Saúde, Medicina e Sociedade: Uma Visão Sociológica

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centro de estudos das migrações e das relações interculturais universidade aberta

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Índice Os Autores. ..................................................................................................................

XI

Prefácio.......................................................................................................................... Luísa Ferreira da Silva

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Introdução. ...................................................................................................................

XVII

Fátima Alves Capítulo 1

1

O Desafio da Saúde Coletiva à Sociologia Madel T. Luz Introdução: a construção histórica de um campo multidisciplinar de ciências sociais na área da saúde............................................................................................................ As ciências sociais e a cultura da saúde no mundo contemporâneo............................ Ciências sociais na área da saúde atualmente: porquê e para quem?......................... As ciências sociais e a sua intervenção na ordem da vida: desafios do contexto social contemporâneo........................................................................................................ A especificidade da produção do conhecimento das ciências sociais na saúde coletiva: o processo histórico de legitimação científica desta área no Brasil...................... Institucionalização das ciências sociais: papel das associações de pesquisa e pós-graduação: a Associação Brasileira de Pós-graduação em Saúde Coletiva.... Conclusão...................................................................................................................... Referências..................................................................................................................... Capítulo 2

1 4 6 9 10 13 14 15 17

As Agendas Temáticas da Sociologia da Saúde em Portugal Luísa Ferreira da Silva Conclusão...................................................................................................................... Referências..................................................................................................................... Capítulo 3

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Desigualdades Sociais e Saúde

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Luísa Ferreira da Silva, Amélia Augusto, Bárbara Bäckström e Fátima Alves Introdução...................................................................................................................... A saúde e a doença transportam a marca do social..................................................... Género e saúde.............................................................................................................. Os reflexos “nas migrações e na saúde dos migrantes”...............................................

25 25 29 34 V


Saúde, Medicina e Sociedade: Uma Visão Sociológica

As desigualdades na saúde são resultado de problemas de acesso, de barreiras económicas ou de diferentes valores culturais?...................................................... Desigualdades em saúde e doença mental................................................................... Conclusão...................................................................................................................... Referências..................................................................................................................... Capítulo 4

37 40 45 45 49

Estado, Medicina e Políticas em Portugal: Fluxos e Refluxos de Poder Graça Carapinheiro, Helena Serra e Tiago Correia Introdução...................................................................................................................... As políticas de saúde entre o governo dos corpos e os imperativos financeiros.......... O hospital entre a regulação do Estado e o palco das políticas médicas..................... Regulação pública e autorregulação médica ou os múltiplos efeitos da relação entre poderes.......................................................................................................................... Conclusão...................................................................................................................... Referências..................................................................................................................... Capítulo 5

49 49 55 67 72 72 75

Reformas de Sistemas de Saúde em Contextos de Reformas do Estado: Os Casos de Brasil e Portugal Soraya Côrtes e Graça Carapinheiro Introdução...................................................................................................................... Direitos universais em sistemas de saúde duais........................................................... O caso do Brasil....................................................................................................... Direitos universais em sistemas de saúde duais........................................................... O caso de Portugal................................................................................................... Conclusão...................................................................................................................... Referências..................................................................................................................... Capítulo 6

75 77 77 85 85 95 97 99

Políticas de Saúde Mental em Angola, Brasil e Portugal: Desafios para o Século XXI Breno Fontes, Eliane Fonte e Pedro Hespanha Introdução...................................................................................................................... Caso 1: caso de Angola – Sistema de atenção à saúde mental em Angola: entre a tradição e a modernidade.................................................................................................. Introdução ............................................................................................................... A saúde mental em Angola....................................................................................... O hospital psiquiátrico de Luanda...................................................................... As práticas tradicionais de atenção à saúde mental.......................................... Conclusões sobre a saúde mental em Angola......................................................... VI

99 102 102 104 105 107 113


Índice

Caso 2: caso do Brasil – A reforma psiquiátrica no Brasil: avanços e desafios............ Introdução................................................................................................................. Os antecedentes da reforma psiquiátrica no Brasil................................................. A “institucionalização” da reforma psiquiátrica........................................................ A consolidação da rede de cuidados na comunidade............................................. Conclusões sobre a reforma psiquiátrica no Brasil.................................................. Caso 3: caso de Portugal – O processo errático da desinstitucionalização em Portugal. Introdução................................................................................................................. Uma desinstitucionalização hesitante: 4 décadas de avanços e recuos................. Os impasses da reforma psiquiátrica em Portugal.................................................. Conclusões sobre a reforma psiquiátrica em Portugal............................................ Referências..................................................................................................................... Capítulo 7

114 114 115 117 119 121 123 123 124 127 132 132 137

Novas Tecnologias e Saúde: Implicações Políticas e Sociais Felismina Mendes e Jonatas Ferreira Introdução...................................................................................................................... Genética e biomedicalização......................................................................................... Nanobiotecnologia, controlo, perfectibilidade e riscos.................................................. Conclusão...................................................................................................................... Referências..................................................................................................................... Capítulo 8

