Raciocínio Clínico em Psiquiatria – vol. II

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17 x 24cm

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Entidades Neuropsiquiátricas e Relacionadas Esta obra incide sobre as principais perturbações neuropsiquiátricas, recorrendo a uma abordagem teórica, concisa e sistematizada, complementada com uma componente prática baseada em casos clínicos. A secção teórica debruça-se sobre aspetos epidemiológicos, diagnósticos – de acordo com ambos os sistemas de classificação em vigor –, do exame do estado mental, do diagnóstico diferencial e do tratamento. A secção de casos clínicos auxiliará o leitor no raciocínio clínico, visando formular uma hipótese de diagnóstico mais provável e elaborar um plano terapêutico adequado perante um doente com sintomas psiquiátricos ou neuropsiquiátricos. M

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A obra termina com uma secção de psicofarmacologia, em que serão abordados os mecanismos de atuação, bem como a posologia, as indicações formais, a evidência de utilização, as contraindicações, entre outros. Este livro destina-se não só a médicos de Medicina Geral e Familiar e de outras especialidades que pretendam aprofundar o conhecimento na área da Psiquiatria, mas também a internos de Psiquiatria e outros profissionais de saúde que procurem ferramentas que lhes permitam sistematizar e organizar o raciocínio clínico necessário na abordagem do doente com patologia psiquiátrica. É ainda uma útil ferramenta de estudo no âmbito da formação médica.

Joana Pereira Médica Interna de Formação Específica em Psiquiatria no Centro Hospitalar Psiquiátrico de Lisboa.

ISBN 978-989-752-719-7

9 789897 527197

Diana Pereira Joana Pereira

Diana Pereira Médica Psiquiatra. Assistente Hospitalar no Centro Hospitalar Universitário Lisboa Norte, EPE.

Diana Pereira / Joana Pereira

Raciocínio Clínico em Psiquiatria 2 Entidades Neuropsiquiátricas e Relacionadas Com 26 casos clínicos

INCLUI ALTERAÇÕES DA

CID -11

2

COORDENAÇÃO

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C

Raciocínio Clínico em Psiquiatria

Raciocínio Clínico em Psiquiatria

Coordenação

Com o patrocínio científico de:

Prefácio de

Rui Durval


Raciocínio Clínico em Psiquiatria Entidades Neuropsiquiátricas e Relacionadas Volume II Coordenação Diana Pereira, Joana Pereira

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Índice Autores.......................................................................................................................................

IX

Prefácio.....................................................................................................................................

XIII

Siglas e Acrónimos...................................................................................................................

XV

Capítulo 1 Introdução............................................................................................................................

1

Diana Pereira, Joana Pereira

Capítulo 2 Entrevista Psiquiátrica e Exame do Estado Mental..........................................................

2

Mariana Mendes Melo, Ciro Oliveira

Capítulo 3 Perturbações do Neurodesenvolvimento..........................................................................

15

3.1 Perturbações do espectro do autismo................................................................

15

Inês Barroca, Diana Pereira, Filipe Gonçalves, Carlos Nunes Filipe 3.2 Perturbação de hiperatividade e défice de atenção........................................

42

Diana Pereira, Inês Barroca, Filipe Gonçalves, Carlos Nunes Filipe, Rui Durval Casos Clínicos 3............................................................................................................

66

Capítulo 4 Perturbações Neurocognitivas...........................................................................................

90

4.1 Síndrome confusional aguda...............................................................................

90

Fábio Carneiro, João Reis, Camila Nóbrega 4.2 Doença de Alzheimer............................................................................................ 101 Fábio Carneiro, João Reis, Camila Nóbrega

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4.3 Demência vascular................................................................................................ 117 Teresa Barata Silvério, Pedro Ribeiro Branco, Camila Nóbrega 4.4 Doença de Parkinson............................................................................................ 125 Teresa Barata Silvério, Camila Nóbrega 4.5 Demência com corpos de Lewy.......................................................................... 142 Teresa Barata Silvério, Pedro Ribeiro Branco, Camila Nóbrega 4.6 Doença de Huntington.......................................................................................... 150 Andreia Castro Fernandes, Pedro Ribeiro Branco, Camila Nóbrega


VI

Raciocínio Clínico em Psiquiatria – Entidades Neuropsiquiátricas e Relacionadas

4.7 Demência frontotemporal..................................................................................... 161 Fábio Carneiro, João Reis, Camila Nóbrega 4.8 Demências rapidamente progressivas................................................................ 172 Diana Melancia, Pedro Ribeiro Branco, Camila Nóbrega Casos Clínicos 4............................................................................................................ 186

Capítulo 5 Perturbação do Sono.......................................................................................................... 235 5.1 Introdução.............................................................................................................. 235 Joana Teixeira de Miranda, André Ponte, Vitorina Passão, Inês Cunha 5.2 Insónia..................................................................................................................... 243 André Ponte, Joana Teixeira de Miranda, Vitorina Passão, Inês Cunha 5.3 Síndrome de apneia obstrutiva do sono............................................................. 254 André Ponte, Joana Teixeira de Miranda, Vitorina Passão, Inês Cunha 5.4 Perturbações de movimento relacionadas com o sono (síndrome das pernas inquietas e perturbação de movimentos periódicos do sono)........... 263 Joana Teixeira de Miranda, André Ponte, Vitorina Passão, Inês Cunha 5.5 Parassónias (parassónias NREM e perturbações do comportamento no sono REM)......................................................................................................... 271 Joana Teixeira de Miranda, André Ponte, Vitorina Passão, Inês Cunha Casos Clínicos 5............................................................................................................ 281

Capítulo 6 Perturbações Aditivas e Relacionadas com Substâncias ............................................. 307 6.1 Introdução.............................................................................................................. 307 Joana Pereira, Gonçalo Marinho, Guilherme Pereira, João Silva Gonçalves, Joana Teixeira 6.2 Perturbação pelo uso de álcool.......................................................................... 314 Joana Pereira, João Silva Gonçalves, Joana Teixeira 6.3 Perturbações pelo uso de substâncias............................................................... 325 Casos Clínicos 6............................................................................................................ 339

Capítulo 7 Tratamento Farmacológico................................................................................................ 358 7.1 Ansiolíticos e sedativo-hipnóticos........................................................................ 358 Ana Filipa Freitas, Nuno Garcia Rodrigues, Inês Capeto Coelho

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Gonçalo Marinho, Guilherme Pereira, Joana Teixeira


Índice

VII

7.2 Antidemenciais...................................................................................................... 386 Andreia Castro Fernandes, Pedro Ribeiro Branco, Camila Nóbrega

Capítulo 8 As Bases do Raciocínio e da Decisão Clínica – Considerações Finais........................ 393 Maria Luísa Figueira

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Índice Remissivo....................................................................................................................... 395


Autores COORDENADORAS/AUTORAS Diana Pereira Médica Psiquiatra; Assistente Hospitalar no Centro Hospitalar Universitário Lisboa Norte, EPE; Assistente Livre na Clínica Universitária de Psiquiatria e Psicologia Médica da Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa.

