REVISTA (EN)CINE DIREITO
é l o s O s o d o t a r pa Direito, liberdade e igualdade
"você só consegue entender uma pessoa de verdade quando vê as coisas do ponto de vista dela" - Atticus finch março, 2018 edição um
Reitora Ângela Maria Paiva Cruz Vice-reitor José Daniel Diniz Melo Reitora de Extensão Maria de Fátima Freire de Melo Ximenes Editor científico Prof. Dr. Oswaldo Pereira de Lima Junior Editora Executiva Luana Cristina da Silva Dantas Conselho Editorial Prof. Ms. André Melo Gomes Pereira
2018 INCREASED SALES
Prof. Dr. Carlos Francisco do Nascimento
Prof. Dr. Dimitre Braga Soares de Carvalhos Prof. Dr. Elias Jacob de Menezes Neto Prof. Dr. Fabrício Germano Alves Prof.ª Ms. Lidianne Araújo Aleixo de Carvalho Prof.ª Dra. Lidyane Maria Ferreira de Souza Prof. Ms. Marcus Vinicius Pereira Junior Prof. Mário Trajano da Silva Junior Prof. Dr. Orione Dantas de Medeiros Prof. Dr Oswaldo Pereira de Lima Junior Prof. Dr. Rodrigo Costa Ferreira Prof. Ms. Rogério de Araújo Lima
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Prof.ª Esp. Mayara Gomes Dantas Prof. Esp. Winston de Araújo Teixeira Comissão Executiva Arthur Jordão Douglas Relva de Brito Gabriela Sousa de Medeiros Luana Cristina da Silva Dantas Victória Layze Silva Fausto
Revista (En)Cine Direito Uma produção do Curso de Direito de Caicó - Ceres da Universidade Federal do Rio Grande do Norte
PAGE 03 | INTRODUCTION
R. Joaquim Gregório, s/n - Penedo, Caicó - RN, 59300-000 (84) 3342-2238
rio grande do norte, março, 2018.
Nas próximas linhas teremos o primeiro desflorir de um projeto acadêmico que nasceu e gestou sua matéria com o fito primordial de clarificar o paralelo que há entre o Direito – também aqui representando a universidade, e a linguagem cinematográfica. A representação fílmica, como também a literária e todas as demais
ao leitor
manifestações artísticas humanas, são mais que espelhos refletindo, ponto a ponto, ângulo a ângulo, nossa imagem, nossa realidade. Essas linguagens nos são necessárias pelo poder que possuem de iluminar os becos escuros da existência, de esgarçar e expandir o real que nos circunda, mostrando o que ainda não tínhamos visto de outra forma. São caminhos para ver e sentir (melhor) a vida. Pensando nisso exsurge o projeto de extensão da UFRN - Ceres, (En)Cine Direito. Como esta é a primeira edição do nosso periódico, convém fiar palavras sobre o projeto em si para depois expositar a primeira trama cinéfila trabalhada, O sol é para todos. O projeto tem por meta, como alhures dito, a integração e compreensão de temas relevantes do Direito através das manifestações histórico-culturais presentes em uma plêiade de filmes criteriosamente escolhidos a ser apresentada à plateia a cada mês (dois filmes), seguida de debate. Através do estreito diálogo cinema/direito e do caráter sensível da narrativa cinematográfica, a ideia central é estimular alunos e docentes a desenvolver novas estratégias de ensino e aprendizado e, igualmente, estimular o debate e o esclarecimento de ideias junto à comunidade de Caicó e do Seridó. O projeto fraciona-se em oito temas centrais ao Direito acompanhados de dois filmes por temática. Cada mês do ano, de março a novembro, será dedicado a um tema no qual, a partir dos filmes, posteriormente forma-se debate em banca que contará com um professor especialista na matéria, um membro do corpo discente e um membro da comunidade. Três pontos determinam um plano, diz a geometria. Em nosso caso, a tríade construída em março se fez a partir da discussão do direito, liberdade e igualdade. Tecituras das próximas páginas.
Boa leitura! Equipe (En)Cine Direito
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A SÉTIMA ARTE
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S ri Marketing Direct
Essa estética que torna a concepção de justiça uma lente que permite observar não apenas o que acontece e é justo, mas o que deveria acontecer enquanto justiça. Isto é, nos permite observar não apenas o que “é”, mas o que se impõe como um dever-ser. Ouvir e ver o outro. Ir da injustiça à justiça.
DIREITO, LIBERDADE E IGUALDADE
CRÔNICAS DE UMA EQUIPE: MOMENTO (EN)CINE
SUMÁRIO A sétima arte 05 DIREITO, CINEMA, DEBATE, ARTE sol é para todos 10 O Tecituras da vivência 12 Harper Lee e sua estética em O sol é para todos
DIREITO, LIBERDADE E IGUALDADE 15 resenha 18 resenha 21 Resenha 25 In casu 29 Crônicas de uma equipe: momento (en)cine Ecos do filme
31 Licença poética 33 Indicações
DIREITO, CINEMA, DEBATE, ARTE
Revista (En)Cine Direito
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MARÇO- 2018, ED. 1.
O SOL É PARA TODOS Oswaldo Pereira de Lima Junior A primeira película apresentada no Projeto de Extensão “(En)Cine Direito” aborda os difíceis e atualíssimos temas da igualdade e da liberdade. Não sem propósito, o filme reproduz a famosa obra de Harper Lee “To Kill a Mockingbird”, cuja a temática central aninha-se como enredo perfeito para tratar de assuntos como a Justiça e o preconceito racial numa pequena cidade do Sul da América do Norte. Resultado de sua maestria enquanto marco literário de seu tempo, o filme é bastante versado entre os expertos da Filosofia Prática e do Direito (ou deveria ser), sendo seu conteúdo e enredo bastante debatidos e conhecidos até pelas diversas resenhas que se apresentam neste volume. Mas não é esse o foco desta digressão! Aqui se pretende ingressar em outros aspectos que um debate centrado na importante relação entre a Arte e o Direito pode suscitar.
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(EN)CINE DIREITO
Esgarçado, desacreditado, invadido pela política pueril e vilipendiado pelo consequencialismo abjeto da contemporaneidade, o Direito perdeu muito da beleza e da nobreza de significação que outrora relegara a todo o Ocidente e Oriente o Direito Quiritário. Há se ser lembrado que, para o clássico Direito Romano, a Jurisprudência não se coadunava com aquilo que hoje se compreende nem como jurisprudência e nem como Ciência do Direito. Mais do que projeto nascido nas entranhas positivas de Comtianas, manifestavase, o Direito, como verdadeira Arte: Jus est ars boni et aequi.
