vol. 05 março | 2019
REVISTA (EN)CINE DIREITO
UM
SONHO
DE
LIBERDADE
DIREITO, LIBERDADE E IGUALDADE A ESPERANÇA É UMA COISA BOA, TALVEZ A MELHOR DE TODAS. E O QUE É BOM NUNCA MORRE” — UM SONHO DE LIBERDADE
“O HOMEM NASCEU LIVRE, E EM TODA PARTE SE ENCONTRA SOB FERROS”. Direito, Liberdade e Igualdade |
"A GRANDE TEMÁTICA É A LUTA PELA LIBERDADE E O DIREITO COMO INSTRUMENTO CERCEADOR DESSA LIBERDADE."
Reitora Ângela Maria Paiva Cruz
Reitora de Extensão Maria de Fátima Freire de Melo Ximenes Editor científico Prof. Dr. Oswaldo Pereira de Lima Junior
9102 OÇRAM
Vice-reitor José Daniel Diniz Melo
Conselho Editorial Professores Efetivos Prof. Dr. André Melo Gomes Pereira Prof. Dr. Carlos Francisco do Nascimento Prof. Dr. Dimitre Braga Soares de Carvalhos Prof. Dr. Elias Jacob de Menezes Neto Prof. Dr. Fabrício Germano Alves Prof. Dr. Marcus Vinicius Pereira Junior Prof. Mário Trajano da Silva Junior Prof. Dr. Orione Dantas de Medeiros Prof. Dr Oswaldo Pereira de Lima Junior Prof. Dr. Rodrigo Costa Ferreira Prof. Dr. Rogério de Araújo Lima Professores Substitutos Prof. Luiz Mesquita de Almeida Neto Melquíades Peixoto Soares Neto Saulo de Medeiros Torres Comissão Executiva Carla Daiane Medeiros de Oliveira Gabriela Sousa de Medeiros Luana Cristina da Silva Dantas Maiara Araújo de Figueirêdo Matheus Mazukyewsky Vinicius Pereira de Medeiros
OTIERID ENIC)NE(
Editora Executiva Luana Cristina da Silva Dantas
MARÇO 2019 | VOL.. 5
REVISTA EN(CINE) DIREITO
figura 01
Uma produção do curso de Direito de Caicó - Ceres da Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Rua Joaquim Gregório, s/n Penedo, Caicó/RN CEP: 59.300-000 (84) 3342-2238
figura 02
REVISTA EN(CINE) DIREITO ED. 05 | MARÇO 2018
PARA O LEITOR DIREITO, LIBERDADE E IGUALDADE
VOL. 05
REVISTA (EN)CINE DIREITO
UFRN - CERES
Março, 2019 Na nervura das próximas linhas, iniciamos o
A narrativa jurídica está lá. Enlaçada
terceiro semestre de ação do Projeto de
permanentemente com a profunda teia de
Extensão “(EN)CINE DIREITO”, que nasceu e
uma história que fala do anseio humano pela
gestou sua matéria com o fito primordial de
liberdade. Que traz uma esperança incapaz
clarificar o paralelo que há entre o Direito –
de ser contaminada pelas cores cinzas do
também aqui representando a universidade,
cárcere. O trinar das notas de uma ópera de
e a linguagem cinematográfica.
Mozart não silenciada pelo labor dos anos,
Três pontos determinam um plano, diz a
percorrendo os corações. Uma biblioteca
geometria. Em nosso caso, a tríade
construída sobre a perseverança incansável.
construída em março de 2019, na escolha da
No viés de natureza eminentemente jurídica,
película, se construiu na discussão do
evoca a necessidade das garantias
direito, liberdade e igualdade, por meio da
processuais. A vida e sob*vivencia no
escolha do filme “Um sonho de liberdade”,
enclausuramento. Traz amigos. A remissão
obra norte-americana de 1994, com direção
pela pena. E o possível retrato
de Frank Darabont, inspirada no conto
da“adequação” ao cárcere, como também de
“Primavera Eterna e a Redenção de
como a prisão “pode” penetrar o humano
Shawshank”, do livro “Quatro Estações”, de
sequestrando-lhe sua identidade (lembremo-
Stephen King.
nos de Brooks, o bibliotecário que, ao retornar para a sociedade, não sente
Como antes dito, um dos objetivos
pertencimento e não consegue se adaptar
engendrados pelo nosso projeto é trabalhar a
àquela vida que não conhece). A película
representação que a arte (no nosso caso, a
traz, assim, a liberdade em uma prisão.
arte cinematográfica) “faz”, constrói... do
Liberdade e clausura podem aparentar,
Direito, por meio das experiências que o seu
numa primeira análise, significados
discurso compõe-produz. Nessa senda, a
antagônicos, distintos, distantes. A
genial cinegrafia de “Um sonho de
liberdade, todavia, “está”, vive.
Liberdade”, não consegue galgar outro
A liberdade, para Andy, traduz-se "apesar"
caminho senão “capturar” por completo o
do concreto tátil do isolamento. O sonho da
olhar do jurista ou daquele que se interessa
liberdade mantem-se aceso pela esperança,
pelo Direito, da primeira cena até a última.
mesmo que mínima seja sua luz. É isso que o
Conforme adentramos na história de Andy,
salva.
um homem condenado por um crime que não cometeu, e sentimos a pungência dos
- Luana Cristina da Silva Dantas
muros da prisão de Shawshank, notamos, todavia, que o tema de sua narrativa, na grandeza da obra, coloca o direito como protagonista pari passu a outros.
- Equipe (EN)CINE DIREITO
(EN)CINE DIREITO MARÇO, 2019
sumário
10
UM SONHO DE LIBERDADE Direito, Liberdade e Igualdade
14
Michel Maffesoli e o fenômeno do Tribalismo no cárcere "Do ponto de vista humano, sabemos que toda experiência modifica o ser. Na prisão, a modificação que se espera é no sentido de condicionar ao indivíduo delituoso uma reoportunização de vida digna em sociedade. No entanto, a estrutura oferecida, longe de galgar tal expectativa, impõe uma realidade de espoliação identitária"
REVISTA (EN)CINE DIREITO
BREVIÁRIOS
EDITORIAL
Um sonho de Liberdade
10
Tribalismo no cárcere
14
Arquitetura Fílmica
17
ESTÉTICA JURÍDICA EM "UM SONHO DE LIBERDADE
21
Pluriperspectiva na Película
36
Análise Fílmica
38
Direito Constitucional em cena
24
Uma reflexão do filme “Um sonho de Liberdade” com Kant e o paradoxo da liberdade como obrigação moral
26
Ecos do Filme
30
Reflexão acerca da ressocialização como um objetivo da pena privativa de liberdade
32
O filme e seus múltiplos
43
Reflexão acerca da Liberdade como Direito de primeira dimensão no filme "Um sonho de Liberdade"
45
Cronicas de uma Equipe: Momento (EN)CINE
49
Lista de Sugestões no tema "Direito, Liberdade e Igualdade
53
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marรงo ed. V
UM SONHO DE LIBERDADE DIREITO, LIBERDADE E IGUALDADE
ENCINEDIREITO.BLOGSPOT.COM | REVISTA (EN)CINE DIREITO, ED. 05
Tenho que lembrar que alguns pássaros não nasceram para gaiola. Suas penas brilham demais. E quando eles fogem, a parte em você que sabia que prendê-los é pecado, fica feliz. Ainda assim o lugar onde a gente vive fica mais vazio e sem vida sem eles... (Um sonho de liberdade, 1994)
Um sonho de liberdade Direito, Liberdade e Igualdade Por Oswaldo Pereira de Lima Junior Doutor em Direito e professor Adjunto II do Curso de Direito da Universidade Federal do Rio Grande do Norte – UFRN. Coordenador do Projeto de Extensão (En)Cine Direito.
(EN)CINE DIREITO 5
10
DIREITO LIBERDADE IGUALDADE
de uma sequência de eventos que mais evidenciam sua má sorte do que um julgamento mal conduzido, e que acaba submetido às mazelas de um sistema prisional sabidamente cruel, incapaz de correção e que serve de pretexto às manifestações sádicas, perversas e, muitas vezes, criminosas de seus administradores. Esse é o retrato, curto, preciso e muito 11
próximo da nossa própria realidade prisional (mais brando até), da fictícia prisão Shawshank. É de se destacar, ainda, pela reconhecida proficuidade e aptidão literária, o fato de que o filme encontra seu esteio em um dos grandes escritores de obras de terror dos E.U.A., Stephen King.
(EN)CINE DIREITO
“Um Sonho de Liberdade”, ou “The Shawshank Redemption”, é uma película norteamericana de 1994 que conta com dois dos maiores talentos da dramaturgia cinematográfica de seu tempo: Tim Robbins e Morgan Freeman. O filme retrata a redenção de um condenado, Andy Dusfrene (Tim Robbins), vítima dos dissabores
"Um detento que passa dezenove anos cavando sua liberdade com uma pequena e frágil, porém persistente e convicta, alferça?"
