Entrevista Frederico Pernambucano de Mello

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LUÍS GUSTAVO MELO REPÓRTER

Apesar de ter sua existência obscurecida pelo tempo, poucos personagens protagonizaram tão intensamente tantas das páginas decisivas da nossa história como o fotógrafo e mascate sírio Benjamin Abrahão Calil Botto, o secretário pessoal do mítico Padre Cícero Romão Batista (1844-1934) que, em meados da década de 1930, inscreveu seu nome nos anais da memória nacional como o homem que legou à eternidade as icônicas imagens do bando de Lampião. “Na crônica da região mais velha do Brasil, poucas vidas riscaram de modo tão incisivo os traços duros de uma encruzilhada quanto a do imigrante Benjamin Abrahão, objeto do livro que se vai ler. Que não é senão o retrato em preto e branco dos cruzamentos sucessivos de acontecimentos históricos conturbados e de perfis biográficos pouco comuns, a se abaterem, uns e outros, a modo de agregações postiças de risco – sempre de risco, quis o destino – sobre a solidão de vida de um forasteiro que não conseguiu ir além dos 37 anos de idade”, anota o historiador Frederico Eduardo Pernambucano de Mello na introdução de Benjamin Abrahão – Entre Anjos e Cangaceiros, seu mais novo livro, lançado pela Escrituras. Autoridade na cultura do Nordeste e maior especialista do país no tema do cangaço, há tempos Frederico Pernambucano de Mello acalentava o desejo de escrever a história de Benjamin Abrahão, figura que só veio a ser devidamente documentada em registros bibliográficos (justamente) no primeiro livro de Frederico sobre o cangaço, o já clássico Guerreiros do Sol – Violência e Banditismo no Nordeste do Brasil, título fundamental publicado em 1985 e cujo prefácio foi escrito pelo sociólogo Gilberto Freyre (1900-1987), seu mestre. Alguns talvez lembrem da figura do imigrante que fugiu da Síria para o Brasil durante a Segunda Guerra por sua representação no longa-metragem Baile Perfumado (1996), de Paulo Caldas e Lírio Ferreira, no qual o ótimo desempenho do ator paulista Duda Mamberte permitiu ao público acompanhar suas aventuras no período em que ele se embrenhou no sertão nordestino com o firme propósito de realizar um filme sobre Lampião.

PROJETO DE VIDA Benjamin Abrahão Calil Botto nasceu no ano de 1890, em Zahlé, num território árabe dominado pelo Império Otomano. O clima de terror de então leva o jovem a fugir sozinho da terra natal, rumo ao porto do Recife, onde chegou em 1915, com apenas 14 anos e meio de idade, sem dinheiro e sem rumo. Em meados de 1920 ele seguiria para o Juazeiro, no Ceará, atraído pela oportunidade de ganhar a vida no comércio resultante da frequência dos romeiros que lá peregrinavam em busca da

bênção do Padre Cícero. Hábil negociante e dono de uma senhora lábia, Abrahão terminou por conquistar o posto de secretário do Padre Cícero. Com a morte do líder religioso, em 1934, ele passou a investir no que seria seu grande projeto de vida. Quando finalmente encontrou os cangaceiros, a princípio foi recebido com desconfiança. Mas Lampião, vaidoso como só ele, logo foi seduzido pela possibilidade de registrar seu bando num filme que o sírio pretendia exibir em todo o Brasil e até no exterior. “Ele teve acesso a todos os subgrupos do bando, porque Lampião se interessou pela ideia do filme, pois queria mostrar o seu sucesso profissional no cangaço. Queria mostrar que seus homens não passavam fome, que seus homens tinham roupas da melhor qualidade, que seus homens até luxavam no ouro e na prata”, diz o historiador. Mais do que escrever a biografia de um homem com uma história de vida fascinante, a partir de um esmerado trabalho de pesquisa Frederico Pernambucano de Mello reconstitui um riquíssimo painel da sociedade brasileira daquela época, ligando vários pontos os quais, aparentemente, nada têm a ver com a história do biografado, mas que na realidade acabam por contextualizar de forma singular o ambiente em que ele vivia, bem como suas motivações. Numa entrevista esclarecedoramente didática à Gazeta, o estudioso fala de seu novo livro e, claro, de Lampião e do cangaço. É o que você lê a seguir. Não perca.

