Revista (EN)CINE DIREITO - A Onda

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REVISTA (EN)CINE DIREITO |

V O L

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A B R I L

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A ONDA D I R E I T O

E

E D U C A Ç Ã O

"ACHAMOS QUE ÉRAMOS ESPECIAIS. MELHORES QUE OUTROS

... e o que é pior: excluímos os que não concordavam com a gente" (Die Welle, 2015)

O filme alemão Die Welle, literalmente traduzido para o vernáculo como “A Onda”, retrata a segunda película analisada no projeto (En)Cine Direito, sob o enfoque da perspectiva do Direito e da Educação. Dentre as várias questões sobre as quais o filme reflete, observa-se especial destaque em duas: a relação de ascendência e poder entre professor e aluno; e o gosto e a utilidade do Poder.


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Reitora Ângela Maria Paiva Cruz Vice-reitor José Daniel Diniz Melo Reitora de Extensão Maria de Fátima Freire de Melo Ximenes Editor científico Prof. Dr. Oswaldo Pereira de Lima Junior Editora Executiva Luana Cristina da Silva Dantas Conselho Editorial Prof. Ms. André Melo Gomes Pereira Prof. Dr. Carlos Francisco do Nascimento Prof. Dr. Dimitre Braga Soares de Carvalhos Prof. Dr. Elias Jacob de Menezes Neto Prof. Dr. Fabrício Germano Alves Prof.ª Ms. Lidianne Araújo Aleixo de Carvalho Prof.ª Dra. Lidyane Maria Ferreira de Souza Prof. Ms. Marcus Vinicius Pereira Junior Prof. Mário Trajano da Silva Junior Prof. Dr. Orione Dantas de Medeiros Prof. Dr Oswaldo Pereira de Lima Junior Prof. Dr. Rodrigo Costa Ferreira Prof. Ms. Rogério de Araújo Lima Prof.ª Esp. Mayara Gomes Dantas Prof. Esp. Winston de Araújo Teixeira Comissão Executiva Arthur Jordão Douglas Relva de Brito Gabriela Sousa de Medeiros Luana Cristina da Silva Dantas Victória Layze Silva Fausto


REVISTA (EN)CINE DIREITO Uma produção do Curso de Direito de Caicó - Ceres da Universidade Federal do Rio Grande do Norte R. Joaquim Gregório, s/n - Penedo, Caicó - RN, 59300-000 (84) 3342-2238

A B R I L ,

2 0 1 8 .

E D .

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RIO GRANDE DO NORTE, ABRIL, 2018.

O projeto de Extensão “(En)Cine Direito” traz para o horizonte de

apresentada nessa órbita foi o filme alemão A Onda, com título original Die Welle, e direção de Dennis Gansel.

Marc Bloch, insigne historiador francês detido e fuzilado pela Gestapo durante a segunda guerra mundial, professava que era necessário ao contínuo desenvolvimento humano a construção de uma memória-consciência do nosso passado como forma de evitar a repetição de eventos em que humanos empreenderam as mais repulsivas atrocidades a outros humanos.

No lastro das idas e vindas da História, o filme em tela descortina uma cáustica catarse da capacidade humana de cercear e promover a subjugação e exclusão de parcelas de seus semelhantes. No espectro discursivo da linguagem cinematográfica, a película, para além de uma análise desse insípido humano, elabora um caminho primordial da enunciação idealizada pelo projeto de extensão " (En)Cine Direito". Ela diagnostica e problematiza conceituações que acompanham a história da Filosofia e do Direito. Reflexões sobre a narrativa utópica, o naturalismo, relações de bem-estar social, belicismo, o contrato social de Rousseau, o tribalismo de Maffesoli, a deontologia de Kant, a Liberdade, a Ética, o Poder, os Direitos Humanos em Hannah Arendt {...} Nesse esteio, o jogo simbólico promovido pela linguagem fílmica imprime o mundo tangível pós-moderno, integra o arsenal humano de compressão da vida, da concepção de justiça e de colocação diante das injustiças.

BOA LEITURA! Equipe (EN)CINE DIREITO

ao leitor

debates o tema do Direito e da Educação. A primeira película


09

15 39

DIE WELLE – A ONDA POLIFONIA CINEMATOGRÁFICA

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12

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A TÊNUE LINHA QUE (DES)UNE ANTÔNIMOS

31 47

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09

CRÔNICAS DE UMA EQUIPE: MOMENTO ENCINE LUAR NA VARANDA

47

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REVISTA (EN)CINE DIREITO UFRN | encinedireito@gmail.com encinedireito.blogspotcom

Daí o brilho e a atualidade do filme em tela, que mostra como uma experiência eivada de boas intenções, malconduzida, pode gerar consequências nefastas. Há de se, primeiro, emancipar, para só depois apresentar as possibilidades ideológicas inerentes ao Poder. Isso significa manter a discussão no campo da democracia, não importando a ideologia discutida, desde que de modo aberto e consciente da aceitação de todos no espaço de deliberação do grupo.


sumário 08

DIREITO E EDUCAÇÃO

09

DIE WELLE – A ONDA

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A SÉTIMA ARTE

22

PARALELAS QUE SE ENCONTRAM: RESENHAS CRÍTICAS

30

O IRREAL E A REALIDADE

47 52

CRÔNICAS DE UMA EQUIPE: MOMENTO (EN)CINE INDICAÇÕES

encinedireito .blogspot.com | Revista (En)Cine Direito, ed. 02


DIREITO E EDUCAÇÃO

O filme alemão Die Welle, literalmente traduzido para o vernáculo como “A Onda”, retrata a segunda película analisada no projeto (En)Cine Direito, sob o enfoque da perspectiva do Direito e da Educação. Dentre as várias questões sobre as quais o filme reflete, observa-se especial destaque em duas: a relação de ascendência e poder entre professor e aluno; e o gosto e a utilidade do Poder {...} ABRIL 2018 | 02

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REVISTA (EN)CINE DIREITO

ED. 02

DIE WELLE – A ONDA POR OSWALDO PEREIRA DE LIMA JUNIOR - DOUTOR EM DIREITO E PROFESSOR ADJUNTO I DO CURSO DE DIREITO DA UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE UFRN Nessa toada, o filme parte de uma realidade que não é apenas alemã, mas também de vários países da América Latina, como do Brasil: a ideia de que não se repetirão os erros do passado. Esse distanciamento, que O filme alemão Die Welle, literalmente

as novas gerações parecem manifestar de

traduzido para o vernáculo como “A Onda”,

modo cada vez mais forte, denota o

retrata a segunda película analisada no

desconhecimento de acontecimentos

projeto (En)Cine Direito, sob o enfoque da

históricos e uma ideia positivista de que o

perspectiva do Direito e da Educação.

conhecimento, e assim também a ciência, e a

Dentre as várias questões sobre as quais o

História, caminham sempre de modo

filme reflete, observa-se especial destaque

progressista, para frente, de maneira que

em duas: a relação de ascendência e poder

seria inconcebível repetir os erros do

entre professor e aluno; e o gosto e a

passado. Ou, ao menos, incorrer nos

utilidade do Poder.

mesmos tipos de erros.

Na verdade, embora tratadas como duas proposições, ambas podem se resumir num

Ledo engano!

estudo geral sobre o Poder. Num lado, o poder de persuasão e ordenação da

Quando o assunto é a Política, os mesmos

Educação; noutro, a conformação de grupos

enganos e as mesmas mazelas são

em unidades homogêneas de poder.

repetidamente vistos no contexto social.

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Essa condição vem gerando uma geração de jovens carentes por algo sólido a que se fiarem. O mundo líquido, que Bauman tanto criticou, representa solo fértil para a ausência de ideologias e, como efeito colateral, para mentes que estão ávidas por algo pelo qual lutar. Jovens que podem ser presas fáceis para ideologias totalitárias, excludentes, fascistas, mas que os inserem num contexto de grupo, e, assim, de pertencimento, e de inclusão numa “causa” a ser defendida.

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O debate envereda, pois, para o caminho da 19 Política num sentido que se sobrepõe às vergastadas altercações sobre políticos, sobre o Congresso Nacional, ou sobre em quem se vota ou em quem se há de votar nas próximas eleições. A política ora em foco dispõe-se sobre aquilo que Annabelle Mooney e Betsy Evans (Language, Society and Power: an Introduction) retratam como discussões sobre o Poder. Nesse contexto, figurando a indagação sobre quem está no poder, como tal poder é usado e se determinada pessoa deve ser mantida no poder. No tema da Política, se insere a primeira consideração importante ao Direito feita na obra: a questão da persuasão do educador. Essa persuasão representa a abertura do processo de conhecimento entre aluno e professor. E, conforme há um aumento qualitativo e quantitativo na interação e na confiança das partes, haverá também o surgimento de uma relação dependência e admiração que facilita o processo de aprendizagem, para o bem e para o mal. Num mundo aberto a centenas de possibilidades que a pós-modernidade relegara às pessoas, a verdade deixa de ser um conceito para ser uma interpretação, os valores soçobram num oceano de subjetividades e a liberdade, ao invés de emancipar, aprisiona, condenando indivíduos a lidar com suas responsabilidades perante um nada epistemológico.


