Intervenção Psicológica em Cuidados Paliativos

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Índice

Sobre a Coleção Os Autores Prefácio – Psicologia em Cuidados Paliativos Introdução – A Psicologia em Cuidados Paliativos: Um Caso Clínico Helena Salazar, Ana Bernardo e José Duarte

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1. A Comunicação em Cuidados Paliativos: Uma Estratégia Fundamental Helena Salazar e José Duarte 1.1 Aspetos Introdutórios 1.2 Aspetos de Um Ato de Comunicação Especial 1.3 Comunicação em Cuidados Paliativos 1.4 Aspetos a Considerar para Uma Boa Abordagem à Pessoa Doente 1.4.1 Informação Prévia 1.4.2 Aspetos Personalísticos 1.5 Técnicas de Comunicação 1.5.1 O Não Verbal 1.5.2 Dissemia 1.5.3 Empatia 1.5.4 Escuta Ativa 1.5.5 Tempo e Contacto 1.5.6 Não Reagir com Repulsa 1.5.7 Exclusividade 1.5.8 Permanência da Identidade 1.5.9 Conferência Familiar

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VII IX XIII XV 1 1 3 4 6 6 6 11 12 13 14 15 15 17 17 18 19


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1.6 Transmitir Más Notícias 1.7 Conspiração do Silêncio Considerações Finais

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2. A Família: Reconhecer e Investir no Apoio a Quem Rodeia o Doente em Cuidados Paliativos Cristina Rodrigues

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2.1 Por Onde Começar? 2.2 Avaliação de Expectativas 2.3 A Exaustão Familiar 2.4 O Medo, a Culpa e as Dinâmicas Familiares 2.5 O Diálogo Intrafamiliar 2.6 As Despedidas 2.7 A Posição Pró-Sintoma e a Reconstrução de Significado 2.8 O Sigilo Profissional e as Conferências Familiares Considerações Finais

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3. O Papel do Terceiro Sector no Acompanhamento das Famílias Alexandra Correia

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3.1 O Papel das Associações na Intervenção em Cuidados Paliativos 3.2 O Diálogo sobre a Vida e o Morrer no Campo de Ação das Associações Considerações Finais 4. Luto: Um Processo Dinâmico Eduardo Carqueja

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4.1 Fases, Estádios ou Transições Psicossociais no Processo de Luto 4.2 Modelo de Tarefas no Processo de Luto 4.2.1 Aceitar a Realidade da Perda 4.2.2 Trabalhar as Emoções e a Dor da Perda 4.2.3 Adaptar-se a Um Ambiente em que o Falecido Está Ausente 4.2.4 Recolocar Emocionalmente o Falecido e Prosseguir com a Vida 4.3 O Luto Complicado 4.4 Linhas Orientadoras para a Intervenção em Luto – segundo o Modelo de Tarefas de Worden (2013) 4.5 O Luto e as Crianças IV

62 63 64 65 65 66 67 68 80


Índice

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4.5.1 Algumas Sugestões de Ajuda às Crianças em Luto 4.5.1.1 Ser Completamente Honesto 4.5.1.2 Quando e Como Dar a Notícia da Morte 4.5.1.3 Explicar como Ocorreu a Morte 4.5.1.4 Permitir Que Possam Participar nos Rituais Fúnebres 4.5.1.5 Promover a Expressão de Sentimentos 4.5.1.6 Manter-se Física e Emocionalmente Perto da Criança Considerações Finais

83 83 83 83 84 84 85 86

5. A Psicologia em Cuidados Paliativos Pediátricos Maria de Jesus de Moura

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5.1 Introdução 5.2 Adaptação à Doença na Fase Aguda 5.2.1 Intervenção junto das Crianças 5.2.2 Intervenção junto dos Pais 5.3 Adaptação à Fase Crónica 5.3.1 Intervenção junto das Crianças 5.3.2 Intervenção junto dos Pais 5.4 Adaptação à Doença na Fase Terminal 5.4.1 Intervenção junto das Crianças 5.4.2 Intervenção junto dos Pais 5.5 Intervenção no Luto 5.5.1 Intervenção junto dos Pais 5.5.2 Intervenção no Luto com os Irmãos Considerações Finais

90 92 92 93 94 95 96 97 97 98 100 100 101 102

6. Voluntariado em Cuidados Paliativos: Uma Aliança com Brilho Próprio Maria Virgínia Cunha e Patrícia Pinto

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6.1 Tempo, Tempo, Tempo 6.2 Estar, Criar, Dar Sentido 6.3 Testemunhar, Honrar, Eternizar 6.4 Em Equipa, Desenvolvimento Pessoal e Formação, continuamente 6.5 Uma Deontologia a Incorporar Considerações Finais

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7. Cuidar em Cuidados Paliativos, Cuidando de Nós: A Prevenção em Cuidados Paliativos Helena Salazar 7.1 Cuidados Paliativos: Princípios e Filosofia 7.2 Burnout em Cuidados Paliativos 7.2.1 Fatores Protetores de Burnout das Equipas em Cuidados Paliativos 7.3 Estratégias de Proteção das Equipas em Cuidados Paliativos Considerações Finais

117 120 120 122 124 125

Conclusão 127 Helena Salazar Posfácio 131 Referências Bibliográficas 135 Índice Remissivo 141