Gazeta. O senhor tem se dedicado ao estudo do cangaço há pelo menos 40 anos. Como surgiu o interesse pelo tema? Frederico Pernambucano de Mello. O cangaço hoje é, pelo que você pode deduzir de autores da melhor qualidade do Nordeste, como é o caso de Ariano Suassuna, um dos mais importantes temas de estudo da região e do país como um todo. Porque ele engloba manifestações de rebeldia popular, social, grupal, manifestadas, sobretudo, no interior do Nordeste. Ele representa uma tradição brasileira de resistência contra o domínio e os abusos do poder público e, portanto, é um tema que encerra um apelo épico popular, encerra uma carga de dramaticidade muito grande e diz respeito àquilo que se pode chamar de heróico popular. O cangaceiro era um herói aos olhos do homem humilde do povo. Não que ele representasse a figura que hoje nós aceitamos como herói, que é a do indivíduo filantropo, generoso... Na verdade o povo, quando coloca a palavra herói para caracterizar o cangaceiro, ele está se referindo àquele conceito clássico grego do herói, que era o indivíduo capaz de grandes prodígios para o bem e para o mal. Como era o conceito clássico primitivo mais puro do herói na Grécia. Você sabe que os deuses eram figuras muito discutidas do ponto de vista da moralidade,

SAGA NORDESTINA A consultoria em Baile Perfumado

BENJAMIN ABRAHÃO – ENTRE ANJOS E CANGACEIROS/ESCRITURAS EDITORA

Domingo 16/12/2012

HISTÓRIA. Tema de riqueza e abrangência monumentais, o cangaço é objeto de investigação do historiador Frederico Pernambucano de Mello há pelo menos 40 anos. Autor de obras fundamentais sobre esse universo, a exemplo dos clássicos Guerreiros do Sol – Violência e Banditismo no Nordeste do Brasil, Quem Foi Lampião e Estrelas de Couro – A Estética do Cangaço, o estudioso acaba de publicar mais um precioso exemplar dessa linhagem, Benjamin Abrahão – Entre Anjos e Cangaceiros, biografia do homem que imortalizou o bando de Lampião em película e em fotografias que estamparam jornais e revistas durante o Estado Novo. Em entrevista à Gazeta, ele fala sobre a obra e suas histórias surpreendentes. Não dá para perder

O jovem Benjamin Abrahão em visita ao Jornal do Recife, em 1923

capazes de todos os sentimentos positivos e negativos. O herói que vinha logo abaixo do panteão das entidades gregas também tinha que ter as mesmas características.

No prefácio de seu novo livro, o professor Eduardo Diatahy Bezerra de Menezes observa similaridades entre seu trabalho e o do sociólogo Gilberto Freyre (1900-1987). Qual a influência de Freyre em sua obra, em sua produção? Bem, na minha formação científica, eu fui muito influenciado por Gilberto Freyre, de quem fui um dos assistentes de 1972 até 1987, quando ele morreu. Então pelas mãos de Gilberto, eu me interessei por estudar a cultura do nordeste do Brasil, sobretudo aquela de expressão popular. Ora, dentro dessa cultura dois temas brilham mais do que os outros pela sua atratividade, pela carga emocional que eles encerram, até pelas contradições também que eles encerram, pelo lado polêmico, não é? Um deles é o chamado banditismo – para usar uma expressão de época, um pouco conotada de carga negativa, mas muito bem –, e o outro é o

misticismo, que na documentação de época vinha caracterizado como “fanatismo”, o fanatismo religioso. E o cangaço do outro lado. No banditismo, o cangaço; no fanatismo, as manifestações de várias sociedades que se formaram pelo interior, a maior das quais foi Canudos, destruída a ferro e fogo em 1897.

Mas em que ponto essa influência do Freyre é mais perceptível? Muito bem. Primeiro, Gilberto respeitava a história política, que é aquela história mais tradicional que trata dos tratados, das batalhas, dos acontecimentos do oficialismo, mas Gilberto também dava grande importância aos fatos privados, à fontes que anteriormente a ele não eram consideradas. Vou dar só um exemplo: os anúncios de jornal do século 19, sobre venda e compra de escravos. Ninguém nunca tinha se debruçado sobre isso. Gilberto Freyre examinou esses anúncios de escravos como uma fonte preciosa para a caracterização da escravidão no Brasil. Reclames comerciais, anúncios comerciais – Gilberto ti-

nha em conta como fontes. Então eu diria que a primeira influência que eu recebi de Gilberto Freyre foi a de ser promíscuo na questão das fontes. Não ignorar fonte nenhuma. Qualquer uma delas traz para o historiador, traz para o sociólogo uma contribuição, um esclarecimento. Muitas vezes Gilberto salientava – me lembro bem disso – a importância daquilo que ele chamava de “pormenor que ilumina”. Às vezes até uma anedota, um fato curioso que não era normalmente levado a sério por aquele historiador de antigamente, Gilberto tinha em conta como um ponto positivo de informação, de esclarecimento e de ilustração da matéria que se estava estudando. E também uma questão importante: não ser apegado a apenas um método, usar uma pluralidade de métodos segundo o assunto sob estudo. Então de acordo com o objeto que esteja em estudo, o historiador pode utilizar mais de uma metodologia, não precisa ter aquela dedicação que no passado se resumia a um método apenas. ‡ Continua nas págs. B2, B6 e B8

