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Breve história na génese das corporações e mercados de capitais

5A QUESTÃO DO RISCO

Uma das principais características das corporações é o fornecimento de uma “responsabilidade limitada” aos acionistas pelas ações da empresa, tornando, assim, os investimentos mais seguros e mais atrativos para os potenciais interessados, uma vez que estes não podem ser processados pelas atividades da empresa.

Aqui chegados, importa perguntar: Qual é o conceito jurídico de entidade? Pode a empresa, suportada no conceito de entidade, separar‑se dos seus proprietários? E separar‑se dos seus gestores? Como se pode evitar a atitude de desresponsabilização presente no argumento “Eu não fiz isto; a empresa é que fez”?

A responsabilidade limitada (especialmente para os delitos) superficialmente desfavorece os credores e permite que os acionistas e os gestores repudiem dívidas e mitiguem a responsabilidade pessoal por erros (civis). Por outro lado, a separa‑ ção da propriedade e do controlo, produto da divisão do trabalho, torna‑se eficiente para os acionistas delegarem a gestão em especialistas, deixando a autoridade para os proprietários, através do Conselho de Administração. Assim, gestores irresponsáveis podem tornar‑se nos “novos ditadores”, apesar de normalmente não serem proprietá‑ rios (Berle & Means, 1932).

Será que, se as empresas perdessem a responsabilidade limitada por delitos, os pro‑ prietários teriam um incentivo para supervisionar mais cuidadosamente os seus ges‑ tores? Os gestores têm deveres apenas para com os proprietários ou perante qualquer outra pessoa, numa relação contratual com a empresa?

Como referido no Capítulo 2, num famoso ensaio escrito há 50 anos, Milton Fried‑ man disse que as obrigações sociais dos administradores eram aumentar os lucros das empresas para as quais trabalhavam, sujeitos apenas às regras básicas da sociedade, “tanto as encarnadas na lei como as encarnadas no costume ético”. Os relatórios anuais das empresas continuam a estar repletos de declarações de missão que ostentam o seu perfil moral. Foi isto que Friedman (1970) quis dizer com “moralidade habitual”?

O argumento moral tem sido apoiado pela tese da separação da propriedade e do controlo: se os acionistas dispersos já não conseguem responsabilizar a gestão, então

severidade no contexto do apetite pelo risco. A empresa seleciona respostas em função da perceção de risco e tem uma visão agregada da quantidade de risco assumido. Os resultados deste processo são comunicados às principais par‑ tes interessadas no risco. 4. Revisão e ajustamento – ao rever o seu desempenho, uma empresa pode apre‑ ciar o modo como as componentes de gestão de risco estão a funcionar, à luz de mudanças substanciais, e que revisões e ajustamentos são necessários. 5. Informação, comunicação e relato – a gestão do risco empresarial requer um processo contínuo de obtenção e de partilha de informações necessárias, tanto de fontes internas como externas, que fluem para cima, para baixo e para toda a empresa.

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FUNÇÃO DE COMPLIANCE

A gestão do risco de não conformidade (ou função de compliance) é o processo de identificação, avaliação e mitigação de potenciais perdas que possam resultar do incum‑ primento, por parte de uma empresa, de leis, regulamentos, normas, políticas e pro‑ cedimentos internos e externos. A gestão do risco de não conformidade é um proces‑ so contínuo que envolve o acompanhamento de mudanças no ambiente regulamentar para garantir o cumprimento de uma empresa. As políticas de conformidade, os pro‑ cedimentos e os materiais de formação devem ser revistos regularmente à luz de novas políticas, diretivas e regulamentos.

As empresas devem estar cientes do seu risco de não conformidade em vários níveis, e não apenas na perspetiva do “chefe de conformidade” [chief compliance officer (CCO)]. Enquanto o CCO e outros trabalhadores são responsáveis por rever vários aspetos do risco de não conformidade (incluindo os riscos legais, regulamentares, financeiros e técnicos), este estende‑se a todos os níveis, incluindo às tecnologias da informação. Assim, os especialistas nestas tecnologias também devem estar envolvidos na gestão de riscos de não conformidade.

