-se ao tratamento da mania aguda, mas, atualmente, podemos considerar estabilizador de humor qualquer agente farmacológico com evidência no tratamento da perturbação bipolar, quer seja na estabilização de fases agudas da doença (mania/depressão) como na prevenção de recaídas[2]. Os estabilizadores de humor são divididos em três grupos principais: 1) lítio; 2) anticonvulsivantes; e 3) antipsicóticos (Tabela 8.1.1). Apesar da denominação, alguns destes fármacos apresentam uma eficácia mais contestável como estabilizador de humor, sendo que, em Portugal, estão apenas aprovados para o tratamento da perturbação bipolar os fármacos assinalados a negrito na Tabela 8.1.1. Tabela 8.1.1 – Classes de estabilizadores de humor. Lítio Lítio
Anticonvulsivantes
Antipsicóticos 2.ª geração
3.ª geração
Ácido valproico
Quetiapina
Aripiprazol
Carbamazepina
Olanzapina
Cariprazina
Lamotrigina
Risperidona
Gabapentina
Ziprasidona
Oxcarbazepina
Clozapina
Topiramato
Lurasidona Paliperidona
A negrito apresentam-se os fármacos aprovados em Portugal para o tratamento da perturbação bipolar.
1. LÍTIO
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A utilização do lítio para o tratamento da mania aguda data de meados do século xix. A sua aprovação pela Food and Drug Administration (FDA) surge apenas em 1970, impulsionada pelos estudos pioneiros de John Cade, e mantém-se até hoje como tratamento de 1.ª linha na perturbação bipolar[3]. O mecanismo de ação do lítio é complexo e não totalmente conhecido[2]. Postula-se que contribua para a estabilização dos recetores de catecolaminas, que interfira em funções intracelulares mediadas pelo sódio e que aumente a atividade GABAérgica. Modula a sinalização intracelular através de ações nos segundos mensageiros, que incluem: 1) inibição da inositol monofosfatase, alterando a neurotransmissão via sistema de fosfatidil inositol; 2) redução da atividade da proteína quinase C, possivelmente afetando a expressão genética associada à neurotransmissão; e 3) ativação de cascatas de sinalização utilizadas pelos fatores de crescimento endógenos. Globalmente, estes mecanismos parecem atenuar a reatividade dos neurónios a estímulos provenientes de neurotransmissores muscarínicos, colinérgicos e alfa-adrenérgicos[4]. A utilização crónica deste fármaco está associada a um efeito benéfico nas neurotrofinas, o que lhe confere um potencial efeito neuroprotetor[5].
• Absorção: Trato gastrointestinal • Metabolismo: Renal • Excreção: Renal • Mecanismo de ação: Desconhecido (envolve cascatas de sinalização intracelular que exercem um efeito estabilizador da membrana celular) • Lento (ocorre a médio-longo prazo): – Efeito antimaníaco: Após 5-7 dias – Efeito terapêutico completo: Após 1021 dias • Semivida: 8-35 horas (aumenta com a continuidade do tratamento)
Lítio
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Mecanismo
Fármaco
Indicações
Efeitos adversos
Considerações
Comentários
(Continua)
• Iniciar com 400 mg/ • Aprovado (RCM): • Frequentes: Tremor, • Cuidados: • Potenciais vanta– Mania e hipomania – Monitorização pedia e após 5 dias de náuseas, vómitos, gens: – Tratamento de riódica do lítio (alvo: – 1.ª linha: Tratamentoma diária consediarreia, fadiga, manutenção da per0,6-1 mmol/l), funto da mania aguda. cutiva avaliar o nível aumento de peso, turbação bipolar ção renal, hormonas Se grave, combinar plasmático e ajustar poliúria, polidipsia, – Perturbação deprestiroideias, perfil com antipsicótico a dosagem de acordo hipotiroidismo siva resistente ao lipídico e peso – 1.