ED. 01
Numa sociedade moralmente cega para aquilo que se deveria compreender como igualdade, um simulacro de julgamento faz as pessoas parecerem iguais entre si, mas logo se percebe lógica Orwelliana na qual alguns são inegavelmente mais iguais que outros...
O Direito como Arte; a arte do Direito... Mais do que mero apotegmas do passado, refletem, tais palavras, a ideia de algo que deve ser compreendido e vivenciado pelas pessoas. É o retrato do Direito como prática constante e diuturna na Justiça, o Direito vivo, vivenciado, acreditado pois faz parte da vida das pessoas: é o Direito que nasce da Ética e se faz concreto na busca pela Justiça. É por isso que, como práticas culturais, possuem o Direito e o Cinema raízes comuns. Suas ascendências partem do social e do vívido relato das mais variadas mazelas que afligem a sociedade. Nas estórias retratadas no universo cinematográfico o estudioso pode perceber com mais nitidez o modo peculiar de manifestação do justo e do Direito. Esse é o sentido maior deste projeto: vivenciar, presenciar e compreender o Direito através da vida que se nos manifesta artística e culturalmente no Cinema. E esse desiderato é alvejado com refinamento em “O Sol é para Todos”. 7
O jogo de ideias e o cadenciar da narrativa logo impõem ao espectador um mundo menos perfeito e mais próximo da realidade – inclusive a atual – causando um distanciamento e uma repulsa apenas amenizados pelas bem articuladas historietas que povoam o viver diário da narradora-criança. Esse mesmo relato das belezas e da inocência da tenra “aurora de nossas vidas” aproxima as partes, trazendo o espectador para dentro de um mundo que não compreende diferenças determinadas pela cor da pele ou pelo dimorfismo sexual. Um mundo ainda intocado pela crueldade da cultura sexista e racista que secularmente assola a espécie humana, mas que se mostra inerte, dormente, entre os pequenos. Dentro desse emaranhado de sensações o Filme busca na retidão da personagem principal, o advogado incorruptível, e em sua nêmese, o cidadão tacanho, defensor do status quo, fechado para o progresso e
para as mudanças, o mote para a construção de um ideal de sociedade igualitária que transcende os limites ficcionais da película para atingir cada um dos espectadores. Temas completamente técnicos, típicos do ambiente rígido das salas de aula, como a igualdade formal e material, são perfilados de modo casual, através dos olhos de crianças, levando o espectador e refletir sobre verdades doloridas de modo mais brando, mas não menos profundo e aterrador. E é por isso que se escolheu essa emblemática obra para o primeiro impulso de um projeto que, espera-se, tem tudo para perenizar-se nos anais do Curso de Direito: o (En)Cine Direito. Através da roupagem da Sétima Arte a tradicional Jurisprudência deve ganhar novos fôlegos; os alunos, novas perspectivas; e a comunidade, uma oportunidade de presenciar o Direito como ele é: vivo, presente, cáustico e, acima de tudo, parte importante do viver em comunidade!
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“Mas há algo neste país diante do qual todos os homens são iguais, há uma instituição que torna um pobre igual a um Rockfeller, um idiota igual a um Einstein e um ignorante igual a um reitor de universidade. Essa instituição, senhores, é o Tribunal de Justiça. Como qualquer instituição, os nossos tribunais têm falhas, mas são os maiores niveladores deste país. Para os nossos tribunais todos os homens nasceram iguais. Não sou idealista a ponto de acreditar piamente na integridade de nossos tribunais e do sistema judiciário, não se trata de um ideal, mas de uma realidade viva, que funciona. Tenho certeza de que os senhores vão chegar a uma decisão e devolver esse homem para a família dele. Em nome de Deus, cumpram o seu dever”. (O sol é para todos – 1962). 9
A SÉTIMA ARTE FILME "O SOL É PARA TODOS" 11.02.1962 Do que escorre sobre a matéria do filme, a película O sol é para todos é baseada no livro da escritora estadunidense Harper Lee. A narrativa é feita sob a ótica da personagem principal, Scout Finch, interpretada pela atriz Mary Badham. O filme estreou em fevereiro de 1962 e trouxe em seu arcabouço fortes reflexões morais e éticas, além de temas intrínsecos ao Direito. Em curtas linhas, o filme é ambientado na cidade ficta de Maycomb, no Alabama. O aparente universo restrito da cidade contrasta-se com a vasta realidade de violação da dignidade dos negros característica dos estados sulistas. Em 1932, Scout Finch divide as peraltagens de sua infância com seu irmão, Jem Finch. Órfãos de mãe, seu pai, Atticus Finch, é advogado no município e possui carreira e caráter incólumes. A esse universo sensível da infância é incorporado à vida dos irmãos o contato com a violenta da discriminação quando seu pai defende o negro Tom Robison, acusado injustamente de estuprar uma mulher branca.
Arquitetura cinematográfica No que concerne aos aspectos técnico-jurídicos e jurídicosfilosóficos, em suma, o filme deslinda a dinâmica do sistema judicial criminal norte-americano, a falibilidade desse sistema e sua incompatibilidade com os valores materiais de um Estado constitucional, republicano, democrático e de direito com seu centro na pessoa humana digna.
DIREÇÃO Robert Mulligan
ROTEIRO Harper Lee Horton Foote
ELENCO Gregory Peck Robert Duvval Mary Badham Phillip Alford John Megna Frank Overton
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Tecituras da existĂŞncia
Harper Lee
E SUA ESTÉTICA EM O SOL É PARA TODOS
TO KILL A MOCKINGBIRD "O rouxinol não faz nada além de cantar para o nosso deleite. Não destrói jardins, não faz ninho nos milharais, ele só canta. Por isso é “A consciência de um indivíduo não deve
"O SOL É PARA TODOS" Harper Lee José Olympio 364 págs.
um pecado matar um rouxinol."
subordinar-se à lei da maioria”
FICÇÃO E REALIDADE As personagens encontram uma Múltiplas vozes ganham vida e são
herança de resistência e, afinal, de
entrelaçadas - às vezes
luta e direito pela vida. Destarte, a
dolorosamente – à teia da ficção. O
literatura cumpre (como também a
escritor, gosto de pensar, faz da voz
linguem fílmica), a seu modo, um
e dos olhos um viajante [...]. Segue
papel de reparação da justiça.