Nesse contexto, o papel do professor é central. Representa a figura do líder, aquele que já passou pelas angústias dos bancos escolares e ascendeu para seu papel numa sociedade extremamente crítica e exigente. Um guia carismático para os bons resultados que o liberalismo e a meritocracia imperantes exigem de seus indivíduos. Seu poder de persuasão decorre dessa afiguração paternalista e de liderança que, quando introjetadas num indivíduo inteligente, carismático e com grande domínio do discurso retórico, tal como ocorre no filme, torna o docente um grande exemplo a ser seguido pelos seus tutelados. Essa descrição não deve ser, contudo, interpretada como uma crítica a um perfil. Isso porque esse é o perfil ideal de professor! A crítica está direcionada à forma como esse poder pode ser exercido por quem o detém: ou se o usa para criar mentes abertas, voltadas ao conhecimento e aos valores sociais conquistados ao longo de gerações de lutas contra a tirania, ou se o usa para aprisionar mentes abertas num círculo vicioso de falsas premissas, de inclusão pela exclusão, de lógica da força contra o desigual, de alienação e não de emancipação das pessoas pelo ensino. A questão principal se volta, como dito alhures, à pessoa que exerce o Poder e à forma pela qual esse poder é exercido...

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Na experiência autocrática retratada no filme, o Poder apresenta-se como uma maneira de controle de uma pessoa sobre as demais, concretizando a etimologia grega da palavra que se descreve como o governo por si só. O professor age como um líder carismático e, pela Educação e pelo poder de persuasão que naturalmente possui, gera um clima de admiração que facilita a manipulação para seus próprios interesses. Nesse contexto, a Educação tem seu propósito pervertido da emancipação para o aprisionamento, fazendo com que as pessoas criem aversão àqueles que não advogam o mesmo modo de sentir, de proceder e de ser do que o delas mesmas.


Nesse momento, após mostrar os resultados que tal experiência pode trazer, eis que pautadas no esforço coletivo cativado pela disciplina rígida e acerto grupal dos mesmos objetivos, os participantes sentem-se incluídos em grupos que irradiam uma falsa superioridade sobre os demais.

Agora, a discórdia não é mais aceita como um momento crítico, eis que imersos estão num mundo que não pode haver contrário. O surgimento de unidades homogêneas de poder, escalonadas conforme os ideais autocráticos que a fizeram surgir, representa o passo seguinte para a reverberação de tal ideologia

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e sua imposição aos demais grupos sociais. Está criado o ambiente de exclusão do diferente, de segregação social, facilitando a manifestação de ódio por tudo que vai contra a tais unidades homogêneas de poder. E isso inclui até mesmo o líder, quando este tenta mudar a ideologia de força e domínio do grupo.


...

Tal como no filme, a criatura acaba voltando-se contra o criador, eis que as unidades homogêneas de poder doutrinam e alienam seus seguidores na falsa premissa do igual. E isso, uma vez tomado o sentido de grupo, adquire falsa sensação de verdade, tomando seus seguidores pelo fanatismo ideológico. Como não incorrer em tais percalços? Essa é a grande lição e a grande dificuldade do processo emancipador e consciente de Educação. O professor não pode priorizar os fins esquecendose dos meios. O processo de educação representa uma forma de abertura da mente, de criação de espaço democrático, e não autocrático, de formação do pensamento crítico, aberto ao diferente e às diferenças, capaz de aceitar e não de excluir, capaz de debater e não de segregar, capaz de autonomia e não de servidão. E esse também é o propósito do Direito!

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Daí o brilho e a atualidade do filme em tela, que mostra como uma experiência eivada de boas intenções, malconduzida, pode gerar consequências nefastas. Há de se, primeiro, emancipar, para só depois apresentar as possibilidades ideológicas inerentes ao Poder. Isso significa manter a discussão no campo da democracia, não importando a ideologia discutida, desde que de modo aberto e consciente da aceitação de todos no espaço de deliberação do grupo.


ed. 02

abril 2018

A SÉTIMA ARTE

Die Welle - A ONDA dirigido por Dennis Gansel estrelado por Jürgen Vogel • Frederick Lau • Jennifer Ulrich • Max Riemelt o filme foi filmado no Instituto Marie-Curie em Dallgow-Döberitz.

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revista (en)cine direito • abril 2018

ARQUITETURA FÍLMICA

CONTÉM SPOILER

A Onda, do original “Die Welle”, é um filme alemão de 2008 dirigido por Dennis Gansel e estrelado por Jürgen Vogel, Frederick Lau, Jennifer Ulrich e Max Riemelt. A película é inspirada no livro homônimo de 1981 do autor americano Todd Strasser e no experimento social da Terceira Onda, realizado pelo professor de história norteamericano Ron Jones, dos quais falaremos mais adiante. O longametragem alcançou explosivo sucesso nas bilheterias alemãs e, decorridas somente dez semanas desde o seu lançamento, 2,5 milhões de pessoas já haviam assistido ao filme.

O enredo do filme dá-se, incialmente, com o professor de ensino médio Rainer Wenger (Jürgen Vogel) se dirigindo ao trabalho enquanto canta um cover de "Rock 'n' Roll High School". A escola em que ministra aulas está ofertando cursos de uma semana que devem versar sobre sistemas de governo. Rainer acaba ficando com autocracia, forma de governo na qual há um único detentor do poder políticoestatal, isto é, o poder está concentrado em um único governante, podendo ser este um líder, um comitê, um partido, uma assembleia, etc. O governante tem controle absoluto em todos os níveis do Estado. Os alunos do professor Rainer são a terceira geração após a Segunda Guerra Mundial e postam descrentes quanto à possiblidade do ressurgir de uma ditadura na Alemanha moderna. Nesse contexto, o docente inicia um experimento para demostrar o quão fácil é manipular as massas.

Nos primeiros passos do experimento, Rainer começa exigindo que todos os alunos se refiram a ele como "Herr Wenger" (Senhor Wenger) e muda as carteiras de lugar, de maneira que todas elas fiquem rentes a ele. O professor, em seguida, posiciona os estudantes de acordo com suas notas, de forma que cada par (as carteiras são para duas pessoas) seja composto por um estudante com notas ruins e outro com notas boas. A finalidade é que as lacunas de cada um sejam preenchidas pela mútua ajuda, sedimentando uma base de unificação do grupo. Além disso, todo educando que quiser perpetrar alguma colocação deverá se levantar e dar respostas sucintas. Rainer também mostra aos alunos como uma marcha executada com perfeita sincronia rítmica entre os participantes pode fazer com haja um sentimento de pertencimento a uma única entidade, provocando, inclusive, no ambiente em que estavam, um

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desconforto no outro grupo de estudos, o de anarquismo. Por conseguinte, todos os alunos do grupo começam a vestir-se com uma camisa branca e calças jeans, para que não haja mais distinções entre os alunos e unir ainda mais todos eles. Mona (Amelie Kiefer), uma aluna que desde o início mostrou-se relutante em fazer parte do experimento, alega que utilizar uniformes vai acabar com a individualidade de cada um. Outra aluna, Karo (Jennifer Ulrich) vem à aula do dia seguinte sem uma camisa branca, por não gostar da vestimenta, e descobre ser a única a não aderir ao uniforme e sofre os efeitos dessa distinção. Ato cataclismo é quando os alunos decidem nomear o grupo. Após rápida eleição, o nome "A Onda" (Die Welle) é selecionado. Dado isso, o grupo começa, ainda, a utilizar uma forma de saudação, que consiste em imitar o movimento de uma onda com o braço direito em frente ao peito.


- A ONDA -

“VOCÊS TROCARAM SUA LIBERDADE PELO LUXO DE SE SENTIREM SUPERIORES. TODOS VOCÊS TERIAM SIDO BONS NAZI-FASCISTAS. CERTAMENTE IRIAM VESTIR UMA FARDA, VIRAR A CABEÇA E PERMITIR QUE SEUS AMIGOS E VIZINHOS FOSSEM PERSEGUIDOS E DESTRUÍDOS. O FASCISMO NÃO É UMA COISA QUE OUTRAS PESSOAS FIZERAM. ELE ESTÁ AQUI MESMO EM TODOS NÓS. VOCÊS PERGUNTAM: COMO QUE O POVO ALEMÃO PODE FICAR IMPASSÍVEL ENQUANTO MILHARES DE INOCENTES SERES HUMANOS ERAM ASSASSINADOS? COMO ALEGAR QUE NÃO ESTAVAM ENVOLVIDOS. O QUE FAZ UM POVO RENEGAR SUA PRÓPRIA HISTÓRIA? POIS É ASSIM QUE A HISTÓRIA SE REPETE. VOCÊS TODOS VÃO QUERER NEGAR O QUE SE PASSOU EM “A ONDA’. NOSSA EXPERIÊNCIA FOI UM SUCESSO. TERÃO AO MENOS APRENDIDO QUE SOMOS RESPONSÁVEIS PELOS NOSSOS ATOS. VOCÊS DEVEM SE INTERROGAR: O QUE FAZER EM VEZ DE SEGUIR CEGAMENTE UM LÍDER? E QUE PELO RESTO DE SUAS VIDAS NUNCA PERMITIRÃO QUE A VONTADE DE UM GRUPO USURPE SEUS DIREITOS INDIVIDUAIS. COMO É DIFÍCIL TER QUE SUPORTAR QUE TUDO ISSO NÃO PASSOU DE UMA GRANDE VONTADE E DE UM SONHO”.