ª linha: tratamen(alvo: 0,6-1 mmol/l) • Outros: Alterações tratamento – Hidratação to de manutenção • A colheita deve ser cognitivas, alopecia, – Profilaxia da depres• Precauções: da perturbação realizada em vale – de erupção cutânea, são recorrente – Idosos (diminuição bipolar manhã, prévia à toma – Comportamento disfunção sexual, da excreção do lítio) – Boa opção em agressivo/autolesivo do fármaco visão turva, alterações – Amamentação doentes com adesão • Evidência: (monitorizar sinais e ao tratamento • Manutenção: No hematológicas, – Efeito neuroprotetor sintomas no bebé) • Potenciais desvaninício do tratamento, alterações cardioló– Diminuição do – Vómitos, diarreia, tagens: dividir tomas 2-3 gicas, hipercalcemia, risco de suicídio em sudação profusa, – Uso crónico: Vigiar vezes/dia; após a hiperparatiroidismo, doentes com perturdiuréticos (aumento risco de hipotiroidisestabilização, pode hipermagnesemia bação bipolar da perda de Na+ mo e nefropatia ser toma única (prefe• Toxicidade renal – Estados mistos leva a aumento da – Descontinuação rencialmente à noite) (diabetes insipidus retenção de lítio) lenta: Mínimo 1 mês • Doença renal: nefrogénica, necrose • Contraindicações: (diminuição do risco – TFG entre 10-50 ml/ tubular aguda, nefro– Gravidez (mais no de recaída) min50-75% dose patia tubulointersticial 1.º trimestre) – TFG <10 ml/min: – Insuficiência renal crónica) 25-50% da dose – Lesão cerebral • Toxicidade tiroideia – Doença cardiovascu(hipotiroidismo) lar (grave) • Sinais de toxicida– Desidratação grave de: Ataxia, tremor, confusão, diarreia, sonolência, fasciculações • Toxicidade grave: Insuficiência renal (hemodiálise)
Posologia
Tabela 8.1.2 – Estabilizadores de humor.
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• Cuidados nas interações com outros fármacos: – Antagonismo da levodopa e agonistas dopaminérgicos – Aumento do efeito anti-hipertensores • Precauções: – Aumento do efeito dos anti-hipertensores – Risco de disfagia (! Pneumonia de aspiração) – Abstinência alcoólica ou perturbação convulsiva – Diminuição do limiar convulsivo – Doença de Parkinson, demência com corpos de Lewy – Gravidez – Idosos: - Aumento do risco de morte e eventos cardiovasculares em idosos - ++ efeitos sedativos e hipotensores • Contraindicações: – Síndrome maligno dos neurolépticos (descontinuar) – Se neutrófilos <1000/mm3, (descontinuar) – Amamentação
• Frequentes: – Efeitos metabólicos: Aumento do risco de diabetes e dislipidemia – Hiperglicemia – Aumento do peso e sedação – Efeitos extrapiramidais e discinesia tardia (menor risco do que típicos) • Raros: – Síndrome maligna dos neurolépticos (menor risco do que típicos) – Convulsões
Efeitos adversos
Adaptado de Taylor et al. (2018)[2], Sadock et al. (2015)[3], Stahl (2019)[4]. TCE: traumatismo cranioencefálico.
Considerações
• Indicação clínica: – Perturbação esquizofrénica/Esquizoafetiva – Perturbações do humor: - Mania (todos, exceto clozapina) - Depressão resistente (adjuvante) • Off-label[3]: – Sintomas psicóticos secundários a TCE, demência ou fármacos – Depressão com sintomas psicóticos – Discinesia tardia – Demência induzida por imunodeficiência – Perturbação do espectro do autismo – Síndrome de Tourette – Doença de Huntington – Agressividade e comportamentos autolesivos em crianças – Perturbação de hiperatividade e défice de atenção (adjuvante) • Efeito terapêutico: – Início de melhoria a partir de 1 semana – 4-6 semanas para efeito completo (alguns até 16 semanas) – 1.º episódio: Manter tratamento durante, pelo menos, 1 ano após estabilização clínica – A partir do 2.º episódio: Tratamento por tempo indefinido
Tabela 8.2.3 – Considerações comuns aos antipsicóticos atípicos.
