Iggy and the Stooges: 40 anos de Raw Power

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MÚSICA. No grande do circo do rock ‘n’ roll, ninguém personificou o perigo como o americano Iggy Pop, o mais intenso performer que o gênero já produziu. À frente dos Stooges, o cantor promoveu uma das mais catárticas experiências musicais do universo pop, antecipando em anos o que a posteridade reconheceria como ‘punk’. Documento que sintetiza de forma definitiva o caos sonoro promovido pelo lendário grupo de Michigan, Raw Power, o terceiro disco da turma, alcança a marca de 40 anos de seu lançamento. Num tributo a este álbum seminal, a Gazeta passa a obra em revista. Não deixe de conferir

ROBSON LIMA/ARQUIVO GA

Lanny Gordin grava disco com parceiros de guitarra. B2

REPRODUÇÃO

Quarta-feira 23/01/2013

O ‘iguana’ Iggy Pop numa de suas alucinantes performances: antítese do sonho hippie

LUÍS GUSTAVO MELO REPÓRTER

Não fosse o fato de ser uma das mais originais e influentes formações da história do rock, os Stooges ainda valeriam pela lenda. Cria da mesma cena musical que na segunda metade dos anos 1960 deu ao mundo nomes como MC5, Alice Cooper e Ted Nugent e seus Amboy Dukes, o combo liderado pelo cantor Iggy Pop – Ron Asheton (guitarra), Scott Asheton (bateria) e Dave Alexander (baixo) – chegou barbarizando o circuito de casas noturnas de Detroit, em meados de 1967, como uma espécie de antítese do sonho hippie, apresentando já naquela época uma postura violenta e provocativa que prenunciava o pesadelo punk da década seguinte. Os lendários shows dos Stooges ficaram marcados como alguns dos mais apoteóticos (e aterrorizantes) eventos já registrados pelo showbizz. No palco o vocalista movia-se à velocidade de um demônio da tasmânia, mergulhando de cabeça no meio da plateia em inacreditáveis voos kamikazes, arrastandose sobre cacos de garrafas atiradas no palco e envolvendo-se em brigas verbais (e ocasionalmente físicas) com o público. Enquanto isso a banda trucidava os Marshalls, produzindo uma vigorosa rajada de barulho que fazia a audiência recuar fisicamente com a onda de choque. O impacto de tamanho espetáculo, claro, gerou um buchicho danado e não demorou muito para pintar um contrato de gravação com a Elektra Records, casa dos Doors, do Love e da Paul Butterfield Blues Band. Mas como os dois discos gravados pelo grupo – The Stooges (1969) e Fun House (1970) – não venderam quase nada e continuar com eles era encrenca certa, o selo decidiu então dispensá-los em pleno processo de concepção do que viria a ser o terceiro álbum da rapaziada: Raw Power. Assim, o ano de 1972 encontra essa turma meio por baixo. Ninguém parecia interessado naquele rock alucinado que eles faziam. Diante do impasse, Iggy resolve acabar com tudo e segue para Nova York. Mas, numa noite qualquer daquele ano, David Bowie e seu então empresário Tony DeFries apareceram no Max’s Kansas City – aquela famosa casa noturna que atraía boa parte do submundo novaiorquino da época e todo mundo que importava no mundo das artes – a fim

O COMEÇO DO FIM DO MUNDO

de encontrar o ex-vocalista dos Stooges. Grande admirador do performer, Bowie sabia que Iggy andava meio sem rumo e queria trazê-lo de volta com a ideia de levá-lo para a Inglaterra com uma proposta de contrato com a MainMan, a companhia que agenciava sua carreira durante a era Ziggy Stardust. O iguana aceita a proposta, com a condição de que possa levar junto o guitarrista James Williamson, um amigo que chegou a tocar com os Stooges em seus últimos dias. Antes de partirem, porém, ainda era preciso encontrar um selo que encarasse o risco de contratá-los. Antes de levar Iggy pra ver Clive Davis, o chefão da CBS na época, o empresário Tony DeFries disse ao cantor que aquela era uma jogada ‘vai-ou-racha’ para conseguir um verdadeiro c o n t r a t o p a r a g r a v a r. Chegando à sala do executivo, Iggy pulou em cima da mesa e cantou My Funny Valentine para Clive Davis. Funcionou.

ANARQUIA Em Londres, Bowie sugere que Iggy Pop e James Williamson formem um grupo com músicos ingleses. A dupla testa dezenas e dezenas de candidatos, entre eles integrantes do Mott the Hoople, do Pink Fairies e até mesmo dos Spiders from Mars. Nenhum deu muito certo. Até que finalmente Williamson sugeriu o que para qualquer um seria a solução obvia e mais acertada: chamar os irmãos Ron e Scott Ashton, membros originais dos Stooges. Após alguma resistência, os dois resolveram aceitar o convide de recome-

