Índice Prefácio V Introdução VII Anexo – Racional da Pesquisa XI
1 A investigação em Serviço Social
1
1.1 Serviço Social, ciência e profissão
1
2 Identidade(s) profissional(is) dos assistentes sociais
7 7 10 12 18 21
3 Serviço Social: ensino e profissão
25
2.1 Problematizar o conceito de identidade 2.2 Profissão, saberes e poderes 2.3 Percurso pela identidade da profissão 2.4 A instrumentalidade do agir 2.5 Implicações do “managerialismo” na profissão
3.1 Percurso do ensino em Portugal 3.2 Compromisso do Serviço Social com a justiça social e os direitos 3.3 Organização atual do ensino superior em Portugal 3.4 Uma área de conhecimento multidisciplinar 3.5 A profissão de assistente social 3.6 Os desafios atuais
4 O assistente social em Portugal 4.1 Perfil dos assistentes sociais 4.2 Categoria profissional e vínculo contratual 4.3 Geografia das instituições empregadoras 4.4 Atribuições profissionais
© PACTOR
5 Regulamentação da profissão 5.1 Jurisdição da profissão
25 28 31 35 37 38 41 41 45 49 58 63 63
IV Ser Assistente Social
6 A intervenção social
6.1 Áreas e problemáticas 6.2 Campo e processo 6.3 Estratégias 6.4 Constrangimentos
7 Teorias, modelos de intervenção e ética 7.1 Fundamentos teórico-metodológicos 7.2 Modelos de prática 7.3 Ética 7.4 Tipologias dos processos de intervenção profissionais
8 Identidade(s) profissional(is) percebidas 8.1 Quem somos “Nós” 8.2 “Nós” e “Eles” (a organização) 8.3 “Nós” e “Os cidadãos” que utilizam os serviços d’“Eles”
9 Discussão dos resultados: mutações e desafios
73 73 76 78 80 83 83 86 88 92 95 95 98 100 103
9.1 Características da profissão em Portugal: uma visão de síntese 103 9.2 Limites e potencialidades da pesquisa 109 Conclusão 111 Referências bibliográficas
115
Índice Remissivo
125
Prefácio O exercício proposto neste livro é um exercício clássico no domínio do estudo das profissões, designadamente naquelas cuja existência é acompanhada pelos desafios e necessidade de (re)conhecimento (inter)profissional. Trata-se de uma publicação baseada numa investigação sobre Ser Assistente Social, o que pede à equipa de autoras/es um segundo exercício: o da sua (ex)posição como investigadoras/es. Conhecer uma profissão oferece-se não só a múltiplas indagações, como tem hoje à sua disposição uma cada vez mais extensa ancoragem teórica. Opta-se neste trabalho por abordar um significativo conjunto de dimensões de análise com o que se configura, quase forçosamente, numa perspetiva panorâmica sobre a profissão. Assim, desde o interesse no devir histórico da profissão e do ensino, o(s) tipo(s) de intervenção (vista através de áreas, processos e estratégias profissionais), elencam-se teorias e o lugar da ética. Deixa-se evidente a vantagem de identificar uma multiplicidade de ângulos contidos no propósito analítico enunciado – esclarecer e refletir sobre o Ser Assistente Social.
