Mostra john ford

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LIVROS & IDEIAS Novo livro do jornalista Charles R. Cross lança olhar sobre o legado do cantor Kurt Cobain. B8

DIVULGAÇÃO

AÇÃO CULTURAL. Lenda do cinema norte-americano, o cineasta John Ford foi provavelmente o grande responsável pelo status que o gênero faroeste adquiriu na história da Sétima Arte. No entanto, curiosamente, o maior vencedor do Oscar de direção jamais recebeu uma única estatueta por seus westerns, sendo reconhecido pela Academia por dramas como As Vinhas da Ira e Como Era Verde Meu Vale. Para fazer um apanhado de sua obra nos mais diversos gêneros cinematográficos que transitou, o Sesc Alagoas exibe, a partir de amanhã, a mostra A América Por John Ford, que procura apresentar alguns dos momentos nos quais o grande realizador melhor retratou a história norte-americana

Domingo 06/04/2014

REPRODUÇÃO

Dono de um incrível senso estético, Ford trabalhava com planos e enquadramentos belíssimos, numa estratégia visual que tornava o diálogo desnecessário em muitos momentos

A AMÉRICA IDEALIZADA DE UM VELHO REPUBLICANO LUÍS GUSTAVO MELO REPÓRTER

Vocês conhecem aquela da cerimônia do Oscar de uns bons anos atrás, quando o atemporal (e “melhor filme do universo” em qualquer lista dos grandes clássicos da Sétima Arte) Cidadão Kane, do então jovem e audacioso Orson Welles perdeu a premiação daquele ano de 1942 para o drama Como Era Verde o Meu Vale, do realizador John Ford? Pois bem, o fato de um filme que é inquestionavelmente uma verdeira obra-prima e um monumento ao virtuosismo técnico ter sido preterido pela Academia de Artes e Ciências Cinematográficas por uma obra simples e sem grandes inovações ou rebuscamentos, diz muito sobre a capacidade do veterano John Ford de traduzir em uma experiência audiovisual o sentimento real que personifica a América. Muitos anos após o episódio do Oscar, intelectuais franceses da Nouvelle Vague ainda reverenciavam publicamente a obra de diretores do cinemão hollywoodiano das décadas de 1930, 40 e 50, e o bom e velho John Ford, evidentemente, não foi posto de lado. Muito pelo contrário, seu estilo simples, direto e objetivo de contar histórias e conceber belas imagens em planos gerais sempre foram cultuados pelos realizadores franceses.

François Truffault (19321984), por exemplo, disse certa vez que Ford era “um destes artistas que jamais utilizam a palavra arte, e um destes poetas que jamais falam de poesia”. O próprio Orson Welles era um grande admirador de seus filmes. Pegando como exemplo de triunfo em termos de identificação, o premiado Como Era Verde o Meu Vale, uma obra clássica em sua forma, John Ford ressalta neste longa o valor da família, a importância do trabalho e defende como todo bom republicano a ideia da América como uma terra de esperanças, numa época em que este sentimento otimista era tudo que os norte-americanos precisavam. Tecnicamente, no cinema de Ford a velha máxima de que “menos é mais” é aplicada com propriedade e indiscutível coerência – o que talvez seja uma das razões do diretor ser tão festejado pela crítica e admirado por outros cineastas. Em seu estilo, John Ford não necessita de muitas palavras. Em diversos momentos, apenas as imagens são capazes de transmitir a mensagem pretendida ao espectador. “Jonh Ford pode ser definido como um homem direto. Seus caminhos cinematográficos sempre foram marcados pela clareza de suas opiniões sobre o homem, a história e a sociedade norte-americana. Seus filmes não

Identificação Pegando como exemplo de triunfo em termos de identificação, Como Era Verde o Meu Vale, John Ford ressalta neste longa o valor da família, a importância do trabalho e defende como todo bom republicano a ideia da América como uma terra de esperanças

davam margem às dúvidas, não havia espaço para possíveis indefinições. Ele nunca escondeu sua idolatria por Lincoln, assim como pela cavalaria e pelos colonos. Seu cinema jamais intencionou ter uma postura socialmente crítica. Mas sempre foi profundamente dedicado aos homens, independentemente de sua posição social (um presidente, um pistoleiro ou uma prostituta), desde que a posição desses personagens ratificasse a ética valorativa dos pioneiros, daqueles que enfrentaram as adversidades para construir uma nova ordem social”, sintetiza o texto do material de divulgação da mostra A América Por John Ford, que nos meses de abril, maio e junho apresentará oito filmes do cineasta sempre as segundasfeiras, no Teatro Jofre Soares, no (ingrato) horário das 12h30.