Joana Pereira Médica Interna de Formação Específica em Psiquiatria no Centro Hospitalar Psiquiátrico de Lisboa.

AUTORES Ana Filipa Freitas Assistente Hospitalar de Psiquiatra no Hospital de Vila Franca de Xira.

André Ponte Assistente Hospitalar de Psiquiatria no Hospital do Divino Espírito Santo de Ponta Delgada, EPE; Responsável pela Consulta de Insónia do Hospital Internacional dos Açores.

Andreia Castro Fernandes Assistente Hospitalar de Neurologia no Hospital Central do Funchal.

Camila Nóbrega Assistente Hospitalar de Neurologia no Centro Hospitalar Psiquiátrico de Lisboa e no CNS – Campus Neurológico; Coordenadora da Unidade de Diagnóstico e Intervenção do Serviço de Psiquiatria Geriátrica do Centro Hospitalar Psiquiátrico de Lisboa.

Carlos Nunes Filipe Médico Psiquiatra, com Doutoramento em Neurofisiologia; Professor Auxiliar com Agregação na NOVA Medical School – Faculdade de Ciências Médicas da Universidade de Lisboa com a Regência de Fisiologia Médica; Diretor Clínico da Associação Portuguesa para as Perturbações do Desenvolvimento e Autismo (APPDA).

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Ciro Oliveira Médico Psiquiatra; Assistente Hospitalar no Centro Hospitalar Psiquiátrico de Lisboa; Docente Convidado no Instituto Universitário Egas Moniz – Caparica; Docente Livre na Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa.

Diana Melancia Médica Neurologista; Unidade Cerebrovascular e Serviço de Neurologia do Centro Hospitalar Universitário de Lisboa Central, EPE; Instituto de Farmacologia e Neurociências da Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa.


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Raciocínio Clínico em Psiquiatria – Entidades Neuropsiquiátricas e Relacionadas

Fábio Carneiro Médico Neurologista; Assistente Hospitalar no Serviço de Neurologia do Hospital Garcia de Orta – Almada.

Filipe Gonçalves Assistente de Psiquiatria no Centro Hospitalar Psiquiátrico de Lisboa (CHPL); Cocoordenador da consulta de Perturbação de Hiperatividade e Défice de Atenção do Adulto do CHPL.

Gonçalo Marinho Médico Interno de Formação Específica em Psiquiatria no Centro Hospitalar Psiquiátrico de Lisboa.

Guilherme Pereira Assistente Hospitalar de Psiquiatria – Equipa Técnica Especializada de Tratamento de Almada – Divisão de Intervenção nos Comportamentos Aditivos e Dependência da Administração Regional de Saúde de Lisboa e Vale do Tejo.

Inês Barroca Médica Interna de Formação Específica em Psiquiatria da Infância e Adolescência no Centro Hospitalar de Lisboa Ocidental, EPE.

Inês Capeto Coelho Assistente Hospitalar de Psiquiatria no Hospital de Dia e Unidade de Eletroconvulsivoterapia do Centro Hospitalar Psiquiátrico de Lisboa.

Inês Cunha Médica Psiquiatra no Centro Hospitalar Psiquiátrico de Lisboa.

Joana Teixeira Médica Psiquiatra; Coordenadora da Unidade de Alcoologia e Novas Dependências do Centro Hospitalar Psiquiátrico de Lisboa; Assistente Convidada na Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa.

Joana Teixeira de Miranda Médica Interna de Formação Específica em Psiquiatria no Centro Hospitalar de Leiria, EPE.

Assistente Hospitalar de Psiquiatria na Clínica de Alcoologia e Novas Dependências do Centro Hospitalar Psiquiátrico de Lisboa; Assistente Livre na Clínica Universitária de Psiquiatria e Psicologia Médica da Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa; Membro Fundador da Secção de Psiquiatria da Adição da Sociedade Portuguesa de Psiquiatria e Saúde Mental; Presidente da Direção da Associação Mental8Works.

João Reis Médico Psiquiatra no Centro Hospitalar Psiquiátrico de Lisboa.

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João Silva Gonçalves


Autores

XI

Maria Luísa Figueira Professora Catedrática Jubilada de Psiquiatria e Saúde Mental, Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa.

Mariana Mendes Melo Médica Psiquiatra no Hospital Beatriz Ângelo – Loures.

Nuno Garcia Rodrigues Médico Psiquiatra no Centro Hospitalar Psiquiátrico de Lisboa.

Pedro Ribeiro Branco Médico Psiquiatra.

Rui Durval Coordenador do Hospital de Dia Eduardo Luís Cortesão; Diretor do Internato Médico e Diretor da Revista de Psiquiatria no Centro Hospitalar Psiquiátrico de Lisboa.

Teresa Barata Silvério Assistente de Neurologia.

Vitorina Passão

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Médica Neurologista no Centro Hospitalar Psiquiátrico de Lisboa.


Prefácio Decidir qual é o melhor plano de tratamento, que está também no Manual de Raciocínio Clínico em Psiquiatria (MRCP), requer conhecer bem qual é a patologia. Fazer um bom diagnóstico requer arte e exclusão de causas ditas orgânicas, como se não fossem orgânicas as coisas da “alma”, de cujas doenças, etimologicamente, trata o psiquiatra. Temos ainda de excluir outras “psico”patologias, perceber comorbilidades e entender os conceitos de espectro. Quando tratamos, parece que só tratamos sintomas: um ansiolítico para um doente ansioso; um inibidor da recaptação da serotonina em dose alta para um doente obsessivo; um neuroléptico para um doente com sintomas psicóticos… Apenas isso seria terapêutico, mas, na verdade, paramos a evolução da doença ou esperamos fazê-lo. Por exemplo, um doente bipolar a cumprir o tratamento estabilizador não está doente ou, pelo menos, está doente durante muito pouco tempo e de forma menos grave, e doentes com esquizofrenia por manterem o tratamento não deterioram. Em particular para médicos ainda com pouca experiência, mas também para os mais maduros, poder recorrer a um MRCP para encontrar a ciência que nos ajuda na nossa arte é uma ajuda cognitiva externa ótima para o nosso interno raciocínio clínico. MRCP, como o próprio nome indica, ajudar-nos-á a procurar os melhores “caminhos de pensamento clínico” para chegarmos a um diagnóstico compreensivo e a um tratamento adequado ao estado da arte. Em Psiquiatria, as linhas de pensamento são condicionadas, muitas vezes, por conceitos e categorias metafóricos e mal definidos, provenientes da conceptualização extraordinária feita por William Jones, no seu livro de 1890, fundadora da “moderna” língua para falarmos das coisas da “psique”. Não esquecendo Kraepelin, que classificou as doenças da “psique”, classificação que, com poucas diferenças, ainda usamos. Também Freud e seus discípulos ajudaram a moldar, com as suas “boas” metáforas, “os caminhos do nosso pensamento”. Os humanos aprendem melhor com estórias e histórias de que com estudo. Este manual não substitui o estudo, mas ajuda bastante. E tem descrições de casos! As metáforas moldam “os caminhos do nosso pensamento”, e tal como na construção da memória semântica a partir da memória episódica, vamos condensando as metáforas e tornando-as cada vez menos metafóricas, até chegarmos aos modelos matemáticos, não metafóricos.