Indicações
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• Indicações gerais: – Antes de prescrever antipsicóticos: - Rever efeitos secundários - Avaliação clínica – Utilizar a menor dose possível – Iniciar com monoterapia – Se falência: - Switch o antipsicótico - Após dois ou mais antipsicóticos em monoterapia, considerar clozapina - Considerar antipsicóticos típicos - Considerar potencialização com estabilizador de humor ou benzodiazepina - Considerar ILD (se baixa adesão) - Considerar abuso de substâncias psicoativas • Potenciais desvantagens: – A descontinuação rápida pode levar a rebound de sintomatologia psicótica
Comentários
Tratamento Farmacológico 429
40-120 mg/1-4 semanas
Dose
2 meses
• Sedação, ativação (doses baixas) • Efeitos extrapiramidais (++ primeiras doses) • Leucopenia, eosinilia (raro)
• Tempo para estabilização
Efeitos adversos • Tonturas, insónia • Efeitos extrapiramidais (++ primeiras doses) • Hiperprolactinemia dose-dependente
2 meses
• 7-10 dias (dose única) • 14 dias (múltiplas)
• 1.º pico: 8-10 horas • 2.º pico: 8-12 dias
12,5-100 mg/15 dias
1 semana
• Glúteo (IM) • Deltoide (SC) • Injeção SC ou IM profunda
Decanoato de flufenazina
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Adaptado de Procyshyn et al. (2017)[8]. SC: subcutâneo.
• 8 dias (dose única) • 17 dias (múltiplas)
• Semivida
• 3-7 dias
1 semana
Sobreposição com PO
Farmacocinética: • Pico de concentração plasmática
• Glúteo • Injeção IM profunda
Local de administração
Decanoato de flupentixol
• Tonturas, insónia • Efeitos extrapiramidais (menos do que PO) • Hiperprolactinemia dose-dependente • Leucopenia, eosinilia, icterícia (raro)
2-3 meses
• 18-21 dias
• 3-9 dias
10-20 vezes a dose PO/mês
0-4 semanas
• Glúteo • Injeção IM profunda
Decanoato de haloperidol
• Tonturas, insónia • Efeitos extrapiramidais 5-15% • Alterações das provas de função hepática transitórias • Neutropenia, agranulocitose (raro)
2 meses
• 19 dias
• 3-7 dias
150-300 mg cada 2-4 semanas (iniciar com 100 mg)
2 semanas
• Glúteo • Injeção IM profunda
Decanoato de zuclopentixol
• Insónia, cefaleias, ansiedade, tonturas • Acatisia, parkinsonismo • Hipotensão ortostática
2-3 meses
• 25-49 dias • Aumentado na doença renal
• 13 dias
50-150 mg/4 semanas
-
• Músculo deltoide (D1 e 8) • Músculo deltoide ou glúteo: Manutenção • Injeção IM profunda
Paliperidona mensal
• Acatisia • Ganho de peso, cefaleias
• 84-95 dias
• 30-33 dias
175-525 mg/3 meses
-
• Músculo deltoide ou glúteo: Manutenção • Injeção IM profunda: Única
Paliperidona trimestral
Tabela 8.2.6 – Antipsicóticos de libertação prolongada.
Doses >50 mg/2 semanas: • Tonturas, ansiedade, insónia, cefaleias, depressão • Acatisia, parkinsonismo • Hipotensão
Sedação: • Acatisia, parkinsonismo
3-4 meses
• 30 dias (300 mg) • 47 dias (400 mg)
• 3-6 dias Eliminação completa: 7-8 semanas Doença renal ou hepática 2 meses
• 5-7 dias
300-400 mg/4 semanas
2 semanas
• Glúteo: Manutenção • Injeção IM profunda
Aripiprazol ILD
• 30 dias
25-50 mg/15 dias
3 semanas
• Músculo deltoide ou glúteo: Manutenção • Injeção IM profunda
Risperidona ILD
440
Raciocínio Clínico em Psiquiatria – Principais Entidades Psiquiátricas
• Mecanismo de ação: – Bloqueio reversível da MAO-A (aumento ds dopamina, noradrenalina, serotonina) – Se consumo de tiramina, a inibição é revertida • Efeito terapêutico: 24 dias • Efeito terapêutico completo: 2-4 semanas
Moclobemida (Zorix®, Aurorix®)
• Aprovação formal em Portugal: – Perturbação depressiva – Fobia Social • Evidência: – Perturbação de pânico
Indicações • Perturbação depressiva: – Dose terapêutica: 300-600 mg/dia – Dose inicial: 300 mg/dia, dividida em duas a três tomas. A dose pode ser otimizada após 1 semana de tratamento • Fobia social: – Dose terapêutica: 600 mg/dia, dividida em duas tomas diárias
Posologia • Frequentes: – Trato gastrointestinal (diarreia, obstipação, náuseas, boca seca) – SNC (insónia, agitação, vertigens) – Perturbação de ansiedade – Galactorreia • Outros: – Crise hipertensiva (se consumo de tiramina) – Mania – Ideação suicida – Convulsões • Sinais de toxicidade: – Agitação psicomotora – Agressividade – Alterações do comportamento – Efeitos no trato gastrointestinal
Efeitos adversos
SELETIVOS E REVERSÍVEIS
Tabela 8.3.1 – Inibidores da monoaminoxidase (IMAO).
