ACERVO MIS-RJ/REPRODUÇÃO
Esta é uma história semelhante a muitas outras já contadas aqui neste Caderno B: artista talentoso surge com uma novidade, faz sucesso por determinado período e, desprendido das coisas práticas, morre pobre em virtude
PRESENTE NO PASSADO
da desregrada vida boêmia. Músico nordestino que como Luiz Gonzaga fez fama no Rio de Janeiro, Augusto Calheiros se encaixa perfeitamente nesse perfil. Mas, ao contrário de Gonzagão, sua obra não logrou sobrevida e caiu no esquecimento. Nesta edição, a Gazeta recupera a trajetória do cantor alagoano que fez sucesso na era do rádio, influenciou
Domingo 02/12/2012
nomes da grandeza de Noel Rosa e ficou conhecido como ‘A Patativa do Norte’. Não dá para perder
Leia nas págs. B2, B5 e B6
Augusto Calheiros nasceu em Maceió, a 05 de junho de 1891, viveu parte da juventude em Garanhuns e iniciou a carreira artística no Recife, em meados de 1920
B 2 Caderno B
GAZETA DE ALAGOAS, 02 de dezembro de 2012, Domingo VANESSA MOTA/DIVULGAÇÃO
CONTINUAÇÃO DA PÁG. B1. Foi por obra do acaso que o jornalista e cineasta Rafhael Barbosa topou com Visão do Passado: “Pedi sugestões a um amigo, que me sugeriu três nomes, inclusive o do Augusto Calheiros. Fui ouvir as músicas dele, e uma das primeiras que encontrei no YouTube foi esta”, conta o autor do curta O Que Lembro, Tenho
UM LANCE DO DESTINO NA TRILHA DE UM CURTA À frente do quinteto Turunas da Mauricéia, Calheiros encantou a cidade do Rio de Janeiro em fins da década de 1920 LUÍS GUSTAVO MELO REPÓRTER
“Quem atravessasse o Largo da Carioca, rumando para a Rua Senador Dantas, veria, à esquerda, como hoje, a Galeria Cruzeiro e, caminhando mais, veria, à direita, um prédio acachapado, onde funcionava a Imprensa Nacional. A seguir, recuada do alinhamento, vinha uma construção feia, pobre, assobradada, em estilo arcaico. Possuía grandes portões e altas grades de ferro. No sobrado, largas varandas onde, em dias de gala, poderiam ser vistas, sorvendo ar fresco, as mais destacadas figuras da sociedade, das letras, da política, da ciência. Era ali o celebérrimo Teatro Lírico, elogiado por suas poltronas confortáveis e mais ainda por sua extraordinária acústica, jamais superada por qualquer outra casa de espetáculos no Brasil. Foi ali que o Rio de Janeiro viu e ouviu pela primeira vez um caboclo alto, desempenado, simpático, de voz timbrada, afinadíssima, de rara extensão, alcançando facilmente o mais grave e o mais agudo, e de volume comparável ao dos maiores cantores do mundo. Chamava-se Augusto Calheiros”. O texto acima foi escrito pelo cantor, compositor e radialista carioca Henrique Foreis Domingues, o Almirante (1908-1980), na contracapa de uma antologia de Augusto Calheiros editada pelo selo Odeon em 1956. Para quem está chegando agora, Calheiros foi um cantor alagoano responsável pela fundação de um influente e muito bem-sucedido conjunto musical no Rio de Janeiro dos primórdios da era do rádio, os Turunas da Mauricéia. Esquecido em sua própria terra, foi num desses incríveis lances do acaso que uma de suas músicas, Visão do Passado, voltou a ser ouvida por aqui ao receber destaque na trilha sonora
