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O Homem e o trabalho

1DOS DEVERES

© LIDEL – EDIÇÕES TÉCNICAS

“Como pode alguém conhecer‑se a si próprio? Nunca pela contemplação, mas pela ação. Tenta cumprir o teu dever e logo saberás que homem és. Mas o que é o teu dever? O que o dia pede”, ensinou‑nos Johann Goethe2 .

A vida é dual. Pode fazer sol ou chuva, temos de preparar a vida. É nosso encargo assegurar essa preparação. A capacidade de preparação oferece ao Homem o caminho da sua condição humana. É esta dimensão que devemos projetar.

Existe um desafio, no Homem, entre o humano e o animal. Por uma questão de sobrevivência, temos de preservar o animal que existe em nós; mas não podemos dei‑ xar que ele domine a nossa vida. Temos de esculpir a componente animal para nos humanizarmos com sentimentos e razões. Assim se enobrece, se ganha autoridade e se socializa.

O ser humano é um ser social. O modo como tratamos o nosso semelhante condi‑ ciona a sua reciprocidade. Assim conseguimos identificar e apelar ao melhor nos nos‑ sos semelhantes. Esta é a nossa tarefa – senão, somos atendidos pelo bruto, o animal. A empresa deve ser o lugar onde se recorre à arte de saber envolver todos para criar valor através do “bom trabalho”.

Uma empresa é uma unidade económico‑social, integrada por elementos humanos, materiais e técnicos, que tem o objetivo de obter valor fazendo uso dos fatores de pro‑ dução (trabalho, terra e capital). Assim como o Homem não vive do que come, mas daquilo que assimila, também a empresa só se desenvolve com a harmonia do conjunto, ao agregar, no interesse das partes.

A empresa é um local de dissenso. Ele é importante. O contraditório provoca, agita e promove a inovação. E assim a autoridade emerge. Do ponto de vista tático, a empresa é um local de conflito. O poder é o centro do conflito. Mas, do ponto de vista estratégico, a empresa deve ser um local de convergência. A autoridade vinga se for reconhecida,

2 Johann Goethe (1749‑1832) é considerado o mais importante escritor alemão (informação disponível em https://pt.wikipedia.org/wiki/Johann_Wolfgang_von_Goethe, acedido a 5 de agosto de 2022).

2ELEMENTOS BÁSICOS À ABORDAGEM

A abordagem da empresa à economia política, tal como propomos neste livro, centra‑se no ator, ou seja, entende a economia política como um terreno povoado por múltiplos atores, cada um dos quais procura promover os seus interesses de forma ra‑ cional na interação estratégica com os outros. Os intervenientes relevantes podem ser pessoas, empresas, grupos de produtores ou governos. No entanto, trata‑se de uma economia política que considera as empresas como os atores cruciais numa economia capitalista, ou seja, são os principais agentes de ajustamento face à mudança tecnoló‑ gica ou à concorrência internacional e cujas atividades se agregam aos níveis globais de desempenho económico.

A EMPRESA E AS SUAS PARTES INTERESSADAS

Os stakeholders são grupos e indivíduos que, direta ou indiretamente, influenciam ou são influenciados pela realização dos objetivos da empresa, nomeadamente traba‑ lhadores, acionistas e outros credores, fornecedores e clientes. O Conselho de Adminis‑ tração e o órgão de fiscalização têm a responsabilidade de pesar estes interesses, geral‑ mente com vista a assegurar a continuidade da empresa, uma vez que esta procura criar valor a longo prazo.

Suportados na noção de que os gestores são “agentes” atuando em nome dos seus “principais”, os gestores deveriam ser impedidos de abusar desta posição “executiva” para os seus próprios fins, quer alinhando os incentivos de gestão com os interesses dos acionistas quer garantindo que estes últimos possam responsabilizá‑los (através do exercício da “voz” e, indiretamente, através da “saída” ou da venda das suas ações).

Para que as partes interessadas cooperem dentro e com a empresa, devem estar confiantes de que os seus interesses são devidamente considerados. O bom empreen‑ dedorismo e uma supervisão eficaz são condições essenciais para a confiança de todos na gestão e na supervisão, o que inclui a integridade e a transparência das ações do

3DINÂMICAS DE AJUNTAMENTOS ECONÓMICOS

As estratégias corporativas, as políticas e as instituições de cada nação evoluem em resposta aos desafios que enfrenta, e a abordagem proposta nesta obra contém uma série de ferramentas conceptuais para compreender tanto a natureza dos desafios con‑ temporâneos como a forma que esta evolução é suscetível de tomar.