constantemente por lugares e tempos distantes até fazer da
Nelle Harper Lee nasceu em abril
linguagem um esboço sobre a vida.
de 1926, em Monroeville, Alabama. O sol é para todos, livro
A “vida” na escrita de Harper Lee,
que culminou no filme de nossa
falecida há dois anos, traz arquejos
primeira análise, lhe rendeu o
e gritos silenciados do seu tempo-
prêmio Pulitzer de ficção em 1961.
espaço. Por sua narrativa
Filha caçula de quatro filhos, Lee
recuperam-se memórias
cresceu nas ruas de sua pequena
sequestradas, ecoam-se sonhos
cidade. Sublinhou por meio de suas
roubados pela violência e
vivências o caráter fundamental e a
reminiscência da escravidão
dramaticidade do problema do
humana.
racismo institucionalizado.
A obra de HARPER LEE apresenta os contrantes do seu tempo, desenha em contornos densos, quase tácteis, uma ácida crítica às violações da dignidade humana com espirituosa esperança por dias mais juntos.
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PODER DA PALAVRA Nelle Harper Lee era avessa a exibições e entrevistas públicas. Raramente era vista em aglomerados de pessoas e, apesar de ter iniciado o curso de Direito em Nova Iorque para agradar a família, Lee abandonou a faculdade e começou um emprego tímido numa companhia aérea enquanto escrevia seus escritos.
Quando questionada sobre a
Lee ambientou o enredo do
A narrativa é realizada
livro na década de 1930,
diacronicamente por Scout que,
avaliação a respeito do alcance
porém, como podemos
mais velha, relembra episódios de
social e político do livro literário -
sua infância em Maycomb. Mais
vale titular que “O sol é para todos”
analisar, ele está umbilicado vinculado ao contexto político do momento de sua criação. O
do que a crônica desses eventos, todavia, há pontos de enunciação
inspirou nomes de grandes ativistas na luta contra a segregação racial nos EUA como o Dr. Martin Luther
recuo temporal - o sul dos a partir do quais personagem e EUA no correr da Grande Depressão, não escapa ao
finalidade da sua obra máxima e sua
autora se aproximam. Essa
King, Lee se mostrava dispersa. Entristecia-lhe o fato de escrever
identificação pode ser notada nas
sobre a fática e cruel realidade de
características da cidade ficcional
seu tempo. Chegará um dia, quiça,
vivenciada pelo sul durante as
cuja semelhança com a cidade
que o ser humano, viverá em
décadas de 50 e 60. "O sol é
natal da autora serve como uma
para todos" nos oferece dois
luva. E de que suas características
paralelos interconectados, o
difiram tão pouco, não é nem
presente factual de sua autora, a cáustica crise racial
exame anatômico da segregação racial no momento terminante de sua desestruturação legal.
harmonia e obras como a sua, aí então se mostrava esperançosa, estarão no rol de romances para se
acidental nem sem importância.
compreender a História humana. Suas palavras, antes pulsantes de
Pela forma narrativa notamos
uma realidade desprezível e palpável
que, de fato, aspectos biográficos
na mais mínima nuance, iria erodir-
da escritora inspiraram a
se com o tempo até um dia ganhar
construção das personagens.
caráter ficcional por completo.
Scout e Lee são filhas de advogados atuantes no legislativo de Alabama, além disso, nos anos
Em 1957, Harper Lee apresentou o manuscrito do romance para a editora americana J.B. Lippincott &
em que a trama se deslinda ambas teriam a mesma idade.
Antologia 1960 O Sol é Para Todoss - no original To Kill
Co. que que o acatou e editorou. “O Sol é Para Todos” foi lançado em 1960 e logo foi um sucesso comercial e de crítica. A obra vendeu mais de 50 milhões de
a Mockingbird; 1961 Love In Other Words ; 1961 Christmas to Me; 1965 When Children Discover America; 2015 Vá coloque uma vigia - no original Go Set a Watchman.
cópias. Pouco depois, a escritora mudou-se para sua cidade natal onde pode optar pela vida simples que sempre desejou.
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(…) Queria que você a conhecesse um pouco, soubesse o que é a verdadeira coragem, em vez de pensar que coragem é um homem com uma arma na mão. Coragem é fazer uma coisa mesmo estando derrotado antes de começar – prosseguiu Articus. – E mesmo assim ir até o fim, apesar de tudo. Você raramente vai vencer, mas às vezes vai conseguir. (p. 14 143)
DIREITO, LIBERDADE E IGUALDADE RESENHA DO FILME O SOL É PARA TODOS
DIREITO, DIREITOS HUMANOS E DEVIDO PROCESSO LEGAL POR LUANA CRISTINA DA SILVDA DANTAS E GABRIELA SOUSA DE MEDEIROS DISCENTES DO CURSO DE DIREITO - UFRN (CERES)
Sentado em sua varanda, Atticus Finch tenta
A produção cinematográfica em comento, O Sol é
explicar para sua filha, a sensível criança Scout:
para todos, cujo enredo é baseado no romance da
“(...) Você só consegue entender uma pessoa de verdade quando vê as coisas do ponto de vista dela.” Essa epígrafe, não meramente citada, talvez represente a melhor síntese do conteúdo e essência presentes no filme O sol é para todos.
escritora norte-americana Harper Lee, falecida há dois anos, traz a permanente temática do racismo, do preconceito e da institucionalização de variadas formas de injustiça pelos poderes do Estado. O livro foi publicado em 1960, tornou-se responsável pelo ingresso da escritora no rol canônico da literatura estadunidense e, por conseguinte, na literatura
Não somente da práxis vive o jurista. O direito, a academia e as estruturas sociais andam pari passu com as manifestações artísticas do ser humano. A linguagem fílmica, como também a literária e assim por diante, carregam forte conhecimento da
universal. A história foi adaptada para o cinema em 1962. O longa-metragem foi dirigido pelo aclamado diretor Robert Mulligan e estrelado por Gregory Peck no papel de Atticus Finch. De oito indicações ao Oscar, a produção conquistou três estatuetas.
vida. Educam a sensibilidade humana porque portam e ecoam, in situ, uma voz para além da
A urdidura do filme ambienta-se na cidade fictícia de
nossa. O outro. Em um contexto saturado em que
Maycomb, município caracteristicamente pacato e
há uma tendência generalizada de se converter o
rural localizado no Alabama. A narrativa, feita pela
Direito em mera técnica de aplicar leis, um
personagem Jean Louise Scout Finch, ou apenas
projeto que se volta para multiplicar as formas de
Scout, tece-se durante os anos da Grande Depressão.