do curta metragem O Que Lembro, Tenho, de Rafhael Barbosa. “Quando escrevi o roteiro, havia uma cena em que a protagonista ouvia música no rádio. era uma das cenas que representavam o passado dela”, diz o jornalista e cineasta sobre a produção, premiada em seis categorias na Mostra Sururu de Cinema Alagoano deste ano. “Então produzimos a direção de arte, escolhemos um rádio antigo representando a época da juventude dela, por volta dos anos 1950. Isso não era bem definido; até então, não tínhamos escolhido que som ela ouviria no rádio. Isso seria resolvido na pós-produção. quando comecei a montar o filme, eu já estava preparando meu espírito para fazer uma longa pesquisa. Mergulhar em arquivos pessoais de amigos, e também do Misa. Só que não foi necessário”, conta Rafhael. “Pedi sugestões a um amigo que gosta muito de músicas desse período, o Ivan Freitas. Conversamos um pouco, eu falei dos sentimentos que queria despertar com a música. Então ele me sugeriu três nomes, inclusive o do Augusto Calheiros. Daí eu fui ouvir as músicas dele, e uma das primeiras que encontrei no YouTube foi Visão do Passado. Ela já me chamou atenção pelo nome, que tinha tudo a ver com o conflito principal do filme. E quando ouvi fiquei impressionado, parecia que a música tinha sido feita para o filme, ou o filme para a música”, afirma o diretor. Surpreendente mesmo foi descobrir que o cantor era alagoano. “Eu não sabia nada sobre ele. A etapa seguinte foi sair em busca dos direitos da obra, e foi aí que descobri que ele era alagoano. Quando isso aconteceu, me arrepiei todo; fiquei muito feliz, justamente por ter a chance de trazer o nome dele à tona. Assim como eu, muita gente não o conhece, não sabe quem ele foi”.
Dona Anita das Neves em cena no comovente O Que Lembro, Tenho, curta que resgata um dos sucessos de Augusto Calheiros
MEMÓRIA SOTERRADA PELA ‘INTELIGENTSIA’
RAFHAEL BARBOSA CINEASTA
“Eu não sabia nada sobre ele. A etapa seguinte foi sair em busca dos direitos da obra, e foi aí que descobri que ele era alagoano. Quando isso aconteceu, me arrepiei todo; fiquei muito feliz, justamente por ter a chance de trazer o nome dele à tona. Assim como eu, muita gente não o conhece, não sabe quem ele foi”
Triste terra essa nossa, tão hostil à memória que esquece seus vultos e artistas e cujo desinteresse pela documentação de sua própria história traduz de forma tão brutal a baixa auto-estima de sua gente. A obscena escassez bibliográfica sobre o cantor alagoano conhecido nacionalmente como A Patativa do Norte, por exemplo, quase derruba nossa reportagem-resgate. “Se dizia que ele era alagoano, mas se dizia também que ele era de Garanhuns (PE). O professor Moacir Medeiros de Santana, que é um dos grandes historiadores alagoanos, esnobado por uns, criticado por outros, mas respeitado nacionalmente, foi quem escreveu um livro (não publicado) sobre Augusto Calheiros e foi ele quem descobriu a documentação que comprova que Calheiros nasceu em Maceió, para os lados da Levada, filho de um português e de uma empregada doméstica. Calheiros era um homem semi-analfabeto”, diz o poeta, tradutor, crítico e compositor Marcos de Farias Costa em entrevista à Gazeta. “O livro do professor Moacir Santana deve estar inédito porque ele não conseguiu mobilizar a ‘inteligentsia’ alagoana, nem nenhuma sumidade política; essa gente é muito sábia, muito grande, é difícil chegar a esses deuses. O olimpo alagoano a cada dia fede mais”, dispara. As fontes mais seguras confirmam que Augusto Calheiros de fato nasceu em Maceió, a 05 de junho de 1891, viveu parte da juventude em Garanhuns e iniciou a carreira artística no Recife em meados de 1920. Quando conheceu o virtuose das cordas Luperce Miranda, formou na capital pernambucana o grupo Turunas da Mauricéia, junto com os irmãos de Luperce, João (bandolim)
e Romualdo Miranda (violão) e o compositor cego Manoel Bezerra Lima (violão de 12 cordas), que já foi considerado o maior violonista do Brasil.