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Sobre a Coleção

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Bem-vindo à Coleção Intervenção em Psicologia! Fazendo jus à sua essência, a PACTOR, marca editorial do Grupo LIDEL, dedicada à publicação de livros nas áreas das Ciências Sociais, Forenses e da Educação, propôs-se lançar no mercado livros que aliem essencialmente a componente prática, isto é, de intervenção na área da Psicologia, a uma escrita de elevado rigor científico, sem que tal constitua um obstáculo ao prazer da leitura e da aprendizagem, ou da renovação de conhecimentos. Tal iniciativa é digna de registo, pois é demonstrativa do reconhecimento crescente que a Psicologia assume na atualidade e nos seus mais diversos domínios de especialização, justificando por parte de um grupo editorial a audácia de investir nesta área de conhecimento, mas também um sinal claro da necessidade e dever que os profissionais e estudantes de Psicologia têm de uma atualização constante. Com base no Código Deontológico da Ordem dos Psicólogos Portugueses, a bússola por excelência da atividade profissional em Psicologia, esta coleção pretende guiar os psicólogos no sentido de práticas de excelência, garantindo que a referência do exercício profissional é o expoente máximo e não o mínimo aceitável. Como alerta o mesmo Código, no âmbito do Princípio Geral da Competência, os psicólogos têm como obrigação exercer a sua atividade de acordo com os pressupostos técnicos e científicos da profissão, a partir de uma formação pessoal adequada e de uma constante atualização profissional, de forma a atingir os objetivos da intervenção psicológica, pois de outro modo acresce a possibilidade de prejudicar o cliente (i.e., qualquer pessoa, família, grupo, organização e/ou comunidade com os quais os psicólogos exerçam atividades no âmbito dos seus papéis profissionais, científicos e/ou educacionais enquanto psicólogos) e de contribuir para o descrédito da profissão. A competência VII


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será o reconhecimento de que os psicólogos devem estar conscientes que têm como obrigação fundamental funcionar de acordo com as boas práticas baseadas em conhecimentos científicos atualizados, pretendendo esta Coleção ser um préstimo útil, de referência ímpar e seguro ao cumprimento de tal obrigação ética. Por fim, refira-se que apesar de ser assumidamente uma Coleção direcionada para profissionais e estudantes de Psicologia, a emergência da interdisciplinaridade torna-a também recomendável a outras áreas de saber, sem prejuízo das competências e saberes de cada uma, bem como dos deveres e responsabilidades de outros profissionais. Mauro Paulino Diretor de Coleção

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Os Autores

Coordenadora e Autora Helena Salazar Assessora na carreira de Técnicos Superiores de Saúde na área da Psicologia Clínica na Equipa Comunitária de Suporte em Cuidados Paliativos do Agrupamento de Centros de Saúde (ACES) da Arrábida. Licenciada pela Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação da Universidade de Lisboa (FPCEUL). Mestre em Cuidados Paliativos pela Faculdade de Medicina da UL (FMUL). Membro dos grupos de trabalho da Associação Portuguesa de Cuidados Paliativos (APCP): Grupo de Apoio à Pediatria, Grupo da Psicologia e Grupo do Luto (coordenadora). Membro do Grupo da Psicologia em Cuidados Paliativos da Ordem dos Psicólogos Portugueses (OPP). Formadora nas várias Pós-graduações/Mestrados em Cuidados Paliativos. Membro do Grupo de Trabalho para os Cuidados Continuados Integrados na área Pediátrica e da Comissão Nacional de Cuidados Paliativos.

Autores

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Alexandra Correia Formada em Psicologia Aplicada pelo Instituto Superior de Psicologia Aplicada (ISPA). Pós-graduada em Cuidados Paliativos Pediátricos. Desde 2002 na Acreditar, tem trabalhado em proximidade com famílias, voluntários, Serviço de Pediatria do Instituto Português de Oncologia (IPO) de Lisboa e comunidade, na procura e articulação de respostas para as necessidades de crianças, jovens e respetivas famílias. IX


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Ana Bernardo Médica de Medicina Geral e Familiar, com Competência em Cuidados Paliativos pela Ordem dos Médicos (OM). Mestre em Cuidados Paliativos pela Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa (FMUL). Diretora do Hospital Nossa Senhora da Arrábida (HNSA), onde coordena a Unidade de Cuidados Paliativos.

Cristina Rodrigues Psicóloga Clínica. Desenvolve o seu trabalho na área dos Cuidados Paliativos, como Psicóloga e Formadora, colaborando com instituições escolares e de saúde. Pertence ao Grupo de Psicologia da Associação Portuguesa de Cuidados Paliativos (APCP) e ao Grupo de Trabalho de Cuidados Paliativos da Ordem dos Psicólogos Portugueses (OPP). Presidente do Conselho Fiscal da OPP. Colaboradora da Liga Portuguesa Contra o Cancro.

Eduardo Carqueja Doutorado em Bioética, Pós-Graduado em Luto, Mestre em Ciências Religiosas, Licenciado em Psicologia Clínica e Bacharel em Enfermagem. Especialista em Psicologia Clínica e da Saúde no Centro Hospitalar de São João (CHSJ). Docente convidado da Faculdade de Medicina da Universidade do Porto (FMUP). Presidente da Sociedade Portuguesa de Estudos em Psicologia Oncológica (SPEPO). Membro do Grupo de Trabalho – Intervenção em Cuidados Paliativos da Ordem dos Psicólogos Portugueses (OPP). Membro do Grupo de Reflexão Ética da Associação Portuguesa de Cuidados Paliativos (APCP). Presidente da Delegação Norte da OPP. Deputado Municipal da Assembleia Municipal do Porto.

José Duarte Psicólogo Clínico. Mestre em Psicologia Clínica, na área das Perturbações do Pensamento da Comunicação e da Linguagem, pelo Instituto Superior de Psicologia Aplicada (ISPA). Lecionou Psicologia nas escolas de formação da Força Aérea e desenvolveu a sua prática clínica nos Cuidados de Saúde Primários. Integra a equipa de Psicologia do Hospital Nossa Senhora da Arrábida (HNSA) (incluindo a Unidade de Cuidados Paliativos), assim como a Consulta de Adolescente e Adultos em regime de ambulatório. X


Os Autores

Maria de Jesus de Moura Mestre em Psicopatologia e Psicologia Clínica. Especialista em Psicologia Clínica e da Saúde e em Psico-Oncologia. Em 1991, iniciou a sua prática clínica na área de Oncologia Pediátrica. Diretora da Unidade de Psicologia do Instituto Português de Oncologia (IPO) de Lisboa desde 2013, onde promove consultas a menores em luto. Presidente da Academia Portuguesa de Psico-Oncologia (APPO). Docente e Formadora nas áreas de Psicologia da Saúde, Psicologia Pediátrica, Psico-Oncologia e Cuidados Paliativos Pediátricos.