© PACTOR
A opção construída neste trabalho permite ainda desenvolver quer sugestões de aprofundamento, quer interlocuções com outras análises de dimensões complementares e com potencial contributivo para esta elucidação profissional. Com a construção de redes de investigação (cuja necessidade tem sido subscrita por analistas em vários campos e também no domínio do Serviço Social – vide A. Sposati, 2007, Katálysis) defende-se, entre outras, a vantagem de reflexões que combinem extensão e aprofundamento. No apoio às redes de investigação, invocam-se, ainda, os benefícios de fazer dialogar perspetivas analíticas complementares e de acesso a versões comparadas de diferentes contextos territoriais. O trabalho que se apresenta deixa, pois, estendido um amplo repertório de outras análises para além daquelas que alcançou. Aliás, outro não poderia ser o sentido de um retrato que, por muito fiel e dedicado ao objeto, não dispensa outros retratos de contexto e/ou de pormenor. Mas, estamos também perante a circunstância de se tratar da apresentação de uma pesquisa. Numa das suas instigantes reflexões, P. Bourdieu (in
VI Ser Assistente Social
Bourdieu, P. e Wacquant, J. 1992. Réponses: pour une anthropologie reflexive, Ed. Seuil, Paris), num capítulo dedicado ao tema “Transmitir uma profissão”, discorre sobre a capacidade de entender uma pesquisa, que define como “(...) um percurso racional – e não como uma espécie de procura mística, de que se fala com ênfase para nos acalmarmos – mas que tem também o efeito de redobrar o medo e a angústia” (pp.189-195). E, por isso, considera que apresentar uma pesquisa é “... exatamente o contrário de um show (...) é um discurso no qual nos expomos, corremos riscos”. E acrescenta ainda: “quanto mais nos expomos mais teremos oportunidades de tirar proveito da discussão”. E, neste contexto, não se deverá esquecer que um dos riscos da pesquisa é-nos dado pela importância social e científica dos objetos trabalhados. E, na senda deste veio de análise, a investigação em Serviço Social está quase sempre associada a um trabalho de constituição de objetos científicos a partir de objetos socialmente pouco significantes, na expectativa de os trabalhar segundo ângulos inesperados, dando-lhes densidade e visibilidade, enfim, com isso os publicitando. Depois de uma incursão nas agruras que ao longo das (suas) pesquisas (se) experiencia, Bourdieu sai em defesa da condição necessária de correr riscos, de ser interpelado, de poder falar dos erros e dos limites. Por maioria de razão, ao subscreverem para este trabalho uma perspetiva analítica crítica, os/as investigadores/as, assim como os resultados alcançados, abrem-se ao confronto com outras leituras e perspetivas, mesmo quando não se lhes afigurem como complementares. Mas este exercício supremo tem requisitos exigentes, de entre os quais se releva não só a existência de leitores/as, mas de comunidades de leitores/as que aceitem correr idênticos riscos de exposição construtiva. A proposta está disponível, que o mesmo é dizer, está à espera da sua outra dimensão: a da interlocução que a completa e, a prazo, a superará. Num tempo em que se tem acentuado “The Death of Expertise” (Tom Nichols, 2017), a pesquisa em Serviço Social configura-se como fonte prático-analítica que importa e contribui para o revigoramento permanente da profissão, mas, sobretudo, espera-se que seja o suporte adequado e justo no desempenho da sua função sociopolítica de “...dar novos mundos ao mundo” (Luís de Camões, Lusíadas, Canto II). Fernanda Rodrigues
Presidente da Comissão Instaladora da Ordem dos Assistentes Sociais Leça da Palmeira, 5 de julho de 2020
Introdução Este livro, Ser Assistente Social — Retrato(s) da profissão, resulta de um projeto de pesquisa em Serviço Social desenvolvido no Centro de Administração e Políticas Públicas (CAPP) do Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas (ISCSP) da Universidade de Lisboa. Pretende-se aqui ilustrar a profissão do Serviço Social em Portugal numa perspetiva crítica. O Serviço Social tem mais de 100 anos em todo o mundo e mais de 80 anos em Portugal. Surgiu como resultado do processo de industrialização e como resposta às várias expressões da questão social (relação entre o capital e o trabalho, desigualdade, exploração, pobreza) e assume-se como uma disciplina e uma profissão comprometida com a justiça social e a concretização de direitos. Enquanto profissão está regulamentada em grande parte dos países do mundo, quer através de legislação, quer através de autorregulação (conselhos e ordens profissionais). Enquanto disciplina integra-se nas ciências sociais, sobretudo nas que tratam de entender a mudança social. Durante a sua trajetória tem sido confrontada com desafios cada vez mais complexos e tem-se reinventado continuamente, desde o seu surgimento até à atualidade.
© PACTOR
Em termos epistemológicos adota uma pluralidade de abordagens teóricas, que lhe permitem problematizar de forma integrada e compressiva o seu objeto de conhecimento e ação: a pessoa na sua dignidade; e a sociedade, direitos humanos e justiça social. Sendo uma disciplina científica apresenta vários objetos de conhecimento resultantes das várias expressões da questão social, assim como uma pluralidade de métodos e técnicas. O Serviço Social exerce-se na sociedade com uma autonomia relativa de critérios, com um saber técnico e científico e com uma responsabilidade social (Carvalho, Silva, Vicente, & Garcia, 1996). Contudo, todas as profissões têm a responsabilidade de servir a sociedade, pois os profissionais
VIII Ser Assistente Social
não trabalham só para si, mas também para os outros. Isto significa que a sociedade reconhece que esta profissão é importante para o seu funcionamento e este reconhecimento leva à criação de estruturas de or-
ganização da profissão (ensino, formação e representação — associações
e ordens profissionais), bem como de campos profissionais para o seu exercício.