Frederico Pernambucano de Mello fala sobre seu trabalho como consultor histórico na produção do longa-metragem de Paulo Caldas e Lírio Ferreira No Baile Perfumado, os dois diretores ouviram muito a contribuição que cabia ao historiador dar como seu papel. Agora, por exemplo, na introdução do livro eu reclamo um pouco do ator que viveu Lampião, porque Lampião é uma figura muito paradoxal. Lampião na intimidade, no convívio com os coronéis poderosos do sertão, no convívio com os políticos, as autoridades e etc., era o homem mais agradável do mundo. Muito educado, falava baixo, quase sussurrando. Não tinha ares acafajestados, absolutamente. Eu acho que no filme o Lampião pareceu um pouco debochado, com uma autoridade meio assim que na intimidade ele não tinha. Por isso que Lampião seduziu praticamente todos os coronéis do sertão, que passaram a ser seus aliados. Hoje, como historiador, eu lhe digo, é difícil você ter com inteira certeza o nome de um coronel sertanejo que não tenha direta ou indiretamente auxiliado Lampião. Porque ele era essa figura fascinante, sedutora, no contato íntimo, o que levava as pessoas a ficarem surpresas. Eu até diria a você o seguinte: eu cruzei, ao longo de minha vida de pesquisador, uma quantidade enorme de depoimentos de pessoas que privaram com Lampião em situação de alguma intimidade. Quer dizer, o indivíduo que teve apenas um contato, eu não considerei. Considerei pessoas que conviveram com ele por meses ou anos. Então quando você coloca essas constantes de temperamento e caráter como se fosse numa peneira, para depois ver o que vai ficar na peneira, você anote aí que o que fica sobre Lampião: alto, moreno, calmo, bem educado. Isso é surpreendente! Então isso o filme mostrou parcialmente. Mas eu tenho a impressão de que esse livro agora tem tudo para se converter num novo longa-metragem, mais completo ainda sobre a trajetória de vida integral do nosso Benjamin Abrahão.


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CONTINUAÇÃO DA PÁG. B1. Desconhecida apesar de sua importância histórica, foi no livro Guerreiros do Sol – Violência e Banditismo no Nordeste do Brasil, lançado por Frederico Pernambucano de Mello em 1985, que se vislumbrou pela 1ª vez a figura de Benjamin Abrahão

OBRA REVELA A ‘TRANSPOSIÇÃO’ DE NORDESTINOS PARA SÃO PAULO

FOTOS: BENJAMIN ABRAHÃO – ENTRE ANJOS E CANGACEIROS/ESCRITURAS EDITORA

Em seu novo trabalho, o historiador recompõe ‘cenários’ para contextualizar a trajetória de seu biografado LUÍS GUSTAVO MELO REPÓRTER

Gazeta. A ideia de escrever a biografia de Benjamin Abrahão já fazia parte de seus planos enquanto o senhor desenvolvia a pesquisa para seus trabalhos anteriores sobre o cangaço? Frederico Pernambucano de Mello. Já. Eu diria que quem revelou Benjamin pela primeira vez, eu diria até para o mundo, porque ele não era conhecido, apesar de sua importância histórica, foi o meu livro Guerreiros do Sol – Violência e Banditismo no Nordeste do Brasil, que, como eu disse, a primeira edição foi de 1985, prefaciado por Gilberto Freyre. Então ali eu já revelava o espaço de Benjamin Abrahão, que já tinha me interessado nos anos anteriores da minha carreira, da minha dedicação de historiador. Mas desde então eu fui juntando elementos, e quando chegou o ano de 1996, eu então forneci uma parte da vida de Benjamin para servir como argumento do longa-metragem Baile Perfumado, um filme feito aqui em Pernambuco que reconciliou Pernambuco com a produção dos longas metragens e teve uma influência muito grande. Foi um filme muito premiado em festivais de cinema e tudo, e o tema do filme era exatamente esse período da vida de Benjamin em que ele se aproxima do bando de Lampião, a partir de 1935, sobretudo 1936 e um pouco em 1937. Quer dizer, esse três anos da vida de Benjamin teriam sido o tema de Baile Perfumado. E desde então eu fiquei com aquela preocupação na cabeça de ir além desses três anos e revelar a vida completa de Benjamin, que perpassa as figuras mais importantes, mais expressivas do Nordeste. Quer dizer, você pega o Padre Cícero, Lampião, Luiz Carlos Prestes com os revoltosos da Coluna Prestes, você pega o pe-

Benjamin Abrahão e o Padre Cícero em foto para o jornal O Globo

ríodo de Getúlio Vargas, você pega aí em Alagoas períodos muito interessantes de polêmicas inferidas no jornal Gazeta de Alagoas – no último capítulo do livro tem polêmicas muito interessantes.