Maria Virgínia Cunha Licenciada em Filologia Germânica pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa (FLUL). Foi Professora do Ensino Secundário. Representou o país em diversos projetos, reuniões internacionais, Conselho da Europa e União Europeia. Orientou estágios de professores de língua inglesa e integrou a equipa que lançou o 12.º ano. Iniciou a formação de voluntária em Cuidados Paliativos na Amara. Voluntária na Casa das Irmãs Hospitaleiras da Idanha desde a abertura da Unidade de Cuidados Paliativos e, posteriormente, no Hospital da Luz em Lisboa. Autora do livro O vento sopra onde quer.

Patrícia Pinto Licenciada em Comunicação e Mestre em Pedagogia Social pela Universidade Católica Portuguesa (UCP). Desenvolve a sua atividade profissional na Acreditar, onde coordena o Voluntariado Nacional da instituição. Foi responsável pela criação de uma equipa especializada de voluntários para cuidados paliativos pediátricos ao domicílio.

Diretor de Coleção

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Mauro Paulino Coordenador da Mind | Instituto de Psicologia Clínica e Forense. Psicólogo Forense Consultor do Instituto Nacional de Medicina Legal e Ciências Forenses. Coordenador da pós-graduação de Psicologia Forense da Universidade Autónoma de Lisboa. XI


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Membro do Laboratório de Avaliação Psicológica e Psicometria (PsyAssessment Lab) da Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação da Universidade de Coimbra. Autor e coordenador de diversos livros. Docente convidado em várias universidades nacionais e internacionais.

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Prefácio

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Psicologia em Cuidados Paliativos

Os Cuidados Paliativos são cuidados de saúde pluridisciplinares, rigorosos e humanizados, que pretendem intervir ativamente no sofrimento das pessoas que apresentam doenças graves e/ou avançadas e irreversíveis. Fazem-no majorando a qualidade de vida e promovendo ativamente a dignidade deste grupo numeroso de pessoas. Intervir no sofrimento e preveni-lo, não deixando que se torne intolerável e destrutivo, pressupõe considerar as suas diversas dimensões, nomeadamente as questões existenciais e psicológicas. Esta intervenção vai para além da pessoa doente e estende-se aos respetivos familiares. Baseia-se num trabalho interdisciplinar e de equipa, centrado nas respostas às múltiplas necessidades das pessoas doentes, sendo elas de qualquer idade e portadoras de diferentes patologias. Ainda hoje, e apesar do esforço de muitos, persistem preconceitos e desconhecimento sobre o que verdadeiramente podem fazer os Cuidados Paliativos. Lamentavelmente e com prejuízo de muitas pessoas com doença avançada e seus familiares, este tipo de cuidados ainda está muito frequentemente associado exclusivamente aos doentes moribundos, nos seus últimos dias de vida, e a uma ideia de que servem para “ajudar a morrer” e que encurtam a vida do paciente. A evidência científica hoje disponível, as boas práticas e as recomendações são consensuais ao apontarem para os bons resultados da intervenção em Cuidados Paliativos, a nível da qualidade de vida, para a necessidade de os Cuidados Paliativos deverem ser cada vez mais integrados precocemente no sistema de cuidados de saúde a oferecer no decurso da doença, quer se trate de doentes oncológicos ou não oncológicos. Nunca será de mais sublinhar que os doentes podem beneficiar de Cuidados Paliativos ao longo de semanas, meses, por vezes, anos. São pessoas que precisam de ser ajudadas a viver tão ativamente quanto possível até ao final dos seus dias, e existe muito a fazer para que o seu sofrimento seja aliviado e não negligenciado. XIII


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A intervenção psicológica é, nesses contextos, fundamental, quer para responder às múltiplas necessidades detetadas, quer para contribuir para a boa gestão das expectativas face ao desenrolar do processo de doença. Esta obra vem chamar a atenção para algo que, não sendo novo, continua ainda a ser pouco falado e tem enormes méritos. Destaco, desde logo, o facto de ser uma obra em português, que resulta da cooperação de diferentes profissionais ligados a esta área, em Portugal. Mas vai bem mais além. Sistematiza com rigor aspetos tantas vezes dispersos e vagos, aborda detalhes importantes de uma prática que se quer rigorosa, bem como apresenta experiências de trabalho concretas que, ainda que com algumas peculiaridades, partilham o mesmo objetivo: melhorar a qualidade de vida dos pacientes. Recomendo a leitura desta obra e desejo, sobretudo, que daí resultem, deste e do outro lado do Atlântico, mais e melhores cuidados de saúde para as pessoas que apresentam doenças graves e avançadas. Elas, convém sublinhar, são a razão primeira do nosso trabalho. Isabel Galriça Neto

Diretora da Unidade de Cuidados Continuados e Paliativos do Hospital da Luz – Lisboa Coordenadora da Competência em Medicina Paliativa da Ordem dos Médicos

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Introdução A Psicologia em Cuidados Paliativos: Um Caso Clínico Helena Salazar, Ana Bernardo e José Duarte

“When you have a potentially terminal disease, it concentrates the mind wonderfully. It gives a new intensity to life. You discover how many things taken for granted – the love of your spouse, the Beethoven symphony, the dew of the rose, the laughter on the face of your grandchild.”