(EN)CINE DIREITO • março, 2019
É, sem dúvida, uma obra pungente. Em todos seus momentos confronta a audiência com situações que parecem saídas mesmo de um filme de terror, embora se trate, sem dúvidas, de um drama. Isso porque a grande temática que transborda cada pequena passagem é a luta pela liberdade e o direito como instrumento cerceador dessa liberdade.
Muitos caminhos podem ser traçados a partir dessa premissa. Mas nos parece de maior relevância, ao menos sob a temática envolvendo direito, liberdade e igualdade, discorrermos acerca do direito como instrumento de opressão sobre a liberdade individual. É um recorte temático e, assim sendo, como tal, deve ater-se às premissas que o possam dar algum sentido. Pois bem! Vamos a elas... Pensamos que a liberdade e o modo de a exercer sempre foram
dois dos grandes motes da modernidade (e contemporaneidade). A preocupação em compreender seu conceito e suas formas é especialmente discernida na modernidade quando, por exemplo, ouvimos um certo Immanuel Kant soprar aos nossos ouvidos seu imperativo categórico, plasmado num conceito de liberdade que é seminal à própria pessoalidade do ser humano. Não apenas Kant, imbuído da pretensão libertadora do 12
iluminismo, ascende a liberdade à condição de essência do ser humano. Seu hálito quente e desafiador é igualmente percebido no mais famoso libelo rousseauniano, no qual se encontra a constatação: “O homem nasceu livre, e em toda parte se encontra sob ferros”. Para Benjamin Constant há muita diferença no que se compreende e no que se compreendeu no passado por liberdade, eis que “O objetivo dos antigos era a partilha do
poder social entre todos os cidadãos de uma mesma pátria. Era isso o que eles denominavam liberdade. O objetivo dos modernos é a segurança dos privilégios privados;”. Essa constatação do pensador político francês remete o leitor a duas conclusões. A primeira é que o conceito de liberdade não está dado, é de notável riqueza e permanente construção. A segunda é que a pessoa da modernidade, da qual somos inegáveis legatários, se estrutura negando ou absorvendo (positivando) alguma dessas percepções de “liberdade). A pessoa é um ser de liberdade, então. As manifestações culturais do humano estão, portanto, permeadas desse anteparo, que vocaciona o ser à sua livre disposição racional e à condição de senhor de seu destino. Na literatura poética, por exemplo, Antero de Quental, em seu Evolução, resigna-se de sua condição de ser de liberdade (ou em busca da liberdade...) afirmando, de modo magistral que, “Interrogo o infinito e às vezes choro... Mas estendendo as mãos no vácuo, adoro. E aspiro unicamente à liberdade”. No Cinema, qual exemplo poderia ser mais fulgural do que aquele do detento que passa dezenove anos cavando sua liberdade com uma pequena e frágil, porém persistente e convicta, alferça? A busca de Dusfrene por sua própria inserção no espaço prisional nos faz esquecer momentaneamente que, espírito livre, nunca se manteve verdadeiramente à prisão vinculado. Desde o primeiro momento se viu como um pária à luz da sociedade cujo sistema corretivo é, na verdade, inumanamente punitivo, aflitivo.
Esse mesmo sistema atribui ao Direito o papel equivocado de agente de institucionalização da violência ao privado de sua liberdade, pervertendo seu sentido original de agente protetor, balizador da liberdade (mesmo de quem se encontra dela cerceado, eis que seu exercício é plúrimo). Nada disso abalou sua convicção, ao contrário, foi alimento para seu beneditino labor que, ao final da película, presenteia a plateia com a cena de redenção do ser humano que é liberdade, como a ave que nada mais anseia em toda sua existência do que o seu lugar no céu, voando. 13
Michel Maffesoli e o fenômeno do Tribalismo no cárcere Por Luana Cristina da Silva Dantas Discente do curso de Direito - UFRN Bolsista voluntária no Projeto de Extensão "(EN)CINE DIREITO"
(EN)CINE DIREITO 05 | MARÇO
14
“Os sujeitos epifanizam-se”. Há um inatismo/subjetivo humano que provoca uma “fusão” grupal/tribal, segundo Michel Maffesoli. Em seu periscópio científico, ele busca entender essas subjetividades, como se epifanizam e se sedimentam no corpo social. Para ele, assim como os átomos se unem para formar algo maior, uma substância, uma molécula, uma matéria... Nós, seres vivos, possuímos também uma força-atração que baseia e cristaliza uma alma individual com uma alma coletiva. Isto significa que, como indivíduos, somos singulares, únicos, do ponto de vista genético, neural, existencial (...), somos, também, no entanto, plurais, nos construímos e descontruímos dentro de uma relacionismo comunitário. O “eu” será produzido com o “nós”. Dentro desse ambiente dar-se-á construções sociais. As máscaras e múltiplas capacidades identitárias e de identificação irão sobrevir e irromper, sempre. Sendo possível e inevitável que o ser humano se agrupe e se reagrupe deveras vezes, desenvolvendo e fundando novas relações humanas, “modernas” tipologias sociais, despontadas de uma organicidade e interacionalismo social anteriores. Socialidade e social no texto de Michel Maffesoli é o pórtico para adentrar na compreensão do que ele viria chamar de tribalismo. Para ele, é importante notar o objeto que fundamenta a fenomenologia do social. Durante os séculos XIX e XX, por exemplo, os cientistas sociais analisavam a vida de uma determinada
15
sociedade partindo do caminho político, como se este fosse o esteio condutor das decisões e organicidades sociais. Todavia, para Maffesoli, quem se dedica a analisar os estilos de vida e as relações humanas nas sociedades deve partir, sempre e a priori, do “povo” ou “massa”, pois são os significantes de domínio/sustento da hierarquia social. É preciso observância clínica sobre o povo para que se entenda a substância, o conjunto que envolve a existência social (socialidade). Na opinião do autor, esse método de análise científica torna-se ainda mais importante na modernidade, tempo em que “aldeias se multiplicam dentro das megalópoles, não se tratando de um fenômeno simples ou um estado de alma qualquer sem proposição ou consistência” (MAFFESOLI, 2000), é o espírito do tempo, a comunhão social, o território, o relacionismo, o estar-junto dos indivíduos que viabiliza a vida social e as múltiplas organizações daí decorrentes. O estar-junto realiza-se no movimento da vida.
O Tribalismo no cárcere Ditas brevíssimas considerações sobre a teoria do tribalismo de Michel Maffesoli, analisemo-la, pois, sob o espectro do cárcere e, sobretudo, sob plano de fundo dos ambientes carcerários brasileiros. Não é preciso ir longe para observar que, no ambiente do cárcere nacional, não se é oferecida uma estrutura que proporcione ao preso meramente cumprir a sua pena e tornar à sociedade. Infelizmente, o processo que antecede esse retorno atua como um determinante muitas vezes definitivo na vida do recluso. Do ponto de vista humano, sabemos que toda experiência modifica o ser. Na prisão, a modificação que se espera é no sentido de condicionar ao indivíduo delituoso uma reoportunização de vida digna em sociedade. No entanto, a estrutura oferecida, longe de galgar tal expectativa, impõe uma realidade de espoliação identitária. O prisioneiro não é mais um ente constante fornido de identidade e capaz de fazer sua própria história. 16
Na conjunção factual do ambiente de prisão, surge um imperativo de sobrevivência o qual Michel Maffesoli chamou de tribalização. O preso que não pertence a um determinado grupo será perseguido. Eis o cerne que constitui a formação das tão faladas “facções” dentro das prisões. A tribalização (tribos urbanas, neotribalismo, tribalismo pós-moderno, ou simplesmente tribos) é uma expressão que passou a ser utilizada para definir grupos determinados com características de pertencimento próprias, “que se integram, sobretudo, numa variedade de cenas e de situações que só valem porque representadas em conjunto”. (Maffesoli, 1998, pg. 20). Nas prisões brasileiras, essa tribalização se apresenta como algo indispensável à sobrevivência do preso. O recluso não consegue, e por vezes é sua escolha, desvincular-se dessa sua nova tribo quando do término da pena. Mantem o vínculo com o grupo fora da prisão e para ele dedica seus esforços. Além da formação de tribos (facções criminosas), essa relação criminosa atearia igualmente uma criação de laços cujo resultado é a própria reincidência criminal. Isto é, uma vez vinculado a uma tribo, o preso dificilmente consegue, após a execução de sua pena, desligar-se desse grupo. É uma condição, portanto, de sobrevivência permanente. “Essa rede construída liga grupo. Essa ligação nos remete a uma ambivalência, um estado. Manifesta-se na multiplicidade das experiências, das ações ou das deambulações grupais. Essas tribos podem formar um conjunto indistinto e um tanto confuso, que, às vezes, pode remeter à própria superação da identidade individual em detrimento da preservação e manutenção do novo conjunto”. (Maffesoli, 1998, pg. 139).