137 142 152 156 157 161

Racionalidades Médicas, Práticas “Complementares” em Saúde e Novas Profissões Terapêuticas Nelson Filice de Barros e Madel T. Luz Introdução...................................................................................................................... O Sindicato dos Terapeutas (SINTE).............................................................................. Terapeutas Holísticos e as suas características profissionais....................................... Conclusão...................................................................................................................... Referências..................................................................................................................... Capítulo 9

161 164 166 169 170 171

Saúde e Doença no Saber Leigo

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Luísa Ferreira da Silva Introdução...................................................................................................................... Ciência, senso comum e racionalidades....................................................................... As racionalidades do saber leigo de saúde e doença................................................... Conclusão...................................................................................................................... Referências.....................................................................................................................

171 171 174 177 178 VII


Saúde, Medicina e Sociedade: Uma Visão Sociológica

Capítulo 10

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A Análise das Redes Sociais: O Caso da Saúde Mental Breno Fontes e Sílvia Portugal Introdução...................................................................................................................... A aplicação da teoria das redes ao campo da saúde mental........................................ Doença mental e redes sociais: os círculos sociais da loucura..................................... Redes sociais e capital social........................................................................................ Políticas públicas e redes sociais: a interação entre o formal e o informal................... Conclusão...................................................................................................................... Referências..................................................................................................................... Capítulo 11

179 180 184 191 194 198 200 203

Doença Mental e Itinerários Terapêuticos: Uma Visão a Partir da Institucionalização Hospitalar Cláudia Nogueira Introdução...................................................................................................................... A pesquisa...................................................................................................................... Antes do internamento: incompreensão, disrupção e solidão....................................... A procura solitária e infrutífera de soluções............................................................. O agudizar dos sintomas e os seus efeitos.............................................................. O internamento: ponto de inflexão dos itinerários terapêuticos.................................... Depois do internamento: do “hospitalocentrismo” ao vazio da comunidade................ O acompanhamento das Consultas Externas.......................................................... O acompanhamento psiquiátrico das Consultas Externas com outros atores hospitalares.................................................................................................................... O acompanhamento do Hospital de Dia.................................................................. O acompanhamento pós-alta do Hospital de Dia.................................................... Conclusão...................................................................................................................... Referências..................................................................................................................... Capítulo 12

203 204 205 207 208 209 211 212 213 214 215 216 217 219

Lidar com a Doença Mental: Os Sistemas de Cuidados e os Itinerários Terapêuticos Fátima Alves Introdução...................................................................................................................... As trajetórias de cuidado............................................................................................... O sistema de cuidados.................................................................................................. A esfera oficial ou sistema médico: as instituições, os profissionais, as tecnologias e as terapêuticas............................................................................................... As instituições..................................................................................................... Os profissionais.................................................................................................. Os medicamentos............................................................................................... VIII

219 222 224 224 224 226 227


Índice

230 230 230 231 233 235 236

Conclusão Geral...........................................................................................................

237

Glossário de Termos – Português Europeu/Português do Brasil.............................

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Índice Remissivo...........................................................................................................

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As tecnologias e exames médicos..................................................................... A esfera da gestão e administração informal da doença mental............................. As relações de solidariedade da família, da vizinhança e dos amigos............... O domínio dos profissionais do dom.................................................................. O domínio do sujeito........................................................................................... Conclusão...................................................................................................................... Referências.....................................................................................................................

IX



Os Autores Coordenadora e Autora Fátima Alves

É Professora Auxiliar na Universidade Aberta e Investigadora no Centro de Estudos das Migrações e das Relações Interculturais (CEMRI). Coordena a extensão do Centro de Ecologia Funcional da Universidade de Coimbra, na Universidade Aberta, nomeadamente a Linha Ecologia e Sociedade. Doutorada em Sociologia, tem publicado e desenvolvido a sua investigação na área da saúde, saúde mental, políticas sociais, racionalidades leigas, interculturalidade, cidadania social e ambiental, sustentabilidade e participação. E-mail: mfatimapalves@gmail.com

Coorganizadores e Autores Luísa Ferreira da Silva

É Socióloga, Professora Associada com Agregação no ISCSP-UTL. É Investigadora do CAPP-ISCSP-UTL e FCT. A sua principal área de pesquisa e publicação é a saúde do ponto de vista da sua perceção no quotidiano. E-mail: luisafs@iscsp.utl.pt

Breno Fontes

É Professor da Universidade Federal de Pernambuco, vinculado ao Programa de Pós-Graduação em Sociologia. Investigador do CNPq, coordena o Núcleo de Pesquisas sobre Redes Sociais e Poder, com trabalhos nas áreas de redes, movimentos sociais, ONG, saúde, gestão urbana e participação popular. E-mail: brenofontes@gmail.com

