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Uma família amiga

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Em terra firme

Em terra firme

Começamos a descer retos de início. Parece-me que íamos pousar onde se encontravam os outros, mas em vez disso, cruzamos ao largo, ao passarmos à altura do que deveria ser o telhado. Constatei que era uma chapa lisa com uma saliência de um palmo de altura ao redor. Deduzi que era para que em tempo de chuva a água não escorresse pelas paredes. Ao chegarmos à altura do décimo andar, parou com a frente do veículo virada para o edifício, a quatro metros de distância. Daí, pousamos calmamente em uma marquise de três ou quatro metros quadrados. O edifício contava com uma grande quantidade destas. Para cada apartamento havia uma. Vinham de alto a baixo fazendo sombra umas às outras. Uma vez pousados, saímos do interior do aparelho. Acorc tomou uma pasta de fole e eu por indicação sua, tomei outra menor, na qual, certamente, por ordem dele, haviam posto minha roupa terrícola. Eu pensei que havia ficado na cidade de Con. Em seguida, Acorc abriu uma porta, fazendo sinal para acompanhá-lo. Entramos. Chegamos numa sala muito bem mobiliada, no estilo acartiano, pouco ou nada diferindo das que eu já havia visto em Acart. Então, pediu-me a pasta e a pôs em cima de uma mesinha, juntamente com a sua. Eu fiquei plantado, sem coragem para falar ou fazer movimentos até que Acorc voltou-se para mim e mandou-me sentar. Voltando à realidade, sentei-me na cadeira indicada por ele permanecendo atento apenas aos seus movimentos. Daí dirigiu-se ele a uma mesa sobre a qual havia um aparelho parecido com um rádio. Um pouco acima na parede, havia um vidro de uns 30 por 30 cm, cor de palha.

Ele apertou um botão, ouvia-se um zunido, e esperando um pouco, tamborilou com os dedos na mesa. De repente, apareceu um rosto feminino no vidro. Pensei comigo: Ah!... É uma televisão! Mas, para o cúmulo dos cúmulos, a mulher falava sorridente e Acorc lhe respondia sorrindo também. Pensei: Estou perdido. Meu bom amigo enlouqueceu. Também não era para menos, falando com um rosto de mulher refletindo num televisor. Só podia estar louco! Conversavam como se estivessem juntos em carne e osso. Era tão cordial e íntima a conversação que para maior desespero meu, achei que ia beijá-la. Finda a conversa desligou o aparelho. Desapareceu o rosto e cessou o zunido. Virou para mim sorridente e disse: - Dentro de instantes estará aqui. Ela está ansiosa para conhecê- -lo. Eu estava gelado, petrificado. Tentei por duas vezes falar, mas não pude, não me vinha a voz. Vendo meu estado de desânimo, Acorc, de alegre passou a assustado e pediu-me: - Que tem homem? Está se sentindo mal? Fiz sinal com a cabeça que não. Por fim pude falar e pedi-lhe: - Que negócio é este? (apontando com o dedo). Ele respondeu sorrindo: - É simplesmente, com direi... um telefone para melhor compreensão sua. - Um telefone?!... Este vidro que apareceu a mulher, o que tem a ver com o telefone? E quem era ela? - Ora!... É minha esposa. Falei com ela contando de minha chegada com você. Mas não conhece comunicação desta espécie na Terra? - Bem, nossos telefones, que eu conheço, são por intermédio de fios e somente se ouve a voz; temos a televisão, que é parecida com isto. As estações transmissoras enviam a imagem e a voz, e os aparelhos

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receptores recebem-nas. Pode-se até cuspir na imagem refletida, mas o que está se apresentando na estação nada vê. - Bem, e se duas estações se comunicam entre si? - Ah! Isto lá na Terra é impossível, pois uma estação de televisão custa milhões, quanto mais duas. - Aqui em Acart nosso telefone é este. Cada família tem o seu. Veja. Chamou-me para perto do aparelho. Este é o número do Tuec em Con. O número para mim ficou no mesmo, pois era escrito com algarismos dos quais eu não entendia nada. Mexeu nuns botões e começou o zunido. De repente no vidro o rosto de Tuec (o meu primeiro amigo da outra cidade –Con). Eles falaram um pouco na língua deles e em seguida Acorc me chamou para perto do aparelho, cedendo-me seu lugar. Tuec fez-me uma saudação alegre. Eu respondi inclinando a cabeça e retirei-me. Veio Acorc novamente, trocando mais algumas palavras e se despediram. Desligando o aparelho, mostrou-me como funcionava. - Veja: uma vez ligado, para-se com a cabeça em frente desta lente. Tal lente assemelhava-se a uma máquina fotográfica. Este aparelho transmite a imagem e este a voz. Com quem se está falando, dá- -se o mesmo. Está entendido? - Sim, começo a entender. - Bem, agora vamos tomar alguma coisa, enquanto aguardo minha esposa. Quando ele trouxe a bebida eu agradeci, preferindo um copo de água. Mas, por não saber o que ele ia servir, pensei com os meus botões: Quem sabe lá o que esta gente toma por aperitivo? Falávamos de uma coisa e outra, quando a porta se abriu e apareceu uma mulher e um menino. Ela com um sorriso alegre nos lábios, mas com uma boca mediana, lábios também médios, nariz fino, um pouco arrebitado, olhos azul-claros, combinando com seus cabelos loiros quase palha, que caíam sobre os ombros, com fundas ondas de uma orelha à outra. Seu vestido era largo e comprido até os pés, cheio de babados tanto nas mangas como no corpo.