Em Portugal, o Serviço Social é uma área do saber investigada, ensinada, aplicada, refletida e exercida por uma profissão: a de assistente social. Ao nível do ensino e da formação, esta profissão foi instituída no nosso país na década de 30 do século XX, em escolas específicas para o efeito e, posteriormente, na década de 90 do século XX, em universidades e ins-
titutos superiores. Foi desta forma que a profissão edificou o seu campo e criou espaço para o seu funcionamento na sociedade portuguesa.
Desde 1939 que o título profissional foi definido (art.º 9.º do Decreto-Lei
n.º 30 135, de 14 de dezembro de 1939) como sendo privativo dos diplomados em Serviço Social. Este decreto-lei passa a reconhecer o título
profissional e o diploma de Serviço Social e aprovava o plano de estudos de três anos, ministrado pelos Institutos de Serviço Social de Lisboa e
Coimbra. Em julho de 1956, o Decreto-Lei n.º 40 678 revê o Decreto-Lei
n.º 30 135, ao estabelecer a formação em quatro anos curriculares e con-
sagra definitivamente a designação de assistente social como profissão
(cf. art.º 1.º). Em 1989, foi reconhecido o grau de Licenciatura aos cursos de Serviço Social ministrados em Portugal e atualizada a disposição legal do uso exclusivo do título profissional de assistente social aos licencia-
dos em Serviço Social. Em 1994, um decreto-lei possibilitou igualmente o acesso à carreira de técnico superior de Serviço Social aos licenciados em Política Social.
Hoje em dia, o Serviço Social insere-se nas profissões do trabalho so-
cial (social work). De acordo com a Classificação Nacional das Áreas de
Educação e Formação (Portaria n.º 256/2005, de 16 de março), o Serviço Social integra-se na classificação 762, ou seja, no trabalho social e orientação. Já a classificação do Field of Science and Technology (FOS), Manual
Frascati, da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Eco-
nómico (OCDE), adotada pela Fundação para a Ciência e a Tecnologia
Introdução IX
(FCT) para atribuição de bolsas de doutoramento, integra o Serviço Social numa das subáreas da Sociologia1. Desde 1979 que a profissão tem sido representada pela Associação dos Profissionais de Serviço Social (APSS) e desde 2019 que a regulamentação da profissão cabe à Ordem dos Assistentes Sociais. A ordem profissional é uma instituição representativa dos profissionais com estatuto legal, legitimada pelo Estado, que atribui a autorregulação do exercício profissional à categoria profissional e aos assistentes sociais. O campo do Serviço Social é o espaço ocupado pela profissão na sociedade e no contexto das políticas públicas e sociais onde entram em jogo tensões, poderes, saberes e interesses pessoais e corporativos. A profissão é exercida em organismos internacionais, europeus e nacionais, na administração central e local, e em organizações da sociedade civil. O seu campo de atuação tem sido expandido à medida que as questões sociais se foram adensando. O Serviço Social é uma disciplina científica, um processo e uma prática profissional, técnica e eticamente orientada, com a finalidade de alterar as condições de desigualdade, de injustiça e de opressão das sociedades, promovendo o bem-estar, a justiça social e os direitos humanos (Mouro, 2009, 2014).
© PACTOR
A profissão centra-se na mudança social em dois planos articulados entre si: no plano individual, com ações de promoção da dignidade e emancipação da pessoa; e no plano social, com ações de promoção da justiça social e coesão (oportunidades e acesso a recursos), sendo esta a sua razão de ser — o Telos. Este objetivo é muito exigente, pois a profissão é constantemente influenciada pela globalização do capitalismo, neoliberalismo, crise ambiental (com impactos negativos na economia), política e questões sociais (Ferguson, Ioakimidis, & Lavalete, 2018). Para o bom exercício da profissão, é necessário um conhecimento científico rigoroso, proficiência técnica com experiência diversificada e aprofundada, e sensibilidade ética, isto é, ser-se perspicaz e criativo. Tudo isto constitui o Ethos — as características — desta profissão. Na tabela adotada pela FCT, apresenta o código 5.4.
