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Visita à lavoura

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Em terra firme

Em terra firme

Acorc retornou, falando alto com sua esposa, porém não em tom de briga. Por fim chegou até mim, dizendo: - Acompanhe-me, porque tem de trocar de roupa e depois vamos viajar por boa parte de Acart. E assim, quero lhe mostrar “as verdadeiras maravilhas” que temos aqui. Eu o acompanharei até o quarto e ele me indicou os sapatos, as roupas e retirou-se. Enquanto eu trocava de roupa, pensei nas suas palavras “verdadeiras maravilhas”. Mas será que há coisas mais maravilhosas do que as que eu já vi aqui? Não é possível, exclamei! Para ser maior, só se fossem coisas divinas, apesar de que eu não duvidava de mais nada, nem mesmo que eram governados diretamente por Deus! Troquei de roupa, esta do mesmo feitio, só que o tecido era diferente da anterior. Abri a porta e saí. Acorc me aguardava na sala junto com a esposa e o menino. Saí pisando macio com aquele sapato de molas. - Está pronto? Perguntou ele. - Sim senhor, respondi. - Já avisei à minha esposa que só retornaremos um pouco antes da quinta refeição. Ele pegou uma pasta batendo com uma mão no ombro da esposa e do menino: Saímos. A esposa e o menino assistiram à nossa partida sorridentes. Após embarcarmos, Acorc fez as manobras de sempre e partimos. Ao atingirmos uns 400 metros acima dos edifícios, seguiu linha reta, rumo ao nascente, numa velocidade como nunca tínhamos viajado. Eu quis olhar a cidade, mas qual nada, não pude ver. Voamos uns minutos, então ele diminuiu a velocidade e fazendo um semicír-

culo parou em pleno ar. Eu assustado perguntei: - O que houve? - Nada! É que quero lhe mostrar as nossas lavouras - Mas, não estamos em cima da cidade? - Não! Já a deixamos muito para trás. - Mas não é possível! - É sim, repare. Eu olhei para baixo, pelo vidro ou lá o que fosse, só sei que uma das capotas era transparente –conforme já expliquei antes. No princípio não entendi o que eu via. - Mas o que é isto? - São nossas lavouras. - Parecem canais ou enormes escadarias! - São os muros das curvas de nível, respondeu ele. A seguir, baixou o aparelho até a altura de uns 40 metros sobre a dita lavoura e depois seguiu em torno de um monte. Foi aí que eu compreendi o que significava aquilo que pareceram canais ou escadarias. - É uma coisa fabulosa, este seu sistema da lavoura. Devem ter custado séculos de trabalho. - Não, há poucos anos que nos vimos obrigados a recorrer a este sistema. - Por quê? - Bem, como já dissemos, nós há anos que estamos a braços com o problema da superpopulação, automaticamente com a falta de espaços para todos viverem, então tivemos que abandonar o sistema de plantar em terrenos dobrados, porque produzia muito pouco, devido à erosão, e, para o melhor aproveitamento dos terrenos, recorremos a esta técnica. Veja estas montanhas! Mostrou-me uma ao longe à nossa frente. Não lhe parecem daqui umas escadarias? - Sim, é mesmo. - Bem, são todas assim. Daí mostrou-me mais de perto. - O que tem plantado nestas lavouras?

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- Atualmente, nada. O produto foi colhido há pouco. Agora estão preparando o terreno para o novo plantio. - Como é o produto que foi colhido e que vai ser novamente plantado? - É uma raiz semelhante à batata que plantam lá na Terra. - Mas como é que o senhor conhece este produto de lá? Sorrindo, ele respondeu: - Nós conhecemos quase todos os cereais de lá. E prosseguiu: - Quer descer para ver mais de perto estas lavouras? - Sim, vamos. Ele mexeu numa das alavancas, descemos reto para baixo. Deu- -me um frio na barriga, pois pensei que íamos bater com toda a força no solo. Em vez disto, pousamos serenamente. Desligou o aparelho e descemos. Pisei o solo e fiquei abismado com a maciez dele. Fui até a beira inferior do plano que circundava a montanha. Nós nos encontramos sobre o meio desta. Então reparei bem como era, e disse: - É fantástico! Para dar uma ideia, vou contar, ou melhor, explicar mais ou menos. As várzeas eram todas bem no nível. Onde começava uma elevação era feito um muralhão, a altura deste variava com o declínio do terreno, assim um após outro, até o cume da elevação ou monte. A distância entre um e outro também variava de 20 a 100 metros, às vezes mais. Da parte de cima do primeiro muralhão, ao pé do segundo, era bem no nível, seguindo a curva em torno da montanha e assim formando uma escada com degraus de 20 a 100 metros de largura. Via-se uma outra moradia. O que me chamou a atenção nestas é que eram lindas como as das cidades, porém quase todas com praticamente três paredes. Uma era sempre contra as rochas. Pensei: Que gente! Procuram sempre os piores lugares para edificar. Mas logo em