Madel T. Luz

É Doutorada em Ciências Sociais-Políticas (USP); Professora Titular reformada da UFRJ e UERJ; Professora colaboradora, membro do corpo docente, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (P.P.G.So.) e da Universidade Federal Fluminense (Instituto de Saúde Comunitária – P.P.G.S.Col.); Líder do Grupo de Investigação CNPq Racionalidades Médicas e Práticas Integráticas em Saúde; Professora membro do convénio FCT – Pt/ /CAPES – Br. E-mail: madelluz@uol.com.br

Autores Amélia Augusto

É Professora Auxiliar no Departamento de Sociologia da Universidade da Beira Interior. Licenciada e Doutorada em Sociologia, tem desenvolvido a sua investigação na área da sociologia da saúde, área em que também assegura a lecionação, nos três ciclos de estudos, ao curso de Sociologia e a cursos de Ciências da Saúde. E-mail: aaugusto@ubi.pt

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Bárbara Bäckström

É Professora Auxiliar da Universidade Aberta. É Investigadora no Centro de Estudos das Migrações e das Relações Interculturais (CEMRI/UAB). Os seus interesses de investigação centram-se nas áreas da saúde dos migrantes, desigualdades e determinantes sociais da saúde, promoção da saúde, idosos imigrantes e saúde. Tem participado em XI


Saúde, Medicina e Sociedade: Uma Visão Sociológica

diversos projetos de investigação e tem publicado artigos nas áreas de interesse científico. E-mail: barbarab@uab.pt

Cláudia Nogueira É Mestre em Sociologia e Investigadora do Centro de Estudos Sociais (CES) no Núcleo de Estudos sobre Políticas Sociais, Trabalho e Desigualdades (POSTRADE). No âmbito do seu projeto de doutoramento, desenvolve pesquisa na área da doença mental, com particular incidência nos itinerários terapêuticos e nas modalidades alternativas ao tratamento hospitalar. E-mail: claudia@ces.uc.pt

Eliane Fonte É Doutorada em Sociologia pela Universidade de Londres (LSE). Pós-Doutoramento no Instituto de Sociologia, Universidade de Hamburgo, Alemanha. Professora Associada do Departamento de Sociologia e do Programa de Pós-Graduação em Sociologia da Universidade Federal de Pernambuco, do qual foi coordenadora. Investigadora do Núcleo de Cidadania, Exclusão e Processos de Mudança (NUCEM/UFPE). Tem investigado e publicado sobre políticas sociais, desenvolvimento rural, agricultura familiar e saúde mental no Brasil. E-mail: elianefonte@yahoo.com.br

Felismina Mendes É Professora Coordenadora na Universidade de Évora, Investigadora no Centro de Investigação e Estudos de Sociologia (CIES/ISCTE-IUL) e integra a Rede Internacional de Representações Sociais (RIPRES). As suas principais áreas de pesquisa e publicação são as novas tecnologias médicas, nomeadamente as genéticas, a (bio)medicalização e a saúde comunitária. E-mail: fm@uevora.pt

Graça Carapinheiro É Professora Catedrática no Departamento de Sociologia da Escola de Sociologia e Políticas Públicas (ESPP) do ISCTE-IUL. Fez parte do grupo fundador do CIES, onde iniciou e ainda continua a coordenar e a desenvolver investigação na Sociologia da Saúde. Inaugurou a Sociologia da Saúde em Portugal com a tese de doutoramento, defendida em 1990, e depois publicada em livro, Saberes e Poderes no Hospital: Uma sociologia dos serviços hospitalares. As suas publicações abarcam vários temas no âmbito da sociologia da saúde, doença e medicina, sob a forma de livros, capítulos de livros e artigos. E-mail: graca.carapinheiro@iscte.pt

Helena Serra É Professora Auxiliar do ISEG-UTL e Investigadora do SOCIUS, onde coordena a linha de investigação em ciência, tecnologia, saúde e profissões. Das publicações recentes, destacam-se, em 2008, o livro Médicos e Poder. Transplantação Hepática e Tecnocracias e, em 2010, o artigo “Medical Technocracies in Liver Transplantation: drawing boundaries in medical practices”, publicado na prestigiada revista Health. E-mail: hserra@iseg.utl.pt

Jonatas Ferreira É Professor Adjunto do Programa de Pós-Graduação em Sociologia e do Programa de Pós-Graduação em Inovação Terapêutica da Universidade Federal de Pernambuco. Membro do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia para a Inovação Farmacêutica e líder do grupo de investigação de Ciência, Tecnologia e Sociedade, e Investigador financiado pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico, tem dedicado a sua carreira académica a temas relacionados com a sociologia da ciência e a técnica. Neste campo amplo, tem particular interesse em aspetos sociológicos, políticos e existenciais XII


Os Autores

relacionados com as tecnologias da vida, tais como, pesquisa com células troncoembrionárias, nanobiotecnologias e consumo de psicofármacos. E-mail: ferjonatas@gmail.com

