Livro sobre a trajetória de Torquato Neto ganha nova edição. B8
MÚSICA. Herdeiros diretos do tropicalismo, os Novos
FOTOS: REPRODUÇÃO
Baianos levaram os ensaios antropofágicos da turma de Caetano e Gil adiante, tingindo em tons de verde, amarelo e azul anil a psicodelia da geração flower power. Mas foi quando resolveu assumir de vez a brasilidade que o grupo finalmente conquistou seu Domingo 18/11/2012
‘lugar ao som’. Maior êxito comercial do conjunto e talvez o trabalho que melhor sintetize a essência
TIN I N TRI DO NC AND O
da sonoridade que eles forjaram no início da década de 1970, Acabou Chorare, segundo
disco da trupe, alcançou a marca de 40 anos. Num tributo ao álbum, a Gazeta passa a obra em revista. Vale a pena conferir
O ‘núcleo’ dos Novos Baianos: da esquerda para a direita, Paulinho Boca de Cantor, Baby Consuelo, Moraes e Galvão
LUÍS GUSTAVO MELO REPÓRTER
Lá pelo comecinho dos anos 1970, corria o boato de que o sonho havia acabado. Eram tempos realmente estranhos. O mundo em plena ressaca do “verão do amor” e o Brasil entrando meio atrasado nessa onda de cultura hippie. Enquanto isso, o bicho pegava pra valer no contexto sócio-político, com o país atravessando uma das fases mais cavernosas da ditadura militar. Como consequência disso, ainda em 1969 a opressão infligida pelo regime levou os baianos Gil e Caetano a se exilarem na Europa. O que ninguém imaginava, porém, é que, durante os shows de despedida dos tropicalistas, os astros se alinhavam de modo que novos desdobramentos para a música popular brasileira seriam traçados exatamente ali, naquele momento histórico cheio de significados. O show Barra 69, realizado nos dias 20 e 21 de julho daquele ano, no Teatro Castro Alves, representou uma virada de página na história da contracultura tupiniquim. Naqueles dias nebulosos os baianos se apresentaram acompanhados pelos Leif ’s, um grupo de rock de Salvador com forte acento hendrixiniano. Os Leif’s eram liderados por um tal Pedro Aníbal de Oliveira Gomes, o Pepeu – jovem guitarrista que Gilberto Gil havia visto num programa de TV, ao lado do violonista Moraes Moreira. Também estava na plateia do show de despedida de Gil e Caetano uma garota de Niterói. Jovem de espírito livre e ideias modernas para o padrão do Brasil daqueles tempos, Bernadete Dinorah, de apenas 17 anos, mais tarde acabaria nacionalmente conhecida como Baby Consuelo. Em meio à trip da época, ela foi parar em Salvador e, após o show, deu um jeito de se misturar com a rapaziada. “Fomos para a casa de Caetano e Gil, achei Pepeu mui-
to lindo e tasquei-lhe um beijo na boca. Por causa dele conheci Moraes, Galvão e Paulinho”, disse a cantora. Nascia ali a gênese do que viria a ser os Novos Baianos. Com os Leif ’s (Pepeu, Lico, Carlinhos e Jorginho) a princípio como responsáveis pela base eletrificada do recém-formado grupo, a turma embarcou rumo ao Sul com o show intitulado Desembarque dos Bichos Depois do Dilúvio Universal. Na época, os Novos Baianos ainda eram essencialmente um conjunto de rock.
