REVISTA (EN)CINE DIREITO
12 HOMENS E UMA (EN)CINE SENTENÇA DIREITO | DIREITO E ARGUMENTAÇÃO| E D . 04. M A I O , 2 0 1 8 • U F R N - C A I C Ó | C E R E S
Reitora Ângela Maria Paiva Cruz Vice-reitor José Daniel Diniz Melo Reitora de Extensão Maria de Fátima Freire de Melo Ximenes Editor científico Prof. Dr. Oswaldo Pereira de Lima Junior Editora Executiva Luana Cristina da Silva Dantas Conselho Editorial Prof. Ms. André Melo Gomes Pereira Prof. Dr. Carlos Francisco do Nascimento Prof. Dr. Dimitre Braga Soares de Carvalhos Prof. Dr. Elias Jacob de Menezes Neto Prof. Dr. Fabrício Germano Alves Prof.ª Ms. Lidianne Araújo Aleixo de Carvalho Prof.ª Dra. Lidyane Maria Ferreira de Souza Prof. Ms. Marcus Vinicius Pereira Junior Prof. Mário Trajano da Silva Junior Prof. Dr. Orione Dantas de Medeiros Prof. Dr Oswaldo Pereira de Lima Junior Prof. Dr. Rodrigo Costa Ferreira Prof. Ms. Rogério de Araújo Lima Prof.ª Esp. Mayara Gomes Dantas Prof. Esp. Winston de Araújo Teixeira Comissão Executiva Arthur Jordão Douglas Relva de Brito Gabriela Sousa de Medeiros Carla Daiane Medeiros de Oliveira Luana Cristina da Silva Dantas Victória Layze Silva Fausto
maio, 2 0 1 8 . ed . 0 4
REVISTA EN(CINE) DIREITO Uma produção do curso de Direito de Caicó - Ceres da Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Rua Joaquim Gregório, s/n - Penedo, Caicó/RN CEP: 59.300-000 (84) 3342-2238
REVISTA EN(CINE) DIREITO ED. 04 | MAIO 2018
AO LEITOR DIREITO E ARGUMENTAÇÃO
(EN)CINE DIREITO
Rio Grande do Norte, maio, 2018. 12 homens e Uma Sentença, filme americano de 1957, dirigido por Sidney Lumet, foi a película escolhida para iniciar o circuito de debates em torno do Direito e Argumentação pelo Projeto de Extensão “(EN)CINE DIREITO”, realizado por alunos do curso de Direito da Universidade Federal do Rio Grande do Norte – CERES, coordenados pelo Prof. Dr. Oswaldo Pereira de Lima Junior e o vice coordenador, o Professor Dr. Carlos Francisco. O enredo do filme é vasto, sobretudo do ponto de vista do direito. Cada jurista deveria assistir a rica trama que se desenvolve por meio de tão simples aparato cênico. Em síntese, uma sala, uma mesa, doze homens incumbidos de galgar um decisum conjunto, caso de homicídio. A partir disso vemos exsurgir uma gama de questões inerentes a uma das engrenagens processuais institucionalizadas e responsável pelo “devir” material da justiça. Assim, o filme relaciona concepções teóricas da Filosofia do Direito, em que demostra-se a impossibilidade de reduzirmos o raciocínio decisório à mera dedução silogística, mecânica, quase automática. A película delineia a precípua importância da compreensão humanista-cuidadosa para com cada caso. Demostra o potencial de erro em torno do fato em si e a verdade factual no momento da avaliação do caso e do julgamento. A necessária amálgama entre a zetética e o dogmatismo na persecução de um julgamento. Rica tecitura para as próximas páginas.
Boa leitura! Equipe (En)Cine Direito
16
32 10
24
SUMÁRIO (EN)CINE DIREITO
ED. 04
BREVIÁRIOS
09 12 HOMENS E UMA SENTENÇA - DIREITO E ARGUMENTAÇÃO
13
ECOS DO FILME
17
ARQUITETURA FÍLMICA
19
ESTÁTICA JURÍDICA EM 12 HOMENS E UMA SENTENÇA
23
ORIGEM, COMPETÊNCIA E HORIZONTE PRINCIPIOLÓGICO DO TRIBUNAL DO JÚRI
27
PLURIPERSPECTIVA NA PELÍCULA "12 HOMENS E UMA SENTENÇA"
31
ANÁLISE FÍLMICA: 12 HOMENS E UMA SENTENÇA
35
O FILME E SEUS MÚLTIPLOS
41
CRÔNICAS DE UMA EQUIPE: MOMENTO (EN)CINE
MAIO|04
ENCINEDIREITO.BLOGSPOT.COM | REVISTA (EN)CINE DIREITO, ED. 04
“É sempre difícil deixar o preconceito fora de uma questão dessas. Não importa pra que lado vá, o preconceito sempre obscurece a verdade”. - Jurado n. 08 12 HOMENS E UMA SENTENÇA (1957)
12
HOMENS
UMA SENTENÇA
Direito e Argumentação
Por Oswaldo Pereira de Lima Junior Doutor em Direito e professor Adjunto I do Curso de Direito da Universidade Federal do Rio Grande do Norte – UFRN. Coordenador do Projeto de Extensão (En)Cine Direito.