Nelson Filice de Barros

É Professor de Sociologia da Saúde e Coordenador do Laboratório de Práticas Alternativas, Complementares e Integrativas em Saúde (LAPACIS), da área de Ciências Sociais Aplicadas à Saúde, e do Departamento de Saúde Coletiva na Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), em São Paulo (Brasil). É também Investigador do CNPq, com trabalhos na área do ensino das ciências sociais no campo da saúde, metodologia qualitativa e práticas não convencionais de cuidado e cura. E-mail: nelfel@uol.com.br

Pedro Hespanha

É Doutorado em Sociologia pela Universidade de Coimbra, docente da Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra (FEUC) e Investigador do Centro de Estudos Sociais (CES) no Núcleo de Estudos sobre Políticas Sociais, Trabalho e Desigualdades (POSTRADE). Tem investigado e publicado nas áreas de políticas sociais, pobreza e exclusão social, estudos rurais e economia solidária. E-mail: pedro.hespanha@gmail.com

Sílvia Portugal

É Doutorada em Sociologia, Docente da Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra (FEUC) e Investigadora do Centro de Estudos Sociais (CES) no Núcleo de Estudos sobre Políticas Sociais, Trabalho e Desigualdades (POSTRADE). Tem investigado e publicado sobre as relações entre sistemas formais e informais de produção de bem-estar e sobre a importância da família no sistema de proteção social português. E-mail: sp@fe.uc.pt

Soraya Côrtes

É Doutorada em Social Policy pela London School of Economics and Political Science; Professora do Departamento e do Programa de Pós-Graduação em Sociologia da UFRGS; Investigadora CNPq, Coordenadora Adjunta do Comité de Avaliação da CAPES (Sociologia) e Vice-Presidente da Sociedade Brasileira de Sociologia. Concentra a sua docência na área de políticas públicas e sociologia da saúde. As suas investigações tratam principalmente de processos participativos, tais como orçamentos participativos, consultas populares e conselhos de políticas públicas e das políticas de saúde. E-mail: vargas.cortes@ufrgs.br

Tiago Correia

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Doutorado em Sociologia pelo ISCTE-IUL, e Pós-Doutorado pela Universidade de Montreal e pela Universidade McGill, desempenha atualmente funções como Investigador do CIES-IUL e Professor Auxiliar Convidado no ISCTE-IUL. Como autor e coautor tem publicado diversos trabalhos académicos sobre teoria sociológica, profissões de saúde, organizações hospitalares e sistemas de saúde, temas sobre os quais tem incluído redes de investigação nacionais e estrangeiras. E-mail: tiago.correia@iscte.pt

XIII



Introdução Saúde e sociedade no século XXI – Desafios à análise sociológica Os capítulos reunidos neste livro ilustram desenvolvimentos recentes no campo da sociologia da saúde e da doença em Portugal e no Brasil. Integra contributos de diversos/as investigadores/as que em ambos os países têm submetido ao crivo da análise sociológica as instituições, as profissões, as políticas, as tecnologias, os atores, e a pluralidade de saberes, poderes e fazeres que povoam este campo caracterizado pela sua complexidade e multidimensionalidade. Neste contexto procurámos, na escolha dos temas nele incluídos, proporcionar aos leitores e leitoras deste campo uma visão global e diversificada que contribuísse, por um lado, para fazer o ponto da situação e, por outro, para fornecer instrumentos facilitadores do questionamento crítico e reflexivo dos desafios que os fenómenos da saúde e da doença nas sociedades contemporâneas em geral e nos contextos a que estes se referem, em particular, colocam. Procuramos igualmente contribuir para a disponibilização de bibliografia em português de enquadramento geral na área da sociologia da saúde e da doença de modo a servir de base a várias unidades curriculares que fazem parte dos planos de estudos de cursos superiores graduados e pós-graduados na área das ciências sociais, da saúde e humanas. Os seus contributos e instrumentos estendem-se ao desenho das políticas sociais neste campo, bem como à organização de serviços e estruturas de resposta às necessidades de saúde e doença/ saúde e doença mental. Neste contexto, o livro dirige-se a um público diversificado de cientistas sociais, profissionais de saúde, trabalhadores sociais, políticos, gestores de estruturas de saúde, associações, estudantes de graduação e pós-graduação, bem como todos aqueles que trabalhem com relações interculturais e que se interessem pela temática.