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Inventam, além disso, um

e enaltecendo as chances que o

símbolo, que é espalhado na

movimento tem de mudar os

forma de adesivos e/ou pichações

rumos da Alemanha. Um dos

por toda a cidade. As festas

alunos, Marco, protesta, e Rainer

promovidas pelo grupo são

o delata por traição, pedindo que

abertas somente para os membros

os membros o tragam para o

d'A Onda, hostilizando-se os não-

palco para ser punido. Rainer

iniciados.

então faz os alunos perceberem o quão longe A Onda foi e o quanto

Pouco a pouco, as atitudes do

eles estavam sendo manipulados

grupo começam a reverberar em

por ela, mesmo achando no início

consequências nefastas.

do curso que um regime como o

Percebendo isso, ao fim, o

Nazismo jamais poderia tomar

professor Rainer convoca uma

conta da Alemanha novamente.

assembleia com todos os

Rainer então declara o fim d'A

membros d'A Onda no auditório

Onda. O desfecho é traumático.

da escola.No encontro, Rainer

Mas vocês terão que assistir para

pede que fechem as portas e

conhecer.

A ONDA

dirige para os alunos, relatando suas atuações no grupo e

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(EN)CINE DIREITO

ED. 02

A estética literária em “The wave”, do americano Todd Strasser e o experimento social de Ron Jones "THE WAVE" Todd Strasser Editora Random House 144 págs.

A “The Wave”, do americano Todd Strasser, se passa nos Estados Unidos dos anos noventa. Ben Ross, personagem principal, é um professor de história de uma escola que, nos modelos brasileiros, seria de ensino médio. Ross é admirado e respeitado pelos alunos, possuindo forte persuasão entre as salas em que ministra suas aulas. A obra

TODD STRASSER

|

2008

literária começa a delinear sua mensagem a partir do momento em que Ross exibe um

experimento para que, de modo simplista,

filme que versa sobre a Segunda Guerra

possam sentir de que modo às pessoas são

Mundial. Os alunos questionam o professor,

levadas a agir de maneira manejada por uma

nesse momento, como pode o povo alemão

liderança e em nome de princípios e valores

ter permitido tamanha desumanidade contra

embutidos por meio de processos de

outros seres humanos. Ross fica silenciado

alienação por parte desses líderes. Dessa

pelo questionamento e passa a noite

forma, coloca regras que deverão ser

buscando uma resposta entre os numerosos

seguidas pelos membros da turma. Nesse

livros de que dispõe determinado a oferecer

minuto, Lauren (aluno prodigioso)

a mais plausível síntese da pergunta. Na

pressentiu a energia proporcionada por uma

manhã seguinte, já em sala de aula, o

unidade conjunta e pensa até que ponto seria

docente escreve no quadro “Força através da

isso danoso.

disciplina” e coloca à turma o início de um

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(EN)CINE DIREITO

ED. 02 | ABRIL 2018

A “The Wave”, do americano Todd Strasser, se

É definido, ainda, um número para cada

passa nos Estados Unidos dos anos noventa. Ben

participantes e escolhidos “guardas” responsáveis

Ross, personagem principal, é um professor de

por salvaguardar os membros e coibir qualquer

história de uma escola que, nos modelos

desregramento do grupo a fim de que mantenha a

brasileiros, seria de ensino médio. Ross é

ordem e a disciplina. Entre os lemas, “a

admirado e respeitado pelos alunos, possuindo

disciplina através da força, a unidade através da

forte persuasão entre as salas em que ministra

ordem”. Surgem, nesse cenário, grupos

suas aulas. A obra literária começa a delinear sua

antagônicos aos ditames do grupo autocrático

mensagem a partir do momento em que Ross

que se utilizam de variados recursos para

exibe um filme que versa sobre a Segunda

denunciar e combater o atuar do grupo. Daí em

Guerra Mundial. Os alunos questionam o

diante, dá-se consecutivos clímaces das

professor, nesse momento, como pode o povo

consequências do experimento, de modo que,

alemão ter permitido tamanha desumanidade

quando o professor percebe sua falta de controle,

contra outros seres humanos. Ross fica silenciado

já é absolutamente tarde para frear os efeitos d’A

pelo questionamento e passa a noite buscando

Onda.

uma resposta entre os numerosos livros de que

“A ONDA”, é valioso tecer, também é inspirado

dispõe determinado a oferecer a mais plausível

em um experimento social realizado pelo

síntese da pergunta. Na manhã seguinte, já em

professor de História e escritor norte-americano

sala de aula, o docente escreve no quadro “Força

Ron Jones. Em abril dos dias de 1967, enquanto

através da disciplina” e coloca à turma o início

dava aulas para estudantes do segundo ano da

de um experimento para que, de modo simplista,

Cubberley High School, em Palo Alton –

possam sentir de que modo às pessoas são

Califórnia, Jones lecionava sobre o mundo

levadas a agir de maneira manejada por uma

contemporâneo, pós-moderno, e abordava a

liderança e em nome de princípios e valores

Segunda Guerra levando para os alunos os

embutidos por meio de processos de alienação

horrores da Alemanha Nazista. Enquanto

por parte desses líderes. Dessa forma, coloca

transmitia os recursos utilizados pelo governo

regras que deverão ser seguidas pelos membros

autocrático para levar as massas a apoiá-los,

da turma. Nesse minuto, Lauren (aluno

tentou demonstrar como, até mesmo em uma

prodigioso) pressentiu a energia proporcionada

sociedade democrática de direito, as pessoas não

por uma unidade conjunta e pensa até que ponto

estão livres de passarem por um processo de

seria isso danoso. Ben não tinha intenção de dar

alienação ideológica por líderes carismáticos.

prosseguimento ao percurso experimental.

Naquele momento, resolveu iniciar um

Todavia, ao adentar a sala de aula, encontra os

experimento com a turma. Jones começo a

estudantes sentados em linha metricamente reta.

abordar as fraquezas da democracia enquanto

Vendo isto ele sente que necessita continuar com

sistema de governo, ele mencionou o fato de a

o experimento. É invadido por esse sentimento.

democracia supervalorizar o indivíduo e, por

No caminhar dos dias seguintes, eles definem

conseguinte, a liberdade individual, ato que

uma saudação, um emblema e um nome para o

gerava, no seio social, egoísmo e apartamento.

grupo. Já não se sentem apenas indivíduos, mas

Levou a ideia de que, para alçar até a justiça

membros de uma unicidade.

social era preciso mais que isso. Era necessária

A ONDA - 19 -

união, disciplina, espírito grupal, pensamentos e


vozes uníssonas. Com isso, definiu, à semelhança do filme, uma saudação que diferenciava seus estudantes dos demais – que lembrava a saudação fascista de Mussolini. Também seus alunos começaram a utilizar um uniforme. Elementos de distinção que, pouco a pouco, levaram seus alunos a desprezar aqueles que não seguiam o mesmo norte. Foi-se construindo um grupo disciplinado, coeso e atento as ordenanças de seu líder – o professor Jones. O lema escolhido era “força através da disciplina, força através da comunidade, força através da ação, força através do orgulho”. Mantra que foi levado até as últimas consequências. Por fim, o professor dissolveu o grupo e revelou aos alunos que os tinha utilizado em experiência social e eles ficaram bestializados com a forma com que tinham sido manipulados.

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“Hoje a gente não tem contra o que se revoltar. O que precisamos é de um objetivo comum para unir a geração.. Nosso lema será “força através da disciplina, força através da comunidade, força através da ação, força através do orgulho”. A onda, 2008.

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REVISTA (EN)CINE DIREITO

ABRIL. 2018

PARALELAS QUE SE ENCONTRAM: DIREITO E EDUCAÇÃO POR

RODRIGO

PROFESSOR DO

NORTE

COSTA

EFETIVO

(UFRN)

E

DA

FERREIRA

-

DOUTOR

UNIVERSIDADE

UNIVERSIDADE

EM

FEDERAL

ESTADUAL

DA

FILOSOFIA DO

RIO

PARAÍBA

E

GRANDE (UEPB).