09
O filme “12 homens e uma sentença”, lançado em 1957, é dessas obras que se metamorfoseia em verdadeiro caleidoscópio sobre a diversidade e a grandeza da experiência humana. Sua premissa é singela, mostrar a rotina de uma sessão do tribunal de júri. Seu conteúdo é fantástico e riquíssimo, revela a oculta face do humano, suas motivações mais íntimas, seus medos e preconceitos, fiando-se numa narrativa que humaniza as personagens conforme a interação entre todos se torna efetiva. A história gira em torno da difícil missão de um grupo de 12 pessoas que formam o júri responsável pela absolvição – ou condenação – de um jovem pela morte 09 de seu pai. Já no abrir da película, entrecortados pelo ambiente desalentador, sólido e frio do tribunal, ouvimos o discurso decorado, mecanizado e distante do magistrado sobre o papel dessas 12 almas. Embora fale de assuntos importantíssimos – de fato, infere diretamente aos presentes que deverão decidir sobre a vida e a morte de uma pessoa – o faz de modo totalmente desumanizado, distante, como um autômato burocrata que apenas faz o seu serviço, sem perguntarse sobre as causas, os porquês, mostrando-se totalmente alheio ao drama que é um julgamento. Nesse ponto da narrativa é impossível não se lembrar das palavras de Hanna Arendt acerca da banalização do mal, cravada num contexto de desconexão entre ato e suas consequências; um processo de alienação que retira da pessoa a capacidade de mensurar o conteúdo
moral de seu agir, fazendo com que obre de modo alheio à ética, como mero servidor, um burocrata a serviço de uma atividade qualquer.Lembra-se, ainda, de um texto medieval de um certo Dorotheu de Gaza, que me veio às mãos durante as horas difíceis de labor teórico durante o mestrado. Nele se revela a verdadeira arte de conduzir-se, travando-se conhecimento sobre as dificuldades de julgar o próximo. De suas sábias palavras, muitas das quais de sutil teor religioso e que, infelizmente, não cabem na curta composição desta resenha, se destacam as destinadas àquilo que o autor considera as maiores moléstias contra a espécie humana: o julgamento e o desprezo. De fato, ao julgarmos, seres imperfeitos que somos, colocamo-nos no lugar de um ser omnisciente, o que exige do julgador humildade, atenção e extremo apego à sobriedade de conduta. Ao mais, aquele que julga, caso não se desprenda do preconceito que o ato pode lhe incutir, corre o risco de confundir a ação julgada, e suas naturais antecedências e consequências, com o atributo da personalidade que a ação determina. Em outras palavras, fala-se que o réu é um ladrão, não que roubou. Ao julgarmos, muitas vezes estendemos um ato, que pode ter sido praticado sob o domínio momentâneo de uma forte emoção, para toda a vida da pessoa, como se fosse parte integrante de seu caráter. Uma coisa é dizer, fulano matou, e outra é decretar, fulano é assassino. Daí o caráter pesado, difícil, carregado de tormentosos percalços, presente no
12
uma sentença 10
julgar. O desprezo emerge como o predicado algo farisaico desse ato de julgamento. Inebriados pelo poder falso do julgamento, pela submissão do ser que diante do tribunal se prostra e apresenta de modo tão nu todo o seu sofrimento, somos tentados a nos acharmos melhores do que essa pobre alma. Ledo engano, o maior de todos, tanto neste mundo sublunar quanto nos elevados platôs determinantes da religiosidade de cada um. Isso não nos isenta, contudo, do dever de julgar, mas nos força a reconhecer a pesada responsabilidade que o ato nos impõe. Pois bem, voltando à película, vislumbram-se vários dramas circundando as difíceis tarefas dos jurados. Há o preconceito, a miséria, a soberba, a ira e outros tantos... Enfim, uma plêiade de defeitos são apresentados ao espectador e finamente discutidos ao longo dos próximos minutos de filme. Mas aquele que mais se há de destacer. E que, penso, deverá (ou deveria) se avultar mais para todos nós, refere-se ao desprezo que se parece ter a todo momento a respeito da vida do 11
acusado. Esse desprezo, como nos alertou Dorotheu, advém da sensação falsa de pureza daqueles que julgam e, por isso, imaginam-se maiores e mais perfeitos do que aquele que é julgado. Quase todos os jurados comportam-se no julgamento como burocratas que estão somente exercendo uma atividade sem destaque, pouco importante para si mesmos, uma necessidade que lhes é imposta pelo Estado. Ninguém, à exceção de um único jurado, percebeu a pessoa por trás do acusado: todos estão apressados, consumidos pelos seus próprios problemas, ávidos por terminarem logo a enfadonha missão. Nesse ponto, religião, moral e direito se tocam. Ao contrariar os trâmites mecanizados de uma votação que em minutos se perfazia em 11 votos pela condenação, o grande advogado do filme, o jurado identificado como Davis, se mostra preocupado com a facilidade que se chega ao veredito sem ao menos discutir-se um pouco mais. Não pede a mudança de voto, apenas que, diante de um decreto tão severo ao réu, se lhe dispense um tempo de discussão sobre
os fatos. Aqui está presente o grande e constitucionalmente consagrado princípio da presunção de inocência. Ao lançar dúvidas sobre um parecer rápido e imediato, o jurado mostra que a presunção de que o réu é inocente não exige apenas o mero assistir do julgamento, mas a deliberação sobre o que se viu e ouviu, eis que, pela dúvida, não se condena. Deliberar de modo sério, despido de emoções e preconceitos pessoais e com a atenção aos direitos fundamentais da pessoa é mais do que uma prova de maturidade moral de um grupo, é o atestado de sua própria humanidade, eis que não se desgraça uma vida sem que se perceba a gravidade dessa conduta. 12 Homens e uma Sentença, é uma aula, portanto, uma aula de Direito, uma aula de Ética e, sobretudo, uma aula de humanização do ser para a pessoa. Imperdível.
12
ECOS DO FILME: 12 Homens e Uma Sentença por Tânia Cristina Meira Garcia Professora Associada da Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Centro de Ensino Superior do Seridó – CERES, Caicó. Doutora em Educação. E-mail: tania_cristina2005@yahoo.com.br.
S
inopse:
Seguindo o encerramento do caso do julgamento do assassinato cometido por um adolescente, os membros do júri devem chegar a um consenso sobre qual será o veredito. Enquanto os 12 indivíduos estão fechados em uma sala para tomar uma decisão, onze deles votam pela condenação do réu, porém um deles acredita na inocência do jovem e tenta convencer os outros a mudarem seus votos, dando início a um conflito que ameaça inviabilizar o delicado processo que vai decidir o destino do acusado. Data de lançamento: 10 de outubro de 1958 (Brasil). Direção: Sidney Lumet. Roteiro: Reginald Rose. Autor: Reginald Rose. Prêmios: Prêmio Edgar: Melhor Roteiro. Disponível em https://g.co/kgs/g9x2PT. Acesso em 05 de novembro 2018.
13
D
ISCUSSÃO:
Apresentamos aspectos que se destacam na trama com ênfase na análise do comportamento dos jurados. A partir da definição de estereótipo como uma “[...] atribuição de crenças que se faz a grupo ou pessoas [...] PÉREZ-NEBRA e JESUS (2011:223) a trama coloca em relevo um conjunto de atitudes manifestadas através da argumentação dos jurados, estruturadas em (pré)conceitos, cujos atributos referem à constituição física, à idade cronológica (velhice) e à relação de parentesco. Os estereótipos, por impedirem que a pessoa se distancie dos valores pessoais construídos por meio de experiências pessoais, sociais e culturais, abrem a possiblidade dos mesmos gerarem vieses quanto a abordagem do crime e do julgamento.
possiblidade de busca de outras interpretações sobre fatos e situações que o raciocinador prático tende a rejeitar. Os esquemas rígidos de pensamento (FIORELLI, 2016) são desmontados e abre-se a possiblidade de novas formas de organização dos esquemas de pensamento. Na trama “Doze homens e uma sentença” (1958) o oitavo jurado desempenha o papel de elemento desestabilizador de “verdades ao pôr em dúvida as “verdades” construídas pelos jurados, as quais aparecem claramente circunscritas ao “mundo de vida cotidiano” de cada um deles (SCHULTZ, 1979). A competência do oitava jurado em por em questão valores, estereótipos e preconceitos, vai pari-passo levando cada um ao encontro dos seus “esquemas rígidos de pensamento” (FIORELLI, 2016:79) e, a desconstrução dos “pensamentos automáticos”.
