XEROFILIA “A cada vez que a terra se partia por falta de chuva, ele se juntava a um grupo de retirantes e se ia, para voltar de novo , com os primeiros pingos d’água, como se a esperança fosse uma planta que nascesse com a chuva”. - O auto da Compadecida, Ariano Suassuna. Adapt. Guel Arraes, 2000.
Creck-creck- Creck -crek, rompia-se em linhas disformes e curvilíneas o inóspito solo do Sertão. Fruto da seca, intempéries e dos flagelados passos de corpos raquíticos e inócuos. Filhos da fome, reflexos da miséria e dor. Raimunda, 25 anos, carrega em seus braços o filho caçula, a quem acalenta a fim de cessar choro, Ué-ué-Ué-ué, berra faminta, a criança. O leite materno secara, tais como os rios, riachos e açudes da banda; sobrara-lhe somente a seiva que escorria das plantas. Linda como açucenas, doce como rapadura, resistente tal como as plantas da mata espinhenta. Carregava o caçula no braço como a quem – estarrecido de fome – segura um pedaço de pão. Desdobrava-se tal como num voo para atentar às demais crias. Zezinho, José e Maria, criaturas miúdas, sensíveis... inquebrantáveis debaixo das penas da carcará-mãe. Seres xerófilos, não por condição... foram sempre assim, desde o princípio. Como se as células, as moléculas que lhes compunham o corpo, fossem consequências do solo arenoso, impenetrável. Como bons pássaros, aprenderam desde cedo a forrar o bucho com migalhas. Tostão de charque, farinha e rapadura, para tirar-lhes o amargo da boca e fortalecer as entranhas. Transeuntes por condição, viviam a caminhar em busca do tesouro líquido e cristalino. Interrompidos, às vezes, pelo acalento da morte ou pelos agonizos da fome. Quando recompostos, seguiam pelas enigmáticas veredas da vida, sempre atentos à vegetação. Mapa floral, guia irresoluto. Quando não mais os pés aguentavam, caíam. Esfregavam os resquícios de tristeza do olhos, engoliam o salubre do choro e, despertos notavam – incrédulos, cegos pela miragem – lá na frente, brotando entre rochedos e rachaduras, água: flor nutrida pela esperança.