1
X Ser Assistente Social
Neste livro assumimos que o desenvolvimento do Serviço Social como disciplina e ciência aplicada está associado às crises económicas e sociopolíticas (Longhofer & Floersch, 2012). Neste enquadramento, partimos do princípio de que os processos de mudança social e política (e.g., questões sociais, complexidades, austeridade e nova gestão pública) influenciam a intervenção dos assistentes sociais e reconfiguram a profissão e a sua identidade. Para fazer face a estes desafios, é essencial desenvolver processos de pesquisa que orientem a prática e a qualifiquem constantemente, melhorem a intervenção e produzam conhecimento socialmente válido. Mas, para isso, é necessário saber quem somos. Neste livro, destacamos a importância da pesquisa em Serviço Social, os objetivos e a evolução conceptual do Serviço Social em Portugal, e salientamos ainda o processo de institucionalização da profissão, com o seu exercício e o reforço da sua identidade. A partir de uma revisão da literatura, problematizamos a noção de identidade do Serviço Social e apresentamos o resultado de um estudo (ver em anexo o Racional da Pesquisa) realizado com profissionais da área, isto é, com assistentes sociais que exercem a profissão em Portugal. Nele traçamos o seu perfil, a relação com as organizações onde exercem a profissão, com as áreas e os processos de intervenção, com a especificidade teórica, metodológica e ética, de modo a compreender a profissão e os seus desafios na sociedade atual, global e complexa. Por último, reforçamos que este livro é apresentado num ponto de viragem histórica para a profissão de serviço social em Portugal: a constituição da respetiva ordem profissional, aprovada na Assembleia da República, em 5 de julho de 2019 (Lei n.º 121, 2019). Este é um contributo importante para compreender a profissão em Portugal neste contexto de mudança.
A investigação em Serviço Social
1
1.1 Serviço Social, ciência e profissão O Serviço Social é assumido como uma disciplina das ciências sociais e uma profissão das relações humanas e da mudança social, na qual os direitos humanos e a justiça social se destacam. Enquanto disciplina das ciências sociais, pode também ser entendida como ciência aplicada (Shaw, Briar-Lawson, Orme, & Ruckdeschel, 2010).
© PACTOR
O Serviço Social é composto por três partes interligadas entre si: a pesquisa, o ensino e a prática profissional (Mäntysaari, 2005). Sendo uma área do conhecimento e uma prática teórica, disciplinarmente orientada e teoricamente informada, que pode gerar mais desenvolvimentos em teoria, política e práticas, o Serviço Social remete para: Teorias, metodologias, ética e valores, pedagogia e ação social; Vínculos com outras disciplinas, como, por exemplo, Antropologia, Criminologia, Demografia, Desenvolvimento, Economia, Educação, Gerontologia, Saúde, História, Direito, Justiça, Filosofia, Política, Psicologia, Política Social e Sociologia; Ligações com organizações, profissionais, clientes e cuidadores; Policy making process, prática, governança, gestão, coordenação, prestação de cuidados, trabalho interprofissional e pesquisas comparativas, com dimensão nacional e internacional, das políticas e das práticas profissionais.