“ver e ouvir” o outro surge como catalisador de
Scout faz uma digressão aos anos de sua infância
um processo constante de sensibilidade, reflexão
descrevendo, de modo muito sensível, as peraltagens
sistêmica e científica sobre os fundamentos das
infantis ao lado de seu irmão, Jem, e um melhor
práticas jurídicas.
amigo em comum, Dill.
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A forma sutil e encantadora com que costura espaço-tempo, travessuras, curiosidades e aventuras logo descortina a desarmonia presente na aparente harmonia das coisas. Scout é filha de Atticus Finch, advogado incumbido de propugnar um caso em que um homem negro, Tom Robinson, é acusado de estuprar uma mulher branca. Os acusadores, Mayella Ewell e Bob Ewell – seu pai, reclamam o processo legal pelo qual a condenação do acusado culmina em crime capital, isto é, punição com a morte. Atticus Finch, advogado idôneo e ético, preocupado em seguir os valores de justiça que acredita, consegue provar a inocência de Tom Robinson. Um julgamento laborado no seio de uma sociedade racista e preocupada em manter a moralidade social dominante e o modus operandi resulta em completa inobservância dos preceitos protegidos pelo constitucionalismo e pelos ideais de julgamento justo. Um júri branco, um juiz branco, uma plateia branca que aparta os negros ao cômodo ático do tribunal. Tom Robinson é condenado a despeito de sua inocência. É executado numa tentativa de fuga questionável.
Atticus Finch também se coloca como personagem-agente regulador e transformador dessa realidade. Sua postura progressista simboliza a luta pela verdade, pela integridade moral do exercício advocatício e pela persecução da justiça. Sobre ele recaí, como esperado, as agruras da reação social, um repúdio racista de uma sociedade anacrônica e cruel que não se aflige com a ideia de cometer uma injustiça, mas se desassossega com a conjectura possível de uma
O filme, como também o livro (percebamos o curto espaço de tempo entre o gestar do segundo no primeiro), vem à cena durante o constante progresso do Movimento pelos Direitos Civis. A afluência de tais inquietações político-sociais consistia em reivindicar reformas nos Estados Unidos, sobretudo no sul do país, que abolissem a discriminação e segregação racial institucionalizados. Reivindicavam, por exemplo,
reorganização na hierarquia racial e de classe. Atticus se torna, junto ao acusado, alvo dessa sociedade.
DIREITOS HUMANOS EM O SOL É PARA TODOS “Todos os homens nasceram iguais.” O sol é para todos, 1962.
invalidar o chamado Jim Crow, um conjuntos de leis e atividades procedimentais que legalizavam e legitimavam a segregação racial no sul do país. É nesse cenário em que surgem figuram incríveis como Martin Luther King, Rosa Parks e a música de Nina Simone como expressão dos direitos
“Todas as pessoas nascem livres e iguais em dignidade e direitos.” Artigo I da Declaração Universal dos Direitos Humanos, 1948. Como alhures dito, Atticus Finch advoga em nome
civis. Nessa univocidade, todos exigiam o fim do
de Tom Robinson. No clímax da cena do julgamento
segregamento e marginalização das populações
faz um apelo derradeiro ao júri e demanda ao
negras impostos por supremacistas brancos. No
judiciário que corporifique a razão de ser do aparato
filme, há a fulgente exposição de decisões
jurídico como realizador do princípio da igualdade
institucionais que impunham proibições sociais
humana. Com notórios preceitos deontológicos e
cotidianas eminentemente discriminatórias,
humanistas, conclama: “Mas há algo neste país diante
violentas e preconceituosas. Direitos para o “bem-
do qual todos os homens são iguais, há uma
estar” dos brancos em detrimento das pessoas
instituição que torna um pobre igual a um Rockfeller,
negras, privadas da plena cidadania e do acesso a
um idiota igual a um Einstein e um ignorante igual a
direitos fundamentais e civis básicos.
um reitor de universidade. Essa instituição, senhores, é o Tribunal de Justiça.
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Justiça. Como qualquer instituição, os nossos
Projeta atos de violação de direitos conquistados
tribunais têm falhas, mas são os maiores
que precisamos defender. A justiça não é apenas
niveladores deste país. Para os nossos tribunais
um conceito, dentre tantos, à ermo, inalterável,
todos os homens nasceram iguais. Não sou
acabado. É um anseio-sentimento-busca que
idealista a ponto de acreditar piamente na
percorreu a história de todas as civilizações, a
integridade de nossos tribunais e do sistema
vida de cada ser humano, em diferentes
judiciário, não se trata de um ideal, mas de uma
intensidades. A justiça é condição para que a
realidade viva, que funciona. Tenho certeza de
existência, e até mesmo o exercício do pensar,
que os senhores vão chegar a uma decisão e
tenham sentido. Assim, na vacuidade da justiça,
devolver esse homem para a família dele. Em
a vida se vê diante de uma impossibilidade de
nome de Deus, cumpram o seu dever”. (O sol é
sentido. Conscientes disso, como Atticus Finch,
para todos – 1962).
estaremos no caminho da essência do direito: a realização da justiça.
Convém analisar um breve perfil dos personagens centrais do julgamento. Tom
É essa estética que torna a concepção de justiça
Robinson era um homem negro acusado de
uma lente que permite observar não apenas o
estuprar uma mulher branca. Notar-se-á a
que acontece e é justo, mas o que deveria
condição da mulher branca - restrita unicamente
acontecer enquanto justiça. Isto é, nos permite
ao homem branco - e a situação inimaginável de
observar não apenas o que “é”, mas o que se
um negro relacionar-se com uma mulher que não
impõe como um dever-ser. Ouvir e ver o outro.
negra. O acusado demonstra pena da jovem, que
Ir da injustiça à justiça.
cuida dos irmãos e tem um pai alcoólatra, e acaba a ajudando em tarefas domésticas. Mayella, em uma dessas ocasiões, tenta beijá-lo. O jovem foge e desse episódio é acusado de estupro.