THE ENTOURAGE
O instituto da dúvida, como elemento desestabilizador de “verdades”, constitui o elemento a partir do qual são postos em discussão os preconceitos ancorados nos estereótipos. Ao ser implantada a dúvida como elemento de desequilíbrio, a estratégia psicológica que entra em cena visa a quebra do comportamento típico do “raciocinador prático”. Ao quebrar os pensamentos automáticos, o instituto da dúvida libera a pessoa para a 14
Comportamentos estereotipados da parte dos jurados são facilmente identificados como, por exemplo, em relação ao depoimento do idoso, associando a sua condição a decrepitude e incapacidade de julgar e avaliar, marcas de preconceito etário. Pode-se identificar entre os jurados comportamento de “fuga” na tentativa
de evitar o encontro com fatos ou situações que os levem a “dissonância cognitiva” (FIORELLI, 2016:77). Elementos de manifestação das emoções subjacentes ao julgamento emergem através da expressão do medo, da raiva, da inveja e da explosão emocional. “Doze homens e uma sentença” retratam as mazelas erguidas pelo homem através da construção da via a partir do seu mundo de vida cotidiano. O filme em discussão coloca o expectador em encontro com questões sobre como os valores, as crenças, as intepretações que são construídas, circunscritas às experiências singulares e pessoais, levam à crenças e interpretações com vieses edificados muitas vezes em preconceitos e pensamentos automáticos.
comportamento dos jurados, frente ao caso, como derivado da totalidade dos fatos e eventos coexistentes em suas vidas. Fatos e eventos que terminam por constituírem um campo dinâmico de forças que, em interrelação com outros, terminam influenciando e sendo influenciado por eles. Estes comportamentos manifestos descritos por rede de expectativas a respeito do que poderá acontecer com cada um, por dissonância cognitiva, por crenças e valores assentados no que pensam outras pessoas, por estado de tensão, por fuga, por esquemas rígidos de pensamento, por pensamentos automáticos e negação da realidade. Vislumbra-se que o filme se reveste de potente recurso didático para o ensino jurídico.
THE ENTOURAGE
A trama ainda pode ser analisada se utilizarmos a Teoria de Campo (LEVIN, 1988), por tornar evidenteo 15
OITAVO JURADO: Talvez seja. Sentei no tribunal seis dias enquanto apresentavam as provas. Tudo parecia se encaixar tão bem que comecei a estranhar, ou seja, nada se encaixa tão perfeitamente. Queria perguntar várias coisas. Talvez não mudasse nada. Comecei achar que a defesa não confrontou as provas de forma efetiva. Deixou muitas coisas passarem. Comecei a me colocar no lugar do rapaz. Teria pedido outro advogado. Se fosse minha vida em jogo ia querer que meu advogado pusesse as testemunhas de acusação na parede. Só há uma pessoa que pode ser considerada testemunha, a outra diz que ouviu e viu o rapaz fugir depois de matar. E há provas circunstanciais. Esses dois são tudo o que a promotoria tem. E se estiverem errados?"
THE ENTOURAGE
REFERÊNCIAS FIORELLI, José Osmir; MANGINI, Rosana C. R. Psicologia Jurídica. 7ªed. São Paulo: Atlas, 2016. LEVIN, Kurt. (1988). La teoría del campo en la ciencia social. Barcelona: Paidós. PÉREZ-NABRA, Amalia Raquel; JESUS, Jaqueline G. de. Preconceito, estereótipo e discriminação. In. Psicologia social: principais temas e vertentes. Porto Alegre: Artmed, 2011. (p. 2019237). TORRES, Cláudio Vaz; NEIVA, Elaine Rabelo. Psicologia social: principais temas e vertentes. Porto Alegre: Artmed, 2011.
16
ARQUITETURA FÍLMICA 12 HOMENS E UMA SENTEÇA
1957, dirigido por Sidney Lumet.
O filme Doze Homens e Uma sentença, do original 12 Angry Men, é um filme estadunidense de 1957, dirigido pelo aclamado diretor Sidney Lumet. Sidney Lumet está entre os grandes luminares da cinegrafia estadunidense, sendo conhecido pela incansável busca da materialização cinegráfica das histórias que imaginava. A filmografia do cineasta conta mais de 50 filmes, entre os quais destaca-se obras-primas como a em tela, 12 Homens e uma Sentença (1957), ademais: Um Dia de Cão (1975), Rede de Intrigas (1976), Serpico (1973), O Príncipe da Cidade (1981) e O Veredito (1982). Lumet foi um retratista de Nova York, mas, para além de regionalismos, sua obra apresenta um conteúdo universal, tendo levado à tela do cinema questões fundamentais como justiça e ética. De um realismo social causticante e personagens complexos trazem o tom de suas composições fílmicas. Por sua órbita, o drama “12 Homens e Uma Sentença” ambienta-se, sobretudo, em apenas uma locação: a sala de jurados, lugar em que os doze homens reclusam-se para que, em conjunto, decidam o destino do réu. Mais duas cenas, uma no início, em que exibe-se a corte de julgamentos, e outra no final, em que o personagem de Henry Fonda deixa o Tribunal, delineiam o “planosequência” de toda a película. Esse plano-sequência diz respeito ao enredo espontâneo em seus detalhes, quase não havendo corte entre as cenas, como se a discussão se desse, de fato, numa extensão temporal retilínea. 17
Os personagens enclausurados na sala do júri dão uma inicial sensação de claustrofobia. As câmeras são, nesse começo, posicionadas acima do nível dos olhos e as lentes, progressivamente, dão a impressão de maior distância entre os personagens. Conforme há o deslinde da trama, a câmera desce, elevando o cenário para algo mais próximo atores. Salienta-se o grande desempenho do elenco. Conta-se que o diretor ocupou os atores com longos e exaustivos ensaios, deixando-os fechados durante horas na sala, reproduzindo as falas sem filmagem, para que eles experimentassem o incômodo e a aflição dos personagens. O que falar, por exemplo, dos acalorados diálogos do jurado número 08. e seu antagonista. A esse passo, os personagens, cada um, delimitam, tão logo, traços típicos que, muitas vezes, acabam por dar o tom dos caminhos que levam da decisão prematura, precipitada, descuidada... até sua evolução, reavaliação, que culmina com um novo veredito. A linguagem verbal se imiscui com a expressiva linguagem corporal. O suor dimana pelas faces irrequietas, na significativa fotografia em branco e preto. Rodopiam na pequena sala. Montam e desmontam a questão até, por fim, galgarem uma parcimônia de ideia. Só desse modo, a esse tempo, depois de cada um ter despido de seus equívocos e dúbias colocações, decidem pela vida do jovem porto-riquenho acusado de ter matado o próprio pai. O que, por sua vez, representa, ao menos, um ponto final para o julgamento. Doze jurados se reúnem para decidir a sentença, com a orientação de que o réu não deve ser considerado culpado ao menos que isso seja indubitável. Onze dos jurados, cada um com sua convicção, votam pela condenação.
18
O jurado número 8, o sr. Davis, é o único que duvida da culpa do jovem e, enquanto tenta convencer os outros a repensarem a sentença, traços de personalidade de cada um dos jurados vão sendo revelados.