2 Ser Assistente Social
Para assumir este compromisso, é necessário que se produza conhecimento socialmente válido. A pesquisa é um dos maiores desafios para o Serviço Social na atualidade. Esta tem sido conceptualizada como aparentemente empírica, com um discurso teórico e com uma prática social e ética. Assim entendida, a pesquisa em Serviço Social é “um conjunto de características em que nenhuma delas a caracteriza exclusiva ou exaustivamente, mas que pode ser concebida para tipificar seu escopo e o seu caráter” (Shaw et al., 2010: 3). A pesquisa em Serviço Social é desafiada a utilizar uma ampla gama de métodos de pesquisa e a aceitar diferentes vínculos entre essas metodologias e questões de pesquisa, decorrentes das práticas e domínios do Serviço Social. Alguns dos desafios deste processo são a contribuição teórica para que a pesquisa não seja categorizada apenas numa aplicação empírica, a preocupação com a inclusão social, a justiça e a mudança, e com as partes interessadas em diferentes aspetos do processo de pesquisa, gerindo o complexo relacionamento de poder envolvido no mesmo. Nos últimos anos, temos assistido a um investimento ao nível investigativo do Serviço Social, que se traduziu no aumento de teses de mestrado e doutoramento (Garcia, 2018), e no aumento do número de revistas e artigos publicados ao nível nacional e internacional. Estas publicações apresentam um conjunto significativo de investigações sobre a profissão, a sua identidade e avaliações acerca da sua prática (Corley & Kim, 2016; Ham, Huggins-Hoyt, & Pettus, 2016; Shaw et al., 2010). Contudo, estas publicações revelam algumas especificidades quanto aos temas e métodos. Por exemplo, Shaw, Briar-Lawson, Orme, e Ruckdeschel (2010) efetuaram uma revisão do estado da arte sobre a pesquisa em Serviço Social, mapeando-a. Estes autores apresentam uma reflexão sobre a importância da pesquisa, identificando os contextos privilegiados pelo Serviço Social para a realizar — as políticas, a ética e as práticas, as quais representam a sua identidade. Demonstram, igualmente, que o tipo de métodos usados se centra em evidence‑based practices, métodos quantitativos, qualitativos, mistos
O assistente social em Portugal
4
4.1 Perfil dos assistentes sociais Neste capítulo, expomos os resultados da pesquisa empírica (ver Anexo da Introdução – Racional da Pesquisa) sobre a profissão de Assistente Social em Portugal, apresentando o perfil dos respondentes ao questionário, que foi traçado, tendo em conta as seguintes variáveis: sexo, idade, estado civil, ano de terminus da licenciatura, habilitações académicas, situação laboral, categoria profissional, regime de trabalho e vínculo laboral.
© PACTOR
Os profissionais que participaram no estudo, num total de 1645, são licenciados em Serviço Social ou Política Social e exercem funções profissionais em Portugal — continente e ilhas. Destes, 1537 (93,4%) são do sexo feminino e 108 (6,6%) do sexo masculino. Esta tendência de género está de acordo com o número de estudantes que terminam a licenciatura em Serviço Social (DGEEC, 2017). A mesma fonte demonstra que entre 2005 e 2015, o número de licenciados do sexo masculino em Serviço Social em todas as escolas do país era de 574 (8,15%) e o do sexo feminino correspondia a 6466 (91,85%) (DGEEC, 2017). As evidências revelam que o Serviço Social em Portugal, não sendo uma profissão exclusivamente feminina, é exercida predominantemente por mulheres (Martins, 1997). As idades dos profissionais situam-se entre os 20 e os 73 anos, sendo a média de 40 anos. Para esta variável, a mediana é de 38 anos e o desvio padrão de 48. Os grupos etários que se destacam encontram-se entre os 30 e os 39 anos (42,9%) e os 40 e os 49 anos (31%).
42 Ser Assistente Social
Seguem-se os grupos dos 20 aos 29 anos (12,6%); dos 50 aos 59 anos (11,9%); dos 60 aos 69 anos (1,5%) e dos igual ou superior a 70 anos (0,1%). No cruzamento das variáveis idade e sexo, verifica-se uma relativa paridade de idades entre os sexos. O estado civil predominante é o de casado(a) (47,8%), seguido dos de solteiro(a) (26,5%), união de facto (16%), divorciado(a) (8,1%), separado(a) (0,8%) e, por último, viúvo(a) (0,8%). No sexo masculino, destacam-se os estado civis de casado (54,6% vs. 47,3%) e de solteiro (29,6% vs. 26,3%), e nas mulheres, os estados civis de divorciada (8,1% vs. 2,8%) e de união de facto (16,4% vs. 11,1%). As habilitações literárias variam entre a licenciatura (61%) e o pós-doutoramento (0,1%). Para além da licenciatura, os profissionais revelam ter formação complementar e pós-graduações (23,2%), graus académicos de mestrado (15,1%), e doutoramento (0,6%) (Tabela 4.1). Tabela 4.1 Habilitações académicas (sexo) Sexo (%)