NOVAS PRAÇAS Cantando emboladas, cocos e sambas nordestinos, o conjunto transferiuse para o Rio de Janeiro em 05 de janeiro de 1927, permanecendo hospedado nos primeiros dias na modesta residência de um taifeiro de bordo, no bairro da Saúde. Mas em pouco tempo seus integrantes estabeleceram contato com alguns dos mais proeminentes nomes do meio musical do Rio, e já no dia 22 daquele mês conquistaram grande prestígio numa consagradora noite de estreia no antigo Teatro Lírico, sob o patrocínio do jornal Correio da Manhã. Apresentando-se em trajes ao estilo caipira, com chapéus de palha de grandes abas nas quais apareciam pintados seus respectivos apelidos – Patativa do Norte, Riachão, Gajurema, Periquito e Bronzeado –, o conjunto apresentou um repertório completamente novo para o público carioca. O impacto foi tamanho que logo começaram a pipocar dezenas de grupos imitando aquele curioso quinteto nordestino. Compositores consagrados como Noel Rosa e Almirante não apenas nutriam grande admiração pelos Turunas como algumas de suas primeiras músicas eram bastante semelhantes às da turma de Augusto Calheiros. “Ninguém seria capaz de descrever a emoção com que nosso público ouviu, naquela noite encantadora, sambas de rara beleza como Samba no Caná”, registrou Almirante em seu livro No Tempo de Noel Rosa. Músicas como Tás com Medo, Falas!, Nêgo Preto e Pandeiro Furado, entre ou-
tras, tornaram-se populares e a embolada Pinião foi o grande sucesso do carnaval de 1928. Após registrar alguns disquinhos em 78 rotações, o grupo se desintegrou em meados de 1929, e Calheiros seguiu então carreira como solista, apresentando-se em teatros, circos e programas de rádio, além de dividir o palco com nomes como Apolo Correa, Jararaca e Ratinho e Dercy Gonçalves, no teatro popular Casa de Caboclo. Em 1936, cantou no longametragem Maria Bonita. Deixou um legado de 80 discos com 154 músicas, sendo o último deles lançado exatamente no mês do seu falecimento. Quando adoeceu, em fins de 1955, o músico encontrava-se sem recursos financeiros, uma consequência da vida boêmia. O amigo e grande admirador Almirante realizou então uma campanha para ajudá-lo, ao inventar um ‘Livro de Contos’ no qual cada doador ocupava uma página ao contribuir com mil cruzeiros (um conto de réis). O livro foi inteiramente preenchido, mas apesar do carinho e da solidariedade recebida, o cantor veio a falecer no dia 11 de janeiro de 1956, na capital carioca. Em março de 1968, Almirante participou, em Pernambuco, das homenagens ao artista, cujos restos mortais estavam depositados no Cemitério de São Miguel, na cidade de Garanhuns. Nesta edição, a Gazeta traz as memórias de Marcos de Farias Costa, que na mocidade, na década de 1950, entrou em contato com a voz e os versos de Augusto Calheiros. O poeta, crítico e compositor relembra de importantes momentos da história da música brasileira e fala mais sobre o alagoano cuja voz parece ter sido esquecida por aqui. Vale a pena conferir. LGM ‡
Caderno B 5 B
Domingo, 02 de dezembro de 2012, GAZETA DE ALAGOAS
CONTINUAÇÃO DA PÁG. B1. Ao recuperar as memórias de sua mocidade, o poeta, tradutor, crítico e compositor Marcos de Farias Costa conta como teve contato com a música de Augusto Calheiros
LEMBRANÇAS DE UM TEMPO QUE NÃO VOLTA MAIS
“A voz do Calheiros é tão comum para mim como para a juventude de hoje é a de Milton Nascimento”, diz ele CARLA CASTELLOTTI REPÓRTER