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Os “caminhos do nosso pensamento clínico”, metáfora que esperamos mais próxima das dos circuitos, áreas e conexões da Neurociência, podem ganhar sustentação em algo que está à mão e condensa o conhecimento disperso na literatura. Como todos os manuais, este tem, por vezes, informação repetida e realçada, listas de consulta e tabelas, e ainda bem. E, repito, tem descrições de casos. A necessidade de sabermos usar a linguagem dos “psi” deve ter subjacente um espírito cético, tentando sempre criar metáforas menos metafóricas. Vejamos o caso da nova caracterização das perturbações da personalidade (a que eu chamaria “perturbações do carácter”) da International Classification of Diseases (ICD-11). Nas classificações anteriores, as personalidades doentes estão classificadas por clusters, do fundo para a superfície. Na conceção psicanalítica, podemos considerar a personalidade pelo grau de organização e força do Eu, imaginada metaforicamente como um poço onde as personalidades nadam; no fundo, a personalidade


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Raciocínio Clínico em Psiquiatria – Entidades Neuropsiquiátricas e Relacionadas

está desorganizada e o Eu é muto fraquinho, sendo que na superfície há personalidades bem organizadas com um Eu valente. No meio do poço estão os famosos borderline. Com a ICD-11, classificamos o grau de perturbação e os traços disfuncionais, excomungando aquele poço metafórico dos nossos “caminhos do nosso pensamento clínico”. Existem outros exemplos de que os nomes mudam a maneira de pensar: por chamarmos “bipolar” à doença, esquecemo-nos dos estados mistos e de outros estados emocionais, como a zanga; e, para mim, ganharíamos em chamar à doença “mania” ou, melhor, “desregulação do sistema de ativação comportamental”. As intervenções psicossociais são difíceis de avaliar, mas são usadas “empiricamente” em Psiquiatria; esperamos que, pelo menos, tenha “efeito inespecífico”, sem efeito nocebo. O tratamento farmacológico e, pelo menos, algumas das técnicas de estimulação cerebral vão, como dissemos, para lá do efeito sintomático. Estudos de follow-up com ressonância magnética mostram melhoria estrutural e funcional em crianças com perturbação de hiperatividade e défice de atenção a fazer metilfenidato versus crianças sem tratamento. Aproximadamente, controlos normais = com perturbação de hiperatividade e défice de atenção com tratamento > com perturbação de hiperatividade e défice de atenção sem tratamento. Tentar obter cuidados para o nosso doente nesta modalidade requer também compreender mais vocabulários, resultantes das narrativas que sustentam os procedimentos. Psicoterapia e tratamentos psicológicos podem ser deixar o doente falar, conduzi-lo a uma autonarrativa, ou, pelo contrário, ensiná-lo a pensar ou, ainda, treiná-lo a não reagir. Recomendar exercício físico, sono adequado, bons ritmos circadianos, socialização faz bem “a tudo”, com evidência para cada recomendação. O MRCP também ajuda a ter informação adequada para decidir se o nosso paciente com perturbação de hiperatividade e défice de atenção em adulto precisa de fármacos ou psicoterapia ou se treino é suficiente. No futuro, este manual servirá de modelo para outros manuais, com informação à mão e bem arrumada e condensada, para fundamentar raciocínios e decisões clínicos; e num futuro próximo como aplicação informática. Esta é a edição original. Rui Durval

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Coordenador do Hospital de Dia Eduardo Luís Cortesão; Diretor do Internato Médico e Diretor da Revista de Psiquiatria no Centro Hospitalar Psiquiátrico de Lisboa


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Perturbações do Neurodesenvolvimento

3.1 Perturbações do espectro do autismo Inês Barroca, Diana Pereira, Filipe Gonçalves, Carlos Nunes Filipe

1. EPIDEMIOLOGIA • Prevalência: – Os dados sobre a prevalência do autismo são muito variáveis, dependendo dos critérios de diagnóstico utilizados e da eventual inclusão de casos subliminares; – Variação máxima de 1%[1-3]; – Não foram encontradas diferenças de prevalência dependentes de fatores culturais, geográficos, económicos ou sociais. • Sexo: – Mais frequente no sexo masculino (4:1)[3]; – Pensa-se que o menor diagnóstico no sexo feminino possa estar relacionado com vários aspetos[3,4]: - Eventual presença de genes envolvendo os cromossomas sexuais; - Eventual influência da composição hormonal; - Pode refletir fatores socioculturais na aplicação dos critérios diagnósticos, maior resiliência, fatores de proteção em meninas que reduzem a necessidade de serviços clínicos num determinado sintoma, ou a necessidade de revisão dos instrumentos usados para identificar os sintomas no sexo feminino; - Em amostras clínicas, o sexo feminino tem mais propensão a apresentar deficiência intelectual concomitante, sugerindo que as mulheres sem comprometimento intelectual concomitante ou atrasos da linguagem podem ser subdiagnosticadas por apresentarem uma manifestação mais subtil das dificuldades sociais e de comunicação.

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2. FATORES DE RISCO[1,3,5-7] • Genéticos: – Há evidências de uma base genética substancial com forte hereditariedade, mas atualmente pensa-se ser um distúrbio geneticamente heterogéneo que produz heterogeneidade fenotípica (características físicas e comportamentais diferentes); – Os genes candidatos estão a emergir dos avanços nas técnicas genético-moleculares. Subgrupos de genes foram ligados a mecanismos subjacentes comuns, como sinaptogénese, adesão celular, vias de sinalização molecular subjacentes comuns, desenvolvimento neuronal, remodelação da cromatina, etc.; – Variantes genéticas raras parecem associar-se mais ao desenvolvimento de perturbação do espectro do autismo (PEA) do que variantes comuns, como, por exemplo: - Síndrome do X frágil; - Esclerose tuberosa; - Síndrome do tumor hamartoma PTEN. – Algumas anomalias cromossómicas parecem estar envolvidas, nomeadamente dos cromossomas 7q e 15q.