Desse modo, organizações criminosas que agem dentro e fora dos presídios confrontam o Estado e engendram conflitos com grupos rivais nas prisões. A “prisão coletiva” é o local institucional em que estão todos os tipos de delituosos, que se relacionam através de laços de pertencimento, fidelidade, ou submissão a grupos organizados no mundo do crime, na medida da rivalidade entre eles. O Estado enclausura os delituosos, expondo os mais frágeis a todo o tipo de violência física ou mental, e se encarrega de submeterlhes a uma noção de disciplina completamente desumana buscando impetrar um domínio interno análogo uma “conduta” desejável. Nesse cenário, é entendível as denúncias de funcionamento de algumas prisões brasileiras, em que se impetra a delação e o oferecimento de tratamento privilegiado aos internos que se revelarem ‘úteis’ ao objetivo de alcançar a dominação sobre o conjunto da massa carcerária. O indivíduo aprisionado, em um espaço com tais características, perde a individualidade e a dignidade. A indiferença do Estado pela sua condição é o primeiro indicativo da necessidade de associação a tribos como forma de se opor ao próprio poder estatal. 16
A opressão se manifesta com a violência. Em um dado momento, as forças de coerção se deparam com levantes dos oprimidos, representados, aqui, pelos levantes incontroláveis das rebeliões, motins e fugas. No Rio Grande do Norte - nosso estado -, por exemplo, observamos um aumento acentuado dessas manifestações, tendo sido decretado estado de calamidade pública. Qualquer pessoa que tenha posto os pés dentro de um dos presídios brasileiros ou tenha buscado o mínimo de conhecimento a respeito da vida carcerária nacional sabe bem que a frase “tem que colocar todos na cadeia” é um eufemismo para “todos têm que morrer”. Ou a sociedade revê a lógica do encarceramento massivo e desumano, ou se assume de vez o pior que se esconde nessas frases.
ARQUITETURA FÍLMICA
contém spoiler
Um sonho de liberdade, do original “The Shawshank Redemption”, é um filme norte-americano, do gênero drama, lançado em 1994, sob a direção de Frank Darabont. A película foi inspirada pela obra literária “Rita Hayworth and Shawshank Redemption”, do escritor estadunidense Stephen King. Foi estrelado por Tim Robbins e Morgan Freeman. Indicado a sete prêmios do Oscar. O enredo da história coloca em cena o banqueiro Andy Dufresne (Robbins), sentenciado a prisão perpétua pelo assassinato de sua esposa e do amante dela, embora declare-se inocente. Andy é encaminhado para a Penitenciária Estadual de Shawshank. Lá, encontra Red (Freeman), narrador da história e novo amigo de Andy. “A primeira noite é a mais difícil. Não há dúvida quanto a isso. Eles mandam você marchar nu como no dia que nasceu, com a pele queimando e meio cego por causa do pó mata-piolhos. E, quando o colocam na cela e a entrada se fecha, você cai na realidade. A vida lá fora desaparece num piscar de olhos. Nada resta senão todo o tempo do mundo para pensar a respeito. A maioria dos novatos fica quase louca na primeira noite. Sempre alguém começa a chorar. Acontece todas as vezes.” Andy, como o passar do tempo, se destaca por sua competência contábil e financeira.
Os guardas e funcionários começam a se utilizar de suas habilidades e, pouco a pouco, abrem brecha para que Andy desfrute de alguns benefícios estruturais no ambiente carcerário. Com a trama, deslinda-se o perfil dos personagens. Presos, cada um com uma história, um motivo para o que os levaram até ali, um crime, uma pena. O bibliotecário Brooks (James Whitmore), por exemplo, passa todos os dias com seu carrinho carregado de livros pelas celas do presídio. Após 50 anos de cumprimento de pena, a comissão de revisão de prisão perpétua concede-lhe a liberdade condicional. Brooks, porém, segundo as palavras de Red, passara tantos anos naquele lugar que já não conhecia outra realidade, “pertencia àquela instituição prisional”. Brooks relata seu estranhamento nesse novo mundo: “Queridos companheiros, é inacreditável como tudo anda rápido aqui fora. Vi um automóvel uma vez quando era criança, mas agora estão em toda parte. O mundo mudou e se transformou numa grande correria. O Comitê da Condicional me colocou neste lugar chamado “Brewer” e me arranjou um emprego de empacotador na FoodWay. É duro e tento me adaptar, mas minhas mãos doem muito. Às vezes, depois do serviço dou comida aos pássaros (...). Não durmo à noite. Tenho pesadelos como se eu estivesse caindo. Acordo com medo. Às vezes levo algum tempo para me lembrar de onde estou. Se roubasse a Food-Way, armado, me 17
mandariam de volta ao lar. Poderia atirar no gerente nesse assalto. Seria como um prêmio. Acho que estou muito velho para cometer um absurdo desses. Não gosto daqui. Cansei de ter medo o tempo todo. Eu decidi partir. Duvido que se importarão com um ladrão velho como eu.”
21
O Reformatório Estadual de Ohio em Mansfield foi usado como locação para representar a Penitenciária de Shawshank.
36
48
Brooks tem um triste fim. Não consegue readaptar-se a vida fora dos muros de Shawshank. No continuar do filme, Andy consegue chamar a atenção do governo para a realização de melhorias no presídio, construindo uma nova biblioteca, que recebe o nome de Brooks. Nesse mesmo passo, o diretor do presídio destaca-se publicamente, lucrando com o modelo da instituição. Por trás das cortinas, porém, encabeça corrupção institucional e lavagem de dinheiro, fazendo uso dos conhecimentos de Andy Dufresne, nosso personagem principal. No seguinte diálogo, Andy desponta para seu amigo Red o esquema criminoso que ocorre dentro do presídio, comandado por Warden Norton (Bob Gunton), o diretor da instituição: (Andy) – “Ele tem esquemas incríveis. Muita Propina. Um rio de dinheiro sujo passa por aqui. (Red) – Algum dia, ele terá de explicar de onde vem o dinheiro. (Andy) – É aí que eu entro. Eu canalizo, filtro e junto tudo. Ações, títulos, papéis municipais isentos de impostos. Envio para o mundo lá fora, e, quando retorna está imaculado como uma virgem. Quando Norton se aposentar, terei feito dele um Milionário (...)”. 18
Icônica árvore de Shawshank depois de ser partida por um raio em 2011. Símbolo de esperança por seu papel no filme.
O reencontro de Andy e Red foi filmado no Refúgio Nacional de Vida Selvagem de Sandy Point.
Um sonho de liberdade POR Melquíades Peixoto Soares Neto Professor Substituto de Direito - UFRN
O filme “Um Sonho de Liberdade” (1994) é baseado no livro “The Shawshank Redemption” de Stephen King, contando a história de Andy Dufresne (Tim Robins), banqueiro bem sucedido e condenado à prisão perpetua em razão do assassinato de sua esposa, crime que nega ter praticado.
Ao iniciar o cumprimento da sua pena, Andy conhece Ellis Boyd Redding (Morgan Freeman), apelidado de “Red”, que é o preso responsável pelo tráfico de produtos e objetos dentro da prisão. O enredo não tem como ponto central a inocência ou culpa de Andy, mas sim a sua mudança e a construção da sua liberdade emocional e afetiva, a qual se desenvolve mesmo tendo a liberdade de ir e vir afetada pelo cumprimento da prisão perpétua. Ao cumprir a pena, Andy sofre, durante vinte anos, até escapar da prisão, uma profunda modificação na sua consciência de liberdade e na sua noção de amizade, desenvolvendo vínculos afetivos fortes com “Red”. O filme mostra que o autoconhecimento é um instrumento para a construção e garantia da liberdade.
19
O autoconhecimento de Andy, contudo, é afetado a todo momento diante das arbitrariedades e infrações aos seus direitos básicos, em especial à sua dignidade, praticados pelos integrantes do sistema prisional, tanto os próprios presidiários, como os funcionários da penitenciária. Em meio a toda a ambientação de ofensas e infrações, Andy desenvolve um vínculo de amizade muito forte com “Red”, além de estabelecer um senso de utilidade e humanidade, desenvolvendo diversas atividades no estabelecimento prisional que influem na sua vivência naquele ambiente, bem como na vivência dos outros presidiários. O filme demonstra a necessidade de construção de um sistema prisional ressocializador e que a não preservação da liberdade mínima, de autoconhecimento,
daquele que é submetido ao sistema prisional, apenas mutila de forma mais profunda o seu senso de liberdade e a sua autoconfiança, de forma a tornar o indivíduo excluído socialmente quando do término do cumprimento da sua pena. O Direito deve garantir ao indivíduo o ambiente mínimo para o seu desenvolvimento social, ainda que instalado em um sistema prisional, no cumprimento de uma pena. No caso de Andy, a construção dos vínculos de amizade e a sua utilidade na prisão, beneficiando, direta e indiretamente, todos aqueles que compartilhavam do seu espaço, manteve o personagem vivo até a sua fuga da prisão, mantendo os vínculos com Red fora do estabelecimento prisional, quando este consegue a condicional. Assim, o destaque o filme no que se refere ao aspecto jurídico, é a preservação da dignidade do preso e a construção de um ambiente que
20
favoreça a sua ressocialização, humanidade e personalidade, permitindo uma reinclusão social positiva.