Cantor da era do rádio, assim como muitos de seus contemporâneos Augusto Calheiros não tinha um rosto propriamente famoso. É o que o poeta, tradutor, crítico e compositor Marcos de Farias Costa, 60, afirma ao contar que Calheiros fez, sim, sucesso no seu tempo. Um sucesso, porém, muito diferente do que conhecemos hoje. Não existia assédio, paparazzi, shows para milhões de pessoas, nada disso. Na década de 1920, as bases da música brasileira ainda estavam por se formar e a indústria fonográfica era só um embrião do que um dia viria a ser. “O camarada que vivia em Maceió em meados de 1930 poderia até ter o disco do Augusto Calheiros em 78 rotações, mas ele não sabia qual era a cara do cantor. A glamourização da fisionomia, do rosto do artista, começa quando surgem grandes revistas como O Cruzeiro, Manchete, com o surgimento da grande imprensa nacional – que passa a transmitir para todo o Brasil as fisionomias dos artistas. Aí surgem os fãs e as fanzocas. Resumindo, em 1928 você ouvia Augusto Calheiros, mas não sabia quem ele era”, anota o autor de Cantata Sáfica. Nascido em 1952, em sua infância, quando a imagem de um artista já tinha lá seu apelo no mundo do showbizz, Marcos de Farias Costa conta que foi fisgado essencialmente pela voz e pelos versos de Augusto Calheiros. “A voz do Calheiros para mim é tão comum como é para a juventude de hoje a de Milton Nascimento ou Wesley Safadão (risos). Assim como para a grande
Tem na rede Achar discos e músicas de Augusto Calheiros por aí não é missão das mais fáceis. Mas se você ficou curioso e gostaria de ouvir algo da obra deste alagoano que fez sucesso no século passado, a Rádio UOL (curiosamente ) disponibiliza uma playlist com 30 sucessos do cantor. As canções você confere aqui: http://goo.gl/FD9pm.
faixa da juventude brasileira esses nomes são comuns, para mim, que me criei nessa dieta musical rigorosa, nomes comuns eram Augusto Calheiros, Francisco Alves, Cauby Peixoto, Orlando Silva, Nelson Gonçalves, Mário Reis e Carlos Galhardo”. A lembrança mais antiga de Marcos acerca da música de Calheiros está associada às cantorias de seu pai, Orlando. “Meu pai era cantor de banheiro. Não era um operista napolitano, mas ele cantava muitas músicas. Meu pai gostava muito de Calheiros – até me emociona lembrar disso”, diz o poeta. “Uma das canções de Calheiros que papai gostava de cantar era Ave Maria, uma música do (compositor) Erotides de Campos, um clássico de Augusto Calheiros”, pontua.
NO SANGUE Ainda que determinante, à influência do pai somava-se também o universo no qual Marcos cresceu, no qual vivia. “Eu me criei numa casa onde se ouvia muita música. Na rua onde me criei, havia uma senhora que era pianista, em frente tinha um cidadão que foi diretor musical da Rádio Difusora, que colocava para tocar o dia todo Vicente Celestino e Augusto Calheiros. Então a dieta musical da minha infância foi esse pessoal. Eu não preciso estudar Augusto Calheiros, não preciso estudar Orlando Silva, porque isso está dentro do meu sangue, eu passei a infância ouvindo isso”, rememora ele. E foi assim, naturalmente, que Marcos de Farias Costa procurou saber mais sobre os cantores e compositores que admirava. O poeta conta que Calheiros começou na música cantando, como era comum no Nordeste daquele tempo, emboladas e outros gêneros tidos como regionais. Após migrar de Maceió para o Recife, passou a integrar o conjunto Turunas da Mauricéia, com