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informação adicional

• ADI-R: – Entrevista estruturada com 93 questões; – Permite aos profissionais analisar, através dos pais ou dos cuidadores, a sintomatologia relacionada com a PEA; – Incide nos três domínios de maior relevância diagnóstica: linguagem/comunicação, interação social e comportamentos/interesses restritos, repetitivos e estereotipados; – População: De crianças a adultos; – Idades: Idade mental >2 anos; – Aplicação: Individual; – É necessário que os profissionais tenham formação específica para a sua aplicação; – Duração: Variável (entre 1 hora e 30 minutos e 2 horas e 30 minutos). • ADOS: – Avaliação padronizada e semiestruturada da comunicação, da interação social e do jogo ou do uso criativo de materiais para indivíduos com suspeita de PEA; – Está estruturada em cinco módulos, cada um específico para determinada idade e nível de linguagem; – População: De crianças a adultos; – Idades: Dos 12 meses a adultos; – Aplicação: Individual; – É necessário que os profissionais tenham formação específica para a sua aplicação; – Duração: Entre 40-60 minutos (cada módulo). • DISCO: – Entrevista semiestruturada para identificação das características nucleares e outras características associadas à PEA; – Aplicável em crianças e adultos de qualquer idade e com qualquer nível de gravidade; – Duração: Entre 2-4 horas (incluindo fazer a pontuação); – Não se encontra validada para a população portuguesa. • 3di: – Trata-se de uma entrevista diagnóstica padronizada, por computador. – População: Crianças a partir dos 2/3 anos e adultos; – Permite avaliar a presença de PEA e classificar em termos de gravidade, frequência e comorbilidade; – As respostas às perguntas no 3Di são fornecidas pelos pais; – Duração: Entre 90-120 minutos; – Não se encontra validada para a população portuguesa.

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CASO CLÍNICO 3.1 Perturbação do espectro do autismo Inês Barroca, Filipe Gonçalves Criança do sexo masculino, 3 anos de idade, raça caucasiana, vem à consulta com os pais por alterações do comportamento e dificuldades na interação social.

Dos antecedentes familiares, além do pai, que aparentemente na infância tinha comportamentos semelhantes aos do filho, existe um primo materno com o diagnóstico de “atraso do desenvolvimento” e a mãe com o diagnóstico de epilepsia. Ao exame do estado mental (EEM), verifica-se que a criança vem vestida com roupa pouco adequada para a estação do ano (calções e chinelos no mês de dezembro), embora o aspeto seja cuidado e se apresente em bom estado de higiene aparente. Idade aparente semelhante à idade real. Desenvolvimento estatoponderal adequado à idade. No início da entrevista, opta por se sentar numa cadeira posicionada no fundo da sala, longe do observador, onde permanece em silêncio, balanceando o corpo distraidamente. Mímica facial pouco expressiva. Contacto distante, adotando uma postura de indiferença e desinteresse, não só pelo outro como também pelo meio envolvente, durante a maior parte da entrevista, que se torna progressivamente mais tensa e retraída quando o abordam diretamente. Não procura imitar ou brincar com os objetos presentes na sala. Humor difícil de caracterizar, apresentando períodos de maior ansiedade durante a consulta, principalmente quando é abordado diretamente. Apresenta-se em mutismo durante todo o período da entrevista, não sendo possível aceder ao conteúdo do seu pensamento nem caracterizar o discurso ou os restantes aspetos do EEM.

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A mãe conta que, logo nos primeiros meses de vida, o filho não olhava para ela, não sorria quando esta o chamava ou interagia com ele e não dizia quase nenhuma palavra. Refere que “Ele teve uma fase em que andava em bicos de pés” e tinha algumas dificuldades na alimentação, nomeadamente “Sempre foi muito esquisito com a comida e separava os alimentos todos e come-os separadamente e sempre pela mesma ordem. Nessa altura, achei que era uma fase e que depois havia de recuperar, pois a minha sogra estava sempre a dizer-me que o meu marido também era assim e depois passou.”. Aos 2 anos, quando entrou na creche, a educadora começou a expressar algumas preocupações, entre as quais o reduzido vocabulário (vocalizava pouco mais de três palavras), a reduzida interação com os pares, a hipersensibilidade aos sons (“Sempre que cantavam os parabéns, ele começava a gritar e a tapar os ouvidos”) e a presença de interesses muito restritos (“o único objeto que lhe suscitava interesse eram os comboios, sendo que, na maioria das vezes, apenas os tirava da caixa para os alinhar, arrumando-os de seguida”). São negados comportamentos disruptivos em casa ou na escola. A mãe refere que estas dificuldades têm vindo a agravar-se progressivamente, sendo que atualmente esta se sente muito cansada. Explica que “as dificuldades começam logo pela manhã, é muito difícil vesti-lo, porque ele só quer andar de calções e chinelos o ano todo e, se lhe tento vestir outra coisa, normalmente começa a gesticular, a abanar as mãos, a gritar e chega mesmo a bater nele próprio… Parece que muda de humor de um momento para o outro.”. A mãe refere ainda que o filho tem tido cada vez mais dificuldades em dormir, acordando várias vezes de noite, o que tem contribuído para esta perceber que algo não está bem e resolver procurar ajuda. Apura-se ainda que, durante os primeiros meses da gravidez, a mãe esteve medicada com valproato de sódio, que apenas suspendeu após ter percebido que estava grávida, no 2.º trimestre da gravidez. Sem antecedentes pessoais relevantes nem outras doenças conhecidas.