O filme alemão “A Onda” (Die Welle), produzido em 2008, foi baseado no livro The Wave, do escritor Todd Strasse. O filme

O experimento de Wegner tem início com a imposição arbitrária que o elege como o líder supremo da sua sala de aula. Em seguida,

retrata o drama vivido pelo professor do

passa a executar “estratégias de coalisão ensino médio Rainer Wegner que propõe um experimento didático para ensinar aos seus

totalitária”, algumas das quais com a

alunos o conceito politico de autocracia,

finalidade de justificar a sua condição de

experimento este que acaba desencadeando

“ditador”: tratamento respeitoso entre os

consequências inesperadas e trágicas.

membros da turma e, em especial, para com o seu líder; boa postura em sala de aula; hábitos

O professor Rainer Wegner é designado para

compartilhados; uma mesma vestimenta; entre

ministrar um curso sobre autocracia na escola secundarista onde trabalha. Devido ao desinteresse dos seus alunos pelo tema, propõe

outros. Ainda pretendendo reforçar a integridade do grupo, Wegner nomeia o seu

um experimento com objetivo de explicar na

projeto político de “A Onda” e lhe confere o

prática como funcionam os mecanismos

lema: “a força pela disciplina”. Em pouco

políticos da autocracia (regime político centralizado na figura de um ditador ou de um

tempo, os alunos começam a se comportar conforme a agenda ideológica desse

grupo que subjuga por meio de um poder

movimento; propagar o poder da unidade e a desmedido e ilimitado a heterogeneidade social em nome de conceitos de coalisão, tais como os de nação e de raça).

ameaçar outros que não se encaixam ou negam o seu modus operandi.

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O mal é praticado na sociedade por ilusão, por automação, por psicopatia social ou por necessidade. Assim, mesmo o mais instruído dos homens pode vir a praticar o mal. Nem sempre aquele que pratica o mal é um “monstro” (um psicopata, por exemplo), podendo o mal ser fruto da ação de um homem comum que (1) se deixa levar pela psicologia das ações coletivas (caso como o que o indivíduo corre pelo fato de ver outras pessoas correndo, sem saber ao certo o que está acontecendo), há assim uma automação da ação; (2) é seduzido (ou ludibriado) por um discurso complexo e persuasivo, capaz de “banalizar o mal”; (3) mesmo consciente das consequências vis das suas ações, age por autoconservação: realizando as necessidades que entende

Quando a experiência atingem uma dimensão preocupante, isto é, passa a interferir negativamente na realidade das práticas sociais da grande maioria dos A

alunos, os quais vão se deixando envolver cada vez mais pela funcionalidade do totalitarismo, Wegner decide por fim a experiência. Mas é tarde demais! “A Onda” sai do controle, e como consequências disso pessoas são agredidas, o espaço público de debate e de liberdade é restringido e, ao final, de modo trágico um aluno atira em um colega e em seguida se suicida por não aceitar o fim do movimento, o qual admitia como razão última da sua existência. O drama de Rainer Wegner se passa na Alemanha de 2008. Nesse contexto que retrata a nossa realidade, podemos supor, como parece sugerir o filme, que é do conhecimento dos alunos o fato da Alemanha ter vivenciado no passado a experiência amarga de um governo autocrático. Esse ponto, em especial, parece despertar em todos aqueles que tiveram a oportunidade de assistir “A Onda” uma inquietação: observado o caráter instruído da grande maioria dos alunos de Wegner, os quais vivem em plena era digital, cujo acesso a informação é fácil e amplo, como foi possível que eles tenham se deixado envolver pelas práticas de coalisão totalitária do movimento “A Onda”?

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como necessárias a sua sobrevivência ou ao seu “bem viver”.


As estratégias de coalisão autocrática utilizadas por

Por outro lado, há uma “massa de alienados”

Wegner pretendem criar uma “unidade de grupo”.

(autômatos acríticos) que se deixa seduzir pela

Essas estratégias autorizam àqueles que se sentiam

eloquência ou procedimentalíssimo (presente, por

excluídos e humilhados antes da consolidação do

exemplo, na “hierarquia técnica de comando” da

movimento “A Onda”, a inclusão e a exaltação, ao

divisão de trabalho, como explica Zygmunt Bauman,

mesmo tempo em que lhes permitem alcançar uma

na sua obra Modernidade e Holocausto) dos discursos

condição de existência nunca antes vivenciada: a

autocráticos de “banalização do mal”, a tal ponto dos

absoluta igualdade e respeito do grupo. Com isso,

membros acreditarem que realmente ao agirem

passam a exigir de igual para igual que as suas

conforme as ordens do regime não estariam

demandas (necessidades) sejam atendidas pelo grupo.

praticando o mal, mas apenas cumprindo com o seu

Só gozam, entretanto, dessas garantias (absoluta

dever (com isso são efetivados os processos de

igualdade e respeito do grupo) aqueles que se

ingresso por ilusão e por automação). Com o passar

submetem à cartilha totalitária. Cria-se, assim, um

do tempo, nesse sentido, percebemos no filme “A

código binário: existem aqueles que pertencem ao

Onda” que os alunos passam a agir impetuosamente

grupo e os que não pertencem ao grupo. Aos

contra aqueles que não queriam aderir ao movimento,

primeiros são conferidos garantias e o respeito do

sem que com isso existisse entre eles qualquer repúdio

regime autocrático, aos demais resta a indiferença, o

ou represália à violência.

desprezo, a falta de liberdade de expressão e até

Há ainda a categoria de membros do regime

mesmo a violência.

autocrático que cumprem ordens do ditador mesmo entendendo que esse exercício acarreta consequências

Um dos grandes problemas que surgem nesse cenário

trágicas e imorais. Agem dessa maneira por medo da

é o da “banalização do mal” (a exemplo do que

punição desmedida dada aos transgressores ou porque

sugere Hannah Arendt, em seu livro Eichmann em

são indiferentes a tudo que ocorre, importando-se

Jerusalém). O líder supremo ou os líderes dos regimes

apenas com a possibilidade de levar a diante as suas

autocráticos criam narrativas que consintam a prática

vidas, o que significa dizer que desejam apenas

do mal, com o objetivo de legitimar o seu governo

atender as suas demandas (ou as suas necessidades).

que faz uso de ações desmedidas contra os seus

Nesse último sentido, deixam claro que são movidas

opositores ou excluídos.

pelo desejo de sobreviver ou de viver bem as suas vidas (autoconservação).

- 24 -


Sobrevive aquele que consegue satisfazer as necessidades básicas. Mas, “vive bem” (goza do “bem viver”) aquele que atende, além das necessidades básicas, as necessidades sociais (ou necessidades culturais). As necessidades básicas são comuns a qualquer cultura e permitem sustentar um “mínimo de vida”: a necessidade de consumir água potável, alimentos, vestias, moradia etc. ou ainda a necessidade de viver em um meio ambiente não hostil (ambiente ausente de guerras, tragédias naturais etc.), isto é, um ambiente que não Por fim, por autoconservação as pessoas

acomete a integridade física do vivente. Já as

participam ou deixam de participar de

necessidades sociais são constituídas e

um regime autocrático. Observemos isso

regulamentadas por práticas sociais e atos de

no contexto de “A Onda”: há alunos

fala intersubjetivos do grupo social. A moda, por exemplo, é uma prática social desejada que retrata certo “estilo de vida” (uma manifestação

Wegber porque desejam satisfazer a necessidade de inclusão; há alunos

importante do “bem viver”). O uso de um

populares que se ligam à “A Onda”

“terno Armani” não satisfaz, em condições

porque desejam manter a admiração do

normais, a necessidade básica de proteção do

grupo (ou a sua direção); os excluídos ou

frio, mas antes uma necessidade social que,

opositores do regime lutam contra ele,

neste caso, reflete a condição de alguém aos

dado a necessidade de superar aquele que

olhos do grupo (status), ao mesmo tempo em

os ameaçam; e assim por diante rumo a

que estabelece a integração com os demais membros que compartilham dessa prática. São as necessidades básicas e necessidades sociais, modeladas e difundidas pelos simbolismos de nossos repertórios morais, políticos, jurídicos e até mesmo epistemológicos, as senhoras dos nossos interesses. Agimos conformes interesses. O que significa dizer que tudo pode vir a mudar quando a autoconservação está em risco, desde o desmoronamento de barreiras morais intransponíveis como a queda de

excluídos que aderem ao totalitarismo de

- 25 -

uma cadeia infinita de necessidades e interesses.


A ONDA - DIE WELLE Por: Priscilla Brandão de Medeiros Mestra em Serviço Social e Porfessora no curso de Serviço Social na Faculdade Católica Santa Teresinha FCST.

“Ousarei expor aqui a mais importante, a maior, a mais útil regra de toda a educação? É não ganhar tempo, mas perde-lo” (Rousseau). O século XX marca, no cenário mundial, tempos que grandes guerras foram travadas. Guerras essas que não se detiveram “somente” as disputas políticas, mas principalmente, a disseminação de ideologias que são, até hoje, perpetuadas socialmente. Exemplo disso é o Fascismo que, segundo Fernandes (2016) não foi derrubado nas batalhas da 2ª Guerra Mundial, mas, se encontra totalmente vigorante em seus discursos de ódio.

O filme “A Onda” retrata muito bem o quanto a humanidade vive tempos obscuros – e por vezes, inconscientes – de manifestação da barbárie fascista. Retratando o século XXI, “A Onda”, de Dennis Gansel, é um filme alemão que traz o enredo de uma realidade real acontecida em uma escola, evidenciando que a autocracia, enquanto governabilidade absoluta e negação do poder popular ainda encontram formas possíveis e reais de existência.