05|
MARÇO
• (EN)CINE
DIREITO
ESTÉTICA JURÍDICA EM "UM SONHO DE LIBERDADE" POR
GABRIELA
SOUSA
DISCENTE
DO
BOLSISTA
VOLUNTÁRIA
EXTENSÃO
CURSO
(EN)CINE
DE
DE
MEDEIROS
DIREITO
NO
-
PROJETO
UFRN DE
DIREITO
“Um Sonho de Liberdade”, ou “The Shawshank Redemption”, trata-se de um filme do ano de 1994, dirigido por Frank Darabont, e baseado em uma obra literária de autoria de Stephen King. A película conta a história do protagonista Andy Dufresne (Tim Robbins), um banqueiro bem sucedido que vê sua vida mudar completamente ao ser condenado, injustamente, pelo assassinato de sua esposa e do amante dela. Andy é mandado para a Penitenciária Estadual de Shawshank, no Maine, onde deverá cumprir duas penas perpétuas. Ao longo do filme, Andy faz amizade com Red, interpretado por Morgan Freeman, um prisioneiro que cumpre pena há 20 anos e é conhecido dentro da prisão por ser responsável pelo comércio ilegal de objetos. Com ele, Andy passa a maior parte do tempo e juntos aprendem muitas coisas, sobretudo lições acerca de esperança.
21
Com o passar do tempo, Andy ganha a
Nesse contexto, o filme em tela, desde o
confiança de seus superiores, ao prestar
início, busca questionar o sistema prisional
serviços de contabilidade aos guardas e ao
e o seu procedimento, escancarando aos
próprio diretor da penitenciária, Norton,
telespectadores a maneira que o referido
tornando-se um sujeito conhecido e
sistema prisional encara os presos, e como
respeitado dentro da instituição. Contudo,
é buscada a famosa restauração dos
o diretor do presídio utiliza a habilidade de
condenados.
Andy também para efetuar um sistema milionário de desvio de verbas da
Já inicialmente, os recém-chegados ao
penitenciária.
presídios são expostos a diversas humilhações, impostas geralmente por
Assim, percebe-se a diferença entre o
meio do uso da violência, e assim, pouco a
Ordenamento Jurídico americano, common
pouco, aqueles indivíduos vão sendo
Law, e o Ordenamento jurídico brasileiro,
despersonalizados e institucionalizados,
pautado no cível Law, estampada,
completamente submissos aos interesses
sobretudo, no tempo das prisões dadas aos
estatais. Diante desse cenário, com o
indivíduos que cometem crimes. Enquanto
passar dos anos, cada presidiário inserido
o Brasil não admite a prisão perpétua, os
naquela rotina vai perdendo um pedaço de
EUA são conhecidos pela cultura da prisão,
essência, esquecendo como um dia fora sua
tendo penas duras e aplicações efetivas,
vida do lado de fora, acostumando-se,
como a pena de morte e a prisão perpétua.
portanto, a não importar mais para ninguém. E assim, o sistema prisional,
Todavia, apesar dessa diferença, os dos
tanto no filme quanto na vida, organiza-se
sistemas não são capazes de formar
tão somente pelo regime repressivo, em
indivíduos ressocializados.
22
que o delinquente deve pagar pelo que fez, arcando, inclusive, com a destituição de sua personalidade. É como se não houvesse qualquer compromisso com a ressocialização da pessoa delinquente, que sai do sistema penitenciário como um papel em branco, desabituado a uma vida sem os muros, a escuridão e a rotina da realidade carcerária. Assim, é possível concluir que, ao menos até os dias atuais, inexiste a justiça restaurativa, de modo que o indivíduo preso será apenas “cumulado”, junto a tantos outros, dentro de um presídio, sendo violentado constantemente, sem ser a ele dada a oportunidade de relacionar-se com cultura e elementos educativos. O presidiário se acostuma à rotina na prisão e se esquece que há outras formas de vida além daqueles muros, permitindo, portanto, que casos como o de Brooks, personagem do filme e que permaneceu por cinquenta anos em Shawshank, não se tornem tão incomuns. Um sonho de liberdade recebeu um total de sete indicações ao Oscar, considerado o prêmio máximo para as artes e ciências cinematográficas, nas categorias de melhor filme, melhor roteiro adaptado, melhor ator, melhor fotografia, melhor edição, melhor trilha sonora original e melhor som. É o filme número um na lista dos 250 melhores filmes da história segundo os usuários do Internet Movie Database (IMDB) desde 2008, quando superou O Poderoso Chefão.
23
Queridos companheiros, é inacreditável como tudo anda rápido aqui fora. Vi um automóvel uma vez quando era criança, mas agora estão em toda parte. O mundo mudou e se transformou numa grande correria. O Comitê da Condicional me colocou neste lugar chamado “Brewer” e me arranjou um emprego de empacotador na FoodWay. É duro e tento me adaptar, mas minhas mãos doem muito. Às vezes, depois do serviço dou comida aos pássaros (...). Não durmo à noite. Tenho pesadelos como se eu estivesse caindo. Acordo com medo. Às vezes levo algum tempo para me lembrar de onde estou. Se roubasse a Food-Way, armado, me mandariam de volta ao lar. Poderia atirar no gerente nesse assalto. Seria como um prêmio. Acho que estou muito velho para cometer um absurdo desses. Não gosto daqui. Cansei de ter medo o tempo todo. Eu decidi partir. Duvido que se importarão com um ladrão velho como eu.
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MARÇO - 2019
(EN)CINE DIREITO
Direito Constitucional em cena
Breves considerações acerca do Constitucionalismo
Por Luana Cristina da Silva Dantas Discente do Curso de Direito - UFRN
A Constituição é uma forma aberta,
organicidades sociais antigas, em
através da qual passa a vida, uma
sociedades da antiguidade clássica,
individualidade histórica que
citando, como exemplo, o povo hebreu.
perpetuamente se renova. (Manuel
Aquele povo manifestou características
Garcia-Pelayo).
ditas do movimento constitucional quando estabeleceu, sobretudo, uma organização
O fenômeno jurídico do
política da comunidade pautada na
constitucionalismo despontou no mundo
limitação do poder absoluto pelo
como um movimento social, filosófico e
governante. Id est, o regime teocrático
político inspirado por ideais libertários
dos hebreus fundamentava-se a partir da
cujo esteio de reinvindicação repousava,
concepção de que o “detentor do poder”,
sobretudo, na persecução de um modelo
muito distante de representar um poderio
de organização político-estatal pautado
absoluto e arbitrário, estava limitado
no respeito dos direitos dos governados e
(note-se o embrião do que viria a ser
nos limites do poder exercido pelos
também o nosso controle de
governantes. Karl Loewenstein, um dos
constitucionalidade) a chamada lei do
mais importantes constitucionalistas do
senhor, que colocava “em pé de
século XX (avisando que, infelizmente,
igualdade” governantes e governados,
não dispomos de nenhuma de suas obras
uma vez que ambos encontravam-se
na biblioteca do CERES), em sua Teoria
submetidos ao uma lei imperativa,
da Constituição, nos elucida que a origem
inveterando um modelo de constituição
do constitucionalismo pode ser
material.
vislumbrada já nos primeiros passos das
24
Digno de nota, neste momento, o fato de
um sobretudo, do século XVIII, sendo o
que o surgimento das Constituições
constitucionalismo um movimento social e
escritas não se identifica com a origem
político que se manifestou em diferentes e diversos tempos, em diferentes e diversos
do constitucionalismo. Não predicava ou
lugares. Data vênia, percebamos que, antes
preconizava o constitucionalismo a
mesmo de existir um Estado dito de Direito
elaboração de Constituições. Como se
existia um estado Absoluto, que continha
sabe, onde quer que houvesse uma
uma Constituição prescrevendo as normas de
sociedade politicamente organizada (já)
organização daquela sociedade, como
havia o direito (ubi societas, ibi jus – ou
também obediência irrestrita ao Soberano.
ubi jus, ibi societas), isto é, essas
Dessa forma, o constitucionalismo – enquanto
sociedades possuíam Constituições que
movimento – nos ensina Dalmo de Abreu
lhes fixavam os fundamentos de sua
Dallari, “surge como padrão de justiça e
administração e organização. Como
expressão das conveniências comuns, em
alhures dito, em qualquer época ou lugar
que o conjunto de princípios e regras que
que houvesse um Estado organizado,
compõem uma Constituição passou a ser invocado como uma obrigação de natureza
havia, no mesmo passo, um complexo de
ética, superior a outras obrigações sociais,
normas fundantes que instituíam a
como dever jurídico”. Ademais,
daquele Estado, numa evidencia de que o A Constituição, coerente com as carências e possiblidades
fenômeno jurídico é social e natural. O
do povo, foi despertada pela conjugação de
constitucionalismo exsurge, nessa senda,
circunstâncias históricas e se desenvolveu através da história. Sob a influencia de muitos fatores, positivos e
como movimento político-filosófico-social
negativos, contrários ou favoráveis aos interesses dos
reivindicando um modelo de organização
povos, foi sendo desenvolvida sua noção, a percepção de
do Estado com os valores anteriormente
sua necessidade e de sua importância. Desse modo, depois de um longo percurso histórico, muito graças
tecidos.