O INÍCIO “Em 1969 começou tudo”, lembra Luiz Galvão, poeta e mentor intelectual da tribo pós-tropicalista. “A gente era muito diferente, era antissamba, violento, queria fazer uma crítica forte do mundo que a gente via. Sabe, existe uma turma da pesada que inventou o samba que é tão louca quanto nós, gente do tempo que samba era para malandro. Mas esse pessoal estava por baixo nessa época. Em 1969, samba era só coisa de universitário. Muito ruim, porque universitário não sabe fazer samba mesmo. Aí a gente nasceu antissamba, mas no fundo já tinha a raiz do que viria depois, porque o samba nos traiu e pintou bem escondido lá mesmo no primeiro disco, numa faixa que ficou até com o nome de O Samba me Traiu”. Após atuações em alguns festivais (como no mítico Festival de Guarapari, o primeiro de grande porte do país, que ficou marcado pela péssima organização e pelo famoso stage-dive do soul man brazuca Toni Tornado), um primeiro disco lisérgico, Ferro na Boneca, gravado em São Paulo, e dois compactos, o ano de 1972 finalmente representou o momento da virada para os Novos Baianos. Há qua-
se dois anos no Rio de Janeiro, mergulhados na experiência de uma vida comunitária num apartamento em Botafogo lotado de panos e com mulheres e crianças acomodadas em pequenas cabanas, eles receberam uma visita que mudou o rumo de sua carreiras. “Morando nesse apartamento que mais parecia uma cidade de boneca, com casinhas de pano, cada cantinho era uma casinha. E, nesse, clima, chegou João Gilberto. João disse para a gente voltar para dentro de nós mesmos. (...) Ele nos apresentou o samba verdadeiro, Assis Valente, fez voltar uma porção de coisas que estavam esquecidas. Aí veio Acabou Chorare, e foi uma explosão”, disse Galvão, numa entrevista concedida ao Jornal de Música, em outubro de 1975. Primeiro lançamento da recém-criada gravadora Som Livre, o segundo disco dos Novos Baianos foi a grande aposta do produtor João Araújo, fundador do selo. De fato, o álbum caiu como uma bomba de múltiplos estágios no ainda incipiente cenário pop brasileiro, alcançando públicos de todas as faixas. Pelo menos três de suas canções tocaram para valer nas rádios da época, as até hoje populares Preta Pretinha, Besta é Tu e Acabou Chorare.
DISCO DE ROCK A amplificação sonora da base eletrificada do conjunto, comandada por Pepeu Gomes – que assumia o papel de diretor musical da turma –, permitia ao grupo transitar pelo frevo, pelo choro, pelo samba e pelo rock, convergindo para um amálgama que ia de Nelson Cavaqui-
nho a Jimi Hendrix. Com todas essas fusões, Acabou Chorare ainda era um disco de rock. Mas um rock diferente. Brasileiro. “Guitarra para mim é uma coisa muito natural. Quer dizer, é um som que eu ouço desde garoto, cansei de ouvir trio elétrico da Bahia; então, não é uma coisa estranha, não é estrangeiro. É uma coisa brasileira mesmo”, enfatizou Pepeu Gomes. O disco foi gravado no estúdio Somil, e abre com o samba-batucada Brasil Pandeiro, de Assis Valente, canção gravada originalmente nos anos 1940 pelo grupo Anjos do Inferno e apresentada à turma por João Gilberto. O hit Preta Pretinha, de Moraes, remete às influências do compositor no interior baiano – “Eu trazia a influência do rádio, das serenatas, das bandas marciais e do alto-falante”, disse o compositor – e dá passagem para Tinindo Trincando, com sua letra quase onomatopeica e acento roqueiro, cortesia d’A Cor do Som, a parte elétrica dos Novos Baianos. Swing de Campo Grande e Acabou Chorare retomam a parte acústica. Mistério do Planeta, na voz de Paulinho Boca de Cantor, e a instrumental Um Bilhete pra Didi, evidenciam a influência hard no som do grupo. A Menina Dança, na interpretação de Baby, e Besta é Tu, com Moraes Moreira, tratam de temas pesados da época, mas sob um disfarce lúdico. A famosa capa de Acabou Chorare ganhou o prêmio de melhor produção