Para quem tiver um tempinho na agenda, ou estiver mesmo de bobeira pelo Centro, eis uma boa oportunidade para conhecer (ou rever) alguns dos maiores clássicos desse grande realizador. São eles, Médico e Amante, Juiz Priest, O Prisioneiro da Ilha dos Tubarões, A Mocidade de Lincoln, No Tempo das Diligências, As Vinhas da Ira, Rastros de Ódio e O Homem que Matou o Facínora – obras que, no conjunto da programação da mostra, buscam apresentar o diretor não apenas como o grande realizador de westerns, mas como um profissional capaz de entregar filmes em temáticas diversas, sempre alicerçadas na história norte-americana, sob a ótica do autor.

TRAJETÓRIA Filho de imigrantes irlandeses, John Ford nasceu no dia 1º de fevereiro de 1894, com o nome de John Martin Feeney. Na grande terra das oportunidades, o mestre passou boa parte da juventude na cidade de Portland, no estado de Oregon, onde trabalhava conduzindo uma carroça de peixe. Também pegou no batente como entregador e publicista de uma fábrica de calçados, e lanterninha de teatro. Tentou ingressar na Academia Naval, mas não passou no exame de admissão – foi quando resolveu partir para a Califórnia. Na terra prometida das grandes estrelas, iniciou-se co-

mo ator em 1914, por intermédio de seu irmão, o ator e diretor Francis Ford. Após aparecer em dez filmes e três seriados dirigidos pelo irmão, conseguiu seu primeiro trabalho como diretor no filme O Furacão, em 1917, onde também atuou. Extremamente prático e disciplinado, entre 1917 e 1919, Ford dirigiu 31 westerns (!) nos estúdios da Universal. A partir de então, se tornou um dos maiores contribuidores para o desenvolvimento do cinema e, em especial, para a evolução do western – gênero cinematográfico americano por excelência. Na década de 1930, porém, o diretor transitou pelos mais diversos gêneros, sobre tudo premiados dramas, retornando para o estilo que o consagrou em 1939, com o clássico No Tempo das Diligências (Stagecoah, filme que integra a mostra), que deu origem ao mito do eterno durão John Wayne. Desde a descoberta de Wayne, em No Tempo das Diligências, John Ford realizou com o astro dezesseis filmes, entre os quais além deste primeiro western, se destacam obras como Sangue de Herói (Fort Apache, 1948), A Legião Invencível (She Whore A Yellow Ribbon, 1949), Depois do Vendaval (The Quiet Man, 1952), Rastros de Ódio (The Searchers, 1956) e O Homem que Matou O Facínora – os dois últimos também presentes

na mostra. Ao longo dos anos, a frutífera parceria entre John Ford e o ator John Wayne cristalizou a mitologia de que havia uma grande amizade e uma profunda cumplicidade artística entre esses dois titãs do cinema norte-americano. Mas, segundo alguns biógrafos, a história não era bem assim. Na verdade, o relacionamento entre o diretor e seu astro estava mais para o de um sádico e seu subjugado. Ford era dado a humilhar Wayne na frente do elenco e da equipe, acusava-o de incompetente e canastrão e obrigava o ator a repetir cenas que, com qualquer outro, daria por perfeitas. Pessoas próximas chegaram mesmo a revelar que Ford e Wayne nunca foram tão íntimos longe das filmagens, embora tivessem grandes amigos em comum, principalmente o ator Ward Bond, apresentado ao diretor pelo próprio John Wayne. Ironicamente, Ward Bond foi quem passou a integrar a mítica Ford Stock Company, uma trupe informal, mas permanente, ligada ao cineasta dentro e fora dos estúdios. Nessa grande família, além de Bond, estavam os atores Hank Worden e Harry Carey Jr., o assistente de direção Andrew McLaglen, o fotógrafo William Clothier e muitos outros – todos irlandeses, durões, bons de briga e notórios beberrões. ‡ Continua na pág. B2