também à contribuição de juristas comprometidos com a
Obviamente que, para o êxito do
ética e desejosos de colaborar para a consecução de ordens sociais democráticas e justas, a Constituição
constitucionalismo, notório se fez o fato
deixou de ser apenas uma carta política para estabelecer
de que aquelas constituições
vínculo com os fundamentos éticos e históricos do constitucionalismo. (DALLARI, Dalmo de Abreu. A
necessitavam absorver os ideais
constituição na vida dos povos, p. 13).
proclamados pelo constitucionalismo. As constituições, paulatinamente, afastaram-
Como inferível, o constitucionalismo não
se da feição de cartas políticas a serviço
se destinou a outorgar Constituições aos
do titular do poder absoluto para
Estados, posto que estes já as
representar manifestações jurídicas
apresentavam, mas fazer com que as
capazes de regular o fenômeno político, o
Constituições (e, por extensão evidente,
exercício do poder e as liberdades
os Estados) acolhessem e instituíssem
públicas. Assim, as proposições do
preceitos assecuratórios da separação
constitucionalismo não se condicionavam
das funções e atos estatais, com o
à redação ou existência de constituições
estabelecimento dos seus limites, e os
escritas. Aliás, como sabemos, as
valores e direitos fundamentais.
constituições escritas são produtos, 25
(EN)CINE DIREITO .
acabando por ser reconhecido e afirmado
estrutura, organização e atividade
Uma reflexão do filme “Um sonho de Liberdade” com Kant e o paradoxo da liberdade como obrigação moral Por Rafaela Gomes Góis / e Wagner Franklin da Costa Discentes do curso de Direito na UFRN, CERES, Caicó
figura 04
Kant ao refletir sobre as possibilidades dos limites da efetivação de uma ordem política justa e democrática, diz que muitos dos princípios, da filosofia ocidental, considerados objetivos, são na realidade subjetivos. Diante disto, Kant estabelece sua tese em que nossos conceitos morais deveriam vir, não da experiência material concreta ou de sentimentos individuais, mas somente da razão humana, assim, a dignidade da pessoa humana, tomando como todos iguais e capazes de exercerem sua liberdade poderiam criar uma moral válida. A moralidade kantiana é centrada nas noções de liberdade e racionalidade humana. logo, a liberdade humana pertence à razão humana, desta forma, apenas por meio do cumprimento dos deveres morais é que nossas ações efetivamente executariam nossa liberdade plena de agir moralmente. Além disso, o autor formula a noção dos imperativos, que se dividem em: (i) Hipotético - seu pensamento busca meios para consecução de fins específicos, para Kant, é deturpado, já o (ii) Categórico - não apresenta conteúdo empírico e/ou não está 26
(EN)CINE DIREITO | ED. 05
vinculado a qualquer interesse particular, devendo agir de forma moralmente válida para todos. Da mesma forma, a liberdade de cada indivíduo estaria garantida quando a regra a ser seguida derivar de uma criação autônoma dos sujeitos cumpridores dessa mesma regra e esses forem, portanto, autônomos e livres.
várias facções que sobrevivem com suas próprias regras para buscar seus anseios na cadeia, vislumbrase o Estado de Natureza nos preceitos de Thomas Hobbes. Nesses moldes, sobreviver é a única perspectiva. Ao simbolizarmos a figura do diretor da cadeia com o Estado, vemos que esse é corrupto, tendo em vista as cenas da execução de Tommy, além das inúmeras coações para com Andy, se faz determinante que o seu papel não vislumbra a prática da lei moral. Por conseguinte, gera-se o que Andy diz que na cadeia aprendeu a ser desonesto, uma vez que os indivíduos não são direcionados por uma justiça restaurativa. Assim, tendo a ressocialização como utopia não almejada pelo diretor da unidade prisional, a negativa de tentativa de verbas para a biblioteca do diretor à Andy é símbolo do descaso com tal instituto e com a dignidade da pessoa humana, cujo valor para Kant deveria ser imensurável. O sistema repressivo do encarceramento torna a vida do preso uma sobrevivência, este afronta não só o espírito de liberdade de pensamento e de nada respeita a sua obrigação moral, uma vez que nega a razão de ser garantidor de uma vida, que por ventura, possa vir a ser plenamente livre, sendo bem representado com o caso de Brooks, que padece por se sentir pertencente à prisão. Como dito por Daenerys Targaryen, personagem da literatura de George R. R. Martin, “As pessoas aprendem a amar as correntes que as prendem”.
A liberdade plena dos seres humanos somente pode se efetivar no convívio social através da obediência à lei moral, defende, Kant portanto, que a liberdade está intrinsecamente relacionada à existência e à obediência de uma ordem legal, mas não pode se fundamentar apenas no princípio do contrato, esta requer a existência de uma constituição, tendo em vista que a vida em sociedade é complexa. Em “Um sonho para a liberdade” ao se fazer analogia, podemos ver que o Estado tem a figura de exigir a obediência de seus membros e estabelecer o que será deontologicamente aceito na sociedade. Sendo assim, a prisão deveria ter um significado de ressocialização e por assim, na visão de Kant, local de entendimento de que a liberdade do indivíduo só advém ao cumprir a lei moral universal, e meios diferentes desse só contribui para a existência de um estado de natureza em que o ser humano não tem sua dignidade preservada. No começo da história, Andy é condenado por um crime e ao adentrar o ambiente carcerário, encontra um lugar totalmente diferente do real objetivo, com 27
Por fim, ao relacionarmos Kant com o sistema prisional depreende-se que este é incumbido de imperativos hipotéticos e sem nenhum comprometimento do dever de ressocialização dos detentos, sendo cristalino a entender que o delinquente não é passível de ser recuperado, muito menos ter sua dignidade como humano respeitada. Aduz-nos para efetiva reflexão: A prática de ressocialização atual é eficaz? O Estado trabalha para a palpável paz social? Vivemos ainda no estado de natureza?
28
Sei que alguns pássaros não podem viver numa gaiola. Suas penas brilham demais. E, quando eles voam, você fica contente, porque sabia que era um pecado prendê-los."
29
ECOS DO FILME POR UBIRATHAN ROGERIO SOARES
(EN)CINE DIREITO . UFRN - CERES
PROFESSOR DO DEPARTAMENTO DE HISTÓRIA DA UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE – UFRN/CERES
30
Adaptação da obra literária Rita
dependendo nesta situação, da simples
Hayworth e a Redenção de Shawshank
vontade individual do sonhador.
de Stephen King. Direção de Frank
Meros Vinte e cinco anos se passaram
Darabont
e, esta possibilidade não existe mais.
A primeira coisa que é preciso dizer
Vivem eles, dentro do sistema e, nós,
sobre o filme é que foi uma
fora, literalmente TODOS, presos, a
unanimidade com 98% de aprovação
jornadas que impedem a reflexão, a
do público e 91% de crítica. É também
sistemas operacionais das instituições
considerado a produção mais
que nós pegam pela mão, dia e noite e,
injustiçada da história da Academia de
o que é mais grave, corroem o NOSSO
Cinema, perdendo para o também,
TEMPO num verdadeiro moinho
muito bom, mas absurdamente
satânico!!! Estamos portanto todos
eufemista, Forrest Gump.
presos, independente do local e da
Desnecessário falar sobre os trabalhos
existência ou não de uma sentença!
de Tim Robbis e Morgan Freeman,
Fato é que a liberdade foi retirada da
como os inseparáveis Dufresne e
possibilidade do sonho e colocada, de
Redding. Mas, a parte todas as
maneira extremamente triste e
homenagens muito justas e
agonizante, no campo do ad infinito. O
insuficientes que façamos, algumas
sonho virou miragem!
considerações precisam ser feitas.
SIM!!! Eles ao menos tinham uma
Primeiro, sendo de 1994, portanto
sentença, justa ou não! E nós?? Para
completando agora, em 2019, 25 anos,
completar o quadro da dor, o Carvalho
bodas de prata portanto, o que
secular que guardou uma espécie de
impressiona é como uma produção
caixa de Pandora na trama, virou em
absolutamente recente, perdeu a
2016 ao custo de R$ 65.000,00, uma
capacidade que teve de mostrar de
mesa de sala, privatizada por uma fã. É
forma absolutamente brilhante, o
bonito isso?????
universo do sistema carcerário. E o que
Direto da cela, 03/04/2019.
mais chama a minha atenção, é exatamente a perda, indefectível e desastrosa sob todos os aspectos, da possibilidade de se viver dentro do sistema, sonhos individuais e que, no caso em questão, podiam ser, quando urdidos pela inteligência, astúcia e trabalho árduo, dividido com um ou vários colegas de cela, tudo
31
REFLEXÃO ACERCA DA RESSOCIALIZAÇÃO COMO UM OBJETIVO DA PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE NO FILME “UM SONHO DE LIBERDADE” POR: RAFAELA GOMES GÓIS E WAGNER FRANKLIN DA COSTA - DISCENTES DO CURSO DE DIREITO NA UFRN, CERES, CAICÓ.