gráfica em 1972. A arte foi assinada pelo ator Antônio Luis Martins, o Lula do clássico cult Meteorango Kid, o Herói Intergaláctico (1969), de André Luiz de Oliveira. Vale ressaltar que a produção de Meteorango alinhava-se aos primórdios soteropolitanos do grupo que, inclusive, participou de sua trilha sonora. Afora o modo superestimado com que se passou a ver a obra (e o mito), Acabou Chorare funciona, na carreira dos Novos Baianos, como síntese de tudo o que o grupo buscou no sentido de cristalizar o legado tropicalista, com o grande mérito de criar para si um universo particular – musical e temático. Uma lição que a geração das redes sociais ainda tem que aprender. Em meio à efeméride das quatro décadas de lançamento do influente álbum dos Novos Baianos, nada mais natural que buscássemos ouvir representantes do núcleo criativo do grupo. A Gazeta tentou, então, contato com o compositor e violonista Moraes Moreira – que achou melhor declinar do convite – e com o poeta e mentor do conjunto, Luiz Galvão. Diferentemente de seu ex-companheiro, Galvão não viu problema algum em responder às questões elaboradas pela nossa reportagem. É o que você confere a seguir. ‡ Continua nas págs. B2 e B4
Só clássico O disco foi gravado no estúdio Somil, e abre com o sambabatucada Brasil Pandeiro, de Assis Valente, canção gravada originalmente nos anos 1940 pelo grupo Anjos do Inferno e apresentada à turma por João Gilberto. O hit Preta Pretinha, de Moraes, remete às influências do compositor no interior baiano e dá passagem para Tinindo Trincando
Serviço Disco: Acabou Chorare Banda: Novos Baianos Gravadora: Som Livre Preço: R$ 12,90
B 2 Caderno B
GAZETA DE ALAGOAS, 18 de novembro de 2012, Domingo
CONTINUAÇÃO DA PÁG. B1. Principal letrista dos Novos Baianos, Luiz Galvão fala sobre as origens do grupo que sacudiu as bases da música popular brasileira na década de 1970 DIVULGAÇÃO
“COMO SE FOSSE UM ENCONTRO MARCADO” O poeta também lembra dos bastidores da gravação de Acabou Chorare LUÍS GUSTAVO MELO REPÓRTER
Já não tão novo baiano assim, o poeta Luiz Galvão é reconhecido por muita gente como um dos grandes letristas da música popular brasileira projetado em meados da década de 1970. Nascido há 75 anos em Juazeiro, pequena cidade do sertão baiano já na divisa com Pernambuco, é amigo e biógrafo de João Gilberto e fundador e líder dos Novos Baianos, a banda que levou adiante a geleia geral proposta por Gilberto Gil nos tempos da Tropicália, ao surgir com uma leitura mais ampla da identidade brasileira no contexto da música popular. Foi dessa forma que Galvão fez com que os Novos Baianos virassem um grupo “revolucionário e evolucionário”, em suas próprias palavras. Além de grande letrista e mentor do conjunto, Galvão acumulava ainda a função de criador de todo o conceito por trás da filosofia e estilo de vida que os Novos Baianos abraçaram naqueles anos de vida comunitá-
ria, música e futebol; uma vez que seus textos não estavam presentes apenas nas canções, mas também nos encartes dos discos, os quais críticos e admiradores da banda reconhecem como pequenas obras literárias, verdadeiros manifestos de um artista de luminosa criatividade. Em entrevista à Gazeta, o artista que vive em Salvador lembra lances da trajetória do combo pós-tropicalista, dando inclusive sua versão para lendas que há anos integram a mítica que envolve o grupo. Confira.
Gazeta. As pessoas falam bastante sobre o histórico primeiro show dos Novos Baianos. Como foi que de fato rolou o primeiro encontro do grupo? Deu pra sacar logo no começo que havia uma sinergia entre os envolvidos? Luiz Galvão. O Desembarque dos Bichos Depois do Dilúvio Universal foi na real uma chuva de criatividade e inovação na área porque estava sendo feito por jovens que não entendiam bulhufas de teatro. Eu e Moraes formamos a dupla pelo dedo de Tom Zé, e fui até a Pensão de Dona Maritó para mostrar meus poemas ao músico Moraes, e fiquei dividindo o mesmo quarto com ele, naquele mesmo dia. Paulinho Boca encontramos na
LUIZ GALVÃO MÚSICO E POETA
“O Nelsinho (Motta) foi muito importante para o nosso grupo, abrindo algumas portas, as quais deixavam as chaves com ele, mas ele não é de ferro, e deu também sua pisadinha na bola ao defender a gravadora Phillips”
casa do músico Tuzé de Abreu; Baby foi na porta da TV Itapoã. Todos esses lugares ficam em Salvador. Bateu sim uma simpatia entre todos nós, e era como se fosse um encontro marcado.