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Perseguindo esses objetivos, o livro abrange várias dimensões da sociologia da saúde e da doença, nomeadamente a construção social da saúde; os determinantes sociais de saúde; as políticas de saúde; as novas configurações organizacionais e profissionais; a medicalização das sociedades; as racionalidades leigas; a doença mental e o indivíduo, a família e a comunidade; as relações sociais e mediações entre profissionais, cuidadores e doentes; as redes sociais de saúde; os sistemas de saúde complementares/alternativos e as práticas integrativas; os novos públicos de saúde, as novas tecnologias e novos campos; as novas formas de desigualdade e discriminação em saúde e o acesso à saúde. A saúde e a doença têm vindo a ser alvo de questionamentos oriundos de diferentes campos disciplinares. Por um lado, as ciências biomédicas que têm centrado a sua investigação, entre outros, nas tecnologias do diagnóstico e na medicação inteligente, individualizada. As ciências sociais em geral e a sociologia em particular têm vindo a contribuir para o movimento de humanização do campo da saúde e da doença e para o desenho das políticas públicas. No Brasil a integração dos XVII


Saúde, Medicina e Sociedade: Uma Visão Sociológica

avanços académicos no campo da saúde tem vindo a ser incorporada quer nas práticas dos serviços, quer na definição de políticas públicas e reformas em curso. Em Portugal, a ligação entre a investigação social e a organização dos serviços e definição das políticas não é linear e tem vindo a colocar em evidência as complexidades do diálogo entre a academia, particularmente as ciências sociais, e o campo social da saúde e da doença, onde se situam as instituições, os seus profissionais e os utilizadores ou usuários, bem como toda uma panóplia de atores sociais que neste campo interagem, mediados por relações de poder, onde a medicina continua a ser entendida como a ciência e a profissão com voz ativa. Este livro pretende também evidenciar as outras vozes, dos outros conhecimentos, fundamentais para a definição de políticas mais ajustadas às necessidades sociais e políticas das populações e dos estados. O questionamento das origens da análise sociológica do campo da saúde é desde logo aprofundado no capítulo de abertura deste livro colocando o enfoque no seu desenvolvimento no ocidente, mas dando especial relevo ao caso brasileiro, com o artigo de Madel Teresinha Luz sobre o “desafio da saúde coletiva à sociologia”. Neste capítulo a autora começa por procurar as raízes históricas das ciências sociais na área da saúde para contextualizar as agendas sociológicas posteriores. Num campo marcadamente interdisciplinar procura evidenciar a emergência da reflexão teórica e empírica das ciências sociais e humanas sobre a saúde e a doença. Expondo notavelmente a vigilância epistemológica sobre a emergência das ciências humanas e sociais, realça as limitações teóricas e empíricas destes primeiros trabalhos na explicação do campo da saúde e da doença e introduz os desenvolvimentos até à atualidade. Enaltece os trabalhos das diversas ciências sociais na saúde dando relevância aos estudos interdisciplinares, enfatizando a sua instrumentalização, a sua inovação muitas vezes não reconhecida nem legitimada, e problematizando as tensões e aproximações com a saúde coletiva e pública. Coloca na mesa o desafio da luta pelo reconhecimento institucional, académico e científico, num campo que coloca complexidades e dilemas na medida em que cruza as ciências da vida e as ciências sociais. O segundo capítulo, da responsabilidade de Luísa Ferreira da Silva, dá entrada às “agendas temáticas da sociologia da saúde em Portugal”, situando a sua emergência na segunda metade da década de 80 do século passado e enfatizando as agendas futuras. Baseia-se numa recolha de trabalhos já publicados para classificar em seis tópicos organizados em: estado de saúde das populações, extensão da pericialidade, políticas, profissões e sistemas, centralidade ao cidadão e afirmação leiga. Esta organização temática remete para concetualizações que a teoria sociológica tem vindo a desenvolver nos últimos anos em termos internacionais e demonstra o impacto que a sociologia da saúde tem tido na comunidade científica, apesar da sua juventude no nosso país. Trata-se de um capítulo que fornece bibliografia dos textos publicados em revistas nacionais e editoras nacionais, sendo por isso muito útil para uma visão sociológica do campo da saúde em Portugal. O terceiro capítulo introduz uma área de fronteira entre a epidemiologia e a sociologia, tratando das desigualdades sociais em saúde. As autoras, Luísa Ferreira da Silva, Amélia Augusto, Bárbara Bäckström e Fátima Alves, convidam à desconsXVIII


Introdução

trução do modelo biomédico, o que exige convocar os fatores sociais e ambientais reconhecendo a sua importância para a explicação das desigualdades em saúde/ doença. A compreensão dos níveis de saúde das populações exige considerar as suas múltiplas dimensões: mais do que um fenómeno biofisiológico, é um fenómeno psicológico, social, cultural, económico, político e espiritual, enraizado em contextos espaçotemporais e que adquire múltiplas expressões (materiais e simbólicas) tendo em conta as classes sociais, o género, as etnias, etc., que imprimem diferentes formas de vivenciar a saúde e a doença. Neste contexto é dada ênfase à análise das desigualdades do “género na saúde”, os seus reflexos “nas migrações e na saúde dos migrantes” e por fim é introduzida a especificidade da saúde mental, um campo a que os últimos estudos epidemiológicos têm vindo a dar maior atenção, dadas as projeções da sua esmagadora e alarmante importância nos próximos anos a nível mundial.