CORPO JURADO • Henry Fonda.... Davis, jurado nº 8 • Martin Balsam.... jurado nº 1 • John Fiedler.... jurado nº 2 • Lee J. Cobb.... jurado nº 3 • E.G. Marshall.... jurado nº 4 • Jack Klugman.... jurado nº 5 • Ed Binns.... jurado nº 6 • Jack Warden.... jurado nº 7 • Joseph Sweeney... jurado nº 9 • Ed Begley.... jurado nº 10 • George Voskovec.... jurado nº 11 • Robert Webber.... jurado nº 12 • John Savoca.... acusado • Rudy Bond.... juiz • James Kelly.... guarda • Billy Nelson.... oficial da Corte
Estética jurídica: 12 Homens e Uma Sentença por Felipe Medeiros Mariz Discente do curso de Direito – UFRN/CERES. felipe.medeirosmariz@hotmail.com
O filme em questão trata de um
defeito imanente desse tipo de
tema bastante importante para o
julgamento, que, embora vise diluir
ambiente jurídico, a Interpretação.
a sentença de um réu e, assim,
O acusado em questão estava sendo
evitar que se culpado, o réu possa
julgado pelo tribunal do júri que
identificar exatamente quem o fez,
necessitava chegar a uma
acaba caindo num erro por serem
unanimidade tanto para inocenta-lo
os escolhidos leigos no Direito,
quanto para condena-lo. A priori,
muitas vezes até alheios.
apenas um jurado discordava da
O jurado que não concordava com a
culpabilidade do réu, sendo
condenação, o único por enquanto,
considerado até um empecilho para
se valeu de diversas táticas
os demais que estavam mais
argumentativas para conseguir
preocupados em voltar para suas
convencer seus colegas da não
casas.
culpabilidade do réu. Dentre elas,
É curioso pensar que jurados
ele desqualificou a argumentação
escolhidos para definir o que era ou
anterior, no que tange os interesses
não justo estavam mais
pessoais de cada um alegando que
preocupados com os interesses
era a vida de um homem que estava
próprios. Talvez esse seja um
em xeque, haja vista que 19
condenação atribuída para o crime
podem se tronar cada vez mais
atribuído ao réu era a pena capital.
comuns quando essa percepção é
Ele sustentou que não estavam ali
levada em conta.
para brincar de fazer justiça, mas
Trazendo para a seara nacional, é
para decidir o destino de um
possível enxergar muito desse
homem. Ao que foi rebatido por um
direito penal do inimigo em frases
dos outros que preferia condenar
num churrasco em família ou num
um inocente do que libertar um
bar com os amigos – “bandido bom
culpado. Tal jurado levanta um
é bandido morto” e “direitos dos
ponto interessante no que se refere
manos”. Passamos a demonizar os
à noção de justiça, isso porque ele
agentes ao invés das condutas, não
parte de uma argumentação muito
vemos humanidade em quem
rasa acerca do que é justo. Ao
cometeu um furto, mas aceitamos
afirmar isso ele revela que não tem
normalmente a sonegação de
certeza da culpabilidade do réu,
impostos por “cidadãos de bem”.
mas prefere condena-lo para evitar
Fechado esse parêntese,
que, se culpado realmente fosse,
retornemos para o filme. Já no meio
ele realize mais ilícitos.
do filme o júri estava dividido, em
Retornamos ao direito penal do
vista dos esforços daquele único
inimigo, no qual pune-se o agente
jurado que desde o início era a
da conduta, – se é que foi ele o
favor da inocência. Ao seguir nos
autor do delito – ao invés de se
debates resta apenas um jurado,
punir as ações reprováveis
que se mantinha resoluto em sua
socialmente. Há abertura para
opinião e tentava desqualificar
condenar alguém pelos motivos
todos os argumentos apresentados
mais torpes possíveis ao tomar essa
pelo seu grupo opositor.
noção de justiça. O que impede um
Ao ver que estava derrotado, ele
negro ser preso por causa de sua
decide ceder e acaba votando
cor se os jurados forem racistas,
contra a condenação. Não,
por exemplo? A segurança jurídica
necessariamente, ele entendia que
fica ameaçada e prisões arbitrárias
o réu era inocente, mas estava 20
cansado de discutir e pensava em voltar ao lar, achando esse modo como o mais rápido de o fazer. Ou seja, até aí enxergamos interesses egoístas. A verdade é que jamais saberemos se o acusado era o autor do crime. Contudo, em casos como esses há um brocado jurídico que apazigua os entendimentos: in dubio pro reu, ou seja, na dúvida o que for mais benéfico para o réu. Esse também é um princípio do direito penal contemporâneo que busca evitar a punibilidade do agente que, por algum argumento plausível, como a dúvida se ele realmente estava lá na hora do crime, seja possível desqualificar o réu em questão acerca do crime cometido.
Embora o filme seja antigo ele levanta discussões bastante atuais e reflete a realidade social, que tende a, tristemente, retornar para um estágio primitivo de punição e cair no erro de condenar alguém por motivos diferentes dos que estão previstos no ordenamento jurídico.
21
Oitavo jurado: E se errarmos? Este rapaz foi maltratado a vida inteira. Nasceu na pobreza. A mãe morreu quando tinha nove anos. Morou u m ano e meio em orfanato, enquanto o pai esteve preso por estelionato. Não é um começo muito feliz. É um rapaz revoltado porque foi maltratado a vida inteira, todos os dias. Teve dezoito anos de muita infelicidade. Acho que lhe devemos umas palavras, é só. De acordo com os testemunhos, parece culpado. Talvez seja. Sentei no tribunal seis dias enquanto apresentavam as provas. Tudo parecia se encaixar tão bem que comecei a estranhar, ou seja, nada se encaixa tão perfeitamente. Queria perguntar várias coisas. Talvez não mudasse nada. Comecei achar que a defesa não confrontou as provas de forma efetiva. Deixou muitas coisas passarem. Comecei a me colocar no lugar do rapaz. Teria pedido outro advogado. Se fosse minha vida em jogo ia querer que meu advogado pusesse as testemunhas de acusação na parede. Só há uma pessoa que pode ser considerada testemunha, a outra diz que ouviu e viu o rapaz fugir depois de matar. E há provas circunstanciais. Esses dois são tudo o que a promotoria tem. E se estiverem errados?"
Terceiro jurado: "Como assim, errados? Então para que testemunhas?"
Oitavo jurado: "Não podem estar errados?"
Terceiro jurado: "Como assim? Estavam sob juramento."
Oitavo Jurado: "São pessoas. Pessoas erram. Não poderiam estar errados?"
22
(EN)CINE DIREITO | 04 | 2018
UFRN - CERES - CAICÓ
Origem, competência e horizonte principiológico do tribunal do júri por Luana Cristina da Silva Dantas Discente do curso de Direito - UFRN (Ceres); editora executiva da Revista (En)Cine Direito.