O senhor poderia nos falar de algumas delas? Por exemplo, havia não somente as críticas que o povo fazia ao combate ao cangaceirismo, que eram rebatidas pelos oficiais de polícia que se encarregavam do assunto, como também uma denúncia muito grande que a Gazeta de Alagoas fez em 1937, de que o sertão de Alagoas estava se despovoando por conta da emigração de sertanejos para a lavoura de São Paulo. E aí este livro mostra pela primeira vez – o que me parece muito interessante – que, ao contrário do que costumam dizer os paulistas, de que teriam sido invadidos pelo nordestino pobre, criando problemas em seu estado, eu estou mostrando e provando que a atração de nordestinos para São Paulo foi uma política pública do governo do Estado de São Paulo, que chegou a abrir escritório em Maceió para organizar essa viagem, que era toda paga pelo governo de São Paulo. Os contingentes seguiam nos navios do Lloyd Brasileiro, navios de cabotagem que os levavam para São Paulo. E mais: os paulistas exigiam que os alagoanos que fossem migrar para lá, assim como os pernambucanos, os paraibanos, etc., levassem a família inteira. Era impossível o chefe de família migrar sozinho. Eles exigiam que fosse a família inteira. Então era verdadeiramente uma política de transposição de seres humanos de uma parte do Brasil para outra. Então o paulista não pode hoje se queixar da presença do nordestino em São Paulo. Não. Essa presença foi levada, atraída por eles com uma política pública

Subgrupo de Lampião documentado por Benjamin durante suas aventuras pelo Sertão

“Havia não somente as críticas que o povo fazia ao combate ao cangaceirismo, que eram rebatidas pelos oficiais de polícia que se encarregavam do assunto, como também uma denúncia muito grande que a Gazeta de Alagoas fez em 1937, de que o sertão de Alagoas estava se despovoando por conta da emigração de sertanejos para a lavoura de São Paulo”

muito eficiente. Isso tudo está mostrado e me parece importantíssimo para que o nordestino tome conhecimento dessa realidade.

Na introdução ao livro, o senhor observa que “...em muitas passagens, por vezes Benjamin parecerá resvalar para a condição de pretexto. Sua vida se apassivando em fio condutor da sucessão dos temas propostos”. Ele de fato serviu como uma espécie de dispositivo para alinhavar os fatos num contexto muito mais amplo? Você tem várias técnicas de produção de biografias. Você tem aquele autor que sai com o biografado puxando pela mão – como se fosse isso – e sai explicando tudo o que se passou na vida do biografado. Eu acho melhor recompor as várias circunstâncias de vida as quais esse biografado atravessou, recompondo esses universos históricos e permitindo ao leitor concluir por que o biografado agiu de maneira tal ou qual condicionado por essa circunstância de vida. Então é como se eu tivesse a preocupação de mostrar o cenário, a música, a iluminação, a circunstância de vida, permitindo ao leitor então entender o motivo das reações esboçadas pelo biografado. Nesse sentido, então, o livro me permitiu inicialmente recompor o clima humano carregado que se estava vivendo na Síria por ocasião da Primeira Guerra Mundial, que é quando Benjamin abandona a sua terra natal e vem para o Brasil. E aí o leitor vai entender por que ele aban-

dona tudo, a família, e sai sozinho de lá vindo para o Brasil com apenas 14 anos e meio de idade, não tinha chegado aos 15 anos. Então isso o leitor saberá porque entenderá que a Síria vivia uma crise muito grande, embaixo do Império Otomano, que era o império turco que estava desmoronando na ocasião, e estava portanto adotando práticas excessivamente violentas. Em seguida ele chega ao Brasil. E eu mostro a circunstância econômica do país naquela época, no litoral, no interior... No interior eu vou recompor então o clima humano que se vivia no Juazeiro do Padre Cícero; recomponho os ambientes na casa paroquial, o avanço político do Juazeiro, não somente as questões religiosas. Em seguida enveredamos pela passagem da Coluna Prestes pelo Nordeste, e saio então descrevendo os vários ambientes que representaram, digamos assim, estações na trajetória de vida de Benjamin Abrahão, passando em seguida pela Revolução de 30, a queda da República Velha, a verticalização do poder, Getúlio Vargas em ascensão, depois a intentona comunista, até chegarmos à ditadura propriamente dita do Estado Novo. Isso aí condicionará todo o destino de Benjamin, de Lampião, de diferentes figuras do Nordeste cujas trajetórias de vida são condicionadas por fatos de fora. Quer dizer, o que vem de fora para dentro, e não de dentro para fora. Isso abarca o Nordeste e o sertão do Nordeste, até chegarmos ao episódio da morte de Benjamin, que em grande parte é uma decorrência dessa reviravolta política pela qual o país passa com o advento do Estado Novo, em 1937.

Seus estudos indicam que, antes de Lampião, o cangaço já era um fenômeno que existia há cerca de cinco séculos, sendo o capitão Virgulino o último e mais importante representante dessa linhagem, por conferir certa sofisticação ao cangaço e por ter elevado suas ações à condição de mito perante a opinião pública. Teria essa aura de teor mitológico exercido algum fascínio sobre o mas-