No início a sonoridade dos Novos Baianos era bem mais carregada pela influência do rock lisérgico dos anos 1960. Como era a postura do grupo durante essa primeira fase, antes do cantor João Gilberto incentivá-los a assumir a brasilidade no som? Influenciados pelo que estava acontecendo de revolucionário na França, estávamos roqueiros, mas fazendo o brasileiro, e baiano; exemplos são as músicas De Vera, Colégio de Aplicação e, em especial,
Ferro na Boneca. O show que fizemos no Teatro Vila Velha, que era o palco do inventivo, moleque e evolucionário, na Bahia. No recreio do Colégio de Aplicação, jogávamos conversa fora com os alunos, e com professores, e deu até em músicas, que foram aproveitadas no disco Ferro na Boneca.
Você sempre foi considerado o poeta e mentor do grupo, responsável pela maioria das letras e da parte conceitual que definia a ‘família’ Novos Baianos. Você realmente assumia uma posição de líder e porta-voz da trupe? Claro que tinha que haver um líder e sobrou pra mim, por ser o mais velho, formado em Agronomia, poeta e etc. Assim como os Mutantes, os Novos Baianos é uma banda bastante cultuada por diferentes gerações até hoje, considerada um grupo revolucionário para a música popular brasileira. O que você poderia dizer sobre isso? Acima de evolucionários somos essa palavra sem o r (erre), e por isso ao invés de luta armada, preferimos o anarquismo, e apresentamos um trabalho poético/musical. Galvão, existe uma controvérsia relacionada ao dia em que João Gilberto visitou o apartamento dos Novos Baianos, na qual você nega a versão contada por Nelson Motta em seu livro Noites Tropicais, e também por Moraes Moreira, que, inclusive, compôs um poema narrando o fato. Como essa história realmente aconteceu? As coisas quando acontecem lá no longínquo passado são propícias a serem esquecidas por quem as viveu, daí o porquê de cada um contar a sua imaginária versão, e a minha é essa: João Gilberto, por ser meu conterrâneo, conversava comigo lá em nossa Juazeiro. Já falei em reportagem anterior que ele me mostrou Bimbom e outra música de sua autoria, as quais ia gravar no Rio de Janeiro, e ainda fez o convite para que eu fosse com ele fazer letras para a bossa nova, que era esse o nome que estavam dando ao seu evolucionário trabalho musical. E diante do
Galvão fala no documentário O Admirável Mundo Novo Baiano
meu vacilo recuso, preconizou meu futuro artístico dizendo que eu ainda iria fazer arte no Rio e São Paulo. Encurtando o papo, digo: só quem não conhece a precaução joãogilbertiana pode imaginar ele tocando na campainha do apartamento dos Novos Baianos, ou outra porta qualquer. João ficava lá embaixo na calçada, sem sequer olhar para cima, mas concentrava-se para que alguém captasse sua onda e viesse até a varanda e o visse. João Gilberto só foi lá porque eu insisti muito; ele dizia que já conhecia muita gente, que não precisava conhecer mais ninguém.
Quando os Novos Baianos gravaram Acabou Chorare, vocês já tinham noção da contribuição que estavam dando para a música popular brasileira? Havia essa consciência ou o grupo simplesmente agia instintivamente sem parar para pensar e ia em frente? Confirmo as duas posições, porque a consciência estava ali embutida de forma natural, porque acreditávamos que éramos o cara; e o poético e o instintivo faziam parte do futebol que vivíamos dia e noite. Na sua opinião, algum artista ou grupo da nova geração corresponde ao legado deixado pelos Novos Baianos? Cazuza, Arnaldo Antunes, Pirigulino Babilake, Carlinhos Brown, Peu Sousa e por aí vai e vem...