Por causa de seu vestido espalhafatoso e largo, não pude de início precisar se era gorda ou magra. O menino apresentava uns doze anos de idade (terrícola), muito parecido com a mulher; julguei que era seu filho pelos traços fisionômicos. E de fato o era. Seu traje era quase idêntico aos nossos da Terra. Acorc levantou todo sorriso e foi ao encontro deles, pondo uma mão na mulher e a outra no filho, conduzindo-os até o meio da sala. Ali conversou alguma coisa com a mulher que eu não entendi. O menino por sua vez permaneceu calado, visivelmente admirado, com o olhar fixo em mim. Achei que ele talvez esperasse encontrar um habitante da Terra em uma jaula e não sentado numa cadeira palestrando com seu pai. Acorc separou-se do grupo e veio até mim, apresentando-me a sua família. Bastante atrapalhado, inclinei a cabeça para frente e cumprimentei-os. Eles corresponderam sem falar e sem se aproximar de mim. Sentamo-nos os quatro. Acorc então me contou, que quando recebeu o aviso para dirigir-se à cidade de Con , a fim de interrogar certa pessoa, não julgou tratar-se de um extra-acartiano. Quando descobriu de quem se tratava, comunicou à esposa que me traria em sua companhia. Dissera que se tratava de um ser igual a eles e de gênio muito calmo. A esposa e o filho estavam a par. - Olhe, a curiosidade de meu filho por você é grande, como pode ver. E era mesmo. O menino desde que me vira não pronunciara nenhuma palavra. Olhava-me dos pés à cabeça cheio de admiração. Por fim, a mulher de Acorc começou a me fazer perguntas por intermédio dele, pois ela sabia somente algumas palavras em alemão. Perguntou-me se eu tinha família numerosa na Terra, se eu estava mesmo consciente de estar em outro planeta e o que achava dos acartianos. E afinal, uma infinidade de coisas que eu ia respondendo e Acorc traduzindo para sua compreensão. Por fim, até o menino despertou o ânimo e me fez diversas per-

guntas por intermédio do pai, porque também não falava o alemão. Eu respondi dizendo que queria ser seu amigo. Foi só então que ele sorriu alegremente. Após um longo tempo de perguntas e respostas entre nós, Acorc falou umas palavras com sua esposa e esta se retirou. Várias vezes eu havia visto tirar de um bolso fronteiro, algo parecido com um relógio que consultava. Desta vez não me contive e perguntei: - Que aparelho é este? - É um relógio, mas muito diferente dos que conhece na Terra. E prosseguiu. Bem, enquanto minha esposa prepara a refeição, vamos até o terraço pois assim poderá com mais calma do que antes, ver melhor a cidade. Saímos os três por um corredor, pegamos um elevador e subimos para o terraço superior. De lá se podia ver toda a cidade, linda e majestosa até a distância em que as últimas casas se confundiam com manchas de várias cores. Acorc começou a me mostrar os edifícios onde funcionavam escolas, universidades, fábricas, governos, etc. Eu olhava os edifícios indicados por ele e o sol ao mesmo tempo em que estava à altura, das quatro horas mais ou menos aqui na Terra. A certa altura, não podendo conter minha curiosidade, interpretei-o: - Se não me engano o senhor falou em refeição para dentro de instantes? - Sim. Falei. Olhando para o que eu agora sabia ser um relógio, ele completou: - E está quase na hora. Ficou fitando-me com olhar interrogativo, talvez pensando que eu preferia estar comendo, a ficar olhando a cidade. Meditava o seguinte: Quando cheguei a Acart, pela altura do sol forçosamente já teriam feito uma refeição. Eu havia participado de

duas e agora ainda com o sol alto falar-me de mais uma, era mesmo de perder a linha. Perguntei-lhe então: - Mas quantas refeições são feitas aqui em Acart durante o dia? - Cinco, respondeu ele ainda sem compreender. - Cinco? Mas como? - Bem, bem, vamos descer. Depois vou lhe explicar certas coisas daqui que já devia lhe ter explicado. Como o resto do dia estou de folga, pois o Filho do Sol concedeu-me licença para acompanhá-lo, será fácil. - Quem é este Filho do Sol? - É o escolhido do povo, isto é, o nosso governador, melhor dizendo. Como lhe dizia, dar-lhe-ei uma noção mais ampla das diferenças de Acart e da Terra, se assim o desejar. - Para mim será uma grande coisa. - E amanhã tenho que levá-lo à presença do Filho do Sol. Acorc notou que me assustei com a notícia. Para me acalmar, disse: - Não tema, nada lhe acontecerá, a não ser que você se rebele contra alguém ou qualquer coisa. Pelo que vejo você é muito sensato, e de nada valeria você perder a calma. Voltamos ao seu apartamento e encontramos a mesa já posta por sua esposa que nos acolheu sorridente. Sentamo-nos à mesa servida com regular abundância. Durante a refeição, limitei-me a comer os alimentos já conhecidos por mim. Foi também servido um líquido quente, uma espécie de chá a meu ver, que muito me agradou. Tomei duas taças nesta refeição. Durante a refeição a esposa de Acorc dirigiu-me algumas perguntas, ao passo que o menino pouco falou. Terminada a refeição, ela tirou a mesa e retirou-se, imitada a seguir pelo menino, este a conselho do pai. Tomávamos mais chá, falávamos sobre os alimentos recém-ingeridos, quando lhe fiz a seguinte pergunta.

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