o qual rumou, em fins da década de 1920, para o Rio de Janeiro; lá segue carreira com o conjunto até se lançar como artista solo e passar a ser conhecido como ‘A Patativa do Norte’, em referência a uma ave típica do Nordeste. “Augusto Calheiros foi, digamos, um Luiz Gonzaga que não deu certo. Se bem que, de alguma forma, ele deu certo. Ainda assim, ele não alcançou a notoriedade que, 20, 30 anos depois, Luiz Gonzaga alcançaria. Na realidade, o Turunas da Mauricéia e o Augusto Calheiros foram para o Rio de Janeiro e cantaram no Teatro Lírico. Noel Rosa, na plateia, chegou a escutá-los e o começo do Noel Rosa é ‘calheiriano’. A primeira música que Noel compôs é uma embolada e a última música que ele fez, que ele tamborilou na mesa antes d e m o r r e r, t a m b é m foi uma embolada”, destaca Marcos. O SAMBA, NO INÍCIO As próprias canções de Calheiros davam uma pista de sua trajetória. “Augusto Calheiros foi um
cantor que gostava de registrar as regiões geográficas em que vivia. Ele cantava sobre Maceió, Recife, a Paraíba, o Nordeste”, elenca Marcos de Farias Costa, ao ressaltar que a música da ‘Patativa do Norte’ não se resumia a gêneros tidos como regionais. “Ele cantou samba também. No começo ele surge com a música regional, mas com o tempo ele tem que atender à deman-
da e à multiplicidade de gêneros que surgiam no Brasil à época”. O detalhe curioso nessa história é que o samba, o mais nacional dos gêneros musicais, engatinhava naquela época. “O samba surgiu no país entre os anos 1920 e 30, com a Turma do Estácio; depois veio Noel Rosa e o samba se tornou o gênero predominante”, lembra Marcos. “Na época de Calheiros,
no entanto, não existiam os dois ritmos, samba e marchinha, assim bem delimitados. Isso se dá justamente na época dele”. E ainda que Augusto Calheiros não passe de um desconhecido para as novas gerações e pouco se tenha notícia dele em Alagoas, há quem o coloque na lista dos maiores artistas brasileiros. Exagero? Não para o violonista Carlos Lyra. Marcos de Farias
lembra de quando interpelou o músico bossa-novista com a pergunta de quem seria, em definitivo, o mais importante cantor brasileiro. A resposta de Lyra, diz Marcos, o surpreendeu. “Você pensa que eu vou dizer que é Orlando Silva, Francisco Alves, Nelson Gonçalves?”, falou, para em seguida soltar: “Para mim, o maior cantor brasileiro é o alagoano Augusto Calheiros”.
B 6 Caderno B
GAZETA DE ALAGOAS, 02 de dezembro de 2012, Domingo
CONTINUAÇÃO DA PÁG. B1. “É importante que o nome dele e a obra dele voltem a ser divulgados, porque mesmo quem não gosta da voz dele não pode dizer que ele não foi um grande intérprete”, diz Marcos de Farias Costa
AS CANÇÕES FAVORITAS DO POETA Escolhas vão do sucesso carnavalesco Pinião à embolada Pequeno Tururu CARLA CASTELLOTTI REPÓRTER
Marcos de Farias Costa não parou de cantar. Enquanto resgatava uma memória e outra na conversa com a reportagem da Gazeta, o poeta que acumula funções – entre elas a de
‡ PINIÃO fez muito sucesso em 1928. Foi um sucesso carnavalesco no Rio de Janeiro daquela época. Era uma canção carnavalesca [cantarola: “Pinião, pinião, pinião/ pinto correu/ com medo de gavião/ por isso mesmo sabiá cantou/ bateu asas/ e foi comer melão”].
‡ AVE MARIA é um dos grandes clássicos de Calheiros – é uma valsa onde ele faz uma espécie de falsete lírico. Essa música é de Erotides de Campos. Eu ouvi muito meu pai cantar quando era pequeno.