O filme retrata, ainda, uma tentativa fracassada de justiçamento por parte dos habitantes. Por fim, a despeito dos testemunhos confusos do pai e da filha e da contundente defesa de Atticus Finch, Tom Robinson, social e previamente condenado, é injustamente sentenciado à pena capital num processo penal em que se observa o total descumprimento do direito igualitário de acesso à justiça, à uma audiência e julgamento justos por parte de um tribunal independente e imparcial. A Tom Robinson é negado corolário do princípio máximo estatuído pelos Direitos Humanos, a dignificação humana. É-lhe negada a cidadania e a possibilidade de uma proteção
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judicial e sistema legal que salvaguarde seus direitos. A teia ficcional aqui pensada traz no irreal a fática realidade.
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Por Victória Layze Silva Fausto Discente do curso de Direito - UFRN (CERES)
COMPOSIÇÕES: O SOL É PARA TODOS
O QUE É
durante os anos de crise econômica, por volta do ano de 1930. Além do pai e do irmão, a menina
O filme “O sol é para todos” (no original, To kill
mora também com a governanta da casa,
a mockingbird) é uma
Calpúrnia, a qual também faz parte da educação
produção cinematográfica lançada no ano de
dada às crianças, uma vez que essas ficaram
1962, com duração de duas horas e
órfãs de mãe quando ainda pequenas.
nove minutos, dirigida por Robert Mulligan. A
A história parte da perspectiva de Scout para
película é uma adaptação do livro de
relatar, principalmente, o processo de
mesmo título da autora norte-americana Harper
julgamento jurídico e social pelo qual passa um
Lee, o qual foi publicado em 1960. O
dos clientes de seu pai, o advogado Atticus. O
filme foi ganhador, entre outros diversos
envolvido acusado é negro, chama-se Thomas
prêmios, do Oscar de Melhor Ator (Gregory
Robinson e é acusado de estuprar uma moça
Peck), do Oscar de Melhor Roteiro Adaptado e
branca chamada Mayella Ewell. A visão
do Oscar de Melhor Direção de Arte
oferecida pela experiência de uma criança
em P&B.
confere sensibilidade e interpretação únicas, uma vez que a malícia da discriminação encontra-se
DO QUE SE TRATA
ausente em sua perspectiva até então e, por isso, a sua descrição dos fatos, dotada da ingenuidade
A história ocorre do ponto de vista principal de
própria de sua idade, oferece ao telespectador
uma criança, Jean-Louise Finch, chamada por
uma experiência de profunda ligação com a
Scout e narradora da história, e tem, além dela, o
história.
seu irmão, Jem, e o seu pai, o advogado Atticus
A narração acontece, primeiramente, a partir do
Finch, como protagonistas da produção. A
relato da vida que ela
família mora numa cidade chamada Maycomb,
compartilha com seus familiares, vizinhos e
localizada na região sul dos Estados Unidos,
amigos e expõe o modo de vida peculiar
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de sua cidade pacata, mas repleta de definições e enquadramentos sociais dos grupos que a compõem. A história relata também o perfil advocatício de Atticus, caracterizado como profissional que presta serviços jurídicos entendendo as necessidades de seus clientes e os problemas pelos quais passam e, por isso, é também compreensivo quanto às formas de pagamento que lhe eram ofertadas naquele tempo de quebra da economia nacional.
Atticus foi envolvido como advogado de defesa do caso quando o próprio juiz foi pedir-lhe para que o fizesse. Ele concordou e, a partir desse momento, seu nome foi associado à titulação de “defensor de negro”, o que era uma posição má vista na cidade de Maycomb. Desse modo, seus filhos, Scout e Jem, sofreram as consequências de sua fama por serem constantemente associados à ação de seu pai como defensor de um homem negro, uma atitude desprezível para seus conterrâneos. A criança narra as taxações conferidas a ela e ao seu irmão e como isso afetava a vida de todos em sua casa. O julgamento acontece com uma defesa contundente que prova circunstancialmente a inocência do acusado Thomas Robinson. As provas dos ferimentos da vítima não condiziam com a capacidade física do réu de cometer o ato e, ainda assim, ele foi condenado por um júri inteiro por unanimidade.
Com a ligação estabelecida pela produção cinematográfica o telespectador, durante a trama, vê-se envolvido num misto de comoção e revolta causadas pela discussão de temas relevantes como os direitos humanos, a discriminação social e racial, a igualdade e a liberdade.
Impressões pessoais
Além disso, a narração feita por uma criança deixa a questão ainda mais exposta, uma vez que a sua ingenuidade põe à mesa discussões que devem ser
A obra de Harper Lee, tanto no conteúdo físico do livro
travadas o mais urgente possível. Na época de
quanto na produção cinematográfica é um trabalho atemporal,
produção e publicação da obra os direitos humanos
uma vez que retrata com maestria não
já haviam sido reconhecidos internacionalmente, e
somente problemas pertencentes à época de sua criação, como também explica as situações pelas quais passam os indivíduos
isso confere peso ainda maior à discriminação latente contra os negros que ainda fazia parte do
e o Estado ainda nos dias atuais. Isso pode ser explicado pelo tratamento histórico dado à produção, expresso no modo cuidadoso de tratar o assunto, sempre atento às sutilezas dos
arsenal cultural dos cidadãos de Maycomb. A condenação injusta do acusado negro, além de
atos discriminatórios.
causar revolta, expõe questões delicadas para o
Este trabalho mostra como o problema da injustiça é latente no
Direito, como, por exemplo, de que forma o Direito
passado e no presente, ainda que troque de roupas ou nomes.
deve se comportar diante de situações de injustiça
A sua apreciação atenta deixa perceber como o tratamento conferido a grupos historicamente excluídos não mudou muito e como a forma com a qual tratamos esses indivíduos ainda é insuficiente para responder por todos os prejuízos causados às pessoas negras.
resultantes das impressões culturais de um povo. Questões desse tipo deixam à mostra como se discute pouco a discriminação e os problemas enfrentados pelos seus alvos, além de como a presença do preconceito cultural afeta o direito à igualdade e à liberdade.