seguida, me veio à mente porque assim procediam pelo que Acorc já me havia explicado. Assim mesmo perguntei: - Por que escolhem os lugares rochosos em vez das planícies, para edificar? - Bem, há tempos não era assim, mas a falta de terrenos para o cultivo de cereais nos obrigou a arrancar as casas dos terrenos férteis e construí-las nos lugares dobrados e rochosos. - Há quantos anos começaram a pôr em prática este sistema? - Em algum continente acartiano, o mais populoso, já faz um século (Acart) mais ou menos, viram-se obrigados a recorrer a este sistema. E assim que foram ficando apertados, os outros foram fazendo o mesmo. - Como são divididos os continentes aqui? - Com esta minha pergunta Acorc sorriu como faria um pai quando um filhinho curioso pergunta: pai, porque o galo canta e não fala? - Ora, por mares! - Mas aqui também há mares? - Lógico, e amanhã irá conhecer um. - Como é que não se vê ninguém trabalhando em toda esta extensão que se vê daqui? - Como vê, já estão prontas estas lavouras, aguardando somente o plantio. Mas se quer ver, vamos mais à frente, que há centenas de homens e máquinas trabalhando. Então, fomos à frente, uns 20 quilômetros. Era como ele dissera. Lá estavam centenas de homens, com dezenas de máquinas a preparar o solo. Acorc fez pousar o aparelho perto de uma casa encravada numa montanha. Desembarcamos e ele foi até onde nos aguardava um homem. Acorc apresentou um papel e falaram um pouco. O homem balançava a cabeça alegre e eu calculei que Acorc estava lhe pedindo licença para me mostrar as lavouras. Venha, disse Acorc, fazendo sinal. Eu o segui, ao passar pelo homem, pensei que ele me ia deter, de tanto que me olhava. Na certa,

Acorc lhe tinha contado quem eu era. Saímos os dois, seguindo uma daquelas curvas que circundavam um morro. Após termos percorrido uns 500 metros, paramos. Na primeira e na segunda curva abaixo de nós estavam trabalhando os que mencionaram. Ao ver bem perto as máquinas, quase caí de costas... Porque era incrível a semelhança destas máquinas com os tratores daqui da Terra, só que não roncavam, faziam apenas um leve zunido como de um motor elétrico e, os arados, que rasgavam o solo, em vez de seguirem atrás, vinham de um lado, engatados em um objeto em forma de hélice, as rodas eu vi perfeitamente serem de ferro com grampos. Para dar uma ideia mais exata, eu teria que desenhar uma, mas acontece que eu de desenhos não entendo nada. - Com que são movidas estas máquinas e por que não roncam? - Não roncam, porque são movidas a energia solar, a mesma que movimenta as naves em que você já viajou. Como quero ser breve em minha narrativa, não vou me alongar em pormenores, do que falamos ali com Acorc e do que pensei a respeito do aproveitamento da energia solar por nós terrícolas, depois de olhar por longo tempo a supertécnica daquele povo superinteligente. Acorc falou: - Bem, vamos porque temos que percorrer 2 mil quilômetros, até onde pretendo fazer a próxima refeição. Eu olhei para ele espantado e pensei: será que este homem é louco ou o que será! Para falar em 2 mil quilômetros, em pouco mais de uma hora, nesta bolinha de aço! - Mas como que iremos? - Com o que viemos até aqui, ora! Eu ainda meio duvidando, perguntei: - Mas quantas horas faltam para a terceira refeição? - Um décimo e meio (sessenta e nove minutos). - Não é possível, respondi! - Já verá se é possível ou não. Voltamos até a casa, lá estava o homem ainda me olhando admirado.