cate Benjamin Abrahão? O cangaço como uma forma de resistência popular, armada, coletiva, na forma de insurgência contra os valores estabelecidos no plano público, ele data realmente de cinco séculos. Na verdade é muito parecido com a sucessão de reinado, de realezas ou de dinastias ao longo da história. Então claro que em cada período há um grupo hegemônico que ganha mais importância na imprensa quando esta passa a acompanhar o cangaço a partir da metade do século 19, até chegar ao período que foi o ocaso, mas um ocaso esplendoroso devido ao talento e à organização de Lampião. Claro, ele era um indivíduo brutal nos momentos de combate, ele era muito violento nos momentos de disputa, mas Lampião era um talento para a administração, era um talento para a diplomacia junto aos coronéis sertanejos, chefes políticos; ele conseguia atrair praticamente todos eles para lhe prestarem apoio, chegando até ao governador do Estado de Sergipe – que passou a ser um de seus protetores. Então, Lampião confere ao cangaço uma grandeza que não era conhecida no passado. E o livro mostra até uma coisa interessante: você pode, sem exagero, considerar que a organização que ele confere ao cangaço nos permite chamar o cangaço do tempo dele de “Cangaço S/A”, porque ele praticamente transforma o cangaço numa empresa – fora da lei, muito bem, mas uma empresa. E Benjamin Abrahão teria ficado impressionado? Dos motivos que levam Benjamin a fazer essa reportagem com Lampião, posso citar dois: o primeiro é que em 1926, no auge da passagem da Coluna Prestes pelo Nordeste, o Padre Cícero, através do deputado federal Floro Bartolomeu da Costa, seu braço político, recebe a incumbência de organizar no Juazeiro um batalhão patriótico para enfrentar os revoltosos da Coluna Prestes. Isso custeado pelo governo federal, que manda dinheiro, armas, manda tudo para que no Juazeiro fosse organizado um

batalhão. Num dado momento, esse deputado, que recebe a patente de general de brigada do Exército Brasileiro para comandar esse batalhão, entende de agregar ao batalhão de Juazeiro o bando de Lampião, que era, como eu digo no livro, a mais evidenciada força de deslocamento rápido que existia no Nordeste na época; cerca de 120 homens montados a cavalo, com equipamento de primeira qualidade, munição, tudo. Para isso, Lampião visita pacificamente o Juazeiro no dia 04 de março de 1926, e ali o cicerone dele, a pessoa que faz os contratos todos, era Benjamin Abrahão, que à época era o secretário particular do Padre Cícero. Então, nessa ocasião, ele faz uma boa amizade com Lampião. Muito bem, depois Lampião vai para outros lugares e Benjamin fica com aquela lembrança na cabeça. A partir já desses anos de 1920, Lampião já era uma celebridade nacional. As façanhas dele eram reproduzidas pelos jornais do Rio, São Paulo... Mas a partir de 1930, um dos jornais mais importantes do mundo ainda hoje, o New York Times, passa a acompanhar a trajetória de Lampião, e fazer algumas pequenas matérias sobre as andanças dele no Brasil. Benjamin então nota que se fizesse um filme e se fizesse um documentário fotográfico – como terminou fazendo –, teria condições de vender isso não somente para o Brasil, como para o estrangeiro. Então tratou de arranjar patrocinadores de peso, de obter o equipamento da Aba-Film de Fortaleza, de obter enfim todas as facilidades que lhe permitiram realizar o documentário fotográfico – que é uma das coisas mais importantes que já se fizeram no Brasil e que leva o nome dele, apesar de ter sido mal-sucedido do ponto de vista pessoal, porque ele é assassinado barbaramente aos 37 anos de idade. Mas ele é, ao meu ver, a maior figura da documentação pela imagem no Brasil. O que mais correu riscos, o que termina até de certo modo um mártir, porque deu a vida por essa façanha que nobilita, digamos assim, a sua existência. ‡


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CONTINUAÇÃO DA PÁG. B1. Frederico Pernambucano de Mello fala das intenções do fotógrafo sírio, para ele um grande aventureiro – que “manobrou no espaço do possível”

‘JAMAIS PINTEI BENJAMIN COMO UMA PESSOA PURA’ Historiador não enfrentou dificuldades para reunir a documentação presente no livro LUÍS GUSTAVO MELO REPÓRTER

Gazeta. Os registros iconográficos realizados por Benjamin Abrahão são, de fato, peças de imenso valor histórico. Sabe-se, porém, que na época em que documentou o bando de Lampião em suas andanças, o fotógrafo almejava fama e fortuna mais do que qualquer outra coisa. Quem realmente foi o homem Benjamin Abrahão? Frederico Pernambucano de Mello. Ele foi um grande aventureiro. Eu jamais pintei Benjamin Abrahão como, digamos assim, um homem imaculado, uma pessoa pura. Não. Ele era um sobrevivente nas circunstâncias de vida perigosas que ele sempre viveu desde a origem, onde ele deixa a Terra Santa, de onde era natural. Lá, os turcos estavam matando os armênios e promovendo massacres terríveis. Tinham requisitado as colheitas dos plantadores, o povo estava passando muita fome... Então Benjamin foi o indivíduo que manobrou no espaço do possível, para sobreviver e realizar alguma coisa. Então, a intenção dele ao fazer o filme do Lampião era uma intenção comercial, mas quando você na histó-

ria, realisticamente, procura as motivações próximas, você sempre encontrará uma razão prosaica. Dificilmente você encontra uma razão de idealismo. Agora, quando o historiador não tem essa preocupação em mostrar a realidade e se deixa levar por uma paixão que o faz ignorar os fatos do cotidiano, a existência normal das pessoas, quer dizer, o homem é profundamente falível, profundamente contraditório. A condição humana é exatamente essa. A condição humana não se aproxima da condição divina – salvo em alguns momentos. E mesmo na vida dos místicos, por vezes, você vê um propósito menos nobre num passo que eles dão.