‡ REVENDO O PASSADO é outro clássico dele. É uma música que promove uma espécie de celebração nostálgica passadista [cantarola: “Recordar é viver/ diz o velho ditado/ recordar é sofrer/ saudades do passado/
manter de portas abertas o sebo Dialética, instalado em Jaraguá – cantarolava algumas das canções eternizadas na voz de Augusto Calheiros. “As músicas de Augusto Calheiros costumavam fazer uma crônica nostálgica do cotidiano”, diz Marcos, enfatizando a importância de proteger nomes como o de ‘Patativa do Norte’ do esquecimento: “É importante que o nome dele e a obra dele voltem a ser divulgados, porque mesmo
quem não gosta da voz dele – uma voz esgoelada, ainda que ele fosse afinadíssimo – não pode dizer que ele não foi um grande intérprete”, observa. Em nome da tradição, defende Marcos, o legado de Augusto Calheiros deve ser celebrado. Pra lembrar de sua música, pedimos ao autor de títulos como Comédia de Eros e Doce Estilo Novo que elegesse suas canções preferidas de ‘Patativa do Norte’. Confira a lista a seguir.
um sonho que viveu/ em nossos corações”].
gues de Resende. Célia era irmã do alagoano ilustre dr. Sílvio de Macedo e Augusto Calheiros gravou a música de José Rodrigo de Resende – que havia se apaixonado por Célia [cantarola: “Célia por você me apaixonei/ num ninho de ternura...”].
‡ GRANDE AGONIA é a grande música de Calheiros. É outro clássico. É uma música, digamos assim, de inspiração bíblica, de inspiração litúrgica. [cantarola: “Quando a mocidade me deixar um dia...”]. Ele começa a falar do perdão, que Jesus perdoou Madalena. E depois ele diz que com ele é diferente [cantarola: “Guardo rancor de sua ingratidão/ minh’alma ao relembrar/ jamais perdoaria”]. Ele começa a mostrar na música que Cristo perdoou tudo, foi zombado, mas perdoou a todos, ainda assim na música Calheiros finaliza dizendo que com ele é diferente. ‡ CÉLIA é uma música interessante porque é de um parceiro dele, o arapiraquense José Rodri-
‡ PEQUENO TURURU é uma das emboladas de Calheiros. É muito bonita essa música [cantarola: “Minha cumadi ainda ontem deu a luz/ se pegou-se com Jesus na porta da camarinha/ chamou-me na cozinha/ Jeca me dá um tostão/ deixe de ser tão vilão/ vai comprar uma quarta de jabá/ que tu não come galinha/ e balança o pequeno Tururu”]. Essa música podia ser regravada com outra roupagem harmônica por qualquer grupo moderno. As letras e harmonias são boas.
FELIPE BRASIL/ARQUIVO GA
MARCOS DE FARIAS COSTA POETA, TRADUTOR, CRÍTICO E COMPOSITOR
“Grande Agonia é uma música, digamos assim, de inspiração bíblica, de inspiração litúrgica. Ele começa a mostrar na música que Cristo perdoou tudo, foi zombado, mas perdoou a todos. Ainda assim, na música Calheiros finaliza dizendo que com ele é diferente”
O cantor esquecido “Não somos mais a zona de silêncio do Brasil”. Com essas palavras, o então governador de Alagoas, Silvestre Péricles (1896-1972), inaugurava em 1948 a Rádio Difusora de Alagoas. Com um grande elenco de atrizes e atores, cantores, músicos e um time de respeitados apresentadores e locutores, eram iniciadas as atividades da mais antiga rádio do estado, que acabou conhecida como ‘Caçulinha das Américas’. Criada com a justificativa de que o então governador precisava
se defender das acusações que a oposição lhe fazia à época por meio da imprensa (para isso, era necessário uma emissora de rádio), a Difusora foi montada. Num cenário como este, não espanta que a memória já fosse tratada com descaso. E é Marcos de Farias Costa o responsável por recuperar outro dado curioso em torno da história da festa que marcou a criação da Difusora. “Em 1948, Augusto Calheiros foi esquecido em sua própria terra natal ao não ser convidado para
a inauguração da Rádio Difusora”, diz o poeta. “Inclusive se fala que ele teve uma grande tristeza, quando da inauguração da rádio – se a memória não me corneia, em 16 de setembro de 1948 Calheiros não foi convidado para participar do evento e, por isso, dizem que ele teria ficado muito triste, sentido, amargurado”, diz Marcos. Para o autor de À Queima Roupa, nada mais natural. “É uma coisa muito comum em Maceió: os artistas são esquecidos”.