Casos Clínicos 3

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1. MARCHA DIAGNÓSTICA Parâmetros

Características

1. Queixa principal

• Atraso da linguagem • Existem vários tipos de sintomas relatados, os quais • Comunicação não verbal dispodem englobar-se em diversos tipos de patologia. funcional Devem ser colocadas hipóteses diagnósticas basea• Isolamento social das no sintoma, por si só, mas, mais importante, o • Episódios de Irritabilidade e conjunto de sintomas deve ser avaliado e interpretainstabilidade (relatados noudo na sua globalidade tros contextos) • Se, por um lado, o atraso da linguagem nos remete • Comportamentos autolesivos para a possibilidade de uma perturbação da lingua• Hipersensibilidade sonora gem, devemos lembrar-nos de que existem outras • Interesses restritos patologias que também englobam estas dificulda• Rigidez das rotinas des, como a perturbação do desenvolvimento inte• Estereotipias motoras (por lectual ou a PEA exemplo, flapping) • Outro exemplo é a hipersensibilidade a sons, que • Alterações do sono pode ser, por si só, uma disfuncionalidade sensorial ou aparecer enquadrada numa PEA • As estereotipias poderiam remeter-nos para uma perturbação do movimento estereotipado, mas é importante excluir outras causas, como uma PEA • As dificuldades na comunicação não verbal poderão ser colocadas numa perturbação da comunicação social, por exemplo. No entanto, existem também interesses restritos e rigidez nas rotinas, pelo que se torna novamente necessário colocar a hipótese de as dificuldades estarem enquadradas numa PEA • Os períodos de irritabilidade, instabilidade emocional e maior ansiedade na interação com terceiros poderão enquadrar-se numa perturbação do neurodesenvolvimento (por exemplo, PEA, PHDA ou perturbação do desenvolvimento intelectual) ou numa perturbação psiquiátrica, como a perturbação de ansiedade ou a perturbação depressiva • As dificuldades no sono poderão fazer parte de qualquer uma das perturbações do neurodesenvolvimento anteriormente descritas ou de uma perturbação psiquiátrica, seja uma perturbação do sono, por si só, ou enquadrada numa perturbação de ansiedade ou perturbação depressiva, por exemplo • Assim, pode-se verificar que existem critérios para uma PEA. De notar que a análise da história pregressa do desenvolvimento psicomotor poderá trazer-nos mais indicadores a favor deste diagnóstico

Comentários

2. Sintomas associados

• Marcha em “bicos de pés” • Outros sintomas associados, como a marcha em “bi• Dificuldades na alimentação cos de pés”, as dificuldades na alimentação, a ausên• Não estabelece contacto vicia de contacto visual, a mímica facial pouco expressual siva e o balanceio do corpo devem ser enquadrados • Mímica facial pouco expresnos sintomas descritos anteriormente, verificando-se siva que são indicadores adicionais de uma PEA • Balanceio do corpo (Continua)

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Raciocínio Clínico em Psiquiatria – Entidades Neuropsiquiátricas e Relacionadas

(Continuação)

• No entanto, será sempre importante excluir outras causas para este tipo de marcha (por exemplo, encurtamento do tendão de Aquiles) e outras causas (orgânicas, psiquiátricas ou outras patologias do neurodesenvolvimento) para os restantes sintomas apresentados • Embora não seja possível aceder ao conteúdo do pensamento, tendo em conta o relato dos pais e a ausência de comportamento sugestivo da criança, parecem não existir sintomas psicóticos. A sua ausência permite-nos excluir, à partida, perturbações do espectro da esquizofrenia 3. Duração

Anos (desde o nascimento)

Os sintomas estão presentes precocemente no desenvolvimento da criança, pelo que, embora não exclua outras causas, deve colocar-se a hipótese diagnóstica de uma perturbação do neurodesenvolvimento. Todos os outros fatores devem ser tido em conta, de modo a confirmar ou excluir essa possibilidade

4. Impacto funcional

Sim

O impacto funcional é um aspeto importante não só para a caracterização em termos de gravidade do quadro clínico, como também para orientar o plano terapêutico. Neste caso, percebemos que os sintomas têm impacto marcado a nível não só individual, como também familiar e social

5. Excluir outras causas

• Antecedentes médico-cirúr- • Tendo em conta a história familiar de algumas caracgicos: Ausentes terísticas indefinidas do pai (com possibilidade de se • Antecedentes psiquiátricos: enquadrar numa PEA) e um primo com “atraso do Ausentes desenvolvimento”, deve ser ponderada a prescrição • Medicação habitual: Nega de testes genéticos • Antecedentes familiares: • Uma vez que existe atraso no desenvolvimento da – Pai e primo com sintomas linguagem, deve ser encaminhado a consulta de semelhantes Otorrinolaringologia e avaliação para exclusão de – Mãe tomou valproato de défice auditivo sódio até ao 2.º trimestre da gravidez • ECD: – Poderão ser utilizadas escalas de diagnóstico complementares – Uma vez que há referência a história familiar de sintomas semelhantes, poderá ser importante realizar testes genéticos – Tendo em conta o atraso da linguagem, poderá ser importante realizar testes de despiste de défice auditivo

PEA: perturbação do espectro do autismo; PHDA: perturbação de hiperatividade e défice de atenção; ECD: exames complementares de diagnóstico.

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Casos Clínicos 3

1.1. Conclusão Trata-se de uma criança que apresenta sintomas compatíveis com uma PEA. A favor desta hipótese temos a presença de dificuldades na comunicação e interação social, nomeadamente dificuldades em iniciar ou responder a interações sociais, os défices nos comportamentos comunicativos não verbais, a dificuldade em manter o contacto visual, a mímica facial inexpressiva e as dificuldades em brincar com os pares, e a presença de comportamentos e interesses restritos e repetitivos, como o leque reduzido de objetos que usa para brincar (preferencialmente comboios), a forma como brinca com esses objetos (alinha-os e volta a arrumá-los), a dificuldade em lidar com a mudança, necessidade de vestir sistematicamente a mesma roupa, a hiper-reatividade a estímulos sonoros e os comportamentos ritualizados com a comida. Existem outros aspetos que, apesar de não fazerem parte dos critérios de diagnóstico formais, apoiam esta hipótese, nomeadamente a presença de irritabilidade associada a comportamentos autolesivos e birras e de alterações do padrão de sono. Estes sintomas estão presentes desde uma fase precoce do início do desenvolvimento da criança, causando prejuízo significativo no funcionamento social e familiar. Tendo em conta a ausência de outras causas do neurodesenvolvimento, psiquiátricas e/ou de outro tipo, que possam explicar ou contribuir para o agravamento deste quadro clínico, o diagnóstico de uma PEA, de acordo com os critérios do Manual de Diagnóstico e Estatística das Perturbações Mentais (5.ª Edição) (DSM-5)[1] e da Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados à Saúde (10.ª Edição) (CID-10)[2], constitui a hipótese mais provável.

