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O Homem e a empresa
Em suma, António Monteiro Fernandes e Pedro Rebelo de Sousa não só nos apresentam uma abordagem da economia política destinada a identificar padrões importantes de semelhança e de diferença entre empresas e nações, mas também tentam elucidar processos em que as economias políticas nacionais mudam. Antecipam uma mudança institucional nas democracias desenvolvidas, à medida que se adaptam aos desafios contemporâneos, fornecendo um modelo-quadro dentro do qual a importação dessas mudanças pode ser desenvolvida e avaliada.
Em todos os ecossistemas, a diversidade é essencial para a sobrevivência. A rica variedade de potenciais formas organizacionais e mecanismos de governance sugere que as fronteiras da diversidade, longe de convergirem, estão a evoluir e a multiplicar-se, tendendo a empresa e as suas partes interessadas a assumir um papel fulcral na sociedade.
Apoiado no conceito de Epiteto sobre a “filosofia”vi, a empresa não visa assegurar qualquer coisa externa ao Homem. Tal seria admitir algo que está para lá do seu próprio objeto, pois, assim como o material do carpinteiro é a madeira e o do estatuário é o bronze, a razão da empresa é a própria vida de cada pessoa. Deste modo, da mesma forma que somos chamados a intervir e a apoiar a empresa aquando de irresponsabilidades ou desastres naturais, por uma questão de solidariedade e por conta de externalidades, também devemos assegurar, na empresa, a justiça como a principal virtude, isto é, o hábito constante de dar a cada um o seu direito.
vi Epiteto faz parte da tradição estoica e seus desenvolvimentos durante o período imperial. O seu conhecido ensino privilegia a ética (informação disponível em https://pt.wikipedia.org/wiki/Epiteto, acedido a 11 de outubro de 2022).
ENSAIOS
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EM TORNO DA NOÇÃO DE RESPONSABILIDADE SOCIAL DA EMPRESAvii
António Monteiro Fernandes
Professor Catedrático Convidado da Universidade NOVA de Lisboa e do Iscte – Instituto Universitário de Lisboa
A atualidade do debate europeu sobre responsabilidade social da empresa evoca irresistivelmente a distância entre moda e modernidade. O tema está muito na moda. Um número muito grande e crescente de empresas – sobretudo, mas não só, as multi‑ nacionais – assumem‑se como sujeitos “socialmente responsáveis” e adotam, de forma por vezes um tanto ostentatória, “códigos de conduta”, “regras de comportamento ético”, regimes facultativos de proteção social para os colaboradores e seus familiares, iniciati‑ vas de mecenato cultural, ações positivas no domínio da preservação do ambiente.
Algumas organizações internacionais encontram, na divulgação da ideia de res‑ ponsabilidade social e na promoção de “boas‑práticas”, essencialmente uma forma de “legitimar” a sua abordagem económica. Os debates técnico‑científicos – naturalmente multidisciplinares – multiplicam‑se em torno do profundo significado, da funcionali‑ dade e da legitimidade das ferramentas associadas a uma estratégia de responsabilidade social empresarialviii .
vii Este texto constitui a transcrição, com ligeiros ajustamentos, de uma intervenção do autor sobre o tema, feita há 18 anos, no âmbito das atividades do Centro de Direito Comparado do Trabalho e da Segurança Social (COMPTRASEC) da Faculdade de Direito da Universidade de Bordéus. Foi publicado no volume Genre et droit social: actes du séminaire international de droit comparé du travail, des relations professionnelles et de la sécurité sociale, sob a direção de Philippe Auvergnon. Não se estranhará, por isso, a “antiguidade” das referências e a coloquialidade do discurso. viii Deve, desde já, recordar‑se a litania de Milton Friedman, desenvolvida no seu clássico Capitalism and Freedom (Fried‑ man, 1962) e resumida, deste modo, num famoso artigo publicado em 1970 na The New York Times Magazine (Friedman, 1970): “Os empresários acreditam estar a defender a livre iniciativa quando afirmam que as empresas não se preocupam ‘apenas’ com o lucro, mas também com a promoção de fins ‘sociais’ desejáveis; que as empresas têm uma ‘consciência social’ e levam a sério as suas responsabilidades de fornecer emprego, eliminar a discriminação, evitar a poluição e
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UMA MERA REFLEXÃO
Pedro Rebelo de Sousa
Sócio fundador da SRS Advogados e Presidente do Conselho Geral do Instituto Português de Corporate Governance
A presente reflexão nada mais pretende do que corresponder a uma solicitação irre‑ cusável do amigo Rui Moreira de Carvalho e decorre da leitura deste seu trabalho, ver‑ dadeira peregrinação por múltiplos desfiladeiros no domínio da corporate governance, e não só.
Vou centrar‑me num tema que ele aborda no âmbito das “relações harmoniosas de gestão do capital e do trabalho” (pp. 157‑232) e que diz respeito à participação dos trabalhadores no devir e na gestão ou na fiscalização das empresas privadas, tendo em conta a realidade portuguesa.
Com uma economia largamente nacionalizada nas décadas de 1970 e 1980, o rumo das privatizações no âmbito da Administração Pública em Portugal seguiria, como bem explica Paulo Otero (2003), múltiplas modalidades, dependendo da atividade sub‑ jacente e do Direito português: • Privatização da regulação administrativa da sociedade; • Privatização do direito regulador da Administração; • Privatização das formas organizativas da Administração; • Privatização da gestão ou da exploração de tarefas administrativas; • Privatização do acesso a uma atividade económica; • Privatização do capital social de entidades empresariais públicas.
Relevam, para o efeito desta reflexão, as privatizações do acesso a uma atividade económica, que consistiam na abertura de um ou mais sectores básicos, até então veda‑ dos, à iniciativa económica privada, isto é, de sectores que eram explorados por entida‑ des integrantes do sector público (e/ou cooperativo) em regime de monopólio.
Falamos, assim, de privatização do capital social de entidades empresariais públicas, que ocorre quando está em causa a abertura (a entidades privadas) do capital social de sociedades cuja titularidade do capital pertencia, na totalidade ou em parte, a entidades públicas – isto independentemente de se diferenciarem as situações de privatização em sentido rigoroso e as de reprivatização –, havendo aqui a distinguir, todavia, duas prin‑ cipais hipóteses: • A simples privatização de uma parte minoritária do capital social de uma sociedade (que, por isso mesmo, continuava a deter a maioria do respetivo capital, titulado por entidades públicas); • A privatização da maioria ou da totalidade do capital social, determinando, em consequência, que o controlo da respetiva sociedade passasse a estar nas mãos de entidades integradas no sector privado.