B 2 Caderno B

GAZETA DE ALAGOAS, 06 de abril de 2014, Domingo

CONTINUAÇÃO DA PÁG. B1. Reconhecido como um grande contador de histórias, mas, sobretudo, como artista de acurado senso estético, o diretor John Ford encontrou nas paisagens do Monument Valley o cenário ideal para compor o visual de seus filmes plasticamente perfeitos

A TERRA DE JOHN FORD

FOTOS: REPRODUÇÃO

Sem o menor escrúpulo o cineasta toma para si o mérito da descoberta de sua locação mais famosa LUÍS GUSTAVO MELO REPÓRTER

Para fechar definitivamente a tampa do caixão da suposta camaradagem entre o diretor e seu maior astro, há ainda a história de que teria sido John Wayne a pessoa quem levou Ford pela primeira vez ao Monument Valley, aquela imponente paisagem no deserto do Arizona repleta de fantásticas formações rochosas, que, a partir de No Tempo das Diligências, se tornou o cenário dos westerns de Ford. O mais curioso nessa história, é que o lugar ficou tão associado ao realizador que acabou sendo rebatizado oficialmente como “Terra de John Ford”. Mas o que pegou mal foi o cineasta falar da localidade como se fosse sua descoberta, tirando descaradamente o mérito de Wayne que, vez ou outra, tentava contradizêlo sem sucesso em entrevistas ao longo dos anos. John Ford se notabilizou por dirigir seus westerns explorando com maestria belas paisagens para criar um visual esplêndido. Desde o clássico No Tempo das Diligências ele explorou o belo

visual do Monument Valley, compondo sequências memoráveis de tirar o fôlego, em planos gerais e enquadramentos perfeitos. Um mérito que neste caso ninguém lhe tira. Neste trabalho especificamente o realizador contou também com a direção de fotografia de Bert Glennon, e o auxilio luxuoso do diretor de arte Alexander Toluboff, que ambienta o espectador nas cidades, com a arquitetura típica do velho oeste. O mestre contou ainda com os serviços de Walter Plunkett e seus figurinos marcantes, com o chapéu de Ringo e os vestidos de Dallas e Mallory. Fechando os destaques da parte técnica, a trilha sonora de Gerard Carbonara alterna entre momentos solenes e outros mais agitados, destacando-se durante a perseguição dos apaches à diligência, em que a trilha amplia a adrenalina com seu ritmo frenético. Mas apesar de ter ficado famoso pelos faroeste, foi por conta de seus dramas que o realizador foi premiado diversas vezes pela Academia, vencendo nomes como Howard Hawks, Orson Welles e Alfred Hitchcock. No pungente As Vi-

nhas da Ira – drama escrito pelo roteirista Nunnally Johnson, baseado no livro homônimo de John Steinbeck, e penúltimo filme da mostra –, John Ford faz uma forte crítica ao sistema que tomou conta dos EUA depois da grande depressão, onde empregadores exploravam empregados, se aproveitando da situação para pagar salários insignificantes. De maneira tocante, o cineasta entrega um filme humanista, melancólico e reflexivo. É preciso muita falta de sensibilidade para não se comover com a luta daquelas pessoas e não se revoltar com as atitudes dos mais favorecidos. A grande pergunta que fica é: depois de tantos anos, será que esta situação mudou?

O diretor, ao centro, brinca durante as filmagens de 7 Mulheres (1966)

Serviço O quê: Mostra A América por John Ford Onde e quando: no Teatro Jofre Soares (Rua Barão de Alagoas, 229, Centro), a partir da próxima segunda-feira (07), até o dia 02 de junho, sempre às 12h30. Entrada franca. Informações: 3326-3133

Confira os filmes da mostra ‡ MÉDICO E AMANTE (1931) Quando: no dia 07 de abril Classificação: 12 anos Duração: 98 minutos

Um médico é enviado para investigar um surto de peste, tendo que decidir as prioridades para o uso de uma vacina. Tendo perdido sua esposa recentemente, ele começa a se interessar por uma rica dama.