E como se dava essa compensação comercial? Realmente, Benjamin pensava junto com seus patrocinadores, como era o caso da Aba-Film, da Bayer. Cada um tinha uma intenção, cada um tinha um propósito. O da Aba-Film era receber o dinheiro necessário; o de Abrahão era de se estabelecer na vida, vendendo e exibindo esse filme em todo território nacional, vendendo as fotografias, como chegou a vender em cartões postais pelas feiras do Sertão; enquanto que a Bayer, por outro lado, tinha uma outra intenção, que era a da propaganda de seus remédios, de seus produtos. E, ainda na penumbra, a disputa muito grande que se inferia nos anos 1930 en-

tre as duas principais presenças políticas que se digladiavam no período, que era a União Soviética de um lado, sob o regime ditatorial de Stalin, e, do outro, o regime nazista do Terceiro Reich, sob a liderança de Adolf Hitler. Então, num dado momento, o livro mostra que há até um “namoro” desses dois grandes, chamemos assim, impérios, pela legenda guerreira de Lampião. E Benjamin sempre no meio dessas circunstâncias, prestando seus serviços. Então, o importante do livro é exatamente mostrar, recompor pela primeira vez esse clima, essa polêmica que se infere e essa dimensão internacional no qual, em determinado momento, de maneira muito fugaz, o cangaço se encontra, com essa disputa do ciclo épico do cangaceiro pelos impérios que procuravam seduzir o Brasil para o seu propósito econômico e também bélico. A Alemanha, claro, já se preparava para a guerra, a União Soviética de certa maneira também... Esse é o propósito.

Assim como em seus livros anteriores, Benjamin Abrahão – Entre Anjos e Cangaceiros apresenta uma documentação de impressionante riqueza. Em algum momento o senhor encontrou dificuldades para reconstituir os passos de Abrahão? Sempre alguma recusa se encontra. Mas eu tive muita sorte nesse episódio. Por exemplo, no Ceará eu

BENJAMIN ABRAHÃO – ENTRE ANJOS E CANGACEIROS/ESCRITURAS EDITORA

encontrei todas as portas abertas. Não somente para documentação por palavras, documentação cartorial, jornalística e tudo, como também a documentação fotográfica, o que me permitiu colocar no livro um caderno de ilustrações com 97 imagens muito ricas, e a partir daquela imagem de capa que eu acho sensacional, porque mostra a astúcia de Benjamin em tentar, digamos assim, obter poderes a partir do que fica aparente como sendo um domínio dele sobre o Padre Cícero. Isso me pareceu muito interessante.

Então o processo de levantamento documental foi tranquilo? Eu diria que de uma maneira geral eu encontrei todo apoio, até porque já indo para o meu nono ou décimo livro, eu já tenho um certo trânsito mais aberto, que eu creio que um historiador estreante não tivesse. Isso facilita um pouco a nossa atividade. Então, por exemplo, em 2010 eu lancei o livro Estrelas de Couro – A Estética do Cangaço, e fiz um estudo profundo do acervo, do espólio de Lampião que se acha devidamente acondicionado aí no Instituto Histórico e Geográfico de Alagoas (IHGAL). Pesquisei dentro do instituto, em companhia de um fotógrafo de primeira qualidade – fotógrafo de arte – e expusemos e lançamos para o mundo nesse livro esse acervo importante que existe no Institu-

INTIMIDADE – As lentes de Benjamin Abrahão flagraram momentos verdadeiramente surpreendentes do cotidiano do rei do cangaço e de seu bando

to Histórico aí em Maceió, e que muita gente não toma conhecimento dele. Então por aí você vê que em Alagoas eu sempre tive as portas muito abertas, como também no Ceará e em Pernambuco de uma maneira geral. Claro, a

gente nunca pode dizer que essa colaboração foi cem porcento, mas eu diria que no meu caso o dominante era a facilidade, a disposição das pessoas em colaborar e, portanto, eu não diria que teria queixa de nenhuma qualidade.


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CONTINUAÇÃO DA PÁG. B1. Notícia sobre a ida de sertanejos e homens do Agreste e do interior para São Paulo foi encontrada por Frederico Pernambucano de Mello no matutino mais antigo em circulação em Alagoas

“GAZETA FOI ESSENCIAL” PARA A PESQUISA, DIZ O HISTORIADOR Livro também traz revelações retiradas da caderneta de Benjamin Abrahão LUÍS GUSTAVO MELO REPÓRTER