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“Estado, Medicina e Políticas em Portugal: Fluxos e Refluxos de poder” é alvo de análise, no quarto capítulo, por Graça Carapinheiro, Helena Serra e Tiago Correia. As autoras e o autor convidam à reflexão em torno das políticas de saúde, dos poderes que historicamente as atravessam e das múltiplas combinações regulatórias que se vão negociando e sedimentando no palco da saúde e da doença em Portugal, entre estado, medicina e sociedade. Estas, mais do que resultantes da responsabilização dos estados e da própria medicina na normalização, normativização e moralização dos corpos, refletem uma tendência para a coletivização da saúde e da doença. É dada especial relevância ao Hospital enquanto lugar da medicina, visto enquanto organização central do sistema de saúde, onde a prática da medicina se constrói, desenvolve e reproduz. Este capítulo fornece instrumentos fundamentais para a análise das políticas de saúde nas sociedades atuais e identifica os principais eixos analíticos que permitem perceber a sua génese e desenvolvimento, constatando a complexidade deste campo e os desafios económicos, políticos, ideológicos, científicos, jurídicos, culturais e sociais que coloca. Por fim, salientam o debate entre regulação pública e a autorregulação médica, analisando a experiência portuguesa através da pesquisa empírica efetuada pelas autoras e pelo autor, que cobre 20 anos. A comparação das políticas de saúde entre Brasil e Portugal, um campo central no campo da sociologia da saúde, é alvo de análise no quinto capítulo, onde Soraya Côrtes e Graça Carapinheiro traçam o panorama geral das reformas em curso e identificam os desafios que daí resultam para os estados, para os profissionais e para as populações. Introduzem e discutem comparativamente as grandes características estruturais das sociedades Brasileira e Portuguesa a fim de contextualizar a análise das reformas dos sistemas de saúde em ambos os países. Neste capítulo é visível a análise que permite constatar que os objetivos dos sistemas criados, o SNS em 1979 em Portugal e o SUS em 1988 no Brasil, apenas parcialmente foram implementados. Na constituição destes sistemas de saúde se reflete claramente o contexto de transição democrática por um lado, integrando o projeto político que lhe dera origem e por outro a crise económica que na Europa e no ocidente vinha colocando em causa os princípios basilares dos estados de bem-estar social, sobretudo no que respeita ao seu financiamento e consequente recuo e desmantelamento. Neste capítulo as autoras dão conta das relações complexas XIX


Saúde, Medicina e Sociedade: Uma Visão Sociológica

entre o estado, o mercado e a comunidade para evidenciarem as diversas facetas e desafios que a situação atual coloca. É por isso um capítulo central deste livro, na medida em que sujeita ao crivo da análise sociológica os pilares onde assentam e se estruturam os sistemas de saúde português e brasileiro, identificando os modos de produção da saúde contemporânea e os desafios que estes lançam aos diversos atores e instituições. Seguindo o trilho da comparação e das suas propriedades heurísticas de discussão da sociedade, Breno Fontes, Eliane da Fonte e Pedro Hespanha apresentam o panorama recente das “políticas de saúde mental”, alargando a comparação, para além do Brasil e Portugal, a Angola, onde equacionam os desafios do século XXI. Breno Fontes abre o capítulo com a análise do caso angolano, evidenciando as diferenças ao nível das práticas de cuidados de saúde mental: em Angola, a maior parte dos cuidados prestados no campo da saúde mental não segue a prescrição biomédica, assumindo aqui as diversas tradições religiosas e os conhecimentos terapêuticos praticados por curandeiros, um lugar de destaque. Eliane da Fonte nos apresenta, na segunda parte do capítulo, uma visão da história recente das políticas de saúde mental no Brasil, onde o movimento pela reforma psiquiátrica aparece encabeçado pelos profissionais, pelas associações de utentes e outros atores sociais. A reforma propõe um sistema assente no desmantelamento dos hospitais psiquiátricos e na criação de serviços de atenção ancorados territorialmente e organizados de forma multidisciplinar de modo a atuar ao nível da reabilitação psicossocial e integração dos crónicos institucionalizados. A implementação da reforma no Brasil tem vindo a ser evidenciada pela Organização Mundial de Saúde pelo seu protagonismo no processo mundial de transformação da instituição psiquiátrica e das políticas de Saúde Mental. Pedro Hespanha, na terceira parte do capítulo, reconstitui a trajetória da experiência portuguesa. Enfatiza a desinstitucionalização em curso que visa substituir os hospitais psiquiátricos por serviços de saúde mental em hospitais gerais, criar unidades de cuidados de âmbito comunitário e apoiar as famílias que tenham doentes a seu cargo. Como é dito no capítulo, este processo apresenta uma dinâmica fortemente ancorada na regulação burocrático-administrativa, marcada por fluxos e refluxos. Nesta análise ficam evidentes os fatores e características de aproximação e afastamento entre estes três países, que se relacionam intimamente com as conceções dominantes e modos de agir subjacentes à construção dos modos de produção de saúde mental. No Capítulo 7 do livro, Felismina Mendes e Jonatas Ferreira apresentam as “novas tecnologias e saúde: implicações políticas e sociais”. Nele exploram o campo das tecnologias da saúde assentes no domínio técnico, que pressupõe qualquer forma de lidar e combater as doenças (desde a medicina, à magia), contribuindo para a discussão das fronteiras entre normal e patológico. Ao longo do capítulo vão analisando as implicações políticas e sociais (e individuais) das novas tecnologias no campo da saúde. É evidenciada a medicalização da existência e o seu aprofundamento pela biomedicalização, que convoca para a arena novos significados de saúde, doença, diagnóstico, medicina e seus atores, e novos sistemas de produção de cuidado. Esses novos conceitos, instituições, atores e tecnologias de ponta relacionam-se intimamente com a necessidade de gestão dos riscos, onde a vigilância permanente promove um controlo sobre a vida presente e futura XX