- 26 -


É quando parafraseio com o filósofo Ivo Tonet, em sua obra “Educação para além do capital”, de 2008, quando o mesmo traz que vivemos o

.

que, para alguns teóricos e estudiosos, é visto como “novo analfabetismo”, uma vez viemos tempos de total acessibilidade da informação, todavia, da fragilidade das interpretações reais. Não distante disso, “A Onda” se volta a esse entendimento, quando há uma verdadeira massificação da influência ideológica, colocando aquele grupo de estudantes num lugar de supremacia. E aí, me aproprio do questionamento de Mészáros (2008, p. 17) quando ele traz: “Para que

Isso fica notoriamente claro quando os/as estudantes são questionados/as sobre a possibilidade de retorno de movimentos como o Fascismo, Nazismo e os/as mesmos/as riem da situação, colocando a negatividade ao retorno de qualquer caracterização de tais.

Qual educação pensamos direcionar em tempos de capitalismo e barbarização da vida social?

ainda, quando público -, se não for para lutar contra a alienação”? Para ajudar a decifrar os enigmas do mundo, sobretudo o do estranhamento de um mundo produzido pelos próprios homens?”

...

Mas, isso se contradiz a partir da proposta de lecionar, adotada no filme pelo personagem Rainer Wenger, quando o mesmo adota um viés metodológico que faz concretizar os ideias da autocracia sob bases elucidativas, o que fez com que “A Onda” – nome dado ao movimento proposto na metodologia - se propagasse para além dos limites institucionais da Escola, fugindo ao que, inicialmente, era ideia do professor Wenger.

Versando sobre o papel da educação, entendida enquanto direito fundamental – CF 1988 em Art. 205, sendo direito de todo cidadão e dever do Estado, podemos aprofundar a reflexão:

serve o sistema educacional – mais

- 27 -


Dessa forma, assumimos projetos de vida

Uma vez que “o discurso é um modo de

que não comungam com os desejos e

se pôr formas específicas de ideologia,

afinidades, mas com a lógica brutal da

que expressam diferentes interesses de

concorrência e da necessidade do poder,

classes sociais, como por exemplo, a

como claramente é demostrado no filme

Política, a Religião, o Direito

a partir da aceitação em massa da

[...]”Cavalcante (2012, p. 217).

estratégia metodológica do professor

A autora supramencionada elucida muito

Wenger, que aponta sinais de fracasso,

bem a multiplicidade que caracteriza as

quando vista a dimensão exógena que

escolas e, por isso, tão perigosas à

tomou.

disseminação das ideologias. A Escola, a

Assim, o filme nos coloca nesse lugar de

universidade, por serem espaços de

reflexão: Será a estrutura educacional

formação humana – aqui em seu sentido

vislumbra de formar sujeitos pensantes

na totalidade – precisa amadurecer o seu

ou formar mercadorias para se lançarem

papel político e social. Será que

num mundo de trabalho em que somos

realmente entendemos e refletimos sobre

nada mais nada menos, que meras

tal? Ou replicamos diretrizes, normas,

mercadorias?!

regimentos sem que percebamos que as

É sobre esse referencial analítico que

pessoas se traduzem para além disso?

coloco o chamado para as entrelinhas do

É com essa reflexão que considero

filme “A Onda”, uma vez que pensar o

entender o grito que “A Onda” traz.

direcionamento que a educação tem tido não pode ser assumido dissociado da sociabilidade capitalista.

...

- 28 -


Talvez, ao pensar a elaboração da proposta, Wenger não tenha refletido sobre: Orientar as atividades para a construção de indivíduos efetivamente livres ou para formação de cidadãos, mesmo que críticos? Portanto, é com Kant que se encerram esses escritos: “É no problema da educação que assenta o grande segredo do aperfeiçoamento da humanidade”. O desenvolvimento de uma “humanidade humana” requer pensar romper com esses tempos de perversa coisificação das relações sociais e direcionar a educação para emancipação humana.

Referências Bibliográficas: CAVALCANTE, Maria do Socorro Aguiar de Oliveira. O discurso da educação de qualidade produzindo efeitos de sentidos antagônicos. In: _____; BERTOLO, Edna; JIMENEZ, Suzana (orgs.). Trabalho, Educação e Formação Humana: frente à necessidade histórica da revolução. São Paulo: Instituto Lukács, 2012. FERNANDES, Florestan. Poder e Contrapoder na América Latina. São Paulo: Expressão Popular, 2016. MÉSZÁROS, Instán. A educação para além do capital. 2ª ed. São Paulo: Boitempo, 2008.

- 29 -


O IRREAL E A REALIDADE Por Gabriel Augusto de Medeiros - Discente do Curso de Direito da UFRN, Ceres. A mais recente edição do projeto “Encine Direito”, desenvolvido pelo Professor Dr. Oswaldo Pereira de Lima Júnior e diversos alunos colaboradores, teve por objetivo ampla discussão temática do filme A Onda, produzido na Alemanha, no ano de 2008, sob a direção de Denis Ganssel. “Die Welle” - título original alemão da obra cinematográfica – que é estrelada por Jürgen Vogel, Frederick Lau, Jennifer Ulrich e Max Riemelt, baseia-se em livro homônimo lançado em 1981 por Todd Strasser e num experimento social semelhante denominado “A Terceira Onda”, protagonizado pelo professor Ron Jones em uma escola de ensino médio no estado da California, EUA, no ano de 1967. O filme conta a história do professor Rainer Wenger, a quem é incumbida a missão de ministrar a disciplina sobre “autocracia” num Com o desvelo da trama, o movimento – denominado

colegial alemão. Wenger, embora

A Onda – começa a sair do controle do

diante da desmotivação manifesta da

professor, que se vê ele inclusive afetado por tais

turma a respeito da disciplina,

ideais. O experimento toma corpo, as ideias passam

demonstra-se preocupado com a

do

demonstração de que a juventude

plano “platônico” para o mundo real, o orgulho e o

alemã

sentimento de pertença torna-se, pouco a pouco,

daquele momento não mais temia um

violência.

estado autocrático e se achava imune

A cena final do filme se dá num discurso proferido

ao estabelecimento de tal

pelo líder aclamado da Onda, que pouco a

regime. Desta maneira, decide iniciar

pouco deixou de ser o libertário Rainer para se tornar,

um perigoso experimento sociológico

no imaginário daqueles estudantes, o autoritário

baseado nos ideários

Mr. Wenger: uma figura carismática que trazia na

autoritários que tanto repercutiram na

potência de sua fala as palavras cortantes de seu

Alemanha – país em que se dá o filme

famigerado compatriota e líder do Terceiro Reich

– no século passado.

Alemão, Adolf Hitler.

- 30 -


Tal discurso, que por fim leva

Die Welle nos revela o quanto a

Longe de formar um

os

implantação de uma ideologia

movimento político racional,

alunos a refletirem o quão

autoritária e socialmente

forma-se a partir de tal

facilmente aderiram às

organicista no contexto

ideologia,

educacional tem poder diante

hodiernamente, uma espécie de

das fragilidades da nossa

tribo exatamente constituída

geração. Somos jovens

aos moldes do que

que nasceram em meio à

magistralmente definiu

efemeridade das relações

Michel Mafessoli. A ideologia

virtuais, em meio à abundância

política dominante deixou a

de recursos e,

tempos de ser para os seus mais

finalmente, em meio à ausência

apaixonados

de significado, de algo pelo que

defensores o seu ideário, seus

lutar, pelo que se engajar.

pontos de concordância:

A ideologia política dominante

tornou-se a força motriz que

dentro dos espaços

rege seu viver e suas

educacionais, então, se revela

ações, tornou-se a expressão

práticas autoritárias culmina no suicídio trágico do mais dedicado aluno ao movimento. A Onda, de fato, não se revela um filme para se assistir em meio à pipoca tão familiar às sessões de cinema acorriqueiras em finais de semana, no sofá da sala. Antes, é um filme destinado por sua própria natureza a despertar a reflexão sobre a história, o

algo além do

máxima da mais enraizada

comportamento em sociedade

debate racional e fático que

necessidade social apresentada

e, sobretudo, a um tema

deveria ser: se revela como

pelo ser humano,

muito pouco debatido para sua

oportunidade de socialização,

distanciando-se da razão e

relevância: a doutrinação

oportunidade de

aproximando-se do mais

político-ideológica num

significado existencial,

passional dos instintos.

contexto escolar.

oportunidade, finalmente, do

Ora, historicamente, sabemos

suprimento de carências tão

que: quando uma ideologia

recorrentes às

autoritária que tem um inimigo

fragilidades relacionais da

comum, líderes carismáticos e

nossa sociedade.

- 31 -

regras rígidas se impõe,


Com o desvelo da trama, o movimento – denominado A Onda – começa a sair do controle do professor, que se vê inclusive afetado por tais ideais. O experimento toma corpo, as ideias passam do plano “platônico” para o mundo real, o orgulho e o sentimento de pertença tornam-se, pouco a pouco, violência.