Habilitações académicas
Total
Feminino
Masculino
Total
Licenciatura
57,2%
3,8%
61%
Pós-graduação ou especialização
21,6%
1,6%
23,2%
Mestrado
14,1%
1%
15,1%
Doutoramento
0,4%
0,2%
0,6%
Pós-doutoramento
0,1% 93,4%
0,1% 6,6%
100%
O cruzamento das variáveis entre o ano de terminus da licenciatura e as habilitações académicas revela que os profissionais que concluíram a licenciatura nos últimos 4 a 15 anos investem mais em pós-graduações e especializações (11,6%) e em mestrados (8,9%) do que os que concluíram nos últimos 15 a 24 anos. O investimento nas formações pós-graduadas não decorre da experiência profissional adquirida pelo número de anos de exercício profissional, uma vez que os profissionais com mais anos de experiência não investem tanto na formação
Regulamentação da profissão
5
5.1 Jurisdição da profissão O exercício da profissão exige regulamentação. A regulamentação da profissão foi efetuada pela primeira vez no art.º 9.º do Decreto-Lei n.º 30 135, de 14 de dezembro de 1939, segundo o qual “[o] título de assistente de Serviço Social é privativo das diplomadas nos termos deste decreto-lei”, reconhecendo este diploma um plano de estudos de três anos ministrado pelos Institutos de Serviço Social de Lisboa e Coimbra, certificando o diploma e o título profissional. Em julho de 1956, o Decreto-Lei n.º 40 678 revê o Decreto-Lei n.º 30 135, estabelecendo a formação em quatro anos curriculares e consagra a designação de assistentes sociais (cf. art.º 1.º), título profissional que se mantém até ao presente.
© PACTOR
Contudo, o reconhecimento em 1989 do grau de Licenciatura aos cursos de Serviço Social ministrados em Portugal atualizou a disposição legal de uso exclusivo do título profissional de assistente social aos licenciados em Serviço Social. O Decreto-Lei n.º 296/91, de 16 de agosto, que criou a carreira técnica superior de Serviço Social permitiu a transição para a mesma dos técnicos de Serviço Social portadores do diploma ou certificado reconhecido nos termos das Portarias 370/90, de 12 de maio, e 1144/90, de 20 de novembro, bem como de outros profissionais com a mesma habilitação, nas condições previstas nos n.os 2 e 3 do seu artigo 3.º. Posteriormente, o Decreto-Lei n.º 148/94, de 25 de maio, considerou adequadas, para efeitos de transição para a carreira de Técnico
64 Ser Assistente Social
Superior de Serviço Social, as licenciaturas em Serviço Social e Política Social, ministradas pelo ISCSP da Universidade de Lisboa, tornando extensivo o disposto no Decreto-Lei n.º 296/91, de 16 de agosto, aos Técnicos de Serviço Social integrados em lugares da carreira técnica superior e titulares das licenciaturas referidas, bem como aos titulares de diploma de Serviço Social, conferido pelo ISCSPU. Contudo, com a uniformização das carreiras da função pública, esta categoria profissional deixou de existir. Assim, para qualquer tipo de licenciatura, a categoria profissional é a de Técnico Superior. É importante destacar que a categoria profissional não é a classificação da profissão. Ao nível europeu, a classificação das profissões é efetuada pelo European Skills and Competences Qualifications and Occupations (ESCQO). A profissão do Serviço Social insere-se nos especialistas das atividades intelectuais e científicas, integrando-se nos especialistas em assuntos jurídicos, sociais, artísticos e culturais, e nos especialistas em ciências sociais e religiosas, no âmbito dos especialistas do trabalho social, na especialidade de assistente social. Para exercer a profissão é necessário ter conhecimentos das ciências sociais, da justiça social, das políticas empresariais, dos requisitos legais no setor social e da teoria do Serviço Social. Em Portugal, o Quadro Nacional de Qualificações (QNQ) é a referência para a classificação das profissões. Neste documento é assumido que os licenciados em Serviço Social têm de ter um conhecimento aprofundado do Serviço Social, o que implica uma compreensão crítica de teorias e princípios, entre os quais se situam os relativos à relação entre o Serviço Social e outros domínios das ciências sociais e humanas. Para o exercício da profissão são requeridas aptidões avançadas que revelam a proficiência e a inovação necessárias à resolução de problemas complexos e imprevisíveis em Serviço Social, implicando o recurso, entre outras, a abordagens teórico-analíticas e metodológico-operativas deste domínio. Além disso, estes profissionais têm de ser hábeis na gestão de atividades ou projetos técnicos ou profissionais complexos, assumindo a responsabilidade da tomada de decisões em contextos de estudo ou de trabalho imprevisíveis. As responsabilidades em matéria de gestão