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Arcebispo Desmond Tutu (Prémio Nobel da Paz, 1984)

Nesta obra dedicada à Psicologia em Cuidados Paliativos, juntamo-nos a um conjunto de autores que têm vindo a desenvolver nas mais diferentes áreas profissionais um trabalho de excelência na divulgação e implementação dos Cuidados Paliativos em Portugal. Pode considerar-se Alfred Worcester como o pioneiro moderno dos Cuidados Paliativos e que, em 1935, escreveu o clássico The Care of the Aged, the Dying and the Dead, onde assinala a necessidade de adotar uma atitude mais humanitária face à morte e aos moribundos. Nas décadas de 50 e 60 do século XX, com o surgimento dos citostáticos, criaram-se numerosas expectativas de cura para a maioria dos tumores. Todavia este facto não se verificou, levando a que no Reino Unido tivesse origem um movimento destinado a melhorar o apoio dos doentes em fase terminal e a ajudá-los a morrer bem. Em 1967, esse movimento torna-se realidade com a abertura do St. Christopher’s Hospice, em Londres, dirigido pela Dame Cicely Saunders, enfermeira, assistente social e médica em simultâneo. Foi possível organizar um ambiente no qual as pessoas doentes e suas famílias podiam adaptar-se melhor emocional e espiritualmente à situação de doença terminal. Cicely Saunders é a pioneira na criação de um novo conceito:

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“dor total”. Por outras palavras, a dor é um sintoma subjetivo que expressa uma multiplicidade de fatores físicos, psicológicos e espirituais. Para intervir ativamente no sofrimento gerado pela dor, não se pode fazê-lo apenas pela manipulação de fármacos, mas também pela intervenção psicológica. O seu trabalho demonstrou igualmente como se poderia conseguir uma significante melhoria da qualidade de vida, quando se prestava uma atenção apropriada a todos os sintomas, incluindo os psicológicos, sociais e espirituais da pessoa doente. O êxito do St. Christopher’s Hospice e do trabalho interdisciplinar nele realizado permitiu à filosofia paliativa expandir-se posteriormente a outros hospícios e hospitais, com o aparecimento de centros de referência, cuidados ao domicílio e diversos programas de investigação. O movimento dos hospícios continuou a estimular e a acolher iniciativas inovadoras de investigação de tratamento de diversos sintomas e do sofrimento, alargando-se a outros hospícios e hospitais nos Estados Unidos da América, no Canadá e, só mais tarde, no resto da Europa. No ano de 1988, foi criada a Associação Europeia de Cuidados Paliativos (European Association for Palliative Care – EAPC). Os Cuidados Paliativos são uma causa que se vive na primeira pessoa e que se torna uma missão para a vida, ultrapassando de longe os cuidados de fim de vida. São entendidos, tal como a Organização Mundial de Saúde (OMS) os definiu em 2002, como uma abordagem que melhora a qualidade de vida dos doentes e das suas famílias confrontados com os problemas associados a uma doença ameaçadora da vida, através da prevenção e do alívio do sofrimento, a identificação precoce, a avaliação holística e o tratamento da dor e de outros problemas físicos, psicossociais e espirituais. Para a sua implementação temos de ter diferentes tipologias de serviços, equipas multidisciplinares, com uma liderança de excelência, com formação e treino de qualidade, onde é fulcral a arte de comunicar, assim como a avaliação e o controlo de sintomas. A equipa vocacionada para este tipo de trabalho necessita de uma contínua atenção ao seu funcionamento, estimulando a diminuição das tensões e conflitos interpessoais, por vezes, inevitáveis. Uma boa coesão e a aproximação do grupo constituem bons suportes. Qualquer membro da equipa, independentemente da sua categoria profissional, responsabilidade ou competência técnica, não está preparado para o trabalho de equipa, a não ser que tenha formação para isso. Este tipo de equipa deve funcionar como um grupo de profissionais distintos que trabalham com uma metodologia comum, partilhando um projeto assistencial e objetivos comuns. XVI


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Introdução

A eficácia requer uma dinâmica que permita a reorganização e integração de conhecimentos de cada profissional, em cada momento, segundo as necessidades das situações, tendo como diretivas a qualidade de vida e bem-estar da pessoa doente, o apoio dos familiares e/ou cuidadores, bem como o funcionamento da equipa. Por todos estes motivos, estas equipas têm na sua constituição nuclear um médico, um enfermeiro e um psicólogo, regulamentado na Lei de Bases dos Cuidados Paliativos. Esta Lei – n.º 52 de 2012 – foi aprovada com o objetivo de conferir maior dignidade neste nível de cuidados, vinculando o Estado ao cumprimento de um conjunto de obrigações. A Lei centra-se na obrigatoriedade que o Estado tem de criar condições para a prevenção e alívio do sofrimento físico, psicológico, social e espiritual da pessoa doente. O doente tem, pois, o direito de usufruir de todos os cuidados que sejam adequados à sua situação, e a responsabilidade da prestação desse serviço é do Estado, através do Serviço Nacional de Saúde (SNS) ou, em caso de resposta insuficiente, através de instituições do sector privado ou social. Face ao exposto, nada como ilustrar a realidade dos Cuidados Paliativos através de um caso real, em que a equipa e as suas competências contribuíram para o mitigar do sofrimento. Demos-lhe o nome de “Ver o mar... dia 19”. E., 51 anos, mestre em Filosofia e professora numa escola secundária há 25 anos. Tinha diagnóstico de carcinoma do colo do útero, uma lesão oncológica grave. Recidivas e metastizações recentes agravaram a sua condição clínica. Tinha uma fístula retovaginal e depressão reativa ao diagnóstico. Recebia apoio dos pais. Observámos uma doente inquieta e assustada que fez perguntas práticas acerca da dor, olhando todos, procurando responder prontamente às pessoas que mal conhecia e às exigências do momento. E. sentia um grande constrangimento com o seu estado atual, marcado pela existência da fístula retovaginal. Considerava a sua condição degradante e os cheiros associados ao seu estado insuportáveis aos outros. Em conferência familiar (Guarda, Galvão, & Gonçalves, 2010), a mãe de E. apresentou como elemento de preocupação central “A Fístula”, pelo grande desconforto e sério obstáculo à socialização da doente. Os familiares vivenciavam choque e consternação com toda a problemática associada à fisiologia de eliminação de E.. Pensou-se não ser facilitador no estabelecimento da relação a intervenção de um psicólogo homem, por razões de género, atendendo ao quadro ginecológico tão confrangedor, com eventuais afetações nas esferas do simbólico e do cultural. Porém, um XVII