2. ABORDAGEM TERAPÊUTICA 2.1. Medidas clínicas gerais[3,4]

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• A abordagem terapêutica da PEA é, necessariamente, multidisciplinar; • Referenciação a outras especialidades: – Se criança <6 anos de idade: Referenciar à equipa local de intervenção precoce; – Se criança com PEA e com suspeita clínica de défice auditivo: Referenciar a consulta de especialidade de Otorrinolaringologia; – Se história familiar e história natural da PEA, na presença de dismorfia ou incapacidade intelectual, ou se história familiar de doença genética ou de incapacidade intelectual ou se o adolescente e o adulto com PEA e diagnóstico etiológico genético para aconselhamento genético e opções reprodutivas: Referenciar a consulta de especialidade de Genética Médica.

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Raciocínio Clínico em Psiquiatria – Entidades Neuropsiquiátricas e Relacionadas

2.2. Algoritmo de atuação PEA

2.ª linha Estratégias farmacológicas

1.ª linha Estratégias não farmacológicas

a. Aconselhamento e suporte familiar b. Intervenções psicossociais e comportamentais c. Intervenções pedagógicas

Sintomas nucleares de PEA

Se graves ou implicarem disfunção significativa: • Défices na comunicação social – Antipsicóticos • Comportamento restritivo ou repetitivo – SRI, antipsicóticos, anticonvulsivantes

SSRI: Inibidores seletivos da recaptação da serotonina.

Sintomas nucleares de PEA + Comorbilidades

Dirigidas à comorbilidade: • Irritabilidade – Antipsicóticos, estabilizadores de humor, clonidina ou benzodiazepinas • PHDA – estimulantes (metilfenidato) ou não estimulantes (atomoxetina, clonidina) • Perturbação depressiva – SSRI • Perturbação de ansiedade – SSRI, buspirona ou benzodiazepinas • Perturbações do sono – Melatonina, antipsicóticos, gabapentina, antidepressivos, benzodiazepinas

3. CONCLUSÃO[3-12] Perante uma criança com PEA, cujos sintomas interferem no funcionamento da criança e da família, será importante avaliar a necessidade de encaminhamento para outras especialidades, a implementação de medidas não farmacológicas e/ou de medidas farmacológicas. Em primeiro lugar, tendo em conta a idade, deverá referenciar-se à equipa local de intervenção. Tendo em conta o atraso na linguagem, e para exclusão de défice auditivo, dever-se-á referenciar a consulta de Otorrinolaringologia. Tendo em conta a história familiar (características semelhantes no pai e diagnóstico de “atraso de desenvolvimento” num primo), dever-se-á referenciar também a consulta de especialidade de Genética Médica. Além disto, será fundamental realizar aconselhamento e suporte familiar e avaliar a necessidade de implementação de medidas psicossociais e comportamentais, que variam de acordo com a disponibilidade existente no serviço de saúde onde ocorrer o atendimento. A equipa deve ser multidisciplinar, sendo essencial que seja composta por terapeutas da fala, psicomotricistas, e/ou terapeutas ocupacionais e psicólogos. Existindo limitações marcadas na linguagem, será importante avaliar a utilização do Picture Exchange Communication System (PECS). Será também importante articular com a escola e analisar as adaptações necessárias. A nível farmacológico, e tendo em conta que, neste caso, existem dificuldades na interação social, irritabilidade e dificuldades no sono, sugere-se a introdução de risperidona, a qual poderá ser útil para as várias questões referidas. Uma vez que esta criança tem peso <20 kg, deve iniciar com 0,25 mg/dia, durante, pelo menos, 4 dias, podendo incrementar-se para 0,5 mg/dia. Após 14 dias, se houver necessidade, pode proceder-se a incrementos de 0,25 mg/dia de 15/15 dias. A toma poderá

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Casos Clínicos 3

ser iniciada à noite, para maior ajuda nas dificuldades do sono; caso seja insuficiente, poder-se-á adicionar melatonina 1 mg, 30 minutos antes de deitar (a dose pode ser aumentada, caso seja insuficiente). Tendo em conta a idade e a provável dificuldade na toma de medicação, poder-se-ia optar pela toma de ambas as medicações em solução oral.

Referências bibliográficas 1. APA – American Psychiatric Association. Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders (DSM-5). Artmed. 2013. 2. WHO – World Health Organization. The International Classification of Diseases (ICD-10) Classification of Mental and Behavioural Disorders. Disponível em http://www.who.int/classifications/icd/en/. Acedido a 20 de outubro de 2020. 3. DGS – Direção-Geral da Saúde. Abordagem Diagnóstica e Intervenção na Perturbação do Espetro do Autismo em Idade Pediátrica e no Adulto. Lisboa. 2019. 4. NICE – National Institute for Health and Care Excellence. Autism spectrum disorder in under 19s: support and management. 2013. 5. Monteiro P. Psicologia e Psiquiatria da Infância e Adolescência. 1.ª edição. Lisboa: Lidel – Edições Ténicas. 2014; pp. 137-158. 6. Thapar A, Pine DS, Leckman JF, Scott S, Snowling MJ, Taylor E. Rutter’s Child and Adolescent Psychiatry. 6th edition. Chichester, UK: John Wiley & Sons, Ltd. 2015. doi: http://doi.wiley.com/10.1002/9781118381953. 7. NICE – National Institute for Health and Care Excellence. Autism. The British Psychological Society and The Royal College of Psychiatrists. 2011. 8. NICE – National Institute for Health and Care Excellence. Autism spectrum disorder in adults: diagnosis and management. 2012. 9. Sadock BJ, Sadock VA, Ruiz P. Kaplan & Sadock’s Synopsis of Psychiatry. 11th edition. 2013; 53: 307. 10. Taylor D, Barnes TRR, Young AH. The Maudsley Prescribing Guidelines in Psychiatry. 13th edition. Hoboken, NJ: Wiley Blackwell. 2018. 11. Stahl SM. Stahl’s Essential Psychopharmacology Prescriber’s Guide Children and Adolescents. 1st edition. Cambridge: Cambridge University Press. 2019. 12. Filipe CN. Psychiatric and Neurological Problems in Adults with Autistic Spectrum Disorders. In: B Barahona-Correa B, RJ van der Gaag. (edis.). Autism Spectrum Disorders in Adults. Springer International Publishing Switzerland. 2017; pp. 203-218.

