Ler Português 2 - Retrato de Avó

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segundo o Novo Acordo Ortográfico

LER PORTUGUÊS 2 Direção:

Helena Marques Dias

QE CR NÍVE L A2



RETRATO DE AVÓ FILIPA AMENDOEIRA

DIREÇÃO HELENA BÁRBARA MARQUES DIAS

LISBOA — PORTO e-mail: lidel@lidel.pt http://www.lidel.pt (Lidel on-line) (site seguro certificado pela Thawte)


DA MESMA COLEÇÃO:

Nível 1: — O MANEL – Helena Marques Dias — OS GAIATOS – Raquel Baltazar — UM DIA DIFERENTE – Helena Marques Dias

Nível 2: — FANTASIA, SONHO OU REALIDADE? – Anabela Roque — HISTÓRIAS DO CAIS – Glória Bastos — O CARRO – Helena Marques Dias

Nível 3: — LENDAS E FÁBULAS DE TIMOR-LESTE – Helena Marques Dias — O RAPAZ DA QUINTA VELHA – Helena Marques Dias — VIAGEM NA LINHA – Maria Maya EDIÇÃO E DISTRIBUIÇÃO

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RETRATO DE AVÓ

Toda a gente tem ou já teve uma avó. Mas ninguém teve, com certeza, uma avó como a minha: redondinha, de trança enrolada sobre a nuca, presa por duas bandoletes de plástico pretas, cara cheia, dois olhos de veludo esmeralda, nariz adunco, vincado pelo peso dos óculos, pele de seda clara. Sempre a conheci vestida sobre o escuro; saias a bater o tornozelo, casaco de decote em bico com botões de madre pérola. A variedade de tons advinha-lhe* das echarpes com que cobria a cabeça: aqui e ali salpicadas de um fiozinho dourado ou lilás — a cor predileta*. Era uma mulher à moda antiga que viveu sempre numa vila nortenha. Conservadora em todos os domínios: jarrinha, postal ou alguidar de plástico comprados na feira eram conservados com a mesma religiosidade que

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as malas de cânfora*, as peças de marfim ou os sapatos pele de cobra espalhadas pela casa.

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Os gatos. Sempre lhe rondaram a porta, silenciosos, sentia-se-lhes apenas o vulto. Fiéis acompanhantes dos serões de minha avó, enquanto tricotava uns carapins* para algum neto, os malinos* pantufavam-lhe* os fraldicos* das saias ou roçavam-lhe pelas pernas, de cauda hirta*, sempre que esta passava para a cozinha. Rato caçado era ofertado à dona da casa, sepultado aos pés de sua cama. Ninhada nova também tinha direito a berçário: caixotes velhos dispersos pelos baixos dos móveis. Entre eles não havia grande diálogo ou mesmo troca de afetividade, dessa que um humano dá a um bicho; de quando em vez percebia-se-lhe um ralho*, do tipo: «Sape*, gato!» ou «Diacho* do bicho que me anda aqui só a ensarilhar* as saias!...», mas quanto ao resto, o entendimento entre ambas as partes era perfeito. As pessoas. Pois muita gente do cimo ou do fundo da vila visitava a Dona Augustinha (Augusta de seu nome). Ou porque lhe vinham trazer algum recadinho, agradecer certa ajuda ou pedir um conselho mais avisado — desde o Padre, à empregada da escola, às vizinhas, aos merceeiros até ao médico, todos subiam os velhos degraus do canelho* para bater à porta da «Dona Augustinha». Aquela casa foi a minha primeira «Escola da Vida». Os serões eram passados, no pico do inverno, à lareira da cozinha. Sentados em banquinhos de


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madeira, os filhos mantinham com ela conversas sobre coisas muito distantes: «Ó mãe, lembras-te...». Eu sorvia* avidamente as palavras todas. Aí conheci as figuras míticas da família: O bisavô de Bragança que casara com uma jovenzinha de «boas famílias», ricos comerciantes, donos desta casa. Ela tivera sete filhos e morrera cedo de pneumónica*. As filhas mais velhas e os criados da casa ajudaram a cuidar dos irmãozitos mais novos. O bisavô Roque era homem respeitoso. Mandava comida aos presos da cadeia* do fundo da vila. A avó Augusta fugira de casa para frequentar a Escola Superior de Educação, em Braga. As boas notas do Curso deveu-as aos metodólogos que lhe ensinaram coisas complicadas, tais como: «planificação de aulas», «estratégias de ensino», «expressão dramática»... A primeira escola onde exerceu, como mestra, ficava a uns bons quilómetros da vila e, depois de casada, era o marido quem a transportava num macho percorrendo caminhos «de cabras». Se metesse cantoria da grossa já sabia que andavam lobos por perto. Sim, porque medo, medo a valer* só sentia pelos lobos e pelas trovoadas. O avô Cunha, conheci-o num desses serões. Homem de boa figura, logo depois do matrimónio cumpre o serviço militar ao lado dos Republicanos. Mas a confusão devia ser tanta que nas cartas enviadas à companheira dizia: «Mulher, aqui nunca sabemos quando estamos em guerra ou em paz...».


Findo* o dito serviço, trabalhou para o anuário de publicidade de um vespertino que o levou a embarcar até ao Norte de África, seguindo depois para Angola, Moçambique e parece que também para Goa. Ganhou muito dinheiro «por lá» que enviava à mulher amiúde* a fim de pagar o colégio dos filhos, porque segundo ele, «um curso valia mais do que cem dotes*». Esta frase passou a «sentença de família» pois sempre a ouvi a minha mãe. O senhor Cunha era olhado com desconfiança pelos da terra. Consta que lia «demasiado» e que dizia coisas muito «avançadas» para o seu tempo. Talvez lesse, a avaliar pela estante da sala de estar. Ao lado dos búzios e das carapaças* de tartaruga africanas, descobri, pela primeira vez, nomes como os do: Eça de Queirós, A. Herculano, J. Dinis, Camilo Peçanha, Camilo Castelo Branco, F. Espanca, Fialho d’Almeida, A. Garrett, Guerra Junqueiro, Cesário Verde, Ramalho Ortigão, António Sérgio, Vitorino Nemésio e tantos outros. Recordo-me que no início da minha adolescência, nas quentes e entediantes* tardes de verão, o livro que mais animava as «reuniões» dos netos chamava-se: «Queríamos ser felizes» de uma tal Louise Scott. Escolhido pelo título, cada leitura era motivo de forte risada*. Mas os nossos quebra-cabeças foram sempre as charadas* matemáticas dos três Almanaques da década de 40 que descobríramos em segunda fila de uma das prateleiras dessa estante.

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RETRATO DE AVÓ

Segundo o Novo Acordo Ortográfico

Filipa Amendoeira

Uma avó; os gatos, as pessoas, a horta, a escola, a estante de livros, os serões à volta das arcas de cânfora; as férias numa vila transmontana – memórias de uma infância feliz. Esta coleção destina-se a um público jovem e adulto, estudante de língua portuguesa e procura facilitar um contacto mais direto com o texto escrito. As histórias originais foram concebidas de modo a permitir não só uma leitura fácil e agradável, mas também uma estruturação em três níveis: Ler Português 1 A partir de um estudo de cerca de 60 horas Ler Português 2 A partir de um estudo de cerca de 100 horas Ler Português 3 A partir de um estudo de cerca de 150 horas

www.lidel.pt ISBN 978-972-757-773-6

9 789727 577736


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