- 32 -


principalmente diante de um contexto social fragilizado – assim como se encontra o mundo por sua imersão na modernidade líquida prelecionada por Zygmunt Bauman – os resultados são os mais catastróficos. Que não nos deixem mentir os milhões de mortos em Auschwitz e tantos outros milhões nos Gulags Soviéticos, que não nos deixem mentir os perseguidos norte americanos de Marshal e os fuzilados no “el paredón” cubano. Há que se ter, portanto, a maior vigilância ao primeiro sinal de ostracização ou de autoritarização dentro do contexto educacional, onde se formam as mentalidades daqueles que, futuramente, assumirão os rumos da sociedade e, invariavelmente, afetar a vida daqueles que a compõem. Em uma semana, os estudantes que integravam “A Onda” estavam a ela jurando plena e total fidelidade, a ponto de sacrificarem suas vidas e estarem dispostos a eliminar seus oponentes para a continuidade do movimento paulatina e aceleradamente tornou-se sua razão de ser. Facilmente presumível é, diante do exposto, que não menos graves podem ser os resultados de anos a fio de doutrinação político-ideológica dentro dos espaços educacionais.

O filme,

A Onda é um demonstrativo baseado em

finalmente, deixa a reflexão sobre a necessidade de

fatos reais do quão suscetível é o ser

denúncia das consequências de tantas “ondas” que

humano a

como um tsunami enguliram sociedades inteiras como

ideologias autoritárias e Às suas

a Alemanha sob a égide de Hitler e a Rússia sob o

consequências. Die Welle é um alerta

império dos ditadores soviéticos. A “marola” da

contemporâneo que clama

doutrinação político-ideológica deve, portanto, ser

incessantemente que Auschwitz, que os

trazida a tona e ter sua nocividade revelada antes que

Gulags, que “El Paredón” não se

se torne uma “onda” grande o suficiente para

repitam, pois a ridicularização, a

provocar os efeitos devastadores das “tsunamis”

exclusão e a consequente intolerância aos

anteriormente citadas.

divergentes são seus precussores mais evidentes.

- 33 -


RELAÇÕES DE PODER, ENSINO E SOCIEDADE POR ARTUR JORDÃO DOUGLAS RELVA DE BRITO DISCENTE DO CURSO DE DIREITO - UFRN (CERES)

Diante disso, frustrado com suas obrigações,

demonstra, antes de tudo, o quanto uma ideia,

Rainer começa a ministrar as suas aulas até ser

por mais simples que seja, pode transformar pessoas ou grupos. Inclusive, podendo, também, modificar sujeitos a ponto de tornalos naquilo que eles mesmos impugnavam, outrora, com bastante veemência.

interrompido por um aluno o qual diz que uma nova ditadura é impossível de ocorrer na Alemanha moderna (e que por isso a disciplina não deveria estar sendo lecionada). O que, por sua vez, o desperta a seguinte ideia pedagógica: encenar um governo autoritário para mostrar o quão fácil é

Nesse sentido, trazendo para a história da obra

manipular as massas e, consequentemente, mostrar

em si, a mesma começa em uma escola local da

que ainda há possibilidades de se instaurar

Alemanha, onde está sendo oferecido alguns

governos ditatórias na modernidade.

cursos de uma semana. Neste cenário, após o

Daí então o filme verdadeiramente começa a

professor do curso de anarquismo não aceitar a

apresentar sua proposta. É bem verdade que, ao

troca entre as disciplinas, o professor Rainer Wenger, contra a sua vontade, é designado para ministrar a disciplina de autocracia. Cumprindo-se destacar que, até então, a disciplina seria totalmente contrária aos seus

encenar um governo autoritário, o professor Rainer traz aos seus alunos a simples ideia de união. Todavia, embora simples, a união é uma das principais bases dos governos autoritários. Ora, com ela, mesmo que o grupo seja minoria, este poderá impor sua vontade a uma maioria desunida.

ideais.

- 33 -

OTIERID ENIC)NE( ATSIVER

O filme A Onda, dirigido por Dennis Gansel,


REVISTA (EN)CINE DIREITO

Voltando para a história do filme, após trazer a

Outro ponto, é a supressão de outros grupos. Isto

ideia de união, o professor coloca agora vários

ocorre no filme quando há um enfrentamento

pontos positivos em suas ordens (ex.: antes de

entre o grupo anarquista da cidade e o grupo A

falar, levantar-se, pois assim melhorará a

Onda (nome escolhido em sala para dar ainda mais o sentimento de equipe, união e demais

articulação e, consequentemente, conseguirá

características elencadas anteriormente).

expor suas ideias de uma forma melhor). Logo,

Destacando-se que isso também é outro

notamos mais uma característica dos governos

elemento do autoritarismo. Ora, sabendo-se que

autoritários. Ou seja, até mesmo para haver

o grupo, mesmo que pequeno, poderá no futuro

uma maior aceitação do povo e, inclusive, uma

conquistar poder pelos meios antes descritos, ou

adesão deste ao seu grupo, o governo

seja, reconhecendo-se a força dos outros grupos

autoritário demonstra os pontos positivos de

que podem utilizar os mesmos meios que foram

suas ações. As quais, a priori, são vistas de

utilizados para conquistar o poder, o grupo

forma muito positiva pela maioria.

autoritário suprimi os outros grupos e, assim, evita concorrências fortes.

Após a aula, notamos também que no decorrer do filme é criado um sentimento de equipe entre os personagens. Isto, inclusive, pode ser visto quando vemos que Marco e Sinan somente começam a jogar em equipe, no polo aquático, após a aula do professor Rainer.

Isso é outra característica muito importante

Em ato contínuo, também se verifica no filme o

nos governos autoritários. Haja vista

impedimento da mídia, especificamente sendo

que o sentimento de equipe elimina as

demostrado quando os alunos recolhem os panfletos e os próprios jornalistas da escola

diversidades e, consequentemente, as exclusões. Fortalecendo, assim, mais ainda

demonstram desinteresse e colocam barreiras para as alunas que querem publicar notícias

união do grupo.

difamatórias do grupo A Onda.

Por outro lado, outra característica que

Finalmente, o filme acaba com um trágico final,

também influencia no sentimento de equipe, é a uniformização dos alunos. Servindo

onde um dos alunos se mata porque, finalmente, o professor Rainer coloca fim ao movimento.

também para começar, de certa forma, uma

Antes de analisar essa cena é importante se

exclusão dos outros discentes que não se

destacar que o referido aluno nunca conseguiu se

encaixam nesta equipe (exemplo: quando

encaixar em um grupo social, na verdade nem

Karo decide não ir de branco para a aula, ela

mesmo a sua família lhe dava atenção. Então,

é automaticamente excluída do grupo e, até

para ele finalmente existia um grupo o qual o acolhia. Na verdade, pode-se dizer que A Onda

mesmo, malvista pelo seu namorado). O

era o mundo dele. Tendo em vista isso, quando o

que, por sua vez, acarreta mais adesão ao

professor Rainer – símbolo do grupo, e,

grupo que outrora era minoritário – isto

consequentemente, essência da A Onda –

porque os excluídos se sentem prejudicados por não fazer parte do grupo e acabam por

colocou fim a tudo, o mundo deste aluno acabou e tudo iria voltar ao normal. Não podendo

integrarem apenas para não ficarem por fora.

suportar tudo pelo que passou, este aluno põe fim a própria vida.

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(EN)CINE DIREITO, ED. 02

{...} aos poucos a gente está se tornando uma unidade, este é o poder da união”. União é poder. - Die Welle (2008)

- 35 -


REVISTA (EN)CINE DIREITO

Dessa forma, o filme é uma verdadeira obra de arte didática. É recomendável para qualquer estudante, especialmente para aqueles apaixonados pela história. No decorrer do filme é posto várias questões, e no final, como se já não bastasse a reflexão do quanto podemos nos tornamos autoritários ou manobrados por ideias (mesmo que esdrúxulas), a obra ainda aborda o quanto devemos ter cuidado com o bullying e a necessidade dos pais estarem presente na vida dos seus filhos – haja vista que se a família do referido aluno fosse presente, muito possivelmente o resultado seria outro.

- 36 -


ed/ 02

REVISTA (EN)CINE direito abril, 2018

DIE WELL: INTOLERÂNCIA, IDEOLOGIA E FANATISMO Por Gabriela Sousa de Medeiros - dISCENTE DO CURSO DE DIREITO - UFRN

"Die Welle nos propõe um ambiente propício á proliferação de indivíduos autocráticos e nazistas, contando com radicais, intolerantes, ideologia e fanatismo."