Alguma banda nova chamou sua atenção, independente de ser ou não influenciada pelo trabalho que vocês fizeram há 40 anos? Eu sou desinformado à beça, só vejo quando já está fazendo sucesso. O que soube que está na internet é que tem muita banda com os nomes de músicas da dupla Moraes/Galvão... Mas eu estou aí fazendo shows em teatros e campus universitários, as calouradas lotam, meus filhos kashi, Peu e lahiri, tocam comigo, Didi Gomes e cantores ótimos como Sol, uma baiana que manda bem, Pietro Leal e Gabriel Póvoas, filho de Daniela Mercury... A nova geração tá ligada.
Algum tempo atrás você falou numa entrevista que o produtor musical Nelson Motta tentou persuadir os Novos Baianos a gravar um disco em apenas dois canais. O repertório nessa ocasião já era o do álbum Acabou Chorare? O Nelsinho foi muito importante para o nosso grupo, abrindo algumas portas, as quais deixavam as chaves com ele, mas ele não é de ferro, e deu também sua pisadinha na bola ao defender a gravadora Phillips, que queria que gravássemos em dois canais na casa de Jorge Karan, o que recusamos. A maioria das músicas eram as mesmas que gravamos depois em quatro canais. Hoje acredito que Nelsinho teria a mesma opinião que os Novos Baianos. ‡
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REPRODUÇÃO
CONTINUAÇÃO DA PÁG. B1. Qual a sua canção preferida de Acabou Chorare? Foi o que a Gazeta perguntou a dez admiradores da obra do grupo baiano. Confira a seguir
AS FAVORITAS DA TURMA Bom, é sempre cruel escolher apenas uma música de um disco tão bom do começo ao fim. Mas vou eleger uma aqui pra falar, porque é uma das minhas preferidas e também porque eu tenho um história com a música. Mistério do Planeta é uma das músicas mais bonitas que eu já ouvi. A parceria Galvão/Moraes tá ‘tinindo e trincando’, afiadíssima, letra maravilhosa, malandra, hippie, pra excelência musical de Moraes. Um ajudando a expressar melhor a onda do outro; a música que engrandece a letra, a letra que embeleza e dá sentido à música. Este ano, no lançamento do show do disco Arrocha, convidamos o Paulinho Boca de Cantor pra participar do show e tocamos essa música com ele. Foi inesquecível. Até porque os Novos Baianos têm mais essa: músicos e intérpretes que assumem essas canções maravilhosas, matam no peito e chutam de prima. Golaço! CURUMIN, músico
Tinindo Trincando é minha predileta do disco; a letra é meio improvisada e espontânea, é a música do álbum com mais peso e o riff do Pepeu e o groove dos meninos são inspiradores. PEDRO BIZELLI, guitarrista da banda Os Skywalkers
e compositor da banda Cascadura
Mistério do Planeta é nesse momento minha canção preferida do disco. Depois de ouvir essa faixa que abria o lado B do álbum, assim como todas as outras por pelo menos um ano quanAo ouvir o álbum Acabou Cho- do comprei o disco na adolescência, voltei a vê-la e rare, dos Novos Baianos, é ouvi-la recentemente na vermeio complexo e até injusto são filmada ‘ao vivo’ em escolher uma canção prefeuma projeção do sensaciorida, pois de alguma forma nal Novos Baianos Futebol todas soam aos meus ouviClube, o filme dirigido por Sodos como um acontecimenlano Ribeiro. Estão lá o vito que ainda nos instiga a transgredir as regras do pla- olão de Moraes e a poesia de Galvão na voz de Paulineta, para o bem, claro. Se é nho Boca de Cantor. E está para escolher, fico com Mislá também a guitarra alutério do Planeta. Essa músicinante de Pepeu. Tem treca me define com certeza, chos no YouTube, mas