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Passeio a um restaurante

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Em terra firme

Em terra firme

Tirando o relógio do bolso consultou-o, e disse: - São quase duas horas e seis décimos, posso levá-lo para dar algumas voltas pela cidade, antes da última refeição? - Sim senhor, podemos ir se o senhor quiser. - Sim, podemos. Agora talvez prefira descansar. - Não... Mas o que me sustentava de pé e alerta eram somente as novidades que me apresentavam. Preparamo-nos e saímos dali pela porta que dava ao patamar, onde havia ficado o aparelho no qual tínhamos vindo de Con. Tomamos este transporte e partimos da maneira que já descrevi anteriormente. Ao atingirmos a altura acima do teto dos edifícios, observei o sol. Estava já bem baixo. Perguntei ao senhor Acorc quanto faltava para anoitecer. - Faltam quatro décimos, equivalente a três horas terrícolas. Pensei comigo: E já fizemos a última refeição novamente. Parece-me que esta gente só vive para comer! - Quanto tempo faz que fizemos a última refeição? - Ele consultou o relógio e disse: - Faz cinco décimos e dois centésimos, equivalente a 3 horas e 50 minutos terrícolas. Aquelas quase 3 horas e cinquenta minutos tinham passado tão rapidamente com a minha palestra com Acorc, que me pareceram uma hora apenas. Após atingirmos a altura de duzentos metros acima dos edifícios voamos em linha reta em direção norte por uns dois minutos. De repente ele parou bruscamente e começamos a descer. Descemos em uma rua estreita e com intenso trânsito de pedestres. O aparelho parou num lado da ruela onde havia uma infinidade de outros iguais. Dali saltamos e nos misturamos com a multidão. O que achei esquisito naquela gente foi peculiar nas grandes cidades da Terra.

Outro aspecto que me chamou a atenção, era a maneira de trajar daquela gente. Não se via ninguém mal vestido, quase todos os homens com vestimentas mais ou menos parecidas com a que eu usava, tanto no tecido como no feito, apenas notei pequenas variações. Os vestidos das mulheres do mesmo modo. Outra coisa que me intrigava era o fato de ninguém prestar atenção em mim, pois se tratando de um habitante de outro planeta, seria lógico esperar que toda a atenção daquela massa humana se concentrasse sobre mim; ao contrário, passavam por mim como por qualquer outro. Imaginem aparecer um acartiano aqui na Terra? Poder-se-ia colocá-lo num lugar fechado e cobrar entrada para vê-lo, que num só dia dava para arrecadar milhões. Por fim, deduzi que, talvez, a maioria não soubesse da existência de um terrícola em Acart e, os que sabiam julgavam-me numa prisão e não ali passeando em companhia de uma alta personalidade como era Acorc. Sempre seguindo Acorc, caminhamos umas duas quadras. Ele de tempo em tempo, me dirigia a palavra, mas eu atento aos transeuntes, nem prestava atenção ao que ele dizia, até que indicou-me um estabelecimento e disse: - Vamos entrar aqui. Entramos em um salão, que eu vi tratar-se de algo parecido com um café ou bar cheio de mesas redondas, que não tinham pernas, mas eram sustentadas por um cabo no teto, com cadeiras giratórias tipo assento de motociclo. Achavam-se quase todos vazios. Logo que sentamos, veio um rapaz nos atender. Acorc falou-lhe e ele se virou e foi até o balcão, voltando em seguida com dois copos nas mãos, cheios de um líquido cristalino e os colocou na mesa, retirando-se em seguida. Acorc pegou um e deu-me o outro. - O que é isto, perguntei? Ele disse o que era, mas em seu idioma e por isto não entendi. Calculei tratar-se de bebida suave e doce, pelos goles que ele tomava compreendi não se tratar de bebida alcoólica. Era levemente adocica-

