ELISABETE ALVES/DIVULGAÇÃO
Ministra Marta Suplicy anuncia que Vale-cultura servirá para mensalidade da TV paga. B2
AUDIOVISUAL. Mais um sintoma da democratização trazida pelos meios digitais, atualmente vias alternativas têm tornado possível a qualquer pessoa expressar sua visão de mundo por meio de um filme produzido com pouquíssimos recursos, e sem que mesmo seja preciso sair de casa. Exemplo dessa realidade dos novos modos de produção e de difusão do audiovisual, o documentário Derrubaram o Pinheirinho, do alagoano Fabiano Amorim, já alcança mais dez mil visualizações no Youtube e repercute na mídia nacional. Uma prova de que ninguém está longe demais dos grandes centros. FELIPE BRASIL
Quarta-feira 27/02/2013
FEITO EM CASA REPÓRTER
Há pelo menos uma década um novo cinema brasileiro floresce nos subterrâneos, descartando velhas fórmulas e experimentando novas linguagens e modos de produção. Com os pés bem fincados no chão e uma boa dose de inventividade e improviso, os expoentes da nova geração tomaram para si a certeza de que a vida é curta demais para esperar pela aprovação de projetos em editais públicos e por captações de recursos via leis de incentivo, e resolveram criar eles mesmos os meios necessários para produzirem suas obras audiovisuais a partir das tecnologias digitais disponíveis. A essa movimentação por vias alternativas os especialistas chamam de “cinema de garagem”, termo cunhado pelo cineasta, crítico e pesquisador carioca Marcelo Ikeda, que faz questão de atentar para o detalhe de que esse novo movimento nada tem a ver com o cinema trash de realizadores como Petter Baiestorf ou o chamado ‘cinema de bordas’. “É uma discussão ampla, mas em linhas gerais eu diria que são filmes realizados não visando sua inserção no mercado, como meros produtos da indústria cultural, mas que são primordialmente expressões das visões de mundo e de arte de seus realizadores. Com o termo ‘de garagem’, busco apontar para outros modos de produção, para além do ‘cinema industrial’”, explica, Ikeda, que atualmente leciona cinema brasileiro na Universidade Federal do Ceará. “Esse termo também problematiza as fronteiras entre o ‘amador’ e o ‘profissional’, que cada vez mais estão borradas. Essas diferenças não estão tão propriamente marcadas no campo da técnica (a tecnologia está cada vez
mais acessível) mas sobretudo por uma postura ética do artista, que volta sua produção essencialmente não para o mercado, mas sim para uma vocação de expressão mais propriamente pessoal”, analisa o pesquisador. Para o Ikeda, o fator econômico se configura como um ponto marcante, mas não é necessariamente a questão crucial. “A possibilidade de fazer filmes com pouco orçamento é uma questão importante, pois dá mais liberdade ao artista, mas, ao mesmo tempo, não é só de dinheiro e de filmes baratos que estamos falando. Queremos, também falar de possibilidades estéticas, éticas e políticas que surgiram a partir dessas novas possibilidades. Uma outra forma de estar no mundo, de se conectar com o mundo a partir do audiovisual”. Nesse sentido, um exemplo preciso desse novo modelo de produção audiovisual é o documentário Derrubaram o Pinheirinho, do alagoano Fabiano Amorim, um analista de sistemas de 26 anos, nascido em Palmeira dos Índios, que até então jamais havia tido qualquer experiência no ramo. Tudo começou em janeiro de 2012, quando Fabiano, sensibilizado com o drama dos moradores da comunidade do Pinheirinho, em São José dos Campos (SP), resolveu ir atrás dessa história. “Meu plano inicial era de filmar em São José dos Campos, mas o custo seria alto. Naquele momento em que iniciei, estava desempregado. Mesmo que voltasse a trabalhar não tinha boas reservas para assegurar todos os gastos”, lembra Fabiano, que deu início à empreitada uma semana após o episódio. “Percebi que a única forma de fazer esse filme seria por meio de imagens já existentes na internet, das várias reportagens de
TV e também de vídeos feitos antes, durante e depois da reintegração. Havia centenas de vídeos no Youtube. Com certeza não ficaria sem imagens para mostrar”, explica ele. Expectador assíduo de documentários e admirador do cineasta norteamericano Michael Moo-
ACERVO PESSOAL
LUÍS GUSTAVO MELO
Nascido em Palmeira dos Índios, o analista de sistemas de 26 anos realizou um longametragem sozinho e com recursos próprios