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episódio depressivo em que E. chorava determinou que interviesse o psicólogo disponível. Pensámos, antes de entrar, no que dizer, e como dizer... Sabia-se já que E. poderia ser distante ou mesmo recusar o contacto. Encontrámo-la deitada, emagrecida, pálida e séria. Notavam-se muito os olhos grandes que olhavam... perscrutantes, sentindo... Tinha cabelo curto, “pente 2”. Apresentámo-nos e sentimos, imediatamente, o seu desconforto. Abeirámo-nos da cama e dissemos-lhe, com os olhos naqueles olhos, pausadamente e próximos: “Conhecemos a sua situação clínica... o seu estado físico... em pormenor... ao ínfimo detalhe... e há em nós um desejo muito grande de a conhecer, e não há nada que possa aplacar esta nossa vontade... a não ser uma rude e insensível declaração de rejeição...” E. sorriu, mantendo os olhos nos nossos, em silêncio. Puxámos uma cadeira devagar e, olhando-a sempre, sentámo-nos à cabeceira. Falámos dos filósofos “pessimistas”, de Nietzsche e o eterno retorno, de Schopenhauer e seus contributos para o interessante mundo da Filosofia que quase ignoramos, por “limitações de intelecto”, dissemos-lhe, em jeito de piada. Nessa sessão, com um retorno pessoal que não esqueceremos, soubemos da professora, dos seus amados alunos, do Clube da Filosofia que fundou, das aulas que prepara com esmero... do seu curso, o feito maior da sua existência, e o mestrado, a confirmação da sua paixão pelo saber. Nas sessões que se seguiram, E. falou do seu penoso percurso desde o diagnóstico e dos pais idosos, fragilizados com o fatalismo que a envolve. Suportam mal o momento, temem o futuro. E. chora, quando está só, e não aceita o fim da vida, parece duvidar: “Diz-se que ninguém concebe verdadeiramente a sua própria morte...” Sentimo-la procurar no psicólogo a certeza, o esclarecimento, a frase dita sem rodeios... no entanto: “Não se sabe, Sr. Dr., se a minha mãe ou o meu pai virão a falecer antes de mim...” E. esteve por algum tempo em negação, uma das fases do processo de integração de uma perda ou de uma má notícia (Kübler-Ross, 1969), em adaptação à doença, ajustando o seu mundo interior à realidade factual. Num episódio delirante, ansiava pela sua colocação na escola onde leciona. E. é muito valorizada intelectualmente e o seu intelecto é o foco do orgulho dos pais. A escola e o ato de ensinar são peças substanciais na sua identidade, ligam-se à sua existência e ao sentido da sua vida, são a sua temática dominante no discurso orientado ou na dissociação. Pensámos na necessidade de criar um ato simbólico que permitisse estabelecer a representação da continuidade entre o momento atual e futuro de E.. A criação de um XVIII


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A Comunicação em Cuidados Paliativos: Uma Estratégia Fundamental

Helena Salazar e José Duarte

Caso Clínico

J. de 62 anos tem diagnóstico de neoplasia do pâncreas, uma lesão oncológica grave, com múltiplas metástases. Está deitado em decúbito lateral, ictericiado e emagrecido. Responde, sem nunca abrir os olhos, a um cumprimento inicial com intenção de conhecer a sua condição, dizendo: “Sou só uma criança... de 62 anos...” Não responderá a mais nenhuma tentativa de comunicação. A esposa, frágil e numa crise emocional manifesta, pede ao técnico que se sente com ela ao lado da cama e deixa fluir a expressão sofrida dos seus sentimentos recentes.

“Não te autorizo a que fales de assuntos particulares com outras pessoas...”, disse J., sem nunca abrir os olhos.

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1.1 Aspetos Introdutórios A comunicação é um ato de grande complexidade. Entre os humanos, é a qualidade da comunicação que, em grande medida, determina o desenvolvimento das sociedades, o apuramento da sua ciência, o seu grau de civilidade ou, em circunstâncias mais pessimistas, a tensão, a estagnação ou o retrocesso. 1


Intervenção Psicológica em Cuidados Paliativos

Há um compósito intrincado de elementos informativos num qualquer ato de comunicação e a sua legibilidade depende de um grande número de fatores. Sabe-se que o entendimento entre as pessoas é muito interferido pelas características dos intervenientes. O que ouvimos do outro atravessa em nós todo um sistema pessoal de representações, interpretações e preconceitos que operam transformações. As alterações decorrentes deste “atravessamento” e processamento tornam a mensagem que ouvimos como mais nossa, do que propriamente de quem no-la transmitiu. São muito frequentes, sabe-se, os erros de interpretação ou os mal-entendidos. Vejamos alguns entraves, dos mais óbvios, à boa comunicação. A condição sensorial dos intervenientes, por exemplo: Se ouvem e veem bem; A qualidade do pensamento, que se relaciona com o esclarecimento que temos acerca do que queremos transmitir por palavras e gestos; A quantidade de palavras que conhecemos e que podemos pôr ao serviço na transmissão da nossa ideia; A capacidade de entoar adequadamente as frases, reforçando ou amenizando o seu sentido; A cadência do discurso e a sua clareza, que devem estar num equilíbrio tal que facilite ao outro a compreensão; As expressões faciais ou corporais, que devem estar consonantes com o que é dito; O volume da voz, que deve estar ajustado ao “ouvir” do interlocutor; O tipo de discurso, que deve estar adequado à compreensão do ouvinte, conforme a sua idade, condição social, escolaridade, cultura ou estado de saúde; Ser capaz de comunicar motivando o ouvinte para a importância do que está a ser dito; Falar de modo a poder suscitar o diálogo, criando as condições de desejabilidade para uma necessária interação; Modular a emotividade, conferindo à comunicação a importância que se pretende, ou modular ajustando a comunicação às possibilidades de acomodação do recetor. Muito mais se poderá dizer acerca do ato comum que é o da comunicação no quotidiano. 2


A Comunicação em Cuidados Paliativos: Uma Estratégia Fundamental

Há ainda outros registos próprios da comunicação – o discurso formal, por exemplo, que se opõe ao registo que pretendemos aqui estudar, e pode constituir, pelo contrário, uma ajuda à compreensão do nosso assunto. Neste modo discursivo, público, estarão apostos todos os preceitos formais de uma comunicação pública, com afastamento, poucos gestos, expressão corporal ou facial reduzida, emotividade contida e vocalizações pouco moduladas. Esta comunicabilidade é adequada a públicos ou a momentos formais e não perpassam na mensagem aspetos relativos ao comunicador. No ato, não relevam características ou sentimentos, nem se ensaiam movimentos empáticos dirigidos a alguém em particular. Nesta comunicação difusa e ampla, o comunicador não estabelece ligação com outra pessoa em particular, nem recebe do seu auditório sinais finos que permitam ajustamentos dedicados ou de grande sensibilidade. Não há proximidade, nem intimidade, nem a possibilidade de contacto físico, o comunicador não tem a noção exata do impacto das suas palavras numa dada pessoa. Será um discurso genérico, como uma média do entendível, capaz de ser compreendido por todos aqueles a quem ele se dirige.