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Questões suscitadas e propostas:
a) Se o reconhecimento dos direitos fundamentais não basta para garantir igualdade e liberdade a todos, o que mais um Estado Democrático de Direito deve fazer para conferir a dignidade devida aos seus cidadãos?
b) Quais são os limites jurídicos de intervenção do Direito em questões de injustiça social?
c) Existe a possibilidade de o Direito intervir em problemas culturais para sanar descumprimentos aos valores constitucionais?
d) Quando as formas jurídicas de se alcançar o justo no Estado Democrático de Direito (atendendo a vontade majoritária do júri, por exemplo) falha no seu caráter democrático de respeitar a dignidade humana, ainda é certo falar em justiça?
e) Como pode ser possível exigir e/ou alcançar a igualdade jurídica num país em que a desigualdade social, econômica, de gênero, raça e de orientação sexual é latente?
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Por Artur Jordão Douglas Relva de Brito Discente do curso de Direito - UFRN (CERES)
•
A LINGUAGEM DE
O SOL É PARA TODOS
• O que é “O sol é para todos” (ou em seu nome em inglês “To Kill a Mockingbird“) é um romance vencedor de vários prêmios, dentre os quais se destacar o Pulitzer, escrito por Harper Lee e lançado em 1960. Logo em sua publicação, a obra foi um sucesso, tornandose um dos maiores clássicos da literatura norte-americana.
Por outro lado, o filme pode ser dividido em duas partes, na primeira é mostrado uma infância normal para o povo daquele tempo. A qual é destacada pela escola, brincadeiras e fantasias, esta última demonstrada com bastante foco na parte que as crianças traçam histórias de terror sobre seu vizinho “Radley”.
Por seu turno, a obra aqui em análise é uma adaptação do referido romance. Tendo também ganhado vários prêmios no decorrer de sua história cinematográfica, o filme “O sol é para todos” é também norteamericano, lançado em 1962, com roteiro adaptado por Horton Foote e sendo dirigido por Robert Mulligan.
A segunda parte do filme entre em plano quando, procurado pelo Juiz local, o advogado Atticus Finch resolve defender o negro Tom Robinson, acusado de ter estuprado uma moça branca. Fato este que não é bem visto pela cidade que já o vê como defensor de negros. Em ato contínuo, depreende-se que a história vai se desenrolando e trazendo à mesa temas que até hoje são atuais, como, por exemplo, o preconceito de cor existente na sociedade. Isso tudo, mais uma vez, sob a visão inocente de uma criança. Ao final do julgamento, os depoimentos e as provas prestadas deixam claro a inocência do acusado. Entretanto, o mesmo é condenado unanimemente pelo júri. Sendo informado pelo seu advogado Atticus que recorreria da sentença, tempo depois chega a notícia que Tom Robinson teria tentado fugir e, em virtude disso, teria sido alvejado e morto.
• Do que se trata Sob a narração da personagem Scout Finch, o filme passa em um clima pós-crise de 1929, onde os habitantes da pacata cidade Maycomb, no Alabama, são na grande maioria pequenos agricultores. Diante disso, os personagens principais são Jeam, Scout e Atticus Finch, sendo Jeam e Scout órfãos da mãe e criados pela babá negra Calpurnia, por sua vez, o pai Atticus é, até então, um renomado advogado conhecido por sua ética e integridade, chegando até mesmo a prestar serviços gratuitos para os mais necessitados.
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Revista (En)Cine Direito - O sol é para todos No filme, mesmo o Sr. Atticus sendo indubitavelmente integro, sua imagem foi envolta a uma série de preconceitos apenas porque o mesmo decidiu prestar defesa a um negro. Trazendo um pouco para os nossos dias, é bem verdade que isso ainda persiste. Ao que parece, dependendo do crime o advogado irá ter sua moral questionada. Na verdade, é como se alguns tipos penais, por ser uma ação muito grave, não merecesse defesa. Posto isso, o filme demonstra que até o término do devido processo legal nada é certo, podendo o acusado ser inocente de todas as acusações que lhe são imputadas. Portanto, para evitar casos como este, o advogado de defesa é necessário e, de nem um modo, deve ser vítima de preconceitos profissionais.
Por fim, o pai da jovem que teria sido supostamente estuprada, mesmo depois do julgamento ser claro quanto a inocência de Tom, chega a cuspir em Atticus, o qual em um gesto emblemático, o ignora e segue seu caminho para casa. Inconformado ainda, o mesmo sujeito busca as crianças Jeam e Scout como forma de vingança. Porém, é morto pelo “malvado” Radley, o qual demonstra ter, na verdade, problemas psicológicos. • Impressões pessoais A belíssima obra criada por Harper Lee mostrou o porquê de ser tão conhecida internacionalmente. Seus questionamentos sociais até os dias de hoje são pertinentes, demonstrando que a obra é atemporal. Neste diapasão, há questões para além do racismo. A obra em si aborda vários temas, dentre os quais destaco o preconceito ligado ao advogado criminalista, a diferença entre sexos que, embora tenha diminuído, até hoje existe em nossa sociedade e o preconceito de cor – tema mais visível. Seguindo-se essa linha de pensamento, abordando um pouco de cada tema, até hoje o advogado criminalista é muito malvisto em nossa sociedade.
Por outro lado, a diferença entre os sexos está clara também no julgamento. Haja vista que a suposta vítima somente inventou as mentiras para culpar o Tom porque se assim não tivesse feito o seu pai iria lhe castigar. Para aquela sociedade era uma conduta imoral uma mulher branca flertar com um homem negro. Inclusive o pai da mesma mulher sentiu sua moral totalmente ferida quando o Tom prestou seu depoimento e o advogado Atticus o apoiou, motivo pelo qual gerou as referidas ações no tópico anterior. Finalmente, o preconceito entre cores existente no filme é, do começo ao fim, totalmente visível. São vários os embates entre negros e brancos. Na verdade, ao que me parece, o júri somente decretou por unanimidade a sentença condenatória porque o réu era negro. Desconfio que, na parte final, o Tom não morreu exatamente por ter fugido, na verdade há a possibilidade de, enojados com o fato de um negro ter estuprado uma branca, os próprios agentes penitenciários tenham o matado. Se não for este o caso, acredito que o Tom tenha fugido por não acreditar mais na justiça, haja vista que mesmo o advogado Atticus entrando com recurso, para ele, era muito provável que a condenação seria confirmada. Dado que conhecia o mundo preconceituoso o qual vivia. Enfim, o filme é uma ótima obra, traz uma visão de como era o mundo antigamente e questionamentos que persistem com o decorrer do tempo.