Gazeta. Como o senhor já comentou anteriormente, entre os periódicos consultados para a produção de Benjamin Abrahão – Entre Anjos e Cangaceiros constam reportagens antigas publicadas aqui na Gazeta. Até que ponto esse material contribuiu para a realização do projeto? Frederico Pernambucano de Mello. O que a Gazeta de Alagoas me permitiu recompor com a matéria, como se diz no sertão, no curto e no tente do acontecimento, primeiro: toda essa emigração de sertanejos, de homens do Agreste e interioranos de uma maneira geral, abandonando o Nordeste para ir para São Paulo, eu encontrei na Gazeta de Alagoas. Tratava-se de uma polêmica extremamente viva, com manchetes assim muito apaixonadas. Em uma delas, se não me engano de julho de 1937, sai muito grande assim no jornal: “Despovoa-se o sertão de Alagoas – Ontem seguiu um navio com 200 sertanejos de Alagoas indo embora para o Sul, e nós estamos sem braços para o trabalho”. Evidentemente que a elite agrícola e empresarial de Alagoas começa a se ressentir dessa perda de braços para o trabalho. Começa a se queixar e o jornal espelha isso aí. Então essa polêmica da emigração é muito importante porque para eu analisar a vida de um indivíduo que estava vivo naquele ano de 1937 eu tinha que mostrar qual era a circunstância que ele estava vivendo. Então essa do despovoamento do Sertão é uma, e que toca Benjamin de qualquer maneira. Outra é a queda dos preços na lavoura do algodão, acarretando uma crise nessa lavoura que enga-

java grandes contingentes tanto do sertão de Alagoas, como no de Pernambuco e no Nordeste de uma maneira geral. Disso eu me vali também na Gazeta de Alagoas. E a circunstância que eu digo, de que em 1937 para 1938 o Sertão ia mal e o cangaço ia bem, digo porque o cangaço estava muito bem organizado, no que chamei de “Cangaço S/A”, e enquanto isso o Sertão estava em crise. Crise econômica, crise social. E para isso aí a Gazeta de Alagoas foi essencial. Aliás, não somente para esse livro meu não. Quando eu chefiei a documentação da Fundação Joaquim Nabuco, eu trouxe para o arquivo aqui no Recife uma grande parte de microfilmes da Gazeta. Aqui no Recife qualquer pessoa pode pesquisar na Fundação Joaquim Nabuco a Gazeta de 1934 até 1954. E quando eu puder, vou até ampliar – eu não estou mais na Fundação Joaquim Nabuco, já me aposentei. Mas quando puder vou tentar ver se faço uma ponte para conseguirmos o restante dos períodos da Gazeta para colocar aqui no arquivo. Porque é um jornal muito interessante, um dos melhores jornais do Nordeste, sobretudo nesse período que me cabe estudar, e que eu considerei, portanto, uma fonte de primeira ordem.

Em que termos essa situação, essa polêmica, se deu? Essa polêmica se infere de modo muito vivo entre sertanejos que denunciam que a polícia de Alagoas, supostamente engajada no combate ao cangaceirismo, estaria embromando. E aí os comandantes militares, especialmente o major José Lucena de Albuquerque Maranhão, mandam cartas para o jornal, telegramas e etc., contestando e mostrando os resultados que estavam obtendo, mostrando que não havia aquela embromação e acusando do outro lado pessoas suspeitas que, segundo esses militares, seriam aliadas do cangaço. Es-

tavam, portanto, criando uma confusão para se beneficiar... Isso tudo, de maneira muito viva, mostra o que era o clima que antecede e sucede a decretação do Estado Novo, a ditadura de Getúlio Vargas, a 10 de novembro daquele ano de 1937. Para isso a Gazeta foi, eu diria, uma fonte imprescindível e única, porque não me consta que essas polêmicas tenham sido veiculadas por outros jornais.

Acredito que entre as documentações apresentadas no livro, as anotações da caderneta de campo de Benjamin Abrahão representem um dos pontos altos de sua pesquisa. Você poderia falar sobre o conteúdo desse material e como se deu o processo de tradução desses escritos? Muitas passagens estão em árabe, não? Eu tive a felicidade de receber em 1992 a doação do que seria o espólio de Benjamin Abrahão, recolhido no cartório da cidade de Águas Belas, em Pernambuco, por um sobrinho dele – sobrinho postiço, mas se considerava sobrinho –, o senhor Aziz Francisco Elihimas, que foi meu amigo pessoal e me doou esse acervo que ele em 1941 tinha ido buscar nesse cartório de Águas Belas. E aí vieram para as minhas mãos: a câmera cinematográfica com que ele filmou o bando de Lampião, também a câmera fotográfica com que ele fez cerca de 90 a 100 fotografias do bando de Lampião, e mais objetos. Mas a joia da coroa dessa doação que eu recebi da família de Benjamin Abrahão, que é a família Elihimas, aqui de Pernambuco, de ascendência palestina, a joia da coroa foi essa caderneta com anotações em português quando eram banais, e anotações em árabe quando eram complicadas, quando eram ‘cabeludas’, quando continham críticas que ele ouvia no Sertão de iniquidades, de questões brutais que eram praticadas tanto pela polícia quanto pelos coronéis

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Para o pesquisador Frederico Pernambucano de Mello, ainda há muito o que dizer sobre o cangaço

e chefes políticos do sertão, contra o povo, sobretudo o povo humilde. Benjamin anotou tudo isso e isso estava guardado na caderneta em árabe, clamando por uma tradução. E finalmente foi feita por dois tradutores. Primeiro foi uma senhora que fez a tradução, em seguida um professor de árabe e também professor de Direito, que fez o controle da tradução, para maior segurança, e essas passagens são reveladas pela primeira vez nesse livro, quebrando o ineditismo da caderneta.