Acorc se despediu e embarcamos. Subimos reto até certa altura e seguimos à frente, mais ou menos no mesmo rumo de antes. Percorridos uns 20 quilômetros, ele parou em pleno ar e já que nós estávamos cobertos apenas pela capota transparente, eu podia ver tudo embaixo e foi assim, que algo me deixou perplexo, tanto que pensei que havia terminado o meu pesadelo e que estava de volta à Terra. Ele me mostrou um rebanho –que me pareceu de gado –pastando tranquilamente numa das tais lavouras. É um rebanho de gado? Perguntei. - Bem, pode ser chamado assim, porque é muito parecido com estes da Terra, porém um pouco diferente como verá. Ele baixou a nave até uns 10 metros acima deles e eu pensei que eles iam sair correndo com a nossa aproximação, mas não, continuaram pastando tranquilamente. Daí pude ver bem como eram semelhantes aos nossos bois, porém, não tinham chifres e tinham uma lã de mais de meio metro de comprimento, o tamanho deles era o dobro do maior boi conhecido por mim até aqui. Após observá-los por uns instantes, partimos dali. Então perguntei: - Com que finalidades criam estes animais? - Com diversas. Por exemplo: Sua carne é muito deliciosa e, além disso, a lã possui muitas utilidades, dela se faz grande parte dos tecidos que usamos aqui e também o revestimento interno dos apartamentos. - As fêmeas também produzem leite como as vacas da Terra? - Sim, produzem, mas não pode ser aproveitado como alimento. - Criam em grande escala estes animais? - Sim, porém estes que vimos e outros que existem por aqui por perto são trazidos para cá, somente depois de grandes para engorda. - E onde são criados? - Nas zonas mais frias, onde existe uma relva em muita abundância, muito apreciada por eles e depois como já disse, transportamo-los para cá e são nestas lavouras, após as colheitas dos cereais até a época de ser novamente estas preparadas para o plantio, sendo en-

tão mortos. Finda esta conversa, Acorc baixou a outra capota e ficamos com a visão somente para frente. Eu me inclinei um pouco para o lado dele, para ver se podia olhar melhor um mostrador quadrado de vidro à sua frente. Era dividido em três partes, um mostrava o que havia atrás, outros dois à esquerda e à direita. Olhei para ele sorrindo e disse: - Agora compreendo porque o senhor não colide quando faz manobras em lugares apertados. - É sim, aqui se vê para todos os lados (e mostrou um outro que me havia passado despercebido, apertou um botão nele), este é para se ver o que há embaixo, quando se quer descer. Não se via nada àquela hora, devido à velocidade, que era muito alta mesmo. Enquanto nós conversávamos, pouco notei, mas ao olhar para fora me senti mal subitamente, creio que devido à alta velocidade. Pareceu-me que entrava vento por algum lugar, pois senti minha barriga ser empurrada para as costas, comecei a respirar rápido. Então ele vendo meu estado, perguntou: - Está se sentindo mal? Àquela altura eu já tinha perdido a voz, apenas fiz que sim com a cabeça, mas nem era preciso dizer, porque meu aspecto dizia tudo. Ao contrário de mim ele parecia estar caminhando a passos em terreno firme. Então ele reduziu a velocidade e disse: - Parece que nunca viajou de avião na Terra? Eu respondi ofegante: - Não só não viajei, como foram poucos os que vi de perto. Lembrei-me da nave que havia me transportado da Terra a Acart, que segundo ele fazia até 500 quilômetros por segundo. Como não morri então? - Quantos quilômetros faz este aparelho por hora? - Faz até 10 mil km/h. - Só? Mas então como não passei mal na nave que me transportou da Terra até aqui, que segundo o senhor, faz muitas e muitas ve-

zes mais do que isto? - Bem, isto é diferente. Nesta temos que romper a resistência da atmosfera e ao mesmo tempo alimentar nossos pulmões com este mesmo ar, ao passo que, naquela não há este problema, primeiro por ser muito maior e segundo, porque no espaço não encontra resistência alguma e, quanto ao ar (oxigênio), ela produz. Aliás, reproduz o suficiente pra a tripulação, independentemente do exterior. Agora aqui dentro, ela também reduz em muito a sua velocidade e assim, não se sente o impacto com a atmosfera, ao passo que nesta, para quem não está acostumado, sente-se mal.

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