Uma revolução tecnológica está a criar sectores inteiramente novos, baseados na biotecnologia, nos microprocessadores e nas telecomunicações, cujos produtos estão a transformar práticas empresariais em toda a economia. Uma “onda” de inovações de gestão tem levado empresas em todo o mundo a adotarem novas formas de relações fornecedor‑cliente, a Internet das Coisas (IoT, do inglês Internet of Things)10, o controlo de qualidade e a economia gig work. A atividade económica está a deslocar‑se do sector industrial para o sector dos serviços.

Se a tecnologia serviu de “faísca” para esta revolução, o acelerador tem sido a liberalização na economia internacional. Com o declínio dos custos de transporte e de comunicação, regimes comerciais e financeiros mais liberais inspiraram vastos fluxos novos de bens e capitais além‑fronteiras, incluindo um grande aumento do investimen‑ to direto estrangeiro. Todas as economias estão mais abertas do que há meio século e uma concorrência internacional intensa está a impor a inovação. A palavra de ordem para estes desenvolvimentos passou a ser “globalização” – um termo que resume as esperanças de alguns na prosperidade global e os receios de muitos quanto à perda do seu modo de vida para forças internacionais, fora até do controlo do governo.

Perante estas questões, a visão convencional da globalização assenta em dois pilares. Em primeiro lugar, considera as empresas essencialmente semelhantes entre as nações, pelo menos em termos de estrutura e estratégia básicas. Em segundo lugar, associa a sua competitividade aos seus custos unitários com a mão de obra, sendo que muitas irão deslocar a produção para o estrangeiro se lá encontrarem mão de obra mais barata.

10 A Internet das Coisas (IoT, do inglês Internet of Things) é um conceito que se refere à interconexão digital de obje‑ tos quotidianos com a Internet (informação disponível em https://pt.wikipedia.org/wiki/Internet_das_coisas, acedido a 7 de agosto de 2022).

FIGURA 3.3 Primazia acionista versus cogestão

Acionistas

Nomeação e controlo

Gestores Servir os interesses de Cogestão ao nível do Conselho de Administração Trabalhadores e acionistas

Elegem Nomeação e monitorização Servir os interesses de

Cogestão de shop-floor Gestores Comissão de Trabalhadores

Monitorização

Trabalhadores Monitorização, informação, consulta

Trabalhadores Elegem

Adaptado de Jäger et al. (2021).

No entanto, os dois tipos de representação dos trabalhadores estão intimamente in‑ terligados: a maioria dos países com leis de cogestão também tem elevada densidade sindical e quadros de negociação coletiva fortemente centralizados.

Em comparação com economias liberais de mercado como os EUA, as economias de mercado coordenadas apresentam poderosas instituições pró‑trabalhadores: nego‑ ciação coletiva centralizada, sindicatos poderosos e regulamentos extensos do mercado de trabalho. Adams e colaboradores (2016) encontram diferenças institucionais entre países com cogestão e países sem cogestão comparáveis na Figura 3.4, sustentados em informações provenientes da base de dados da OCDE/AIAS (Amsterdam Institute for Advanced Labour Studies) ICTWSS (Institutional Characteristics of Trade Unions, Wage Setting, State Intervention and Social Pacts) (Visser, 2021) e do Índice de Regula‑ ção do Trabalho da Collective Bargaining Recommendation (CBR).

Jäger e colaboradores (2021) perguntam se a presença destas instituições pode dei‑ xar pouca margem para que a cogestão tenha impacto. Os painéis A e E da Figura 3.4 mostram que os países com leis de cogestão tendem a ter sistemas de negociação cole‑ tiva mais centralizados e uma cobertura de negociação coletiva muito mais elevada do que países comparáveis sem cogestão. Nos EUA, a negociação coletiva prossegue a nível da empresa e a cobertura é irregular (Compa, 2014). Em contrapartida, nas economias coordenadas, os sindicatos e as associações patronais negoceiam acordos coletivos de trabalho que abrangem grandes faixas da mão de obra e impõem patamares salariais e requisitos mínimos sobre as condições de trabalho. Os empregadores podem desviar‑ ‑se para cima (e, às vezes, até para baixo) destes patamares, e os estudos descritivos confirmam que mantêm muita discrição (Card et al., 2013). No entanto, estes contratos

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