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da, de gosto muito bom, não sendo gelada. Por falar em gelado, à medida que o sol ia baixando, ia sempre esfriando e eu já começava a ficar roxo de frio, e ainda por cima, meu amigo em vez de pedir bebida quente, pediu aquele meio termo. Deu-me até vontade de verificar se o copo dele não era quente, pois calculei que Acorc estava blefando comigo. Vendo sua completa indiferença quanto ao frio que se fazia sentir, perguntei: - O senhor não sente frio? - Não... - Acho até impossível que o senhor não sinta frio! - Acontece que estamos acostumados. - Nesta época deve ser o inverno forte? - Que inverno?! Nós aqui não temos inverno. - Com todo este frio, o senhor queria dizer que é verão? - Não, nem uma coisa nem outra. Aqui nós só temos uma estação todo o tempo. De dia mais quente do que frio, e de noite mais frio do que quente, com pequenas variações quando faz geleiras e ainda antes das chuvas, esquenta um pouco. Com as geleiras, esfria um pouco mais do que o normal. - Quer dizer que agora é época de geleira? - Não, em absoluto. Estamos com o tempo completamente normal. Não reparou que dia claro e ensolarado fez hoje? As geleiras são acompanhadas de tempo chuvoso e fechado. Tive que rir intimamente quando ele falou em dia ensolarado que para mim não era nada disso, comparado com os dias que nós chamamos de sol, aqui na Terra, pois eu olhei várias vezes o céu e vi muito pouco de azul nele. Para mim a cor do céu era quase chumbo, faltando ao sol aquele brilho que tem aqui na Terra. E continuei: - Mas como pode ser isto, de não haver inverno e nem verão? - Bem, você estranha, porque vive em uma região onde existem estas estações, mas certamente não ignora que também lá na Terra há zonas onde sempre é frio e outras onde sempre é quente. - Sim, isto eu sei que existem...

- Pois bem, Acart é como uma dessas regiões. Aqui em Tarnuk estamos um pouco a latitude norte, por isso é um pouco mais frio à noite, e de dia é mais quente. - Sim o dia é comparável com o inverno da Terra, isto na região terrestre onde eu moro. Mas, esta noite de hoje, vai ser mais fria do que uma noite polar na Terra, segundo estou sentindo. - Não é só a de hoje. É sempre assim com pequenas variações como as que já me referi e que mal são notadas por nós. - Eu ia perguntar mais sobre o que falávamos, quando ele se levantou dizendo: - Já que está sentindo muito frio, e como vai esfriar mais, é melhor irmos para minha residência e garanto-lhe que lá não sentirá frio, e talvez amanhã, eu lhe mostre um mapa de Acart, e explicarei melhor estes fenômenos. Eu me levantei. Ele com muita educação pegou-me no braço e nos dirigimos para a porta. Foi neste instante, que por pouco não fiz o maior fiasco de minha vida. Vale ressaltar, que durante o dia, por várias vezes caí no ridículo, mas desta vez ia ser pior. Por sorte, Acorc e nem ninguém entendeu minha atitude. Parei de repente e pus a mão no bolso, olhando para a mesa com os copos vazios e para o garçom, que nem prestava atenção em nós. Ia dirigir-me a ele, quando Acorc perguntou: - Perdeu ou esqueceu alguma coisa? Foi então que me dei conta do que ia fazer e respondi: - Não senhor. Ora! Ia fazer o que frequentemente faço aqui na Terra. Se me sento à mesa com algum companheiro para tomar bebida, se o companheiro não paga, eu pago. Logo que nos sentamos veio a bebida, foi repetida e não vi Acorc pagar. Imagine eu pagando uma rodada em outro planeta! Ainda mais com o nosso cruzeiro desvalorizado. Às vezes fico pensando e sou obrigado a rir sozinho, imaginando a cara que teria feito o rapaz, se eu tivesse levado a cabo o meu intento, em apresentar-lhe dinheiro da Terra, melhor dizendo, do Brasil. Ainda mais que depois fiquei sabendo que lá não existe dinheiro, de acordo

com as leis vigentes. Dali saímos para a rua e caminhamos até o aparelho. Num instante atingimos a marquise do apartamento de Acorc, desembarcamos e entramos na sala de onde havíamos saído antes. Ele me indicou uma cadeira onde me sentei após fechar a porta e disse: - Fique à vontade que vou ver meu filho que já deve ter vindo do colégio e avisar minha esposa que já regressamos, para que possa preparar a quinta refeição. Cabe aqui um esclarecimento sobre as cinco refeições diárias feitas em Acart: A 1ª é feita a um décimo da primeira hora do dia, a 2ª oito décimos da primeira hora, a 3ª a uma hora e meia, a 4ª a duas horas e um décimo, a 5ª e última feita entre 2 horas e 8 décimos e 3 horas. Chamo- -as de primeira, segunda, terceira, quarta e quinta, porque Acorc não traduziu os nomes dados a cada uma e eu não pude gravar na mente os nomes dados pelos acartianos e que Acorc me explicou.

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