‡ JUIZ PRIEST (1934) Quando: no dia 14 de abril Classificação: Livre Duração: 96 minutos

Billy Priest, juiz de uma cidade do Kentucky, em 1890, ajuda seu sobrinho a se casar com a garota certa e derruba a ação judicial ilegal contra um reservado ferreiro.

‡ O PRISIONEIRO DA ILHA DOS TUBARÕES (1936) Quando: no dia 28 de abril Classificação: Livre Duração: 96 minutos

O filme apresenta a história real de Samuel Mudd, médico que acabou sendo preso e condenado à prisão perpétua por ter tratado John Wilkes Booth, assassino do presidente dos EUA, Abraham Lincoln.

‡ A MOCIDADE DE LINCOLN (1939) Quando: no dia 05 de maio Classificação: Livre Duração: 100 minutos

A história do filme narra o apreço de Abraham Lincoln pelo Direito e seu desdobramento na carreira política.

‡ NO TEMPO DAS DILIGÊNCIAS (1939) Quando: no dia 12 de maio Classificação: Livre Duração: 97 minutos

Combates com índios e duelos são presenciados e vividos por nove pessoas, que por motivos pessoais, embarcam em uma perigosa diligência através do Arizona.

‡ O HOMEM QUE MATOU O FACÍNORA (1962) Quando: no dia 19 de maio Classificação: Livre Duração: 119 minutos

O advogado Ransom Stoddard chega a uma pequena cidade do velho oeste dominada por um pistoleiro violento chamado Liberty Valance.

‡ AS VINHAS DA IRA (1940) Quando: no dia 26 de maio Classificação: 12 anos Duração: 129 minutos

Uma grande família de arrendatários é expulsa de suas terras no norte e parte para procurar emprego no sul.

‡ RASTROS DE ÓDIO (1956) Quando: no dia 02 de junho Classificação: Livre Duração: 119 minutos

Ethan Edwards, um ex-soldado confederado, volta para casa da Guerra Civil e descobre que sua família foi massacrada e sua sobrinha capturada por índios Comanche.

Documentário revisita obra do cineasta

Quando Peter Bogdanovich (diretor do clássico da Nova Hollywood, A Última Sessão de Cinema, de 1971) decidiu ser cineasta, ouviu do pai apenas um conselho: “Procure os grandes e aprenda tudo com eles”. Ele levou as palavras ao pé da letra. Não contente em ver e rever muitos filmes, bateu à porta de todos os grandes cineastas do período, munido de um gravador e de muita curiosidade. Por sorte dele, era o início dos anos 1960 e seus professores foram John Ford (1894-1973), Alfred Hitchcock (1899-1980) e Howard Hawks (1896-1977). Um dos resultados dessa empreitada, Dirigido por John Ford, iniciado em 1971 e só concluído em 2006, é um dos mais importantes documentários sobre vida e obra desse cineasta. O filme apresenta depoimentos de colaboradores de Ford, como John Wayne, Harry Carey Jr., James Stewart, Maureen O’Hara e Henry Fonda, e de diretores fãs de seu trabalho, como Martin Scorsese, Clint Eastwood e Steven Spielberg. O filme é narrado por Orson Welles, grande admirador dos filmes de Ford. O grande destaque do longa é o encontro entre Bogdanovich e John Ford, notadamente conhecido pelas poucas entrevistas concedidas durante sua carreira. Um dos mais renomados cineastas de todos os tempos, John Ford iniciou a carreira no cinema como ator, em 1914, por intermédio do irmão, o ator/diretor Francis Ford. Rapidamente começou a dirigir filmes de média e longa-duração, realizando mais de cinquenta filmes apenas no período do cinema silencioso. Ao final da década de 1920, John Ford já era um cineasta consagrado, e entre as décadas de 1930 e 1940, período que dirigiu marcos do cinema mundial. O filme de Bogdanovich, claro, não consta na programação da mostra promovida pelo Sesc, mas é uma boa dica para fãs do cineasta e para cinéfilos em geral. Procure na videolocadora de sua preferência, tente baixar nos sites e blogs de compartilhamento que abundam na web, mas não deixe de conferir.


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