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Antes de poder viver com os outros, eu tenho de viver comigo mesmo. A consciência de um indivíduo não deve subordinar-se à lei da maioria. p. 101
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Revista (En)Cine Direito - O sol é para todos Trazendo artistas brilhantes para encenar personagens com igual magnitude, descobrimos que não foi à toa que o filme ganhou vários prêmios e reconhecimento mundial. A grande verdade é que não só a história em si o faz uma obra de tamanha magnificência, mas sim todo o seu conjunto. Por outro lado, a análise política não fica de fora. Destacando-se mais uma vez que o ilustre professor Mário elencou isto de forma intensa, o filme é uma crítica aos antigos preconceitos que se perpetuam na modernidade. Isto é corroborado graças a estagnação política dos nossos representantes e, até mesmo, da sociedade que fica inerte.
COMPÊNDIO DO ENCONTRO Embora tenha sido o primeiro encontro, a mesa redonda demonstrou ser um grande sucesso. O filme inspirou nos integrantes uma série de questionamentos os quais foram de pronto modo debatidos. Cumprindo destacar a fala do professor convidado Mário Trajano, a qual abordou análises históricas; cinematográficas; políticas; sociológicas; econômicas; e, em especial para nossa área, jurídica.
A grande verdade é que nossa Constituição de 1988 foi revolucionaria ao trazer tantos direitos sociais, mesmo assim todos os dias estes direitos resguardados e conquistados através de tantas lutas são maculados. Isto porque o atual governo não se presta a melhorar a aplicação dos direitos sociais, na verdade há quem diga que o contrário está acontecendo: o governo está a caçar os direitos que foram tão dificilmente conquistados. Haja vista isto, ainda em sua análise política, o professor deixou claro a necessidade de luta pela garantia do direito. Na fala dele, não basta que este direito seja apenas mencionado na Carta Magna, também é necessário que ele seja garantido, e para isso é importante a efetivação da cidadania.
Historicamente, citando um pouco da fala do referido professor, o filme remonta um tempo envolto por discriminação racial, o que por sua vez é agravado pela grande crise econômica. Neste sentido, antes de tudo, é de se verificar que o filme foi feito no período de transição entre uma época que o preconceito racial era comum e uma nova época onde esse preconceito já era mais visto como algo repugnante muito embora ele ainda seja existente até hoje em nossa sociedade. Nesse sentido, partindo para a análise cinematográfica, o filme consegue exprimir de forma coesa o que já foi exposto no próprio livro que o inspirou.
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IN CASU Brown v. Board of Education Pertine à compreensão da linguagem
Enfim, negros não estudavam em escolas de brancos... Nesse contexto surge Linda Brow.
construída em “O sol é para todos”, sobretudo no que se refere às representações históricas incutidas na película e aos diversos sentidos por ela suscitados, uma análise casuística e das temporalidades-reminiscências que atravessam a obra. Far-se-á, para tal intento, análise de dois casos ocorridos à época da produção literária do livro e que inspiraram a autora em sua produção ficta. Escrito durante viagens realizadas entre Nova York, cidade onde Harper Lee residia, e o Alabama, estado natal da autora, o plano de fundo de "O sol é para todos" versa o ambiente de profunda tensão racial que assolou o país, mormente depois do ano de 1954. Naquele ano houve um importante e conhecido julgamento nos Estados Unidos: Brown vs. Board of Education of Topeka, no Kansas. A Suprema Corte dos Estados Unidos, em um grande passo na superação das violentas formas de
Linda Brow tinha sete anos e viajava horas a fio, diariamente, até sua afastada escola mesmo havendo, em seu bairro, uma reputada instituição de ensino. Era para brancos, no entanto. Era-lhe obstada entrada pelo fato de ser negra. Em 1954, 18 estados americanos possuíam leis explícitas de separação por raça. Eram regidos pela decisão tomada pela Corte no caso Plessy v. Ferguson de 1896, resolução que servia de base e aparato jurídico para a legitimação da segregação racial pelos Estados em ambientes públicos. Brown v. Board of Education contestava as provisões de Plessy v. Ferguson. A decisão foi tomada em maio de 1954. A corte, presidida pelo jurista Earl Warren, votou pela inconstitucionalidade do segregacionismo racial afirmando que “instalações educacionais separadas são inerentemente desiguais”.
racismos existentes no país, determinou a inconstitucionalidade da segregação racial praticada nas escolas públicas sulistas. Em 1954 o racismo era institucionalizado. No segregacionista sul do país, negros não nasciam em hospitais de brancos, não assistiam filmes ou desfrutavam de lazer em ambientes simultaneamente frequentados por brancos, não se alimentavam nos mesmos restaurantes tampouco usavam o mesmo banheiro que brancos. Não ocupavam o mesmo espaço nos tribunais de
Chegamos então à questão apresentada: a segregação de crianças nas escolas públicas somente com base na raça, mesmo que as instalações físicas e outros fatores tangíveis sejam iguais, privam os filhos do grupo minoritário de oportunidades educacionais iguais? Acreditamos que sim! Concluímos, dessa forma, que no campo da educação pública a doutrina "Separados, porém iguais" não é cabível ou justa. Instalações educacionais separadas são inerentemente desiguais. Por conseguinte, consideramos que os demandantes e outros que se encontram em situação semelhante para quem as ações foram intentadas são, em razão da segregação reclamada, privados da igual proteção das leis garantidas pela Décima Quarta Emenda.
justiça (há de se recordar a cena do julgamento no filme em que os negros ocupam o cômodo ático do tribunal).
maio, 1954, - Chief Justice Earl Warren.
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Foto: Linda Brown na escola em que era proibida de estudar.
Após a decisão sobreveio paulatinamente o fim da jure segregação racial nas instituições de ensino público americanas. Os juízes envolvidos na determinação legal ratificaram o caráter de violação da cláusula de Proteção de Iguais presente na décima quarta emenda da Constituição. A decisão foi um importante e simbólico catalisador de outros movimentos de emancipação racial e representou marcante vitória para o Movimento dos Direitos Civis dos Negros nos Estados Unidos. É válido lembrar, no entanto, que a deliberação legal se deu de modo paulatino devido à forte dos Estados sulistas. Não houve de imediato efetiva integração e respeito à norma pelas escolas públicas sulistas. Na contramão do que se esperava, setores da sociedade segregacionista do sul reagiram com intensa repressão racial. Recorreram na decisão em diversas instâncias legais e empregaram violentas pressões a fim de evitar a inclusão e integração racial. Nas apelações utilizavam de um argumento naturalista das relações raciais. Associavam as práticas de segregação às ideias de “costume”, “hábitos” e princípios como o da autonomia dos Estados. Tais aspectos de opressão racial decorreram em uma outra decisão judicial pela Suprema Corte, a Brown II, que traziam uma abordagem mais sistêmica e holística para a implementação e regulamentação de suas diretrizes.