CASO CLÍNICO 3.2 Síndrome de Asperger

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Inês Barroca, Filipe Gonçalves Adolescente, sexo masculino, 16 anos de idade, leucodérmico, recorre à consulta de Pedopsiquiatria, acompanhado pelos pais, por queixas de dificuldades na interação com os pares e alterações do humor. Os pais referem que desde há cerca de 3 meses que o filho tem estado mais triste, com dificuldades em adormecer, aumento do apetite associado a ganho ponderal de 5 kg, irritabilidade, isolamento social, falta de interesse e motivação em estar com os colegas e diminuição do rendimento escolar. O jovem refere que “Sempre me senti estranho, mas está cada vez pior… Os meus colegas só querem sair à noite e consumir bebidas alcoólicas, envolverem-se em relações amorosas… Parece-me uma completa perda de tempo, penso que seria muito mais útil se direcionássemos o nosso tempo para o aprimoramento de assuntos da atualidade, nomeadamente da possibilidade de aumentarmos a autonomia dos carros elétricos atuais. No entanto, de um ponto

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Tratamento Farmacológico

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7.1 Ansiolíticos e sedativo-hipnóticos Ana Filipa Freitas, Nuno Garcia Rodrigues, Inês Capeto Coelho

1. INTRODUÇÃO Os ansiolíticos e os hipnóticos constituem um grupo heterogéneo de fármacos indicados no tratamento das perturbações de ansiedade e de sono. Neste subcapítulo iremos abordar em maior detalhe as benzodiazepinas, a pregabalina/gabapentina e a buspirona, ainda que os antidepressivos, os antipsicóticos e os anti-histamínicos apresentem propriedades ansiolíticas e/ou hipnóticas. Estes fármacos exercem ação ansiolítica e/ou hipnótico/sedativa, atuando nos recetores GABAérgicos, serotoninérgicos, noradrenérgicos e sobre os canais de cálcio controlados por voltagem[1]. O ácido gama-aminobutírico (GABA), principal neurotransmissor inibitório do sistema nervoso central (SNC), possui um papel regulador importante na redução da atividade neuronal. As benzodiazepinas ligam-se a um local específico do recetor GABAA, facilitando a ligação do GABA ao recetor GABAA (ionotrópico) e aumentando a frequência de abertura do canal de cloro, com consequente hiperpolarização e inibição neuronal[2]. Atuam, pois, como moduladores alostéricos positivos dos recetores GABAA, tornando-os mais sensíveis à ativação pelo próprio GABA (isto é, potenciam a função do recetor GABAA). A heterogeneidade dos recetores GABAA sensíveis às benzodiazepinas contribui para as diferentes propriedades farmacológicas que as caracterizam: carácter ansiolítico, sedativo-hipnótico, de relaxante muscular e anticonvulsivante[2]. A ligação de uma benzodiazepina aos recetores GABAA com subunidades alfa-1 parece relacionar-se com o efeito hipnótico (anticonvulsivante e possivelmente amnésico), enquanto a ligação às subunidades alfa-2 e alfa-3 se encontra relacionada com o efeito ansiolítico (e relaxante muscular). Infelizmente, as benzodiazepinas disponíveis atualmente não são seletivas para as diferentes subunidades alfa dos recetores GABAA[1]. As benzodiazepinas exercem a sua função ansiolítica através da ação na amígdala e nas vias córtico-estriado-tálamo-corticais, reduzindo a sintomatologia ansiosa. O efeito hipnótico é obtido pela ação a nível da formação reticular. O efeito anticonvulsivante resulta dos efeitos sobre o córtex e o tronco cerebral, enquanto o efeito miorrelaxante advém da ação direta sobre a medula espinhal e de forma indireta do seu efeito ansiolítico. Por fim, o efeito amnésico deve-se à sua ação sobre o hipocampo[2].

A serotonina (5HT) é um neurotransmissor essencial, envolvido na amígdala e nos circuitos córtico-estriado-tálamo-corticais, estando, portanto, envolvida na regulação do medo e da preocupação (ansiedade). A buspirona, um agonista parcial do recetor de serotonina 1A (5HT1A), reduz a ansiedade, através da ação nos autorrecetores somatodendríticos pré-sinápticos e nos recetores pós-sinápticos, aumentando a atividade serotoninérgica nas projeções para a amígdala, córtex pré-frontal, estriado e tálamo.

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A libertação excessiva de glutamato na amígdala e noutras estruturas do SNC (nomeadamente o córtex cingulado anterior e o córtex orbitofrontal) associa-se a sensação de medo e preocupações[1]. A pregabalina e a gabapentina constituem a classe dos ligantes α2δ, e a sua ação terapêutica resulta da ligação à subunidade α2δ dos canais de cálcio sensíveis à voltagem, bloqueando, desta forma, a libertação do glutamato e reduzindo os sintomas de ansiedade[1].


• Cuidados na interação com outros fármacos: – Os antiácidos diminuem a absorção gastrointestinal das benzodiazepinas[4] – O etanol aumenta a taxa de absorção das benzodiazepinas e o risco de depressão do SNC[2] – Metadona: Risco de depressão do SNC – Clozapina: Aumento do risco de depressão cardiopulmonar, delirium – Fármacos inibidores do CYP3A4 (aumento do nível sérico de benzodiazepinas): Eritromicina, claritromicina, fluvoxamina, nefazodona, cetoconazol, itraconazol, ritonavir[3,4] – Cimetidina, dissulfiram, isoniazida, contracetivos hormonais, inibidores da bomba de protões[4] – Fármacos indutores CYP3A4: Rifampicina, carbamazepina • Precauções: – Gravidez (3.º trimestre): Risco de síndrome do recém-nascido hipotónico e de síndrome de privação neonatal (após 2 semanas)[2] – Amamentação: Excreção no leite, não recomendado – Idosos: Aumento de 50% de risco de fratura do fémur • Contraindicações: – Miastenia gravis – Insuficiência hepática grave – Insuficiência respiratória grave – Síndrome de apneia do sono – Ataxia – Glaucoma de ângulo fechado – Hipersensibilidade a benzodiazepinas

• Frequentes: – Sonolência – Fadiga – Cefaleia – Vertigem – Alterações cognitivas (confusão, amnésica anterógrada) – Alterações motoras (ataxia e relaxamento muscular excessivo) • Outros: – Depressão – Disartria, hipotensão – Alterações gastrointestinais (obstipação, diarreia, vómitos e alterações do apetite) – Alterações visuais – Reações hematológicas, hepatotóxicas e alérgicas[2] – Psicose • Reação paradoxal: – Ansiedade – Insónia – Sonhos vívidos – Irritabilidade – Inquietude – Agressividade • Sinais/Sintomas de sobredosagem: – Ligeira: - Sonolência - Confusão mental - Letargia – Grave: - Ataxia - Hipotonia - Hipotensão - Depressão respiratória - Coma (raramente) - Morte (muito raramente)

• Ansiedade • Insónia • Anticonvulsivante • Relaxante muscular • Desintoxicação alcoólica • Catatonia

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Considerações

Efeitos adversos

Indicações

Tabela 7.1.1 – Considerações comuns às benzodiazepinas.