(CN)CINE DIREITO | ED. 05 32
O sentimento do senso comum no universo lúdico do filme, assim como na realidade, demonstram uma sociedade que estigmatiza os socialmente reprováveis, os isolando em prisões. O objetivo de tal aprisionamento é, em tese, cumprir-se o papel da pena de reprovação e prevenção do crime, seguindo a Teoria mista ou unificadora que foi adotada pelo art. 59, caput do Código Penal Brasileiro[1]. No filme, o ambiente prisional é tido como um meio no qual os apenados são despidos de diversos direitos, em alguns casos até mesmo do direito à vida, como acontece com o personagem intitulado “fat ass” que perde a vida após espancamento realizado pelo Capitão Hadley. Os personagens demonstram, no decorrer do tempo um desenvolvimento de dependência do aprisionamento, perdendo a capacidade de re-exercer a liberdade outrora restrita. Algo que na dicção do personagem Red seria um passar a “pertencer a este lugar”, desabilitando os aprisionados a qualquer chance de serem capazes de voltar à sociedade. Nesse sentido, o personagem Brooks que passa décadas na prisão se vê profundamente triste ao poder ser livre, pois após todo o tempo na prisão, ele perde a capacidade de conviver com a própria liberdade em uma sociedade totalmente diferente da qual ele um dia fora integrante antes de praticar o crime. Relatando inclusive que a ressocialização ofertada seria um trabalho de empacotador em um supermercado, o que seria o mesmo “programa de ressocialização” do Red, quando este obtivesse a sua liberdade. Por conseguinte à combinação desses fatores brooks opta por cometer suicídio, dado o profundo trauma causado por uma liberdade que não voltou com a sua saída da prisão. Por isso, tem-se de haver a ressocialização, ou a pena sempre será eterna, afinal o indivíduo poderá sair da prisão, mas a prisão jamais sairá deste. 33
Outrossim, é verídico que as penas tem função de retribuição da violação cometida pelo condenado, visando assim uma dissuasão da população a não cometer crimes, cumprindo seu papel preventivo[1]. Nesse contexto, está a sopesar-se apenas a “espada”(a face sancionatória), no entanto, como foi proferido por Ihering a justiça deve portar a “espada” para defender o direito, mas também deve portar a “balança” que deve pesar o direito, permitir a “espada” sem a balança é se tornar apenas força bruta[2]. Nas palavras de Beccaria:
Fica evidente, destarte, que acerca da passagem de uma prisão como forma de punição e de isolamento de pessoas, às retirando suas liberdades tanto em mundo fático da realidade, quanto no mundo poético da psique humana, para que haja a ressocialização tem-se um processo de humanização, almejando-se o não pertencimento do indivíduo ao aprisionamento. Por isso, Andy, protagonista, pede cervejas para os amigos como pagamento de um árduo serviço bancário, pela mesma razão o mesmo personagem coloca música no sistema de som da prisão, porque Andy nunca deixou de ser humano e de ter a sua liberdade, pois ele acreditava que figuras dadas à humanidade como a música e o lazer podem agir como elemento socializador melhor do que lançar apenados a décadas de confinamento sem direitos de imediato em uma sociedade a qual eles passaram a não pertencer.
À medida que as penas forem moderadas, que a desolação e a fome forem eliminadas das prisões, que, enfim, a compaixão e a humanidade adentrarem as portas de ferro e prevalecerem sobre os inexoráveis e endurecidos ministros da justiça, as leis poderão contentar-se com indícios sempre mais fracos para a prisão.
REFERENCIAS [1] [1] MASSON, Cleber. Direito Penal: Parte Geral. 11.ª ed. ver., atual. e ampl. Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: MÉTODO, 2017, p. 618-620 [2] IHERING, Rudolf von. A luta pelo direito. Trad. João de Vasconcelos. São Paulo: Martin Claret, 2009, p. 23 [3] BECCARIA, Cesare Bonesana. Dos delitos e das penas. 2. ed. rev. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1999.
(EN)CINE DIREITO| UFRN - CERES
34
COMISSÃO – ELLIS OYD REDDING, SUA FICHA DIZ QUE JÁ CUMPRIU 40 ANOS DA PRISÃO PERPÉTUA. VOCÊ SE SENTE REABILITADO? RED – REABILITADO? BEM, VAMOS VER. NÃO TENHO A MÍNIMA IDÉIA DO QUE SEJA ISSO. COMISSÃO – SIGNFIICA QUE VOCÊ ESTÁ PRONTO PARA SE REINTEGRAR À SOCIEDADE…
RED – EU SEI O QUE VOCÊ ACHA QUE SIGNIFICA, FILHO. PARA MIM É APENAS UMA PALAVRA INVENTADA. UMA PALAVRA DOS POLÍTICOS PARA QUE JOVENS COMO VOCÊ POSSAM VESTIR TERNO E GRAVATA E TER UM EMPREGO. MAS O QUE VOCÊ QUER SABER DE VERDADE? SE EU ME ARREPENDO DO QUE FIZ?
COMISSÃO – VOCÊ SE ARREPENDE? RED – NÃO HÁ UM ÚNICO DIA EM QUE NÃO ME ARREPENDO. NÃO PORQUE EU ESTOU AQUI OU PORQUE VOCÊ ACHA QUE EU DEVERIA. EU OLHO PARA TRÁS E VEJO COMO EU ERA NAQUELA ÉPOCA: UM JOVEM, UM RAPAZ IDIOTA QUE COMETEU UM CRIME HORRÍVEL. TENTO FALAR COM ELE. TENTO PASSAR UM POUCO DE JUÍZO PARA ELE. ENSINAR COMO SÃO AS COISAS. MAS NÃO POSSO. AQUELE GAROTO NÃO EXISTE MAIS. O QUE SOBROU FOI APENAS ESSE VELHO AQUI. TENHO QUE CONVIVER COM ISSO. REABILITADO? É APENAS UMA PALAVRA DE MERDA. ENTÃO ANDE, CARIMBE SEUS FORMULÁRIOS E PARE DE DESPERDIÇAR MEU TEMPO. PARA FALAR A VERDADE, EU NÃO ME IMPORTO.
DIÁLOGO "UM SONHO DE LIBERDADE 35
PLURIPERSPECTIVA NA PELÍCULA "UM SONHO DE LIBERDADE"
FIGURA 05
POR ADSON DE MEDEIROS NOGUEIRA DISCENTE DO CURSO DE DIREITO - UFRN
Inicialmente, cumpre dizer que o filme por si só é digno de se enquadrar no rol dos filmes que todo jurista deveria assistir ao menos uma vez na vida, não somente por tratar-se de um filme que aborda alguns aspectos clássicos do direito processual penal, este representado sob o viés americano no século XX, como pela obra como um todo, a qual é recomendável a qualquer entusiasta do cinema. Em relação ao tema abordado, o filme consegue transmitir de maneira muito viva a subjetividade dos personagens trabalhados, de modo que o espectador consegue sentir em momentos distintos a sensação de também estar preso à Shawshank, presenciando de perto parte dos horrores do cárcere, e em outros momentos a sensação de liberdade, nos quais a sensação de estar livre é evidente não somente ao
personagem, como ao próprio expectador. Ainda em relação à liberdade abordada no filme, é fato que essa se mostra de maneira muito relativa: Alguns personagens sentem-se mais livres dentro da própria prisão do que fora dela, demonstrando que o conceito de liberdade está atrelado ao ser e a maneira como interage com o ambiente. Shawshank é mais do que uma simples prisão, representa uma sociedade de pessoas à margem da sociedade comum na qual todos possuem uma nova chance de definir seus papéis e adquirir sua importância, fato este que acaba por criar uma hierarquia dentro do presídio, aonde alguns apresentam certo prestígio, quebrando com a ideia de que há um tratamento igualitário aos detentos. Tal contexto faz com que alguns presos percam a sensação de 36
(EN)CINE DIREITO
ED. 06
(EN)CINE DIREITO
liberdade fora da Shawshank por não sentirem que pertencem àquele meio social, passando a mensagem que a liberdade se encontra dentro de cada um Ao Direito como um todo, há diversos momentos nos quais os direitos fundamentais dos detentos são infringidos, incluindo até mesmo o direito à vida. É difícil afirmar se o que ocorre condiz com a realidade fática do contexto, visto que há um recorte histórico de décadas, mas, indubitavelmente, faz o espectador questionar em diversos momentos sobre as falhas no Direito, desde a busca pela verdade real no Direito processual penal até a dignidade da pessoa humana, tal como, certamente, o mantém ainda mais fixado à película. Por fim, o filme nos proporciona uma sensação indescritível de liberdade se utilizando de elementos comuns ao cotidiano de qualquer cidadão livre, de modo que relaciona os valores de liberdade e igualdade de maneira discreta, visto que os momentos de maior representação da liberdade acontecem quando o cidadão preso, por instantes, sente-se igual a um cidadão comum.