çar tudo do outro lado Atlântico. A banda agora passaria a se chamar Iggy and the Stooges. Reunido, o grupo trancou-se numa casa nos arredores de Londres e passou a ensaiar por dias a fio, gravando demos e praticando exaustivamente. Dessas sessões, vários temas não foram aproveitados em Raw Power (canções hoje clássicas como I Got a Right, I’m Sick of You, Scene of the Crime e Tight Pants seriam editadas postumamente no EP I’m Sick of You, um disco obscuro durante muito tempo). “James estava tocando guitarra solo, eu estava tocando baixo e Scott estava na bateria”, lembra Ron Asheton. “A gente ensaiava da meia-noite às seis, exatamente como naquela maravilhosa canção dos Pretty Things, Midnight to Six.” Uma versão embrionária do treme-terra Search and Destroy também emergiu daquelas sessões e foi o primeiro tema a ser mostrado para Tony DeFries, que odiou a canção e disse que jamais lançaria aquilo num álbum. Foi Bowie quem convenceu DeFries a deixar a banda fazer o que bem entendesse.

MIXAGEM O clima naquela época era de muita loucura e extravagâncias. Adiantamentos da CBS para a gravação do disco eram torrados com drogas e farras, ao invés de aplicados na gravação do álbum. A coisa chegou a tal ponto que Iggy e os Stooges entraram em estúdio para fazer Raw Power e, durante os 12 dias em que rolaram as gravações, nem Bowie, nem DeFries ou qualquer membro do staff da Main-

Man sequer deu as caras para ver o que estava acontecendo. Ao longo desse processo, eram apenas Iggy, os Stooges e as drogas. A princípio David Bowie bem que tentou assumir o controle da produção do disco, como fizera no álbum Transformer, de Lou Reed. Mas Iggy rechaçou a ideia, queria ter total controle sobre a obra e cuidou de fazer ele mesmo a mixagem da gravação; e a fez de forma bem amadora e crua. DeFries caiu para trás quando ouviu o resultado final, e tratou de mandar Iggy para Hollywood. Em seguida, Bowie também seguiu para lá para tentar convencer Iggy a remixar o disco, pois a CBS se recusava a lançá-lo daquela maneira. Muito a contragosto, o artista finalmente cedeu. A versão original de Raw Power, rejeitada há quatro décadas, acabou sendo lançada em CD por Iggy em 1997 e é altamente recomendável. “Eu sabia que seria amaldiçoado por lançar algo como Raw Power”, disse Iggy certa feita. “Sabia que ninguém iria promover o disco, que ninguém iria tocá-lo no rádio, e sabia também que muita gente iria odiar o disco; mas, por outro lado, estava completamente convencido de aquela era a melhor música que eu poderia fazer. O que aconteceu foi que na época que terminei Raw Power meus padrões eram diferentes dos das outras pessoas. Só consigo colocar deste jeito. Eu queria que a música saísse do alto-falante e te agarrasse pela garganta e batesse a tua cabeça contra a parede e basicamente te matasse”.

TRILHA PARA O HOLOCAUSTO

Presença constante nas listas de melhores discos de rock de todos os tempos, Raw Power já foi definido como a trilha sonora para o fim do mundo. Search and Destroy é o melhor tema de abertura já gravado por um grupo de rock. Gimme Danger acena para os Doors e é uma ode à vida bissexual. No drive maníaco de You Pretty Face is Going to Hell os Stooges confirmam a fama de banda mais letal da história. Guitarras sujas e afiadas como navalha, baixo e bateria induzindo a abalos sísmicos. Os ânimos se acalmam na lânguida Penetration, primeira composição de Iggy com o guitarrista James Williamson. A faixa-título é um rock cru, básico e bruto. I Need Somebody é um blues torto de letra arrepiante – “Estou perdendo todos os meus sentimentos/ E estou ficando sem amigos/ Morro numa história/ Vivo só pra cantar esta canção” – e a levada esquizoide de Shake Appeal é o crescendo perfeito para o prelúdio de juízo final com a mortífera Death Trip. Ao final das gravações, a banda estava completamente exausta. Aprontaram horrores até serem mais uma vez demitidos e mandados de volta para os EUA antes que algo pior acontecesse. “Eles puseram a casa abaixo e tumultuaram totalmente a vizinhança até serem despejados. Foi por isso que acaba-

ram sendo trazidos da Inglaterra. A MainMan não conseguia achar nenhum lugar pra eles, e estavam com medo de que Iggy fosse deportado a qualquer minuto”, lembrou o vice-presidente da gravadora, Leee Black Childers. Uma banda de garagem comandada por um alucinado ou um grupo afinadíssimo apontando para o futuro? Mais do que um repertório de grandes canções, Raw Power é o documento definitivo do poderoso holocausto sonoro promovido pelos Stooges em sua forma mais niilista. Quarenta anos após seu lançamento, muita coisa rolou na grande indústria do entretenimento, e, de tempos em tempos, alguém tenta em vão reproduzir a sanha de Iggy e sua turma. A grande questão, que parece perdurar para sempre, é: como superar isso? LGM ‡

Serviço Disco: Raw Power – 2 CD Legacy Edition Banda: Iggy and the Stooges Gravadora: Sony Music Preço: US$ 13,99 (importado, sem frete)


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