Após tentativas em vão de

[2] sensação de já haver

encontrar na língua

estado em determinado

portuguesa que

lugar ou em certa situação

expressasse, por si só, o

quando isso, na realidade,

sentimento que em nós é

não aconteceu”.

provocado por Die Welle,

O filme, que se passa na

recorri ao francês e

Alemanha em meados de

utilizei uma de suas

2008, retrata um

palavras que define com

professor de ciência

propriedade a sensação

política que decide

em questão.

ensinar aos seus alunos

Déjà vu é um termo

sobre autocracia na

original da língua

prática, recriando um

francesa que, segundo o

ambiente que lhes ofereça

dicionário Aurélio,

ditadura, uniformidade,

significa “[1] Que dá a

saudações próprias,

impressão de já ter sido visto ou presenciado.

- 37 -


ideais de superioridade e regras inquebráveis. Aos poucos o movimento intitulado de Die Welle, traduzido para o português como A Onda, vai tomando proporções devastadoras e significativas, estando presente desde em pichações com seu emblema por toda a cidade até pessoas sendo vetadas em determinador locais por não aderirem ao movimento. Todas as atitudes tomadas pelos alunos de A Onda os levam a situações que traçam um limiar entre a inicial simulação e a realidade, prometendo-lhes um desfecho radical, inesperado e desconfortante. Dirigido por Dennis Gansel, Die Welle é um filme do ano de 2008 baseado em fatos reais. Em 1981, o professor Ron Jones um experimento de ambiente fascista em sua sala de aula, nos Estados Unidos, constatando que os jovens têm uma tendência mais forte a serem influenciados pelo regime político em questão, uma vez que se encontram, de acordo com Ron, constantemente expostos às angústias e escolhas inerentes a esta fase de suas vidas. Quando inicialmente mencionei a sensação de Déjà vu, me referi à conexão inicial entre o local em que o filme se passa e seu passado sombrio envolvendo nazismo, autocracia e Adolf Hitler. Esses aspectos, quais sejam a abordagem da autocracia, remetendo-nos a pensar no nazismo e, sobretudo, na Alemanha, transmite a ideia de que ninguém melhor que os alemães para falarem com propriedade desse assunto tão delicado e tenebroso. Die Welle nos propõe um ambiente propício á proliferação de indivíduos autocráticos e nazistas, contando com radicais, intolerantes, ideologia e fanatismo. Em verdade, não se tratam de coincidências,

(EN)CINE DIREITO

mas sim de simbologias, nos mostrando que até a mais democrática das sociedades, nos

Issue 27 | 234

EUA ou na Alemanha, pode vir a tornar-se

- 38 -

autocrática.


POR

LUANA

CRISTINA

DA

SILVA

DANTAS

-

DISCENTE

DO

CURSO DA

a tênue linha que (des)une antônimos

REVISTA (EN)CINE DIREITO | ED. 02 | ABRIL - 2018

- 39 -

DE

UFRN

-

DIREITO CERES.


O filme A onda (2008), do original Die Welle, obra cinematográfica alemã dirigida por Dennis Gansel e estrelado por Jurgen Vogel, Frederick Lau, Jennifer Ulrich e Max Riemelt, inspira-se na história literária do autor americano Todd Strasser e em experimento social realizado pelo insigne professor de história norte-americano Ron Jones. Em relação aos aspectos jusfilosóficos e político-sociais, a obra em comento tem vasto repertório de discursão. Em primeira parte, por exemplo, depreende-se a respeito do papel formativo do processo educacional. Em que medida esse sistema pode significar, por um lado, no viver humano, um recurso humanizador, emancipatório, de autoreconhecimento e conhecimento do outro {...}, responsável por ascender o ser humano em seu afinar com “a vida”, despertando o desenvolvimento de suas habilidades, aptidões e sensibilidade social. Por outro viés, como essa possibilidade é tenuamente entrelaçado a possibilidade de o processo inverter seu lugar-final, seu escopo e, portanto, seu resultado. Para Edgar Morin, filósofo “do complexo”, daquilo que é tecido em conjunto, para que não se incorra em reducionismos capazes de sobrelevar e gestar contextos ideológicos supremacistas e autocráticos na coexistência social, a educação possui um dever indispensável. Para o preclaro estudioso do “homo sapiens, demens, emovere, complexus (...)”, a linha que separa um sistema educacional de outro é tênue.

- 40 -


A figura do professor-educador exsurge

Paulo Freire, patrono da educação

como determinante na consolidação de

brasileira, também faz alusão a esses

um modelo de educação mais aproximável

aspectos em seu livro Pedagogia do

do “ideal”, que nos distancie de erros

Oprimido, ele aduz que a desumanização

cometidos no passado e nos aproxime do

em que se pode cair de processos

sentido maior da busca pelo

educacionais “distópicos” não se

conhecimento: garantir esse imperativo

verifica apenas nos que têm, através

humano como forma de emancipar a

desses processos, sua humanidade

“pessoa” enquanto pessoa. Como poeira

“furtada”, mas, de igual modo, provoca

que tiramos dos olhos, essa

a distorção da vocação do “ser mais”.

emancipação é capaz de apropinquar as

Essa distorção, segundo ele, “é

relações humanas, proporcionando união

possível na história, como já vimos

social e não o seu contrário. O

acontecer, mas não vocação histórica.

professor é o regente da orquestra.

Na verdade, se admitíssemos que a

Ele é o agente observador do fluxo de

desumanização é vocação histórica dos

conhecimentos que interseccionam o seu

humanos, nada mais teríamos que fazer

ofício, o elucidador e provocador das

a não ser adotar uma atitude cínica ou

questões e problemas. É ele o

de total desespero. A luta pela

transmissor e receptor de formas de

humanização, pela afirmação e

pensar e ver a vida. Como também um

desenvolvimento do ser para que se

dirigente das transformações que levam

torne pessoa encontra significação

o caminhar da humanidade da injustiça

aqui. Esta somente é possível porque a

para um cenário de justiça.

desumanização, mesmo que um fato - 41 -


concreto na história, não é,

responsável por lecionar aulas de

todavia, destino dado, mas resultado

autocracia para uma turma de ensino

de uma “ordem” injusta e impositiva

médio. Na persecução disso, para

que gera violência dos opressores”.

conquistar a atenção do alunado, o

p.30.

professor adota um experimento que

Essa violência partida de um lugar-

explica, na prática, os mecanismos

tempo opressor, por opressores, os

utilizados pelo fascismo e pelas

faz também desumanizados, visto que

ditaduras. Esse experimento,

não impulsiona o ser humano em sua

todavia, começa a desencadear uma

humanidade ínsita, intrínseca. Pelo

série de consequências até então não

inverso, provoca uma polarização em

mensuradas. Os membros do grupo,

que se manifesta distintos grupos

dado algum tempo, começam a se

sociais, separados por injustas

autodenominarem e se autojulgarem

formas de poder coercitivo.

melhores que os grupos que não

Esse caráter separatista, que causa

participavam do movimento d’A Onda.

segregações baseadas em valores

Um dos primeiros sintomas desse

impostos por uma ordem-injunção é

sentimento é quando uma das alunas,

observado, na obra fílmica em

Karo, recusa-se a usar o uniforme do

análise, também, nas formações

grupo e vai para aula vestindo uma

grupais. Como largamente exposto

blusa vermelha. Esse elemento de

nesta revista, o enredo do filme

distinção, que, num primeiro

apresenta um professor que fica

momento, nos parece muito - 42 -


- A ONDA -

é grande o bastante para que

tanto confuso, que, às

a personagem sofra

vezes, pode remeter à

discriminações baseada nesse

própria superação da

ínfimo ato de diferença e

identidade individual em

relutância. É o que Michel

detrimento da preservação e

Maffesoli convencionou chamar

manutenção do novo

de tribalização.

conjunto”. (MAFFESOLI,

"UNIÃO É PODER"

1997, pg. 139).

“A tribalização (tribos urbanas, neotribalismo, tribalismo pós-moderno, ou simplesmente tribos) é uma expressão que passou a ser utilizada para definir grupos determinados com características de pertencimento próprias, que se integram, sobretudo, numa variedade de cenas e de situações que só valem porque representadas em conjunto. A rede construída liga o grupo. Essa ligação nos remete a uma ambivalência, um estado. Manifesta-se na multiplicidade das experiências, das ações ou das deambulações grupais. Essas tribos podem formar um conjunto indistinto e um