37
UFRN - CERES
A N Á L I S E F Í L M I C A " U m s o n h o d e l i b e r d a d e " P o r
M a t h e u s
M a z u k y e w s k y U F R N n o D i r e i t o
F I G U R A 0 4
D i s c e n t e d e c u r s o d e D i r e i t o ( C E R E S ) B o l s i s t a - v o l u n t á r i a p r o j e t o d e e x t e n s ã o ( E n ) C i n e
O filme “Um sonho de Liberdade” (The Shawshank Redemption), baseado na novela Rita Hayworth and Shawshank Redemption, de Stephen King, se passa no final da década de 1940, nos Estados Unidos da América e trata de forma intensa parte da realidade criminal e prisional da época.
“You can chain me, you can torture me, you can even destroy this body, but you will never imprison my mind.” Mahatma Gandhi
38
PROJETO DE EXTENSÃO (EN)CINE DIREITO | UFRN - CERES
principalmente na realidade americana. No Brasil é mais comum, prisões de caráter preventivo que se estendem mais que o necessário em detrimento da morosidade do processo judiciário. Desde o começo da narrativa a temática criminológica e penal é abordada buscando mostrar traços da tendência punitiva do sistema jurídico americano da época. Nesse sentido, a primeira realidade que se apresenta é a inserção do presidiário na realidade de um complexo prisional de fato. Ambiente cheio de outros presos condenados por realmente terem cometido crimes, o enredo deixa para outro momento a tratativa da inocência e foca no drama da inserção do presidiário em um ambiente desprovido da humanidade que normalmente é despendida ao cidadão livre.
Pautado inicialmente na culminação de duas prisões perpetuas cumuladas em decorrência do possível assassinato da esposa e do amante do personagem principal, Andy Dufresne, banqueiro de sucesso em ascensão, o filme retrata diversas nuances sociais e jurídicas envolvendo desde conceitos e preceitos de criminalística até a prática histórica da corrupção de agentes públicos. Começando com arguições da acusação, são elencados indícios cada vez mais contundentes e insidiosos do nexo criminal com o acusado. Se torna cada vez mais real, na percepção e no imaginário do expectador, a veracidade da hipótese criminal atribuída a Dufresne, que acaba sendo condenado com duas prisões perpétuas. É notória a importância da temática abordada, tendo em vista o número de casos de presos que passam anos encarcerados não é pequeno,
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(EN)CINE DIREITO
ED. 05
UFRN - CERES
É complexa a análise da cultura
dizer que o foco central do filme, inclusive, é
penitenciária, onde percebe-se, em muitos
relatar todos os problemas e abusos
sistemas, a não-recuperação de presos. O que
enfrentados dentro do sistema prisional na
acontece, em muitos casos, é a piora do perfil
perspectiva de um condenado inocente,
dos presos, seja pela necessidade do
vítima das falhas do sistema, submetido
enquadramento em facções, seja pala revolta
injustamente às consequências que a
com a violação dos seus direitos.
extrapolação punitiva e a falta de controle
A tratativa continua por relatar abusos de
oferecem à sociedade.
poder desde cedo e uma realidade cheia de
No sistema legal penal brasileiro percebe-se
agressões injustificadas, focando em uma
a orientação que o legislador teve por buscar
total desconsideração dos direitos humanos,
proteger o cidadão inocente de ser
deixando clara a noção de desigualdade e
condenado e ter sua liberdade privada sem
inferioridade dos apenados.
que haja a comprovação do nexo com o
Tais agressões injustificadas, realizadas pelos
crime.
agentes penitenciários, acabam por serem
Além disso, são mostradas as consequências
chocantes já no começo do filme por
que as penas muito longas podem gerar às
causarem a morte de um detendo, espancado
faculdades sociais e mentais do indivíduo,
por não conseguir conter o choro. A
que passa a ver o ambiente prisional como
realidade apresentada nos leva a refletir
seu verdadeiro lar, passando a se sentir
sobre a existência de dois sistemas de pena:
solitário e deslocado quando deixa a prisão.
um legal e positivado e outro que existe nas
A sensação expressada é a de que, na
sombras, motivado pelo ódio, desprezo e
verdade, a “liberdade”, após o cumprimento
descrença na recuperação, que trata o preso
de penas muito longas, acaba por se tornar
com não detentor de direitos fundamentais.
uma nova punição, privando o indivíduo da
Outra temática bem explorada na película é
convivência dos seus colegas, que passaram
o risco que há em se ter um sistema que
a ser, depois de tantos anos, a sua família.
tende a priorizar o encarceramento sem a
Por fim a narrativa discute o conceito de
devida análise exaustiva de provas materiais
liberdade ao trazer uma discussão
e suas consequências. Na verdade, pode-se
40
(EN)CINE DIREITO
ED. 05
psicológica sobre a percepção individual da mesma, mostrando que a liberdade vai muito além dos muros de uma prisão. Aborda-se a ideia de que o homem pode estar preso e passando por cerceamentos aterradores de seus direitos, mas o verdadeiro sentimento de liberdade está na mente de cada um. O paralelo com a realidade contemporânea brasileira é inegável uma vez que não são poucos os relatos de abusos e descasos com a população carcerária ao longo do território Nacional. Um Sonho de Liberdade é uma obra realmente completa e fantástica, tratando com primazia temas complexos e extremamente atuais. É um tesouro verdadeiramente enriquecedor que leva o expectador a pensar e construir uma visão muito mais ampla dos temas tratados, condição cada vez mais necessária nos dias atuais.
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UFRN - CERES
A salvação vem de dentro. - Um Sonho de Liberdade
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DIREITO, LIBERDADE E IGUALDADE
O FILME E SEUS MÚLTIPLOS
REVISTA (EN)CINE DIREITO
POR VINICIUS PEREIRA DE MEDEIROS DISCENTE DO CURSO DE DIREITO - UFRN BOLSISTA VOLUNTÁRIO NO PROJETO DE EXTENSÃO "(EN)CINE DIREITO"
FIGURA 05
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A obra cinematográfica reiteradas vezes premiadas, Um Sonho de Liberdade, vem como uma construção adaptada às telas que se deslumbra no tocante ao seu enredo ao tratar de modo minucioso a realidade cotidiana vivida nas dependências físicas do sistema carcerário. O que vemos na belíssima obra acima elencada, é o sentimento de esperança e concomitante o sofrimento em meio a abstração que instiga o amargo. As relações fáticas e comuns apresentadas no filme dão conta que Andy foi impactado com perspectivas de corrupção e violência dentro daquele lugar. No final da década de quarenta, Dufresne, um jovem banqueiro e bem de vida tem sido condenado perpetuamente pelo assassinado de sua esposa e do amante, ao qual ele nega. Na prisão ele se próxima de Red, criminoso veterano que controla uma espécie de contrabando de cigarros e pequenos objetos para a prisão e que já carrega suas décadas de cumprimento de pena na Penitenciária Estadual de Shawshank. Diante disso, podemos constatar inicialmente que a instituição prisional era tida como um depósito de delinquentes que produz um discurso ambíguo, haja vista o ideário infiltrado na sociedade que o regime ressocializador da conduta do sujeito e o dilema que esse instrumento venha a proteger a sociedade. Contudo, como denuncia o próprio filme, a exibição de relatos da vida na penitenciária mostra o choque de cultura ao serem forçados a comungar das regras da casa num lugar onde o sujeito é despido de qualquer apoio. Além disso, And passa 20 anos na prisão e durante todo esse tempo nunca deixou de sonhar com a sua liberdade. De repente, ele viu que sua inocência poderia ser provada através de um jovem que havia entrado na prisão, e que sabia quem realmente tinha matado sua esposa e seu amante.
44
Não obstante, para a surpresa de todos, And por vários anos cavou um túnel escondido por trás de um pôster de uma mulher. Realizar um sonho, executar um projeto pode levar tanto tempo quanto talhar uma parede com um martelo. Desviar de cães, ser submetido a se rastejar sobre a encanação de esgoto. Esses são retratos de que a luta nunca acaba, mas elas passam por uma metamorfose. A noção de tempo e recompensa se diluiu. Por derradeiro, este, talvez, seja o grande ensinamento deste filme de que se quisermos algo, devemos nos abnegar de nós mesmos e nos dedicar, seja a algo ou a alguém. No momento atual, o tempo presente ganhou grande destaque. Não conseguimos mais desenvolver perspectivas futuras, haja vista o progresso social forjado ao imediatismo, não há mais a noção de trabalho para que seus frutos sejam atingidos há uma ou duas décadas futuras. Desse modo, trabalhar duro não é desperdício de tempo, mas dedicar-se por intermédio do vínculo de esforço e recompensa.