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1.2 Aspetos de Um Ato de Comunicação Especial A vida das pessoas é pontuada por recordações indeléveis em que lhes foram comunicadas notícias emocionalmente fortes. Recordamos sempre muitos elementos episódicos associados à notícia de uma gravidez ou do nascimento de um filho, do início de uma relação muito desejada ou à comunicação do desaparecimento de alguém com grande significado pessoal. Nestes momentos de elevado gradiente emocional, o ato de comunicar torna-se um procedimento de grande delicadeza. Todas as palavras são tomadas gravemente no sentido em que são compreendidas e ecoam sempre nos intervenientes de modo especial. Geram memórias de longo prazo que podem ser condicionadoras do funcionamento psicológico do indivíduo, podendo até determinar um estilo de reação aos acontecimentos no futuro. As palavras geram estados psicológicos (Goleman, 2015). Nos momentos de grande tensão emocional, os potenciais de leitura da mensagem estão aumentados, estão ativadas todas as capacidades de detetar informação, estabelecer comparação diferencial entre o que é dito e o que se expressa no não verbal, 3


Intervenção Psicológica em Cuidados Paliativos

ou a possibilidade de inferir o particular a partir de uma apresentação de elementos genérica, desorganizada ou pouco convincente. Estão em campo competências filogenéticas próprias de estruturas nervosas ancestrais, que permitem a interpretação das expressões e sinais, e reagem a gestos e atitudes pertencentes a um modo de funcionamento mais primitivo. Também se consideram as aquisições nervosas mais modernas, que possibilitam transmitir a ideia, através da composição das palavras adequadas, permitindo emitir uma comunicação progressiva, sensível ao contexto, adequada à diversidade dos interlocutores e à peculiaridade do caso. Uma grande parte da comunicação feita em momentos de tensão não é assistida por processos conscientes.

1.3 Comunicação em Cuidados Paliativos “Vou morrer, não vou?”, pergunta subitamente L., durante o banho, a um assistente operacional.

O medo é sempre a entidade de fundo, presente em muitos dos momentos de comunicação com a pessoa doente que chega para cuidados paliativos. Especialmente nas primeiras horas, no primeiro contacto com as equipas, a ansiedade e a incerteza perturbam muito a qualidade de uma abordagem explicativa ou clarificadora. A situação vivida em Cuidados Paliativos, seja em contexto de internamento ou no domicílio, é ansiogénica e está associada a representações muito ligadas ao sofrimento, à doença e à morte. Muitas vezes, a pessoa chega ao contacto com a equipa depois de um longo caminho de sofrimento, com um historial exaustivo de exames, de instrumentações invasivas, de técnicas terapêuticas estranhas, sendo o seu corpo agora um desconhecido que já não controla. Vêm com défices sérios no controlo de sintomas, emagrecidos, castigados pelas constantes más notícias ou pelos sinais, atormentados por maus pressentimentos que não compreendem muito bem. Podem vir desconfiados, vacilando na esperança, 4


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A Psicologia em Cuidados Paliativos Pediátricos

Maria de Jesus de Moura

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Caso Clínico

A B. é uma menina de 6 anos, filha de um casal jovem: mãe de 34 anos, médica; pai de 34 anos, engenheiro informático; e irmão de 3 anos de idade, a frequentar o jardim de infância. Trata-se de uma família com bom suporte social e familiar. Em maio de 2013 foi diagnosticado à B. um tumor do sistema nervoso central – glioblastoma. Pela gravidade da doença e pelo prognóstico reservado (esperança de vida entre 6 meses e 12 meses), a família foi referenciada à consulta de Psicologia. Numa fase inicial, a intervenção psicológica centrou-se junto dos pais e da criança, com o objetivo de promover estratégias de adaptação à doença. A B. iniciou quimioterapia e radioterapia. No início de 2014 apresentou quadro de hidrocefalia e foi submetida a neurocirurgia. Na sequência da necessidade de intervenção cirúrgica de urgência, retomou a consulta de Psicologia com o objetivo de a ajudar a lidar com o novo acontecimento de vida. Ao longo do processo da doença e ciente da gravidade da mesma, a família optou por suspender a atividade laboral para acompanhar a B. nesta etapa de vida. A B. é uma criança alegre, muito comunicativa e demonstra muito interesse em realizar diversos trabalhos manuais. Os pais e outros elementos da família com um papel ativo no processo de adaptação à doença (avó, tios e primos) fomentam e participam nestas tarefas.

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Intervenção Psicológica em Cuidados Paliativos

Ainda em 2014 há agravamento da doença e a B. inicia um novo tratamento de quimioterapia e radioterapia. Nesta etapa, a família está centrada na qualidade de vida da B., bem como na pesquisa e discussão do caso sobre as medidas terapêuticas que possam ser mais eficazes para aumentar a esperança de vida. No início de 2015, há progressão da doença com metastização. A família recorre de novo à consulta de Psicologia para lidar com esta nova etapa, bem como para iniciar a intervenção com o irmão que, nesta altura, se encontra com 5 anos e necessita de compreender melhor o que está a ocorrer com a doença da irmã. A família continua centrada na qualidade de vida da B., planeia e executa passeios e inúmeras atividades. Em meados de outubro, a B. apresenta muita sintomatologia e alterações motoras e inicia controlo de sintomas. A família mantém o apoio da equipa do Instituto Português de Oncologia (IPO) de Lisboa e recebe também apoio domiciliário pela equipa de Cuidados Paliativos do Hospital Garcia de Orta. No final de novembro, já com 8 anos, B. faleceu, em casa, tal como a família tinha desejado. A família manteve acompanhamento psicológico na fase terminal da B.. A intervenção teve como objetivo primordial ajudar o irmão a lidar com a despedida. Na atualidade, pais e irmão encontram-se a ser acompanhados em terapia de luto.