Introdução

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sem precedentes. Já não se trata apenas de curar e gerir doenças ou de as prevenir (antecipando a sua deteção), mas também de aumentar e otimizar o corpo, as suas aptidões e prolongar a vida. Analisam o edifício da cultura tecnológica que se afirma com o desenvolvimento da biomedicalização onde a genética e a nanobiotecnologia assumem um lugar de destaque. Uma outra indagação que a autora e o autor analisam é a de perceber qual o impacto deste novo cenário nas vidas das pessoas e nas suas identidades. Aí, analisam as suas implicações individuais, sociais e culturais dando especial destaque a novas formas de eugenia e discriminação com base na genética. A responsabilidade individual pela saúde e melhoramento do funcionamento do corpo instaura uma nova moralidade que exige discussão sobre o risco genético do ponto de vista do conhecimento e da sua influência na ação: cabe aos indivíduos conhecer os seus riscos, modificá-los e proteger a sua saúde. A análise crítica que promovem, neste contexto, permite equacionar o que é esperado do indivíduo: uma participação ativa. Enquanto ser racional, atento e consumidor soberano, o indivíduo é protagonista, é responsável porque é livre, é um biocidadão. Por fim, os traços da cultura biotecnológica são aprofundados com a nanobiotecnologia que fortalecem os processos de biomedicalização em curso, com fortes impactos no quotidiano da saúde e nas trajetórias de vida dos indivíduos, mas também nas agendas públicas dos estados, na economia e na sociedade. O desafio que deixam à sociologia é o de questionarem os processos sociais subjacentes à apropriação e uso social das biotecnologias que modelam, normalizam e controlam os indivíduos. No Capítulo 8, Nelson Filice de Barros e Madel Luz problematizam as “Racionalidades Médicas, Práticas «Complementares» em Saúde e Novas Profissões Terapêuticas”. Partem do conceito de racionalidades médicas para o aprofundar na relação com a leitura da realidade brasileira atual, e nos darem conta dos desafios em torno das medicinas designadas complementares, alternativas, não convencionais. Partem, neste contexto, da sua relação com a biomedicina, para problematizar os desenvolvimentos integrativos de alguns destes sistemas nas políticas de saúde brasileiras. Para isso começam por desconstruir historicamente os conceitos implicados na definição deste campo, enaltecendo as suas dimensões políticas, sociais e culturais. Propõem uma leitura histórica e crítica das práticas não biomédicas, para perceber a atualidade quer em termos dessas práticas e sistemas, quer das profissões que as suportam e implementam. Identificam neste campo o surgimento de novos profissionais híbridos, com uma prática construída na complementaridade dos saberes das especialidades da biomedicina e de outras racionalidades médicas, como escrevem. Problematizam a essa luz os novos profissionais e o processo da sua profissionalização em curso, aclamando a necessidade de desenvolver mais estudos neste campo que aprofunde as questões sociológicas pouco exploradas, ligadas às profissões e às práticas no campo da saúde. Neste capítulo, mais do que analisar aprofundadamente cada um dos aspetos evidenciados, o autor e a autora procuram mostrar implicações da sua invisibilidade assim como as suas relações com as estruturas formais do campo do cuidado e cura no Brasil. Iniciam neste texto a necessária e urgente reflexão em torno da profissionalização e sindicalização destes terapeutas. XXI