(Continua)

• Efeitos secundários: – São mais frequentes em idosos – Podem comprometer a capacidade para a condução de veículos ou manuseamento de máquinas • Fatores predisponentes para maior risco de reação paradoxal: – Debilidade mental, patologia neurológica, doença degenerativa – Crianças ou idosos – História prévia de agressividade ou descontrolo dos impulsos – Uso de benzodiazepinas de ação curta ou em doses mais elevadas, administração do fármaco por via parentérica[3] • Sobredosagem de benzodiazepinas: – Pode ser fatal, se toma concomitante com outras substâncias depressoras do SNC – Tratamento: Administração de flumazenilo, um antagonista benzodiazepínico, por via EV Tem início de ação rápido e duração curta. A sua administração pode provocar náuseas, vómitos, agitação, labilidade emocional, fadiga, vasodilatação cutânea, cefaleia ou dor local. Pode aumentar o risco de crise convulsiva • Síndrome de abstinência de benzodiazepinas: – Pode surgir após o uso de benzosiazepinas durante 4-6 semanas – Os sintomas poderão ser mais proeminentes com a utilização de benzodiazepinas de ação curta

Comentários

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Raciocínio Clínico em Psiquiatria – Entidades Neuropsiquiátricas e Relacionadas


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Raciocínio Clínico em Psiquiatria – Entidades Neuropsiquiátricas e Relacionadas

Tabela 7.1.12 – Buspirona – utilização em populações específicas. Populações específicas

Cuidados

Gravidez

Por não existirem estudos, a sua utilização é desaconselhada

Amamentação

Excretada no leite materno, deverá ser descontinuada se sintomas no recém-nascido, nomeadamente irritabilidade ou sedação

Insuficiência renal

O seu uso deve ser evitado na insuficiência renal grave

Insuficiência hepática

A sua utilização deve ser evitada na insuficiência hepática grave

Insuficiência cardíaca

Segura

Idosos

A redução da dose é recomendada

Referências bibliográficas 1. Stahl SM. Stahl’s Essential Psychopharmacology. Cambridge University Press. 2013; pp 388-419. 2. Brunton LL, Lazo JS, Parker KL. Goodman & Gilman’s The Pharmacological Basis of Therapeutic. McGraw-Hill Professional. 2013; pp 792-808. 3. Taylor DM, Barnes TRE, Young AH. The Maudsley Prescribing Guidelines in Psychiatry. 13th edition, Wiley Blackwell. 2018; pp 255-460. 4. Sadock BJ, Sadock VA, Ruiz P. Kaplan and Sadock’s Synopsis of Psychiatry: Behavioral Sciences/Clinical Psychiatry. 11th edition, Wolters Kluwer. 2015; pp 948-953.

7.2 Antidemenciais Andreia Castro Fernandes, Pedro Ribeiro Branco, Camila Nóbrega

1. INIBIDORES DA ACETILCOLINESTERASE Os inibidores da acetilcolinesterase foram desenvolvidos com base na “hipótese colinérgica” da doença de Alzheimer, que sugere que a redução dos níveis de acetilcolina contribui para a disfunção cognitiva, conferindo, desta forma, um potencial benefício aos fármacos pró-colinérgicos no tratamento sintomático da demência[1] (Tabela 7.2.1). Os inibidores da acetilcolinesterase são um grupo de fármacos que se ligam e inibem a ação da acetilcolinesterase, que é responsável pela degradação da acetilcolina, elevando, assim, os seus níveis na fenda sináptica. Somente os inibidores da acetilcolinesterase reversíveis são utilizados com fins terapêuticos, uma vez que os inibidores da acetilcolinesterase irreversíveis são altamente tóxicos[1].

Os inibidores da acetilcolinesterase reversíveis que atravessam a barreira hematoencefálica incluem o donepezilo, a rivastigmina e a galantamina. Estes medicamentos estão formalmente indicados para o tratamento das fases ligeira a moderada da doença de Alzheimer[2-7]. A rivastigmina também apresenta indicação formal para o tratamento sintomático da demência ligeira a moderada em doentes com doença de Parkinson idiopática[8,9]. Recomendações com menor grau de evidência indicam o uso dos inibidores da acetilcolinesterase na demência com corpos de Lewy (DCLy)[10,11] e na demência mista (doença de Alzheimer com doença cerebrovascular)[12-18].

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Visto que os agentes colinérgicos requerem recetores colinérgicos pós-sinápticos para mediar os benefícios do aporte colinérgico, eles podem ser mais eficazes nos estádios iniciais da doença de Alzheimer, enquanto os recetores colinérgicos pós-sinápticos ainda estão presentes. Com a progressão da doença e a degeneração dos neurónios que possuem recetores pós-sinápticos de acetilcolina, os inibidores da acetilcolinesterase podem perder os seus benefícios[1].


17 x 24cm

17 x 24cm

Entidades Neuropsiquiátricas e Relacionadas Esta obra incide sobre as principais perturbações neuropsiquiátricas, recorrendo a uma abordagem teórica, concisa e sistematizada, complementada com uma componente prática baseada em casos clínicos. A secção teórica debruça-se sobre aspetos epidemiológicos, diagnósticos – de acordo com ambos os sistemas de classificação em vigor –, do exame do estado mental, do diagnóstico diferencial e do tratamento. A secção de casos clínicos auxiliará o leitor no raciocínio clínico, visando formular uma hipótese de diagnóstico mais provável e elaborar um plano terapêutico adequado perante um doente com sintomas psiquiátricos ou neuropsiquiátricos. M

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A obra termina com uma secção de psicofarmacologia, em que serão abordados os mecanismos de atuação, bem como a posologia, as indicações formais, a evidência de utilização, as contraindicações, entre outros. Este livro destina-se não só a médicos de Medicina Geral e Familiar e de outras especialidades que pretendam aprofundar o conhecimento na área da Psiquiatria, mas também a internos de Psiquiatria e outros profissionais de saúde que procurem ferramentas que lhes permitam sistematizar e organizar o raciocínio clínico necessário na abordagem do doente com patologia psiquiátrica. É ainda uma útil ferramenta de estudo no âmbito da formação médica.

Joana Pereira Médica Interna de Formação Específica em Psiquiatria no Centro Hospitalar Psiquiátrico de Lisboa.

ISBN 978-989-752-719-7

9 789897 527197

Diana Pereira Joana Pereira

Diana Pereira Médica Psiquiatra. Assistente Hospitalar no Centro Hospitalar Universitário Lisboa Norte, EPE.

Diana Pereira / Joana Pereira

Raciocínio Clínico em Psiquiatria 2 Entidades Neuropsiquiátricas e Relacionadas Com 26 casos clínicos

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