O tribunal do júri surgiu, nos contornos conhecidos atualmente, na Inglaterra, no contexto do Concílio de Latrão de 1215, em que foram abolidas as ordálias e os chamados “juízos de Deus” para, em seu lugar, operar o tido Tribunal do Povo, composto por 12 homens
da sociedade com “caráter puro” para julgar, sobretudo, crimes de bruxaria ou de tipologia mística. Para a análise desses casos, os jurados eram considerados detentores da verdade divina e julgariam um fato (que poderia ser lícito ou ilícito) com base em 23
preceitos religiosos. Todavia, há pontos em outros contextos da História que demostram um relampejo do nascedouro do tribunal do júri. Um exemplo seria o "judice jurati", da Roma Antiga. Há, pois, uma lacunar frecha para se delimitar em que momento surgiu o órgão.
(EN)CINE DIREITO - ED. 04
MAIO|2018
Tal qual disse Carlos Maximilliano
Princípios básicos do Tribunal do
“as origens do instituto, são tão
Júri
vagas e indefinidas, que se perdem
Após passar por significativa
na noite dos tempos”.
evolução constitucional, O Tribunal
No Brasil, por seu passo, o tribunal
do Júri no Brasil passou a ter, na voz
do júri surgiu em 1982, com a Lei de
da Carta Magna de 1988, um
18 de Junho, e estava, naquela época,
horizonte principiológico fincado
limitado ao julgamento de crimes de
em quatro pilares-princípios, quais
imprensa. Na nossa Carta
sejam: a plenitude de defesa, o sigilo
Constitucional, seu instituto
das votações, a soberania dos
descansa no artigo 5º, XXXVIII,
veredictos e a competência para os
como Garantia Individual, tendo
crimes dolosos contra a vida (art. 5°,
garantidos como Princípios básicos:
inciso XXXVIII, da CF).
a plenitude do direito de defesa, o
A plenitude de defesa no Tribunal
sigilo nas votações, a soberania dos
do Júri, segundo Aramis Nassif, foi
veredictos e a competência para o
constituída “para determinar que o
julgamento dos crimes dolosos
acusado da prática de crime doloso
contra a vida. Dentre as suas
contra a vida tenha ‘efetiva’ e ‘plena’
características, de modo sinóptico,
defesa. A simples outorga de
trata-se de um órgão de 1º grau, da
oportunidade defensiva não realiza
Justiça Comum, Estadual ou
o preceito, como ocorre com a
Federal, composto de um juiz de
norma concorrente”. Ademais,
direito, que é seu Presidente, e de
elucida Guilherme de Souza Nucci:
vinte e um jurados, sorteados dentre
“Um tribunal que decide sem
os cidadãos de inegável idoneidade,
fundamentar seus veredictos
arrolados anualmente pelo Juiz-
precisa proporcionar ao réu uma
Presidente. No tribunal do Júri, os
defesa acima da média e foi isso que
jurados atuarão fundamentados nos
o constituinte quis deixar bem claro,
quesitos inerentes ao acervo de
consignando que é qualidade
questionamentos propostos, em que
inerente ao júri a plenitude de
avaliarão os fatos baseados na
defesa. Durante a instrução
dialeticidade processual com o
criminal, procedimento inicial para
escopo de se obter uma decisão.
apreciar a admissibilidade da 24
Le defenseur, de Honoré Daumier acusação, vige a ‘ampla defesa’. No plenário, certamente que está presente a ampla defesa, mas com um toque a mais: precisa ser, além de ampla, ‘plena’.”
Por sua órbita, o chamado sigilo nas votações possui o fito precípuo de resguardar a liberdade de convencimento dos jurados para que a decisão seja justa e livre, sem que haja qualquer constrangimento decorrente da publicização do voto. A forma secreta de votação está disposta no art. 93, IX, da CF, para salvaguardar a isenção e confiabilidade do julgamento.
Nesse sentido, o que assegura o princípio da plenitude de defesa é que poderá o Defensor ou Advogado utilizar-se do todo aparato argumentativo lícito, explanar todas as teses defensivas que ache necessárias, para auferir o convencimento dos jurados, uma vez que estes, não por apego à norma propriamente dita, decidirão conforme avaliação individual.
A soberania dos veredictos, por sua vez, está enredada entre as cláusulas pétreas da nossa Constituição. In verbis, “Entende-se que a decisão dos jurados, feita pela votação dos quesitos pertinentes, é 25
suprema, não podendo ser modificada pelos magistrados togados”. Desse modo, aos magistrados, tão somente, é cabível anulação em caso de vício processual, ou, por uma vez, determinar novo julgamento em casos em que a manifesta-se amplamente contrária à prova inequívoca dos autos. Preleciona o insigne jurista Julio Fabbrini Mirabete que: “A soberania dos veredictos é instituída como uma das garantias individuais, em benefício do réu, não podendo ser atingida enquanto preceito para garantir a sua liberdade. Não pode, dessa forma, ser invocada contra ele. Assim, se o tribunal popular falha contra o acusado, nada impede que este possa recorrer ao pedido revisional, também instituído em seu favor, para suprir as deficiências daquele julgamento.
Aliás, também vale recordar que a Carta Magna consagra o princípio constitucional da amplitude de defesa, com os recursos a ela inerentes (art. 5°, LV), e que entre estes está a revisão criminal, o que vem de amparo dessa pretensão.” Por fim, temos o princípio da competência para os crimes dolosos contra a vida, consumados ou tentados. Este rol de crimes está instituído no início da Parte Especial do Código Penal. São eles: homicídio simples, privilegiado ou qualificado (art. 121 §§ 1° e 2°); induzimento, instigação ou auxílio ao suicídio (art. 122); infanticídio (art. 123); e aborto (arts. 124, 125, 126 e 127).
26
PLURIPERSPECTIVA NA PELÍCULA "12 HOMENS E UMA SENTENÇA" por Gabriela Sousa de Medeiros - Discente de curso de Direito - UFRN (CERES) Bolsista-voluntária no projeto de extensão (En)Cine Direito
(EN)CINE DIREITO | 04
27
Primordialmente, importante se faz destacar que o título original da obra em questão se chama “12 angry men”, traduzido literalmente como “Doze homens em fúria”. O título diz muito sobre o filme. Datado de 1957 e dirigido por Sidney Lumet, a película acima, apesar de ser em preto e branco, traz uma história baseada em uma situação que prende a atenção do espectador até os minutos finais, instigando-o a acompanhar até o último segundo do filme para que possa, finalmente, saber o veredicto final. Não inusitada para a época em que foi produzida, a obra cinematográfica Doze Homens e Uma Sentença mostra um garoto negro e porto-riquenho que está sendo acusado de ter assassinado o próprio pai, indo ao tribunal do júri. Assim, na maior parte do tempo, o filme se passa em uma sala onde 12 jurados têm em suas mãos o destino do jovem rapaz. Cumpre-se importante frisar que, a princípio, onze dos doze jurados acreditam ser o acusado culpado, baseados no depoimento de um senhor idoso que acredita ter ouvido o (EN)CINE DIREITO - ED. 04
28
momento do disparo e baseados no depoimento de uma idosa que alega ter visto o jovem acusado na cena do crime. Dessa forma, apenas um deles prefere acreditar que talvez o rapaz seja inocente, concedendo a este o benefício da dúvida. Conforme decorre o tempo, o jurado n.º 8 convence os demais homens de que é preciso fazer uma análise detalhada acerca da autoria do garoto de 18 anos, muito embora os demais jurados tendam sempre a querer provar que o rapaz é, de fato, o autor do homicídio em pauta. O jurado que inicialmente, sozinho, acreditava que o jovem acusado era inocente, consegue destrinchar evidências que estavam escondidas em provas que pareciam condenar o jovem, e assim, convencer o restante dos jurados, um a um, que pode haver mais incoerências nas histórias descritas pelas testemunhas do que eles imaginavam.