Outro aspecto pertine à linguagem fílmica em comento, é o que preleciona a teoria proposta por Lassweel, em que se explanam as possiblidades hipodérmicas de comunicação. Faz-se, aqui, um breve enxague da relativa validade e riqueza epistêmica desses conceitos

que desfecham suas mensagens com o mesmo trinta e passíveis de serem escopo de criar corruções na ordem do reavaliados no contexto pensamento dos pós-moderno. Ainda que se grupos. No mesmo aborde de uma teoria pouco passo, não podemos utilizada hodiernamente, olvidar das ponderamos que é admissível características dos indivíduos sujeitados relacionar alguns de seus às mensagens, pelo aspectos com o processo menos em certo grau, comunicacional que jaz a algumas alterações vigorante. É o que em seus processos de observamos, por ilustração, decodificação dos estímulos impetrados. na intencionalidade dos

gestados no ceio dos anos

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Significa dizer, na teoria de Lassweel, que algo, de fato, dos processos comunicacionais realizados exsurgem desses estímulos, mesmo que não perfeitamente, ao encontrar campos propícios. Sobre esta base, é capaz de se instalar um processo capaz de realizar transformações e gerar atitudes de acordo com a intenção dos emissores. Seria, todavia, uma faca de dois gumes. Se, por um lado, esses estímulos tencionam a massa dos receptores à chamada “teoria da agulha hipodérmica”, em que as mensagens dos emissores funcionam como vacinas que, em curtas dosagens, atuam como catalisadores e sustentáculos para os indivíduos agirem de acordo com determinadas atitudes ou posicionamentos dada uma predisposição para tal, podem, outrossim, por outro lado, catalisar estímulos infrutíferos, direcionando a massa, ou partes compositivas dessas, a agirem de modo contrário, intoxicando os indivíduos antagônicos a essas mensagens. Essa teoria surge no contexto entreguerras e, em curtas palavras, explica um processo em que pensase a teoria da comunicação como forma de exercer poder sobre determinado grupo para, a partir disto, de empregar estratégias para exercer influência comportamental em cadeia. Em “A onda”, Ao apresentar a experiência de um regime autocrático, o professor acaba respondendo ao desafio de evidenciar aos alunos que, a despeito do que nos demonstra os ensinamentos da história, dos palpáveis efeitos e consequências que subjazem o governo autocrático, esse tipo de governo, ainda, é capaz de provocar encanto sobre os indivíduos, ao passo em que oferece um discurso de progresso e fortalecimento dos grupos. Nesse seguimento, analisando as etapas de colocação desse discurso, o primeiro passo pode ser tido como a fomentação de um sistema de normas a serem obedecidas e colocadas de maneira impositiva e a determinação imprescindível da submissão dos indivíduos a esse modelo.

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Como é possível inferir do filme, havia notória intenção de se fazer unificar, cada vez mais, o grupo, tornando-o uma massa que respondesse, de modo uníssono, aos estímulos e mensagens impetradas. O professor, aqui, representa, pois, o emissor da mensagem que é transmitida para os alunos, receptores. Estamentos que são, como percebemos, recebidas pela maior parte dos alunos como verdadeiros

e inquestionáveis, provendo, conforme a mensagem se alastra estímulos que têm como produto movimentos na direção de aderência ou reprovação do regime autocrático. Há no filme, como notoriamente se infere, a extração de diversos aspectos caros à necessária reflexão daquilo que nos aproxima e separa enquanto pessoas e semelhantes. Múltiplos aspectos que versejam pelo caminho da significação do

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nacionalismo, instâncias de legitimação de poder, método de transmissão do conhecimento e relações pós-colonialistas. Reflexões necessárias ao conhecimento dos perigos que nos circundam e da História enquanto espelho capaz de repercutir o nosso passado para que não repitamos os mesmo erros.


“Vocês trocaram sua liberdade pelo luxo de se sentirem superiores. Todos vocês teriam sido bons nazi-fascistas. Certamente iriam vestir uma farda, virar a cabeça e permitir que seus amigos e vizinhos fossem perseguidos e destruídos. O fascismo não é uma coisa que outras pessoas fizeram. Ele está aqui mesmo em todos nós. Vocês perguntam: como que o povo alemão pode ficar impassível enquanto milhares de inocentes seres humanos eram assassinados? Como alegar que não estavam envolvidos. O que faz um povo renegar sua própria história? Pois é assim que a história se repete. Vocês todos vão querer negar o que se passou em “A onda’. Nossa experiência foi um sucesso. Terão ao menos aprendido que somos responsáveis pelos nossos atos. Vocês devem se interrogar: o que fazer em vez de seguir cegamente um líder? E que pelo resto de suas vidas nunca permitirão que a vontade de um grupo usurpe seus direitos individuais. Como é difícil ter que suportar que tudo isso não passou de uma grande vontade e de um sonho”. (Discurso final do professor Wegner)

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CRÔNICAS DE UMA EQUIPE:

MOMENTO (EN)CINE

UFRN - CERES

ABRIL 2018

- A ONDA - 47 -


(En)Cine Direito • abril 2018

A segunda exibição fílmica do projeto “(EN)CINE DIREITO” apresentou o filme alemão “A Onda”. O encontro contou com as brilhantes participações do professor Rodrigo Ferreira, do aluno Gabriel Augusto de Medeiros e da professora Priscilla de Medeiros. A partir da discussão do tipo de governo autocrático despertada pela película, contribuições valorosas foram dadas não somente pelos integrantes da mesa, como também pelos alunos presentes. Iniciada a discussão, o Professor Rodrigo frisou que um “dos grandes problemas que surgem nesse cenário é o da “banalização do mal” (a exemplo do que sugere Hannah Arendt, em seu livro Eichmann em Jerusalém).

O líder supremo ou os líderes dos regimes autocráticos criam narrativas que consintam a prática do mal, com o objetivo de legitimar o seu governo que faz uso de ações desmedidas contra os seus opositores ou excluídos. Por outro lado, há uma “massa de alienados” (autômatos acríticos) que se deixa seduzir pela eloquência ou procedimentalíssimo (presente, por exemplo, na “hierarquia técnica de comando” da divisão de trabalho, como explica Zygmunt Bauman, na sua obra Modernidade e Holocausto) dos discursos autocráticos de “banalização do mal”, a tal ponto dos membros acreditarem que realmente ao

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agirem conforme as ordens do regime não

O discente do Curso de Direito da UFRN, Gabriel

estariam praticando o mal, mas apenas

Augusto, aduziu, quanto ao filme, que este “nos

cumprindo com o seu dever." A Professora

revela o quanto a implantação de uma ideologia

Priscilla, em sua frutuosa participação, ressaltou

autoritária e socialmente organicista no contexto

o seu lugar de fala, enquanto Professora e

educacional tem poder diante das fragilidades da

Assistente Social. Em suas palavras, “dessa

nossa geração. Somos jovens que nasceram em

forma, assumimos projetos de vida que não

meio à efemeridade das relações virtuais, em

comungam com os desejos e afinidades, mas com meio à abundância de recursos e, finalmente, em a lógica brutal da concorrência e da necessidade

meio à ausência de significado, de algo pelo que

do poder, como claramente é demostrado no

lutar, pelo que se engajar. A ideologia política

filme a partir da aceitação em massa da estratégia

dominante dentro dos espaços educacionais,

metodológica do professor Wenger, que aponta

então, se revela algo além do debate racional e

sinais de fracasso, quando vista a dimensão

fático que deveria ser: se revela como

exógena que tomou.

oportunidade de socialização, oportunidade de

Assim, o filme nos coloca nesse lugar de

significado existencial, oportunidade, finalmente,

reflexão: Será a estrutura educacional vislumbra

do suprimento de carências tão recorrentes às

de formar sujeitos pensantes ou formar

fragilidades relacionais da nossa sociedade.

mercadorias para se lançarem num mundo de

Longe de formar um movimento político racional,

trabalho em que somos nada mais nada menos,

forma-se a partir de tal ideologia, hodiernamente,

que meras mercadorias?! É sobre esse referencial

uma espécie de tribo exatamente constituída aos

analítico que coloco o chamado para as

moldes do que magistralmente definiu Michel

entrelinhas do filme “A Onda”, uma vez que

Mafessoli. A ideologia política dominante deixou

pensar o direcionamento que a educação tem tido

a tempos de ser para os seus mais apaixonados

não pode ser assumido dissociado da

defensores o seu ideário, seus pontos de

sociabilidade capitalista.”

concordância: tornou-se a força motriz que rege seu viver e suas ações."

Acompanhe todas as informações no site www.encinedireito.blogspot.com.br. Para entrar em contato conosco, envie-nos um e-mail para o endereço encinedireito@outlook.com

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luar na varanda

parei em guernica ausência de muitas cores. vida. morte. luto. uma mãe que chora. pietà? bocas abertas para o alto. gritos silenciosos que tornam o quadro univocamente sonoro e trazem qualquer coisa angustiante de fim. qualquer coisa da autofagia e desumanização características da guerra. uma asa no grifo imenso. lá no cantinho há uma rosa “desbotada”. pálida pequena ecoa horizontes {...} irrompe o caos. ela me interessa. muito. fiquei com a esperança. - luacristina

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SUGESTÃO DE FILME E LIVRO RELACIONADOS AO TEMA: "DIREITO E EDUCAÇÃO"

PINTURA: AUGUST MACKE, 1945

O SUBSTITUTO, 2011

Modernidade e Holocausto, 1989 - Zygmunt Bauman

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CARRY-ON

Projeto de Extensão da UFRN L U G G A(EN)CINE G E E S SDIREITO ENTIALS Apresentou o filme "A Onda" discutindo os temas "Direito, Liberdade e Igualdade"

FLOR: CHANANA WWW.ENCINEDIREITO.BLOGSPOT.COM.BR. PARA ENTRAR EM CONTATO CONOSCO, ENVIE-NOS UM E-MAIL PARA O ENDEREÇO ENCINEDIREITO@OUTLOOK.COM

M I S S - G L A- M OUR.CO 53 -


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