não sem dúvida me sinto conecsei se existe uma distribuitada com uma das definições para a palavra mistério: ção em DVD do filme. Para quem gosta de Novos Baiaverdade de fé inacessível à nos, esse filme é ‘a’ pérola. razão. Sim, eu adoro particiMARCELO MACHADO, par e ser um dos mistérios cineasta do planeta, afinal estou viva, produzindo minha arte com Para mim, a mais bonita do fervor e amor, seguindo meu caminho, sendo parte, jogan- disco é Acabou Chorare, pois além de ter melodia e letra do meu corpo no mundo, incríveis, é a música que mostrando como sou e vou eu cantava para ninar meus sendo como posso. filhos quando eles eram IVANA IZA, atriz bem pequenos. CHINA, cantor e compositor Besta é Tu é como uma síntese de tudo ali: da aleOuvi pela primeira vez o Acagria, da irreverência, da mubou Chorare por inteiro em sicalidade deles... Ainda de 1992, aos 16 anos. O disco quebra, para mim, funciona foi um tapa na cara com sua como um portal para lembranças de infância com mi- mistura de MPB com o rock. Mas entre todos os clássinhas irmãs cantando isso cos do disco, nada me bateu pela casa... “Mas isso é só mais forte que a mistura de por que ela se derrete toda, rock psicodélico com baião só por que eu sou baiano...” e samba de Tinindo TrincanO som é muito legal! do, com a perfeita sincroFÁBIO CASCADURA, cantor
nia entre o instrumental (e o solo matador de Pepeu Gomes) e a voz de Baby Consuelo. Para mim, é até hoje o ápice da criatividade desta obra-prima e, porque não, dos Novos Baianos! EVANDRO MARTINS, baixista da banda Laranja Freak Putz!!! Adoro esse disco. Duas músicas em especial marcaram minha transição da infância para a adolescência, afinal, quando Acabou Chorare foi lançado eu tinha nove aninhos de idade. Mas me lembro como se fosse ontem de meus pais cantando Preta Pretinha e Besta é Tu. Somente mais tarde, já com meus 16/17 anos, é que me dei conta da importância dos Novos Baianos. SYLVIO PASSOS, compositor, produtor e fundador do fã-clube Raul Rock Club Mistério do Planeta começa com aquele violão do Moraes, que brinca de seguir e abandonar a divisão da melodia da voz. A letra vai se descamando como uma declaração de pertença ao mundo, do contrapelo com o mundo: movimento, ganhos, perdas, coisas simples e o mistério que, afinal, somos nós também. É uma sinuosidade que guia a melodia (quase canto-falada), o tamanho e a posição dos versos. E há aquele som de caixa de bateria que tanta gente persegue hoje, o som vintage que para eles era só o som que tinha. Não bastasse isso, Mistério do Planeta, como de resto o disco todo, é muito bem gravado e mixado, tudo claro, or-
COMUNIDADE – Os Novos Baianos na casa do Imirim, em São Paulo: retrato de um período compartilhado por todos à base de uma intensa atividade criativa
ganizado, a voz do Moraes límpida e sorridente, fazendo uma canção tão organicamente cheia de informação quase não ter peso. Num set list esquizo-filosófico, é a música ideal pra ouvir junto de Águas de Março (Jobim), Errare Humanum Est (Ben) e Deus é uma Viagem (Cidadão). MARCELO MARQUES, cantor e compositor da banda Gato Zarolho
Gosto muito da faixa título, que tem aquela história da Bebel, filha do João Gilberto que, na época, rodava o mundo com ele. Uma vez ela teria levado um tombo e quando foram lhe socorrer soltou a máxima: “Acabou chorare!” A canção é nessa onda João, de suavidade na voz, letra bem solta; adoro a poesia. O violão do Moraes é quase uma orquestra. WADO, cantor e compositor