Com um desfecho satisfatório, Doze Homens e Uma Sentença se propõe a nos mostrar o quão perigoso pode se tornar colocar a vida de alguém dentro do julgamento de outro que, humanamente, é parcial. Muito se fala dos juízes, os quais devem decidir guiando-se pelo que melhor entende do ordenamento jurídico a fim de alcançarem o mais alto nível de imparcialidade que puderem. Nesse sentido, denota-se ser também complicada a situação dos jurados de um tribunal do júri, que, igualmente, são pessoas com opiniões formadas individualmente, preferências políticas e preconceitos entranhados no fundo do inconsciente, fazendo com que cada um deles veja a mesma situação de um ponto de vista distinto e somente seu, partindo do seu próprio ponto de vista e dificultando, assim, uma decisão consensual no grupo. Ressalte-se, por oportuno, que a colocação de opiniões pessoais no que diz respeito a um julgamento, sobretudo
(EN)CINE DIREITO
29
na supracitada condição de se estar em um júri, caracteriza-se como algo normal a qualquer indivíduo, porque faz parte da consolidação cultural e da caminhada de vida de qualquer cidadão, em 1957 ou em 2018. No filme, o oitavo jurado simboliza muito mais do que um mero indivíduo que não tem certeza sobre alguma coisa. Ele é uma metáfora para a esperança, o olhar atento aos detalhes e os cuidados que devem permear a visão de um cidadão a fim de chegar à clareza dos fatos, sobretudo quando a vida alheia depende do que você decide. Por fim, nada menos do que merecia, Doze Homens e Uma Sentença recebeu um total de três indicações ao Oscar, considerado o prêmio máximo para as artes e ciências cinematográficas, nas categorias de melhor filme, melhor diretor e melhor roteiro adaptado. Naquele mesmo ano, recebeu o Urso de Ouro no Festival de Berlim.
encinedireito.blogspot.com.br
Juiz: "Ouviram um longo e complexo caso de homicídio em primeiro grau. U m homicídio premeditado é mais grave acusação em nossos tribunais. Ouviram os testemunhos, a lei lhes foi lida para ser aplicada ao caso. Agora é dever de vocês separar os fatos da versão. Um home m está morto, a vida de outro está em jogo. Se houver dívida razoável sobre a culpa do acusado, devem entregar-me o veredicto de "não culpado" se entretanto, não houver, devem em sã consciência declarar o acusado "culpado" O que quer que decidam, o veredicto deve ser unânime. No caso de julgarem o acusado culpado, o tribunal não considerará a hipótese de perdão. A sentença de morte é compulsória neste caso. Estão frente a grande responsabilidade. Obrigado"
12 HOMENS E UMA SENTENÇA, 1957
30
maio|2018
(EN)CINE DIREITO
road toFÍLMICA: freedom 12 ANÁLISE HOMENS E UMA SENTENÇA por Artur Jordão Douglas Relva de Brito Discente do curso de Direito - UFRN (CERES) Bolsista-voluntário no Projeto de Extensão (EN)CINE DIREITO.
31
ED.04
r(EN)CINE DIREITO • maio 2018
ed. 03
A obra cinematográfica intitulada de “Doze Homens e uma Sentença” (título em inglês “12 Angry Men”), filme estadunidense de 1957, do gênero drama, dirigido por Sidney Lumet, destaca-se como uma das principais obras para os estudantes de direito, tornando-se, também, indispensável para aqueles que gostam do procedimento do Tribunal do Júri.
Assim, muito embora exista certa diferença entre a forma do Tribunal do Júri Norte Americano e o Brasileiro, o filme trouxe muito bem a essência da função dos jurados e, até mesmo, a nossa própria função quando nos vemos questionando determinada matéria criminal: a necessidade de nos mantermos céticos até termos a certeza quanto à autoridade e a materialidade delitiva imputada ao réu. Não parando por aí, através das figuras dos jurados, o filme também conseguiu trazer alguns pecados que cometemos ao nos
depararmos com algumas controvérsias jurídicas, os quais seriam os nossos prejulgamentos de determinados agentes e a nossa convicção da verdade antes de analisarmos minunciosamente alguns casos. Nesse sentido, começando pela analise do último ponto dito anteriormente. A obra, através de uma história fictícia, aborda as figuras de doze homens colocados em uma sala, com a função de julgar se um terceiro, até então desconhecido por eles (por conseguinte, a quem eles não têm a menor empatia),
32
cometeu ou não homicídio contra seu próprio e falecido pai. Atrelado a isso, logo no começo do filme, o Juiz, de forma clara, orienta aos doze jurados sobre as regras básicas a serem utilizadas para definir o veredicto, dentre as quais o voto unanime dos jurados, sendo que determinada votação poderia conduzir o réu à pena de morte. Todavia, o ponto chave da história (e aqui onde está a critica social), é que, logo quando os jurados começam a se relacionar, há um visível descomprometimento quanto a importante
ED. 03
(EN)CINE DIREITO
MAIO|2018
missão que lhes fora dada. Exceto por um
O ponto chave do filme é que a maioria dos
jurado, todos os outros têm plena convicção
que estavam lá, após algumas analises,
de que o réu é culpado e, talvez por isso, não
passam a acreditar na inocência do réu, fato
haveria necessidade de maiores discursões.
pelo qual, ao final do filme, faz com que
Para alguns, inclusive, a votação deveria
cheguem à conclusão de que não só não
acabar rapidamente porque eles tinham
existem provas quanto à autoria do réu, mas
outros compromissos “mais importantes”
também que o este é verdadeiramente
(dentre os quais se destaca o compromisso
inocente. Ou seja, com suas próprias
de assistir a um jogo).
analises eles chegaram a essa conclusão,
Inclusive, o único jurado (o oitavo), o qual a
sem precisar de um terceiro que os
todo o momento se mostrou pensativo, nem
explicassem.
mesmo podia dizer se o réu era inocente.
Portanto, trazendo para nosso dia-a-dia, aqui
Entretanto, só pelo fato de que ele não tinha
está a principal crítica social do filme.
certeza da culpa desta pessoa, ele votou pela
Mesmo que seja impossível retirar o
sua inocência – ações essas que deveríamos
prejulgamento de nossa sociedade,
tomar como um norte para todos os casos
devemos, com todas as nossas forças, tentar
que encontrarmos em nossa carreira
expulsa-lo do âmbito judiciário.
jurídica.