Adaptado de Sadock et al. (2015)[1], Harrison et al. (2018)[2], Stahl (2017)[3]. MDMA: 3,4-metilenodioximetanfetamina.
Mecanismo
Fármacos
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• Cuidados na interação com outros fármacos: – Alteração entre esquemas de IMAO e serotoninérgico – Uso de anestésicos, benzodiazepinas e opioides – Associação com clomipramina: Maior risco de síndrome serotoninérgica • Precauções: – Alimentos com tiramina, queijo, carne/peixe secos ou fumados e soja • Contraindicações: – Terapêutica com simpaticomiméticos, guanetidina, outros IMAO, serotoninérgicos (SSRI, SNRI, clomipramina, tramadol, metadona, fentanil, dextrometorfano, MDMA, cocaína, anfetaminas), selegilina, bupropiom, triptanos, petidina, linezolida – Delirium – Feocromocitoma – Tireotoxicose – nxaqueca
Considerações
• Potenciais vantagens: – Mais seguro do que os outros IMAO (menor interação com tiramina ou outros fármacos) – Benefício no tratamento da perturbação depressiva e da bulimia nervosa associada – Mais usado como 2.ª linha no tratamento da perturbação depressiva ou da fobia social • Potenciais desvantagens: – Associado a dieta restrita
Comentários
Tratamento Farmacológico 455
17x24cm
Principais Entidades Psiquiátricas
Esta obra incide sobre as principais perturbações psiquiátricas, recorrendo a uma abordagem teórica, concisa e sistematizada, complementada com uma componente prática baseada em casos clínicos. A secção teórica debruça-se sobre aspetos epidemiológicos, diagnósticos – de acordo com ambos os sistemas de classificação em vigor –, do exame do estado mental, do diagnóstico diferencial e do tratamento. A secção de casos clínicos auxiliará o leitor no raciocínio clínico, visando formular uma hipótese de diagnóstico mais provável e elaborar um plano terapêutico adequado perante um doente com sintomas psiquiátricos ou neuropsiquiátricos.
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A obra termina com uma secção de psicofarmacologia, em que serão abordados os mecanismos de atuação, bem como a posologia, as indicações formais, a evidência de utilização, as contraindicações, entre outros. Este livro destina-se não só a médicos de Medicina Geral e Familiar e de outras especialidades que pretendam aprofundar o conhecimento na área da Psiquiatria, mas também a internos de Psiquiatria e outros profissionais de saúde que procurem ferramentas que lhes permitam sistematizar e organizar o raciocínio clínico necessário na abordagem do doente com patologia psiquiátrica. É ainda uma útil ferramenta de estudo no âmbito da formação médica.
Joana Pereira Médica Interna de Formação Específica em Psiquiatria no Centro Hospitalar Psiquiátrico de Lisboa.
Diana Pereira Joana Pereira
Diana Pereira Médica Psiquiatra. Assistente Hospitalar no Centro Hospitalar Universitário Lisboa Norte, EPE.
Coordenação
Diana Pereira / Joana Pereira
Raciocínio Clínico em Psiquiatria 1 Principais Entidades Psiquiátricas Com 25 casos clínicos
INCLUI ALTERAÇÕES DA
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COORDENAÇÃO
Com o patrocínio científico de:
Prefácio de ISBN 978-989-752-514-8
9 789897 525148
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M
Raciocínio Clínico em Psiquiatria
Raciocínio Clínico em Psiquiatria
C
17x24cm
24mm
Rui Durval