A intervenção
social
6
6.1 Áreas e problemáticas Os assistentes sociais exercem a profissão numa variedade de áreas, valências e serviços estruturados dentro das organizações/instituições, desenvolvendo, normalmente, mais do que um tipo de resposta (Tabela 6.1): Tabela 6.1 Áreas de intervenção
© PACTOR
Intervenção
N.º de respostas
Respostas (%)
Ação social
995
29,4%
Serviço de apoio domiciliário
458
13,6%
Centro de dia/convívio
395
11,7%
Unidade residencial para pessoas idosas
343
10,1%
CPCJ
294
8,7%
Cuidados continuados integrados
200
5,9%
Centros de acolhimento a crianças e jovens em risco
152
4,5%
Centros de saúde
138
4,1%
Comunidade de inserção
65
1,9%
Cuidados paliativos
50
1,5%
Centro de atividades ocupacionais
38
1,1%
Hospitais
36
1,1%
Outra
38
1,1% (continua)
A intervenção social 75
Tabela 6.2 Questões sociais (problemáticas)
Problemáticas
© PACTOR
Total
N.º de respostas
Respostas (%)
Pobreza e exclusão
904
14,2%
Solidão e isolamento de pessoas idosas
780
12,3%
Doença mental
608
9,6%
Desemprego
577
9,1%
Crianças e jovens em situação de perigo
571
9%
Doenças crónicas e degenerativas
552
8,7%
Alcoolismo/toxicodependência
503
7,9%
Dependência cognitiva e funcional
503
7,9%
Violência doméstica
379
6%
Deficiência
352
5,5%
Insucesso e abandono escolar
280
4,4%
Preconceito e discriminação
173
2,7%
Sem-abrigo
136
2,1%
Reclusão
17
0,3%
Outra
16
0,3%
6 351
100%
Estas problemáticas atravessam todos os setores das políticas sociais onde os profissionais exercem a profissão. Apesar de as problemáticas cruzarem todos os setores, há uma associação estatisticamente significativa entre elas e os setores de atividade (Tabela 6.2). Assim: Alcoolismo/toxicodependência é mais significativo no setor de Educação; Crianças e jovens em situação de perigo é mais significativo nos setores de Educação, Justiça e Saúde; Deficiência é mais significativo nos setores de Segurança Social e Outros; Dependência cognitiva e funcional é mais significativo nos setores de Educação, Justiça e Segurança Social; Desemprego é mais significativo nos setores de Segurança Social, Saúde e Habitação; Doença mental é mais significativo no setor de Educação;
76 Ser Assistente Social
Doenças
crónicas e degenerativas é significativo em todos os setores (Educação, Habitação, Justiça, Saúde e Segurança Social); Insucesso e abandono escolar é mais significativo no setor da Segurança Social e Educação; Pobreza e exclusão é mais significativo nos setores de Segurança Social, Saúde, Habitação e Outros; Preconceito e discriminação é mais significativo no setor de Educação; Solidão e isolamento de pessoas idosas é mais significativo nos setores de Segurança Social, Saúde, Educação e Outros; Violência doméstica é mais significativo no setor de Justiça.
6.2 Campo e processo Por intervenção social entende-se toda a atividade profissional, consciente, organizada, planificada e dirigida para atuar sobre uma realidade social no sentido de a estudar, analisar e modificar, tendo como finalidade uma melhoria positiva ou uma mudança dessa realidade social (Garcia, Garcia, & Aguado, 2012). A intervenção social remete para um campo profissional e para um processo. Enquanto campo profissional implica um conjunto de atividades profissionais remuneradas exercidas num quadro organizacional, público ou privado, e visa pessoas ou públicos com dificuldades de inclusão social ou profissional, integrando-os numa perspetiva de ajuda, apoio, controlo, mediação ou coordenação (Chopart, 2006). Enquanto processo remete para um método, para um conjunto de características metodológicas (etapas do método) e ações humanas, éticas e políticas (axiologia/política). O método de intervenção é a forma de fazer, dizer ou ensinar, de acordo com determinados princípios e uma determinada ordem. Representa um conjunto de operações e implementações para atingir uma finalidade. O método de intervenção não é o fim em si mesmo, mas um meio para atingir esse fim