REFLEXÃO ACERCA DA LIBERDADE COMO DIREITO DE PRIMEIRA DIMENSÃO NO FILME “UM SONHO DE LIBERDADE” por Rafaela Gomes Góis e Wagner Franklin da Costa - Discentes do curso de Direito na UFRN, CERES, Caicó. O filme “Um sonho de Liberdade” aborda a questão da liberdade e da dignidade da pessoa humana a partir da sua periclitação frente ao sistema prisional. Nesta resenha foca-se em discorrer acerca da liberdade enquanto direito fundamental a partir do universo lúdico citado. Acerca dos direitos de primeira dimensão, são direitos com base nos direitos de liberdade, referindo-se a um não-agir do Estado, por outro lado, os de segunda dimensão são os direitos sociais, os quais exigem uma ação positiva do Estado, já os de terceira dimensão são os que tem titularidade difusa ou coletiva. Como todo direito, em certos casos até mesmo um direito à liberdade de locomoção, art. 5°, XV da Constituição Federal, pode ser relativizado, como no caso de prisão com pena privativa de liberdade.
“A vida lá fora desaparece num piscar de olhos. Nada resta senão todo o tempo do mundo para pensar a respeito.” — Um Sonho de Liberdade FIGURA 07
45
No filme, o protagonista ao ser injustamente condenado a pena privativa de liberdade, é encaminhado a unidade prisional, aonde fica sem expectativas ou liberdade sequer de se expressar, dado que o personagem conhecido como “Fat Ass” perde a vida pelas mãos da autoridade policial por pedir clemência. Em um cenário como aquela prisão, não há a suspensão da liberdade apenas formal, como há a própria suspensão ou supressão da liberdade no sentido material. Isso se expressa quando em diálogo entre “Red” e “Andy Dufresne”, o primeiro diz que com o passar do tempo, as circunstâncias do aprisionamento que suprimem a liberdade acabam por permanecer no indivíduo mesmo depois dele recuperar sua liberdade formal. Outrossim, tendo sido um direito de primeira dimensão, mesmo assim os direitos a liberdade continuam a ser suprimidos. Apenas o lançar do encarcerado à uma sociedade à qual ele não foi ressocializado, é algo similar a perpetuar a pena não mais sobre o corpo do apenado, mas sobre sua alma. Direitos como de expressão passam a ser vilipendiados nas circunstâncias. do filme pelos abusos do próprio Estado, na personificação da autoridade policial, que declarou que seguiria tais direitos.
46
Ademais, entende Marx que a liberdade em suas várias formas são um só prisma, a liberdade, sendo que cada face do prisma seria uma liberdade específica, liberdade de expressão (art. 5°, IV e XIV além do art. 220, ambos da Constituição Federal), de imprensa (art. 220, § 1º da Constituição Federal), locomoção( art. 5°, XV da Constituição Federal), entre outras. Desse pressuposto, tem-se que a falta de uma das faces do prisma, como a da
liberdade de expressão ou até mesmo a de locomoção, na prisão, significaria que o prisma como um todo não existe, sendo todas as outras liberdades ilusórias, neste caso, para o autor. Portanto, essa noção de que a liberdade compõe um prisma se assemelha de modo mitigado à ideias de dimensões de direitos fundamentais, que foram trazidos por Norberto Bobbio. Se fosse feita uma ligação das duas teorias poderia-se ter 47
que a primeira dimensão dos direitos fundamentais, no aprisionamento do filme, passa a ser ilusória, pois os compromissos com as diversas liberdades passam a ser violados, de modo que apenas reste o seguimento de comandos disciplinados aos apenados. Referencias Bobbio, Norberto. A era dos direitos. Trad. Carlos Nelson Coutinho. Rio de Janeiro: Elsevier, 2004. MARX, Karl. Liberdade de imprensa. Trad. Cláudia Schilling e José Fonseca. Porto Alegre: L&PM, 2006. MASSON, Cleber. Direito Penal: Parte Geral. 11.ª ed. ver., atual. e ampl. Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: MÉTODO, 2017.
UM SONHO DE LIBERDADE, 1994
ACHO QUE A SOLUÇÃO É SIMPLES. SE ESFORCE PARA VIVER OU SE ESFORCE PARA MORRER
C R Ô N I C A S
D E
U M A
E Q U I P E :
M O M E N T O ( E N ) C I N E
Mediador: Prof. Oswaldo Pereira de Lima Junior. Professores convidados: Ubirathan Rogério Soares e Melquiades Peixoto Soares Neto
DIREITO, LIBERDADE E IGUALDADE
Aluno convidado: Adson de Medeiros Nogueira
49
(EN)CINE DIREITO ED. 05| MARÇO - 2019
O Projeto de Extensão “(EN)CINE
desenvolver novas estratégias de
DIREITO” tem por escopo a
ensino e aprendizado e, igualmente,
integração e compreensão de temas
estimular o debate e o
relevantes para/do Direito através
esclarecimento de ideias junto à comunidade de Caicó e do Seridó.
das manifestações histórico-
Nesse esteio, o discurso
culturais presentes em uma plêiade
cinematográfico representa
de filmes criteriosamente
potencial ímpar para atingir variada
escolhidos a ser apresentada à
gama de pessoas transmitindo ideias
plateia a cada mês (dois filmes),
e reforçando o debate social e
seguida de debate. Através do
jurídico de assuntos caros à
estreito diálogo cinema/direito e do
manutenção do Estado Democrático
caráter sensível da narrativa
de Direito, à Justiça e ao
cinematográfica, a ideia central é
conhecimento e propagação de uma
estimular alunos e docentes a
cultura lastreada no Saber, no
Ensino
50
Participativo e na execução dos Direitos Humanos. Na noite do dia vinte de março de 2019, a exibição fílmica da película "Um sonho de liberdade" iniciou as atividades do projeto “(EN)CINE DIREITO” neste semestre. Além do professor Oswaldo Pereira de Lima Junior, mediador do debate, tivemos a participação do discente do curso de Direito Adson Nogueira e dos professores Melquíades Peixoto e Ubirathan Soares. Após a apresentação do filme, iniciou-se a discussão acerca do tema “Direito, Liberdade e Igualdade”. As falas dos compositores da mesa versaram sobre as problemáticas e nuances que envolvem o “cárcere”, o ambiente prisional, a função da pena privativa de liberdade em compasso com as garantias constitucionais e com o Estado Democrático de Direito. No ambiente carcerário pátrio, o presidiário, antes que obtenha, por exemplo, seu aguardado retorno à sociedade, vive um tempo de sobrevivência e adequação ao cárcere. Num sistema abandonado, com elevados indicantes de analfabetismo e violência, sem o convívio da família, sem assistência médica adequada, disputando um espaço onde menos da metade de uma vaga pode lhe ser destinada, a “lei da cadeia” é um imperativo, uma coerção que não abandona o mérito social.
16
04
FOOD
EDITORIAL
ENCINEDIREITO.BLOGSPOT.COM 51
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PROGRAMAÇÃO
LISTA DE SUGESTÕES
DIREITO, LIBERDADE E IGUALDADE Quadro: The Outcry, de Wolfgamg Lettl – 1989 Lettl Atrium Museum of Surreal Art, Augsburg, Alemanha
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A LISTA DE SCHINDLER Filme norteamericano de 1993 sobre Oskar Schindler, um empresário alemão que salvou a vida de mais de mil judeus durante o Holocausto ao empregá-los em sua fábrica.
AMISTAD Filme estadunidense de 1997, do gênero drama histórico, produzido por Steven Spielberg, baseado em eventos reais a bordo do navio La Amistad em 1839.
O Sol é Para Todos, 1960, de Harper Lee Um livro emblemático sobre racismo e injustiça. Sua versão fílmica foi discutida no lançamento do projeto (EN)CINE DIREITO.
Amor nos tempos de cólera, 1985, de Gabriel García Márquez O livro é um romance de gênero realismo fantástico passado no século XIX com cenário na América Latina e que trata de um triângulo amoroso que perdurou por mais de cinquenta anos.
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flor: margarida, também chamada de Bem-me-quer fotografia: Oswaldo Lima Jr.
Projeto de Extensão da UFRN (EN)CINE DIREITO Apresentou o filme "UM SONHO DE LIBERDADE" discutindo o tema "Direito, LIBERDADE E IGUALDADE" março, 2019
www.encinedireito.blogspot.com
ed. 05
REFERÊNCIAS
IMAGENS 01/ https://br.pinterest.com/pin/7509 75306586750131/ 02/ https://br.pinterest.com/pin/3293 96160222592912/ 03/ https://br.pinterest.com/pin/5857 49495254839522/ 04/https://br.pinterest.com/pin/51925 1032010657786/ 05/ https://br.pinterest.com/pin/3738 69206547053496/ 06/ https://br.pinterest.com/pin/4859 66616024718900/ 07/ https://br.pinterest.com/pin/5668 90671829176494/
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