Saúde, Medicina e Sociedade: Uma Visão Sociológica

A “saúde e a doença no saber leigo” são discutidas por Luísa Ferreira da Silva no nono capítulo. A autora apresenta e questiona a validade do conhecimento leigo, contextual e subjetivo, fazendo uma análise retrospetiva ao método científico e à constituição das ciências sociais. A constatação da multiplicidade do saber que apresenta revela a importância da constante procura de sentido para a realidade natural e social que caracteriza a reflexividade humana. Com base nos resultados da pesquisa científica a autora apresenta os desafios do conhecimento leigo sobre saúde e doença para a ciência e para as políticas, mostrando a cultura como instrumento heurístico de criação de significados e sentidos que se revelam na interação em torno destes fenómenos. Neste capítulo são disponibilizados diversos exemplos que atestam a importância do conhecimento dos saberes leigos para a compreensão da saúde e da doença nas nossas sociedades. A abordagem das redes sociais é desenvolvida no Capítulo 10 por Breno Fontes e Sílvia Portugal, onde é problematizado com especial destaque o caso da doença mental. A análise a partir da teoria das redes proporciona um campo de pesquisa em saúde mental inovador, onde as suas propriedades concetuais e metodológicas são alvo de atenção. Nesse sentido, o autor e a autora expõem e problematizam no campo da sociologia os seus conceitos e princípios fundamentais evidenciando o seu potencial na explicação da “dicotomia” sociológica entre as estruturas e os sujeitos sociais. Neste capítulo, a análise das redes permite enfatizar as relações uma vez que as categorias sociais delas são reflexo e por elas estão interligadas. É discutida a possibilidade de aplicação da teoria das redes ao campo mental e considerada a sua influência nos estilos de vida, no bem-estar e na saúde, bem como na forma de circulação das “coisas” com base na dádiva e não nos mecanismos formais do estado e do mercado. Por fim, é dada relevância aos círculos sociais da loucura, aplicando a teoria das redes à doença mental, donde resulta a análise da identificação e do conteúdo das relações sociais que nelas se estabelecem. No décimo primeiro capítulo, Cláudia Nogueira analisa os itinerários terapêuticos na doença mental a partir de uma instituição hospitalar. Tendo como pano de fundo a desinstitucionalização psiquiátrica em curso em Portugal, neste capítulo a autora procura, a partir de uma pesquisa mais ampla, compreender a forma como os sujeitos com diagnósticos psiquiátricos mobilizam os apoios formais/institucionais existentes. Neste contexto descreve e interpreta os itinerários terapêuticos individuais encontrados e identifica as características das modalidades de acompanhamento institucional atualmente existentes, bem como as suas articulações. Esta análise permite à autora identificar os aspetos mais negativos e os aspetos mais positivos do modelo formal existente, refletindo desta forma sobre o processo de desinstitucionalização em curso e apontando os desafios que lhe estão inerentes. Neste capítulo cumpre-se com um importante contributo para o campo da análise sociológica da doença mental, na medida em que este estudo aprofunda, sistematiza e solidifica resultados de pesquisas anteriores e evidencia as contradições e limites das políticas de saúde mental desinstitucionalizantes, apontando caminhos de reflexão fundamentais para todos os cientistas e profissionais deste campo. Por fim, e complementando o panorama do campo mental, Fátima Alves analisa a doença mental problematizando as racionalidades leigas sobre sofrimento mental XXII


Introdução

a partir das trajetórias de cuidado e dos itinerários terapêuticos obtidos através de um estudo qualitativo efetuado na região norte de Portugal. Este estudo foi efetuado a partir de uma amostra diversificada da população com o objetivo de evidenciar, para além das racionalidades profissionais e do discurso oficial das políticas de saúde mental, quais as conceções que circulam no mundo onde a vida quotidiana se desenrola, dimensão fundamental a considerar nas políticas de saúde mental. Nas narrativas a autora procurou perceber qual (ou quais) o sistema de cuidados de saúde mental conhecido e como é ele mobilizado nas situações experienciadas, isto é, como se estruturam os itinerários de cuidado percorridos para lidar com a doença e o sofrimento mental. As trajetórias relatadas são complexas e revelam a identificação dos serviços e estratégias de cura conhecidos e utilizados, bem como os modelos explicativos reveladores das escolhas. São analisados os elementos que compõem as escolhas das pessoas nos contextos onde ocorrem, o que permite identificar projetos de cuidado plurais no lidar com o sofrimento mental e com a doença mental, desconhecidos ou ignorados pelos profissionais. O pluralismo dos sistemas de cuidados encontrados é organizado pela autora em sistema oficial, sistema informal e alternativo. Nesta configuração descreve e analisa a articulação das práticas de recurso a “terapêuticas diversificadas” (muitas vezes mobilizadas em simultâneo), diferentes das da biomedicina e que se ocultam da instituição médica. Uma das características que marcam as racionalidades leigas neste contexto é sem dúvida a resistência à medicalização da vida e à psiquiatrização das sociedades, reivindicando a competência do sujeito na gestão dos “sofrimentos” do quotidiano e relegando à psiquiatria, seus profissionais e suas terapêuticas, as situações consideradas como verdadeiras doenças mentais e que se reportam às pessoas que foram vencidas pelo sofrimento (normal da vida) e que perderam a ligação à realidade. Os capítulos reunidos neste livro permitem o aprofundamento contextual, crítico e reflexivo em torno da saúde e da doença, tomadas enquanto facto social e cultural, dando especial relevância aos contributos da sociologia para a compreensão das suas especificidades e para o seu debate contemporâneo.

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Fátima Alves

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