Finalmente, mesmo que o filme seja da
Dessa feita, após essas ditas ações tornarem
década de 60, ele se encontra atual.
a sala muito mais barulhenta, os onze
Tornando-se, inclusive, obra obrigatória
jurados, convictos da culpa do réu, entram
para aquele estudante de direito que deseja
em uma luta argumentativa contra o oitavo
se enveredar na área do Tribunal do Júri. É
jurado (o qual não sabe dizer se o réu é
um filme ótimo para fazermos uma
culpado ou inocente). A proposta da
autocritica, assim, questionando-nos se
discussão é bem simples, os onze jurados
estamos agindo como o oitavo jurado ou
apresentam os motivos que os levarem à
como os onze restantes.
convicção quanto à culpa do réu, enquanto o oitavo jurado apresenta o motivos para estar em dúvida. Ocorre que, com o decorrer do tempo, cada um dos onze jurados começam a pôr em xeque suas convicções e a validar o motivo da dúvida do oitavo jurado.
33
"Hey! What’s your name?"
make
34
"É uma vida humana. E se errarmos?" - Oitavo jurado.
O FILME E SEUS MÚLTIPLOS
12 HOMENS e UMA SENTENÇA por Luana Cristina da Silva Dantas Discente do curso de Direito - UFRN (CERES) Bolsista-voluntária no Projeto de Extensão (EN)CINE DIREITO
(EN)CINE DIREITO 35
1 2
HOMENS
A película “12 homens e Uma Sentença”, genialmente dirigida por Sidney Lumet, já nos seus primeiros passos cativa o seu telespectador. A câmera panorâmica vai, pouco a pouco, levando nosso olhar de fora para dentro da geografia imponente do Tribunal do Júri, delineando um conceito-imagem tradicional aos ambientes de justiça. Passamos pelo saguão, depois pelo longo corredor, até findarmos na sala de audiência n.º 228, em que já se ouve as costumárias palavras normativas do juiz para o corpo do júri:
ÇA N TE N SE
UMA
"Ouviram um longo e complexo caso de homicídio em primeiro grau. Um homicídio premeditado é mais grave acusação em nossos tribunais. Ouviram os testemunhos, a lei lhes foi lida para ser aplicada ao caso. Agora é dever de vocês separar os fatos da versão. Um homem está morto, a vida de outro está em jogo. Se houver dívida razoável sobre a culpa do acusado, devem entregar-me o veredicto de "não culpado" se, entretanto, não houver, devem em sã consciência declarar o acusado "culpado". O que quer que decidam, o veredicto deve ser unânime. No caso de julgarem o acusado culpado, o tribunal não considerará a hipótese de perdão. A sentença de morte é compulsória neste caso. Estão frente a grande responsabilidade. Obrigado".
No centro da sala há uma mesa, doze cadeiras, papeis, e livre acesso aos atos processuais pelos doze jurados. Estes, por sua vez, adentram a sala. São trancados para que se dê continuidade ao tradicional procedimento burocrático institucionalizado, em que terão, de forma unânime, concretizá-lo, no termos do que preleciona o insigne jurista Hans Kelsen. O que abona às pessoas que ali se encontram, do ponto de vista jurídico, para além da concretização humana, o caráter de admissão de papeis institucionalizados, ligados à engrenagem da justiça, na função-encargo de jurados. Desse modo, não têm, sequer, nomes. Ali, possuem apenas números.
Nesse passo, fervilham tramas zetéticas e humanas próprias dos personagens. Ficamos, telespectadores, presos naquela pequena sala. Somos mais um O júri, por sequência, deixa a sala. entre os jurados. O mundo Neste momento, a câmera nos exterior cada vez mais distante. A dirige ao rosto do acusado. Em sua função de jurado, a início levada face, a expressiva angústia de com desdém e desimportância alguém prestes a ser sentenciado pela maior parcela dos jurados, à cadeira elétrica sob o peso da pouco a pouco, a passos acusação de ter matado seu pai fustigados e, por vezes, tortuosos, com uma facada. Será, em todo o enche-se de significado. filme, a única vez que veremos Engradece-se. Como se o sua fisionomia. equilíbrio da balança da justiça Entramos, então, na sala de dependesse daquele esforço. votação do júri. É escura, comprimida, com poucas janelas Por trazer à cena um órgão e cores... Está abafada. “Parece ser judiciário coletivo, podemos o dia mais quente do ano” e o analisar, com maior didatismo, a ventilador não funciona. 36
complexa teia humana que compõe a verificação da “verdade” jurídica sobre o fato, que depende, por conseguinte, de uma construção linguística hermenêutica, isto é, interpretativa. Antes de se iniciar a discussão propriamente dita, o oitavo jurado dirige-se para a janela. Olhos na vida movimentando-se do outro lado. As coisas em ordem? É interrompido, todavia, pelo décimo segundo jurado, que deixa: - “Bonita vista, o que achou do caso? Achei bem interessante, não havia pontos obscuros, entende o que digo? Tivemos sorte de pegar um homicídio". O oitavo jurado nota que os demais tratam o caso com frivolidade e descompromisso. Conversam sobre o trabalho, fazem piadas e delimitam um caráter terminativo ao caso, como se já fosse óbvio que o acusado cometeu o crime. Nesse momento, diz o jurado líder: "podemos ir embora rápido, não sei de vocês, mas tenho ingressos para o jogo de hoje".
37
Abro parênteses, aqui, para notar algumas características concernentes ao fenômeno do decisório jurídico: O júri é formado não por juristas, ou especialistas em Direito. Dessa forma, esse corpo de pessoas não irá interpretar a norma geral, que qualifica a conduta do homicídio como crime, mas vai refletir juridicamente, tão só, o fato por meio do exame e consistência do material probatório. Assim, os jurados têm o compromisso de, por seis dias, comparecer às audiências, ouvir e analisar a manifestação da defesa, da acusação, das testemunhas e, igualmente, do acusado. Na votação da película, onze jurados consideram o acusado culpado e apenas um o tem como inocente. Inicia-se, a contar desse ponto, uma profícua e constante interação comunicativa, por vezes nervosa e exaltada, em busca da verdade e do julgamento justo. Cada jurado é uma peça. A união-harmonização das peças é pressuposto condicionante para um resultado satisfatório.