5.1 Introdução Na última década, a Sociedade Internacional de Oncologia Pediátrica (SIOP) dedicou-se a elaborar linhas orientadoras de intervenção psicossocial em Oncologia Pediátrica. As linhas orientadoras têm como objetivo definir um conjunto de pontos relevantes para a intervenção nas diferentes áreas da Oncologia Pediátrica. A análise da abordagem aos pais, às crianças e adolescentes tem como objetivo conciliar as linhas orientadoras da SIOP com os eixos de intervenção em Cuidados Paliativos: Controlo de Sintomas, Comunicação, Família e Equipa. A reflexão elaborada neste capítulo integra uma análise sistematizada sobre a intervenção psicossocial em crianças com doença crónica complexa, bem como a 90


A Psicologia em Cuidados Paliativos Pediátricos

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experiência clínica junto de famílias de crianças em Cuidados Paliativos Pediátricos. Pretende-se, assim, que este capítulo possa contribuir para uma melhor intervenção psicossocial em Cuidados Paliativos Pediátricos. Para intervir nesta área, é necessário compreender a essência deste tipo de intervenções. Tal como nos modelos de intervenção da Psicologia da Saúde, este tem como pressuposto a adaptação do sujeito e da família à doença. Em Cuidados Paliativos Pediátricos, as necessidades de adaptação da criança e família à doença são inúmeras, desde o momento de diagnóstico à fase terminal. Neste sentido, os tipos de intervenção têm objetivos distintos em função: da fase de desenvolvimento em que a criança se encontra (primeira infância; idade pré-escolar; idade escolar e adolescência), do tipo de doença e da fase de evolução da doença (fase aguda; fase crónica e fase terminal)1, bem como o modo como a criança e a família estão a elaborar as perdas nas diferentes etapas da doença (luto antecipatório e o processo de luto nos diversos elementos da família). A intervenção psicológica, neste contexto, necessita de ser mais abrangente e preocupar-se com os cuidados psicossociais que visam os cuidados centrados no bem-estar psicológico e emocional do paciente e da família. A intervenção psicossocial dirige-se à criança/adolescente, à família e à comunidade e tem como objetivo dar resposta às necessidades relacionais da criança e família; compreender o seu funcionamento social e a relação com a rede social de apoio; promover a adaptação dos mesmos à doença crónica complexa nas fases aguda, crónica e terminal; facilitar a comunicação entre a equipa de saúde e a família, ajudar a criança e a família a partilharem emoções, bem como promover a comunicação entre a família, com especial atenção para a comunicação do casal e a comunicação das figuras parentais com os filhos menores.

1  A evolução da doença é constituída por diversas fases, cada uma é caracterizada por inúmeros desafios e tarefas de adaptação específicas. A terminologia – fase aguda, crónica e terminal – é frequentemente utilizada em contextos de saúde. Nesta análise sobre intervenção psicológica em Cuidados Paliativos Pediátricos, segue-se o modelo de Paul Alexander que descreve as tarefas de vida perante a doença crónica complexa, descrito por Doka, em Children Mourning, Mourning Children. 91


Intervenção Psicológica em Cuidados Paliativos

5.2 Adaptação à Doença na Fase Aguda Para qualquer família, receber um diagnóstico de doença crónica complexa é um acontecimento de vida traumático. No momento do diagnóstico, a família encontra-se em choque, decorrente da elevada intensidade emocional que é vivida num curto espaço de tempo, o que perturba a emergência de recursos adaptativos que, normalmente, surgem no quotidiano sempre que a pessoa lida com situações de sofrimento. A emergência da resposta adaptativa só surge quando o indivíduo consegue integrar a vivência deste novo acontecimento de vida. No entanto, nos primeiros dias após ter recebido a confirmação do diagnóstico, a família necessita de informação clara e concisa que tem como objetivo dar resposta à necessidade que esta tem de proteção e segurança. Neste sentido, é importante definir linhas orientadoras para intervir junto da criança/adolescente e das famílias.

5.2.1 Intervenção junto das Crianças Numa primeira fase, é importante estabelecer a relação com a criança e a família e ajudá-la a compreender a doença, assim como a lidar com a doença e os tratamentos. Para tal, é importante identificar a etapa de desenvolvimento em que a criança se encontra, dado que a sua capacidade para compreender a doença depende do seu desenvolvimento cognitivo, da maturidade e da sua experiência de vida. O desenvolvimento cognitivo da criança determina a construção dos fenómenos de saúde, doença e morte, e este obedece aos mesmos princípios de desenvolvimento da compreensão dos fenómenos do mundo físico e social, definidos por Piaget. A compreensão da doença e o impacto da mesma no dia a dia da criança é algo que deve ser discutido com esta, para facilitar o seu processo de adesão aos tratamentos. Mesmo em crianças mais novas, é importante que elas compreendam que estão juntas com a equipa e com a família a combater a doença, e o melhor modo de o fazer é através da sua colaboração nos procedimentos terapêuticos. Assim, a criança sente-se incluída no processo de tratamento. Um outro foco de intervenção incide sobre a ventilação de sentimentos e a fomentação da autorregulação emocional. Compreender porque surgem emoções tão intensas e dar oportunidade à criança para desenvolver estratégias para lidar com as 92


Posfácio

“O mais surpreendente que aprendi sobre Cuidados Paliativos Pediátricos é que não são só sobre fins. Na realidade, são um braço forte para nos apoiarmos: ajudam-nos a fazer o melhor do tempo que temos juntos e a ter de volta algum controlo sobre as nossas vidas.” Fiona Stewart, mãe do Joseph

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e-hospice International children’s1, 23 de setembro 2014