O senhor pode exemplificar algum fato contido nessa caderneta? Vamos encontrar coisas surpreendentes. Por exemplo: há uma polêmica interminável, de muitos anos, sobre a estatura de Lampião. Qual era a altura de lampião? Há uma corrente que fala em 1,70m, outra 1,71m; outros já se perfilam à ideia de 1,80m. Um ex-cangaceiro, Senhor Pereira, que foi comandante de Lampião, dizia que ele tinha 1,80m. E essa polêmica o livro vai matar agora definitivamente, porque Benjamin Abrahão, no acampamento à noite, com uso de uma fita métrica, mediu Lampião, tomou cinco ou seis medidas corporais de Lampião, inclusive a altura, que era de 1,74m. Mediu também Maria Bonita. Evidentemente, Maria Bonita ele não podia apalpar. Então ele pegou só a altura dela, que é de 1,56m. Ela era realmente baixinha, muito bonita e tal, mas baixinha. Não tanto para os padrões das mulheres da época mas, de todo modo, baixinha. Outra coisa muito importante que a caderneta traz são essas críticas à polícia que matava no Sertão com a maior facilidade, ou que desterrava famílias inteiras dos seus sítios e fazendas, e mandava que eles fossem embora diante de uma simples acusação de que eram favorecedores do cangaço, de que eram, portanto, coiteiros. Então essa iniquidades praticadas pelos chefes políticos,

os coronéis do sertão, tudo isso Benjamin mostra, e evidentemente cabe ao historiador receber isso com uma certa reserva, porque em grande parte essas críticas foram ouvidas por Benjamin da parte dos cangaceiros de Lampião. À noite ele conversava com Gato, com Corisco, com Português, com o próprio Lampião, com Zé Sereno. Ele teve acesso a todos os subgrupos do bando, porque Lampião se interessou pela ideia do filme, pois queria mostrar o seu sucesso profissional no cangaço. Queria mostrar que seus homens não passavam fome, que seus homens tinham roupas da melhor qualidade, que seus homens até luxavam no ouro e na prata. Então o filme é um capítulo que eu chamo de Efeito Mágico – é porque logo que Benjamin encosta em Lampião para fazer o filme, acontece como se fosse uma reação química muito positiva, porque unia o desejo de mostrar que Benjamin levava, com o desejo de ser mostrado que Lampião passa a denotar. Então Lampião manda chamar os subgrupos que operavam em diferentes estados do Nordeste para que se apresentassem ali para serem documentados por Benjamin Abrahão, e é a isso que se deve o sucesso do filme.

Em Guerreiros do Sol – Violência e Banditismo no Nordeste do Brasil, o senhor deu início a uma série de publicações sobre o cangaço. Benjamin Abrahão – Entre Anjos e Cangaceiros, fecha esse ciclo? (Risos) É porque ninguém aguenta mais, não é Gustavo? Eu devo dizer a você o seguinte como especialista no assunto e considerando a vastidão do tema e dos temas correlatos, por exemplo: quando eu estudei o cangaço no meu livro Guerreiros do Sol, eu mostrei que o cangaceiro foi um agente social da violência no Nordeste, mas você tinha inúmeros outros agentes dessa violência no processo colonial brasileiro do Nordeste. Por exemplo: o cabra, o ca-

panga, o jagunço e o pistoleiro. Todas essas figuras tiveram uma presença muito grande, como protagonistas da violência no Nordeste. O cangaceiro é a figura mais vistosa porque ao lado dessas outras figuras de que eu falei somente o cangaceiro desenvolverá uma subcultura com valores próprios, de certa maneira, dentro da cultura geral do interior do Nordeste, que era a cultura pastoril, a cultura da existência do vaqueiro, a cultura da pata do boi. Então a visibilidade maior do cangaceiro vem por conta dele ter desenvolvido uma subcultura dentro da cultura abrangente do que era a cultura pastoril do interior do Nordeste. Mas eu digo a você o seguinte: eu já tenho outros projetos, já estou engajado em novos projetos e, provavelmente, ainda pela demanda que meus leitores me fazem, eu ainda dessa vez não estarei deixando o cangaço. Ainda alguma coisa sobre o cangaço poderá vir. Mas ainda não tenho nenhum propósito formatado, porque esse livro agora me tomou muitos anos, e eu confesso que pretendo descansar um pouco, até tomar novos rumos, entende? Mas de modo nenhum eu pretendo abandonar o cangaço. Pelo contrário, ainda acho que vou levá-lo por mais alguns anos.

Serviço Título: Benjamin Abrahão – Entre Anjos e Cangaceiros Autor: Frederico Pernambucano de Mello Editora: Escrituras Preço: R$ 45 (352 págs.)


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