Oitavo jurado: "É sempre difícil deixar os preconceitos fora de uma questão destas. Não importa para que lado vá, o preconceito sempre obscurece a verdade. Não sei qual é a verdade e suponho que ninguém aqui jamais saberá de fato. Nove pessoas aqui parecem achar que o réu é não culpado. Mas só estamos jogando com probabilidades. Podemos estar enganados, podemos estar deixando u m homem culpado livre"
38
Notamos que os onze jurados que
são suscetíveis de valorações distas.
decidem pelo veredictum “culpado”
Do mesmo modo, o fato jurídico
foram persuadidos pelo discurso da
pode não corresponder ao fato em
acusação, demostrando certa
si. É o risco que assumem. Há
desordem em distinguir, entre o
sempre uma margem de erro
acervo probatório, o verdadeiro do
passível de incorrer. Nessa órbita,
verossímil, entre o fato verificado e
caso o júri avalie de forma
o fato em si. Vociferam a certeza de
irresponsável um fato, todo o
que o acusado “matou o pai”. Não há
procedimento jurisprudencial
dúvidas. É como se estivessem no
decisório - e a justiça enquanto valor
local do crime, no dia do crime e
– fica comprometido.
tivessem presenciado o ato. Na
Oitavo jurado: “Não posso decidir
explanação de suas decisões, cada
sobre a vida de um jovem de dezoito
jurado observa a questão a partir de
anos em cinco minutos”.
um ponto de vista muito
Pouco a pouco, em um esforço
característico de cada um,
conjunto e minucioso, cada jurado
construindo uma pluriperpesctiva
reverte seu veredito. Até mesmo o
da inquirição conjunta. A
terceiro jurado, mais relutante de
justificativa no oitavo jurado
todos. O julgamento finda. Os
desvela, sobretudo, no humanismo
jurados retiram-se da sala. Cada um
da função que lhes foi incumbida. “É
levando consigo a sensação de
uma vida humana, e se estivermos
“dever cumprido”, no sentido
errados?”. Ele incensa e invoca o
kelseniano antes evocado. Cada um
valor da justiça e a necessidade da
acabou encontrando o sentido
sensatez humana em se pensar e
jurídico de sua função, a
repensar os termos concretos e as
impessoalidade necessária ao papel
provas para que obtenham um
que incorporaram. O veredito,
resultado justo para o acusado.
inicialmente de “culpado”, reverte-
O oitavo jurado parece sensível à
se após a interpretação verdadeira
constatação de que fatos idênticos
dos fatos. O acusado é inocente. 39
Outro fato simbólico, a meu ver, demostrase na cena final. Antes de retirar-se da sala, o oitavo jurado dirige-se ao terceiro jurado e lhe entrega, humildemente, seu paletó. Fora do ambiente do tribunal, já próximo da escadaria, o nono jurado pergunta ao oitavo jurado: Qual seu nome? Numa representação de que no tribunal deixaram seus “papeis”, números, e agora encontramse enquanto pessoas que, juntos, outrora, participaram de um serviço humanista. O oitavo jurado responde: "Davis". Cumprimentam-se. O nono jurado, cordialmente, diz: "Eu sou "MacCardle". Despedem-se. Cada um segue seu caminho.
40
(en)cine direito • maio 2018
ed. 04
CRÔNICAS DE UMA EQUIPE: nto e m mo ine C ) (EN
41
O cinema é por excelência a manifestação cultural de maior apelo popular nos tempos de hoje. Representa potencial ímpar para atingir variada gama de pessoas transmitindo ideias e reforçando o debate social e jurídico de assuntos caros à manutenção do Estado Democrático de Direito, à Justiça e ao conhecimento e propagação de uma cultura lastreada no Saber, no Ensino Participativo e na execução dos Direitos Humanos. Nesse esteio, na tarde do dia nove de maio, a exibição fílmica da película "12 Homens e Uma Sentença" concluiu o quarto encontro do projeto de extensão (En)cine Direito. Além do professor Dimitre Soares, mediador da mesa, tivemos a participação do discente Felipe Medeiros Mariz, do curso de Direito, das professoras Lidyane Ferreira e Tânia Cristina. Após a apresentação do filme, iniciou-se a discussão acerca do tema Direito e Argumentação. As falas dos compositores da mesa versaram sobre a problemática das relações grupais nos processos decisórios, onde cada indivíduo possui certas características, condicionamentos e padrões de vida. Os institutos do Tribunal do Júri, sua competência normativa e pressupostos principiológicos. Discutiu-se as nuances e concernentes a este órgão indispensável à persecução da justiça.
42
LISTA DE SUGESTÕES DIREITO E ARGUMENTAÇÃO
Quadro: Cândido Portinari Série: Dom Quixote.
43
Memórias do Cárcere é um livro de memórias de Graciliano Ramos, publicado postumamente, em setembro de 1953
Discurso escrito por Rui Barbosa em 1920. Uma das mais brilhantes reflexões produzidas pelo jurista sobre o papel do magistrado e a missão do advogado.
Guerra e Paz - romance histórico escrito pelo autor russo Liev Tolstói e publicado entre 1865 e 1869
O Julgamento de Nuremberg - filme dirigido por Stanley Kramer em 1961. Retrata os julgamentos dos Processos de Guerra de Nuremberg dados depois da Segunda Guerra Mundial para julgar os criminosos nazistas.
Um Barco e Nove Destinos - filme estadunidense de 1944.
44
Quadro: Cândido Portinari Série: Dom Quixote.
flor: Zinnia vermelha
Projeto de Extensão da UFRN (EN)CINE DIREITO Apresentou o filme "12 HOMENS E UMA SENTENÇA" discutindo o tema "Direito e Argumentação"
45
MAIO, 2018
REVISTA (EN)CINE DIREITO
REFERÊNCIAS BAECQUE, An toine de (Comp.). Teoría y crítica del cine: avatares de una cinefilia. Barcelona: Paidós, 2005. BARRETTO, Vicente de Paulo. O fetiche dos direitos humanos e outros temas. Rio de Janeiro: Livraria do Advogado, 2012. BENDIN, Gilmar Antonio et. Al. (Orgs). Direitos humanos, justiça e multiculturalismo. Santa Cruz do Sul: Essere nel Mondo, 2016. COMPARATO, Fábio Konder. Afirmação histórica dos direitos humanos. São Paulo: Saraiva, 1999. FRANÇA, Andréa; LOPES, Denilson (Orgs.). Cinema, globalização e interculturalidade. Chapecó: Argos, 2010. GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Manual de direito civil: volume único. São Paulo: Saraiva, 2017. GOMBRICH, Ernst H. La história del arte. Mexico: Editorial Diana, 1995. HAUSER, Arnold. História social de la literatura e del arte. 14. ed. Barcelona: Routlege and Kegan, 1978. HUNT, Antoine. A invenção dos direitos humanos: uma história. São Paulo: Companhia das Letras, 2009. LAMAS, Nadja Carvalho; JAHN, Alena Rizi Marmo (Orgs.). Arte e cultura: passos, espaços e territórios. Joinville: Univille, 2012. LIMA JUNIOR, Oswaldo Pereira de. Bioética, pessoa e o nascituro: dilemas do direito em face da responsabilidade civil do médico. ILUSTRAÇÕES DISPONÍVEIS EM: https://br.pinterest.com/search/pins/? q=12%20homens%20e%20uma%20senten%C3%A7 a&rs=rs&eq=&etslf=2605&term_meta[]=12%7Crecents earch%7C1&term_meta[]=homens%7Crecentsearch %7C1&term_meta[]=e%7Crecentsearch%7C1&term_ meta[]=uma%7Crecentsearch%7C1&term_meta[]=se nten%C3%A7a%7Crecentsearch%7C1
WWW.ENCINEDIREITO.BLOGSPOT.COM ENCINEDIREITO@OUTLOOK.COM
ED. 04