Não é suposto as crianças sofrerem. Mas muitas (junto com as suas famílias e amigos) sofrem – de doença, de dor, de défices cognitivos, de falta de mobilidade, mas também de falta de informação, comunicação, suporte, planeamento e coordenação de cuidados. Os Cuidados Paliativos deveriam ser a resposta a estas necessidades (também para os adultos), contudo são muitas vezes escusados para “proteger” as famílias, o que na realidade impede a sua adaptação e resiliência crescentes. Efetivamente, o público em geral (e ainda muitos profissionais de saúde) assusta-se com a expressão “cuidados paliativos”, que associa apenas a cuidados de fim de vida ou terminais, ao “esquadrão da morte”. Este mal-entendido data das origens do movimento dos modernos Cuidados Paliativos, em doentes adultos com cancro terminal. No entanto, hoje em dia os Cuidados Paliativos começam a ser encarados como uma questão de saúde pública, um direito humano básico, uma resposta essencial não apenas para a fase de fim de vida, mas para toda a trajetória de uma doença crónica, 1  http://www.ehospice.com/internationalchildrens/en-gb/home.aspx 131


Intervenção Psicológica em Cuidados Paliativos

limitante ou ameaçadora da vida, com necessidades complexas e utilização intensiva dos sistemas de saúde, incluindo a área psicossocial. Os Cuidados Paliativos trazem não apenas o (tão necessário) controlo de sintomas, mas também a facilitação e promoção da comunicação entre doente/família/profissionais (incluindo a avaliação de expectativas, preferências e valores), a tomada informada de decisões, a coordenação e o planeamento de cuidados. A par dos aspetos médicos ou físicos, são relevados os problemas psicológicos e sociais. A par do suporte ao doente é dado suporte à família, ferramenta essencial para a vivência do dia a dia e para a aceitação das perdas atuais e futuras. Está mesmo demonstrado, em doentes adultos, que a utilização precoce de cuidados paliativos a par de cuidados potencialmente curativos aumenta o tempo de sobrevivência, melhorando a qualidade de vida e diminuindo os scores de depressão. Torna-se assim fácil de compreender a recente recomendação da Assembleia Geral da Organização Mundial de Saúde (OMS) (maio 2014, resolução 67) aos governos dos Estados-Membros para a integração dos Cuidados Paliativos no contínuo dos cuidados de saúde. No entanto, a realidade da prestação de cuidados paliativos está longe de satisfazer as necessidades da população e de cumprir esta recomendação. Segundo o recente Atlas Global de Cuidados Paliativos em Fim de Vida, editado pela OMS e a Worldwide Palliative Care Alliance, a nível mundial somente 19,3% dos países apresentam alguma forma de integração dos Cuidados Paliativos no sistema de saúde; um terço (32%) não regista qualquer atividade. O cenário é pior na Pediatria: apenas em 5,7% dos países existe integração e em dois terços (65,6%) não é conhecida atividade. Em Portugal, o panorama tem vindo lenta mas inexoravelmente a melhorar, embora haja ainda muitíssimo por fazer. Para os adultos, tendo-se iniciado atividade nos anos 90 do século XX, o país encontra-se no nível de provisão generalizada. Para as crianças, apenas desde o início de 2013 se tem vindo a reconhecer as necessidades, mas os progressos têm sido rápidos. A tutela tem legitimado os esforços da implementação de uma estratégia nacional e aguarda-se para breve a criação oficial de equipas e unidades – por isso, a International Children’s Palliative Care Network considera o país no estado de provisão localizada. Muitas são as barreiras que justificam esta situação global: a falta de compreensão sobre o que são na realidade os Cuidados Paliativos, os tabus sobre a morte, a falta de profissionais com treino e formação, a escassez de evidência para intervenções e a falta de acesso a medicação (felizmente, este último não é um problema em Portugal). 132


Posfácio

É fundamental ainda reconhecer que a, legitimamente esperada, prestação de cuidados paliativos a todos os que deles necessitam deve assentar em três pilares essenciais: a prestação em múltiplos sectores (cuidados hospitalares, primários, comunidade, domicílio), em vários níveis e por equipas multidisciplinares. Todos os profissionais ligados ao sistema de saúde, incluindo da área psicossocial e educativa, devem ter conhecimentos, no mínimo, básicos sobre Cuidados Paliativos (nível 1, universal). Profissionais em serviços que lidam frequentemente com utentes com necessidades paliativas (como são exemplo as áreas da Oncologia, Neurologia, Cardiologia, Medicina Interna, Medicina Física e Reabilitação, Cuidados Intensivos, etc.) devem aprofundar esses conhecimentos de forma a prestar cuidados de nível generalista (nível 2). Finalmente, deve ainda existir um nível 3, especialista, de equipas que trabalham exclusivamente na área, que devem ser consultadas pelos níveis abaixo, receber referenciações de casos complexos e dinamizar investigação, formação e treino. E chegamos à vital importância da equipa multidisciplinar (médicos, enfermeiros, assistentes sociais, psicólogos, terapeutas, nutricionistas, farmacêuticos, etc. e também voluntários), que verdadeiramente se pretende inter ou mesmo transdisciplinar – cada um contribuindo com as suas competências para o conhecimento comum, partilhando informação num clima de respeito e confiança, muitas vezes transcendendo o papel original do grupo profissional. A todos cabe a avaliação das necessidades, expectativas e preferências do doente e família, mas sabendo reconhecer as situações de risco ou complexidade e referenciá-las para os profissionais de maior competência. Este livro vem assim ao encontro da necessidade de todos nós sabermos um pouco mais sobre os aspetos psicológicos do suporte ao doente e família em Cuidados Paliativos, sejam adultos ou crianças. É mais um tijolo na construção de um edifício que se quer sólido, de qualidade e sustentável – o da integração dos Cuidados Paliativos no nosso sistema de saúde. Ana Forjaz de Lacerda

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Coordenadora do Grupo de Trabalho de Cuidados Continuados e Paliativos da Sociedade Portuguesa de Pediatria e do Grupo de Apoio à Pediatria da Associação Portuguesa de Cuidados Paliativos

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