A função de compliance é um conjunto de práticas e de tecnologias de gestão con‑ cebidas para garantir que uma empresa está a operar de forma consistente com os seus valores e com a sua missão e tolerância ao risco. A avaliação de risco de compliance pode incluir a revisão de fontes de informação, como relatórios da administração da empresa e de entidades reguladoras, bem como a identificação de dados e de informações dispo‑ níveis (Figura 5.5). Os três domínios são a gestão de incidentes, a avaliação dos riscos operacionais e a auditoria interna.

FIGURA 5.5 Framework da função de compliance

Boa governance, práticas, resultados da auditoria e práticas do sector

Procedimentos de corporate governance

Riscos internos e externos, ameaças e vulnerabilidades

Legislação, regulamentos, estatutos, normas, resultados de auditoria e práticas sectoriais

Procedimentos de gestão de riscos

Procedimentos de compliance

Função de compliance

Operações empresariais, metas, objetivos, políticas, procedimentos, repositórios de dados, pessoal, tecnologia e indispensabilidade de prova (evidências)

FUNÇÃO DE AUDITORIA

O auditor deve ter liberdade de acesso a toda a informação que considere necessária para a execução de testes e análises de processos e procedimentos. Mesmo quando os auditores agem com a máxima integridade e sem a intenção de cometer fraude ou de realizar o seu trabalho de forma negligente, ainda existem limitações inerentes ao pro‑ cesso de auditoria, no que diz respeito à avaliação eficaz do ambiente de controlo e à sua reflexão no parecer dos auditores (Figura 5.6).

Assim, os objetivos nucleares da função de auditoria são: •  Aumentar a eficiência, realizando auditorias mais focadas ou elaborando um planeamento mais dinâmico da auditoria – procedimento automatizado versus procedimento manual; •  Melhorar a garantia (resultados quantificáveis), reduzindo a margem de erro hu‑ mano; •  Aumentar a eficácia e a cobertura da auditoria – testes completos da população versus amostragem aleatória; • Atentar em riscos estratégicos – as tarefas rotineiras devem ser automatizadas.

A abordagem da auditoria focada em modelos com a integração de inteligên‑ cia artificial tenderá a otimizar custos. Trata‑se de auditorias baseadas em processos, salientando‑se os riscos/procedimentos específicos e cobrindo um maior número de intervenções por auditor.

A evolução significativa de controlos automáticos ou de controlos realizados em sistemas de informação que permitam um processo de auditoria contínua e remota (robotics process automation), como motor da transformação digital, fomenta uma

6CORPORATE GOVERNANCE – CONVERGÊNCIA

OU DIFERENCIAÇÃO?

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Os códigos sobre corporate governance têm feito uma trajetória de convergência no que toca a enfatizar a necessidade de garantir a independência, a transparência e a accountability (responsabilização). No entanto, também se registam forças de diferen‑ ciação nos métodos de prosseguir estes objetivos. Diferenças entre as tradições legisla‑ tivas dos EUA, do Reino Unido, do Canadá e da Austrália e a lei da cogestão da Euro‑ pa Continental, do Japão, da Coreia do Sul e da China oferecem distintos modelos de corporate governance ao nível da representação das partes interessadas no Conselho de Administração. As normas no processo judicial também podem diferir. Alguns paí‑ ses têm sistemas judiciais frágeis. Os seus tribunais podem ter poderes limitados. Nem todos os poderes judiciais são separados do poder legislativo. Em alguns países, levar um caso de Direito das Sociedades efetivamente a tribunal pode ser difícil e, mesmo com um julgamento favorável, a obtenção de um resultado satisfatório nem sempre é possível (Tricker, 2019, p. 164).

Obviamente, os mercados financeiros variam significativamente na sua escala e so‑ fisticação, o que afeta a sua influência sobre a governance. As estruturas de propriedade também variam muito entre países. Alguns países têm predominantemente empresas de base familiar, outros têm investidores externos, sendo que a proporção de investi‑ dores individuais em comparação com os investidores institucionais também difere. A história e a cultura produziram estruturas de Conselhos de Administração diferentes, assim como diferentes práticas e estruturas de governance.

Esta evolução do modelo de governance é, no século xxi, acompanhada pela quase generalidade dos países. E, como já menciondo, desde 2018 que o Partido Democrata dos EUA, o Partido Conservador canadiano e o Partido Trabalhista australiano têm proposto ou manifestado interesse em legislação de cogestão. A Business Roundtable,

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