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O sol é para todos: o caso dos Scottsboro boys e o de Emmett Till Construindo uma ponte temporal, dois casos reais são mencionados pela autora de “O sol é para todos” e possuem significativo paralelo com a construção ficta do julgamento de Tom Robinson. O primeiro caso ocorreu na década de 1930, “O caso dos Scottsboro boys”. Nove jovens negros foram acusados de estuprar duas mulheres brancas. O julgamento ocorreu nos moldes do “southern mobs”, uma espécie de tribunal de linchamento tipicamente característico dos juízos sulistas. A despeito das normas que coadunam a operabilidade de um julgamento justo, o julgamento foi marcado por irregularidades absurdas e violações graves às garantias asseguradas pela constituição aos acusados. Oito dos envolvidos foram sentenciados a penas capitais. Os jovens foram julgados por um júri tãosomente branco (válido lembrar que negros eram excluídos do serviço de júri) e tiveram negado o direito à representação legal. A configuração do tribunal tornar-se-á objeto de críticas e questionamentos. A Suprema Corte juridicializou a abertura de sessões que averiguassem as irregularidades e injustiças cometidas, como também a recuperação e restauração de um procedimento judicial que respeitasse os direitos constitucionais dos jovens. O caso se arrastou por quase toda década de trinta e desenha os contornos precisos da habitual sistemática forma de operar a justiça nos tribunais sulistas daquela época. Ao terminar dos processos, os jovens foram absolvidos por ausência de provas. O segundo caso ocorreu na década de 1950, o de Emmett Till. Esse episódio possui estreito correlato com a concepção do julgamento de Tom Robinson. Percebamos as linhas que entrelaçam História e ficção. O real da irrealidade. 27
Em 1955 Emmett Till é brutalmente assassinado no estado do Mississippi gerando uma onda de indignação em todo o país. Till tinha quatorze anos de idade e teve sua vida ceifada por “justiceiros” após, supostamente, ter flertado com uma mulher banca. Os assassinos de Till foram absolvidos, mais uma vez, por um júri absolutamente branco. A absolvição dos assassinos e toda a substância que norteou o procedimento do julgamento, muito longe de expressar os ideais constitucionais norte-americanos, catalisaram um processo reação nacional, de consciência social, de que o acontecia no estados sulistas dizia respeito a todo o país. O caso de Emmett Till desencadeou uma série de movimentos pelos Direitos Civis do negros. Nessa seara, o enredo de “O sol é para todos” carrega o peso das aflições da autora, imersa num espaço-tempo de recorrentes e deliberadas injustiças. Ela tenta, através das linhas da ficção, esboçar as complexas questões morais e políticas que consubstanciam sua angústia enquanto ser humano. Esse cruzamento histórico nos é, enquanto leitores, importante recurso para costurar passado e presente. Para avaliarmos nossos erros e não repeti-los.
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CRร NICAS DE UMA EQUIPE: MOMENTO (EN)CINE
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Revista (EN)CINE DIREITO, ed. 01
Cobertura fotográfica da primeira exibição fílmica do projeto de extensão “(En)cine Direito”. Após a apresentação do filme foi formada uma mesa redonda mediada pelo Prof. Oswaldo Pereira de Lima Jr. composta pelos professores Carlos Francisco do Nascimento e Mário Trajano, ademais uma discente do curso do Direito, Luana Cristina. Iniciou-se ampla discussão e diálogo com o público espectador acerca das questões concernentes ao tópico “Direito, liberdade e igualdade” tão bem suscitadas pela linguagem do filme. Sumariamente, a temática do racismo, do preconceito e da institucionalização de variadas formas de injustiça pelos poderes do Estado foi discutida abertamente e, na síntese do encontro, destacou-se a asserção de que, na permanente persecução da justiça, é imprescindível que os cidadãos tomem conhecimento de seu papel enquanto agentes transformadores, conscientizadores e de (cor)responsabilidade nos caminhos por virem do país. Colocou-se em linha o atual momento político-social brasileiro, tecendo-se comentários e análises acerca do esvaziamento das representações políticas, os delineares e aspectos da democracia, como também os limites e as possibilidades que circunscrevem os movimentos sociais da atualidade.
Acompanhe todas as informações no site www.encinedireito.blogspot.com.br. Para entrar em contato conosco, envie-nos um e-mail para o endereço encinedireito@outlook.com.
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ECOS DO FILME
Negra O líquido que escorre em minhas costas cobre as nossas vida e pensamentos, além de marcar o chão que já não enxergo. Entre cada golpe há um inferno dor no extremo íntimo do meu ser, uma humilhação que me quebra as pernas. Apenas o tronco me resta, agarrá-lo e segurar-me à realidade, respirando nada a mais que a esperança destinada a um mundo em que minha vida raça e etnia sejam e-fe-ti-va-men-te livres. Dentes trincados, punhos serrados, MAIS UM GOLPE e um grito silenciado.
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Nada destrói meu orgulho de ser N.E.G.R.A. Bata mais forte, Feitor. Aproveite, Sinhô. O sopro da liberdade nos espera, meu herói. - Mislene Ingrid Discente do curso de Direito - UFRN (Ceres)
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Lista de filmes e livros relacionados ao tema "Direito, Liberdade e Igualdade"
filmes
The Help (Histórias Cruzadas) Direção de Tate Taylor
Mudbound - Lágrimas sobre o Mississipi Direção de Dee Rees
livros
12 anos de escravidão (2014) Solomon Northup
Pintura: Edouard Vuillard - 1899
Underground railroad: os caminhos para a liberdade (2016). De Colson Whitehead
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Projeto de Extensão da UFRN (EN)CINE DIREITO Apresentou o filme "O sol é para todos" discutindo os temas "Direito, Liberdade e Igualdade"
Referências: Imagens disponíveis em: https://br.pinterest.com/pin/341077371750663487/ Ilustrações disponíveis em: https://br.pinterest.com/search/pins/? q=ilustra%C3%A7%C3%A3o%20leitura&rs=typed&term_meta[]=ilustra%C3%A7%C3 %A3o%7Ctyped&term_meta[]=leitura%7Ctyped
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