MARCELO IKEDA CRÍTICO DE CINEMA
re, Fabiano assimila a influência numa certa postura de homem comum em busca da verdade – mas sem o mesmo cinismo do realizador americano. “Pensando racionalmente, o fato de não ter qualquer experiência no campo audiovisual realmente poderia ser um grande empecilho. Mas a vontade de fazer esse documentário era algo muito forte. Não ia ser isso que ia me impedir”. O mais curioso mesmo nessa história talvez seja o fato de Fabiano ter realizado em sua estreia não um curta, mas um filme de 85 minutos, no qual procura explicar didaticamente todos os meandros que circundam o fato. “Pesquisei muita coisa para entender todo o processo. Explicações jurídicas são muito importantes para ajudar no argumento do filme. Procurei usar a linguagem mais simples possível para que os espectadores entendessem. Também me preocupei em só mostrar informações verificadas por mais de uma fonte. Não valia a pena colocar informações não confir-
“Se os recursos públicos para a produção cinematográfica ainda permanecem extremamente concentrados em projetos do eixo Rio-São Paulo, Derrubaram o Pinheirinho apresenta uma possibilidade de uma solução criativa de alguém que reside num estado ainda periférico na produção audiovisual brasileira”
madas, mesmo que fosse para ajudar o Pinheirinho”. Com mais de 10 mil acessos no Youtube, Derrubaram o Pinheirinho já foi mais visto do que qualquer outra produção audiovisual alagoana recente e repercutiu amplamente em páginas na internet, com artigos publicados por jornalistas, críticos de cinema, além de reportagens em veículos impressos como o jornal O Vale, de São José dos Campos. Mas por possuir esse caráter de urgência, seria possível associar Derrubaram o Pinheirinho ao termo ‘cinema de garagem’? “Sim”, afirma o crítico Marcelo Ikeda. “O filme é um exemplo das transformações nos modos de produção e de difusão do audiovisual nos últimos anos. Acho muito sintomático o fato de ter sido produzido por alguém sem uma formação específica em audiovisual ou em comunicação social. Não é mais preciso ser um cineasta para fazer um filme. É possível realizar uma obra com relevante alcance social sem grandes recursos orçamentários”. Para Ikeda, o fato de Fabiano ter realizado o filme praticamente sozinho, em sua casa, “mostra que não é preciso uma equipe numerosa, tampouco de equipamentos vultosos. Quanto à difusão, por meio de plataformas como o Youtube, potencializado pela divulgação em redes sociais, o filme, produzido fora do eixo Rio-São Paulo, conseguiu encontrar seu espaço de difusão, fora dos festivais de cinema ou da televisão. Se os recursos públicos para a produção cinematográfica ainda permanecem extremamente concentrados em projetos do eixo RioSão Paulo, Derrubaram o Pinheirinho apresenta uma possibilidade de uma solução criativa de alguém que reside num estado ainda periférico na produção audiovisual brasileira”, assinala Ikeda.
O fato de Fabiano Amorim ter construído o documentário em cima de imagens realizadas por reportagens televisivas, talvez suscite algumas dúvidas, já que o material reunido é produto de visões parciais da realidade, filtradas pela mídia. Mas para Marcelo Ikeda, esse detalhe é diluído pela forma que o realizador encontrou para contar a história. “A meu ver, o principal mérito de Derrubaram o Pinheirinho é como Fabiano conseguiu realizar um longa-metragem sobre um complexo fato político e social sem sequer ter visitado a região do Pinheirinho, quase que exclusivamente baseado em material de arquivo colhido na internet. Sua ‘novidade’, portanto, não reside no ineditismo do material apresentado, mas na forma original como o realizador recombina um material já disponível, organizando-o e apresentando ao espectador a sua própria leitura desses fatos. Por outro lado, acredito que o filme, formalmente, esteja mais próximo do jornalismo do que do cinema, especialmente pela função da voz-over (narração). Mas, em se tratando do primeiro filme do realizador, é um bom começo”, analisa. ‡
Serviço O quê: Documentário Derrubaram o Pinheirinho, de Fabiano Amorim Onde ver: no Youtube, por meio do link www.youtube.com/ watch?v=-OqKwup0b8c Mais informações: 9952-1731
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