Hermeto Pascoal

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ANDRÉ FOSSATI/DIVULGAÇÃO

A ARTE NADA HERMÉTICA DE HERMETO Domingo 25/11/2012

“Quando eu tinha uns oito anos, já era incomodado com essa coisa de mesmice”, diz Hermeto, hoje aos 76

Primeiro vieram os cantores do rádio. Depois tivemos a bossa nova, aquele movimento da jovem elite carioca que surgiu para soterrar a geração anterior. Nos anos 1960, a coisa tomou proporções de disputa partidária na era dos festivais. Nesse meio, um efêmero, porém influente grupo instrumental entrou em cena, num Festival da Record: era o Quarteto Novo, conjunto que conferiu certa visibilidade ao talentosíssimo músico alagoano Hermeto Pascoal, que dali passaria uma frutífera temporada nos EUA e retornaria em meados de 1973 para gravar seu primeiro disco no país, A Música Livre de Hermeto Pascoal, uma das mais criativas investidas da música brasileira. Nos 40 anos do registro, a Gazeta passa a obra em revista. Em depoimento exclusivo, Hermeto comenta as faixas do álbum. Precisa dizer que é imperdível? Leia nas págs. B2, B5 e B6


B 2 Caderno B

GAZETA DE ALAGOAS, 25 de novembro de 2012, Domingo

CONTINUAÇÃO DA PÁG. B1. Alicerçado única e exclusivamente na liberdade de criação, A Música Livre de Hermeto Pascoal foi lançado em 1973, após o retorno do músico ao Brasil – o compositor, arranjador e instrumentista alagoano havia partido para os EUA em 1969, ao lado dos amigos Airto Moreira e Flora Purim

O DISCO QUE É UM MONUMENTO À INVENÇÃO

ANDRÉ FOSSATI/DIVULGAÇÃO

Em 1973, após passar um período nos EUA, Hermeto retornou ao Brasil pronto para dar início à sua odisseia musical

A Música Livre de Hermeto Pascoal, por ele mesmo

Álbum sintetiza o aprendizado de anos e anos de troca de informações com meio-mundo LUÍS GUSTAVO MELO REPÓRTER

“Se a Terra tivesse que mandar um representante para outros lugares do universo que simbolizasse a música que se realizou no planeta, o Hermeto seria nosso emissário. Ele é a música; é a própria música materializada”, disse o compositor e violonista carioca Guinga, em depoimento sobre o multi-instrumentista e arranjador Hermeto Pascoal. Criador autodidata cujo dom natural para a música se processa num nível transcendente, quase sobrenatural, Hermeto é um dos talentos mais originais do Brasil. Sempre a rabiscar novas combinações de notas e símbolos de percussão, as ideias brotam a todo instante e ele se entrega à pura essência da expressão musical, de forma a permitir que ela simplesmente se manifeste. “Trabalhar com o Hermeto é o sonho dourado de todo músico”, disse certa vez o flautista e saxofonista Mauro Senise. “É tudo o que um músico pode desejar de liberdade e estímulo à criação”. Artista inquieto e de mente aberta, desde menino o pequeno Hermeto dava mostras de seu espírito vanguardista. “Quando eu tinha uns oito anos, já era incomodado com essa coisa de mesmice. Não me conformava que um dia fosse igual ao outro. E a forma de fazer diferente é fazer aquilo que você gosta”. A riqueza de suas peças musicais transcende classificações e, ainda que elementos de jazz e outros ritmos estrangeiros surjam num momento ou outro, as resoluções inventivas do ‘bruxo dos sons’ tangem para bem longe qualquer traço ortodoxo. Mas o mais impressionante e louco mesmo é a

forma simples com a qual Hermeto explica o processo de feitura das peças musicais mais complexas e avançadas. Simplicidade que, aliás, humilharia a maioria dos malandrinhos com formação em conservatório. E é por causa da originalidade e da luminosa liberdade criativa que transbordam de seu trabalho que Hermeto se tornou um dos mais conceituados músicos do mundo, reverenciado como gênio onde quer que passe. Já tocou e teve composições suas gravadas por gente como Miles Davis e desde os anos 1970 se apresenta em alguns dos mais importantes festivais de música mundo afora. Mas nunca esqueceu nem deixou de lado suas origens no interior de Alagoas. Muito pelo contrário. Segundo ele, suas inspirações partem justamente de lembranças e histórias de seus tempos de criança no agreste alagoano.

INFÂNCIA Nascido em 22 de junho de 1936 em Lagoa da Canoa, Hermeto Pascoal é filho de Pascoal José da Costa e Vergelina Eulália de Oliveira, a dona Divina, casal de agricultores que o criou ouvindo xotes, forrós, pastoris e repentes. Ainda bem pequeno, o jovem Hermeto já compunha todo dia na beira dos rios, das lagoas e embaixo das árvores, tocando para os passarinhos. Mas a carreira profissional só teve início mesmo no Recife, em meados de 1950, quando, a convite do sanfoneiro Sivuca, passou a integrar o regional da rádio Jornal do Comércio, juntamente com seu irmão, José Neto, já falecido. Por volta de 1958, Hermeto foi para o Sul Maravilha, atuando a princípio em programas de rádio e casas noturnas do Rio de

Janeiro, para em seguida fixar residência em São Paulo, onde integrou grupos importantes como o Som Quatro, Sambrasa Trio e o Quarteto Novo. Com este último, gravou apenas um disco e participou dos notórios festivais de música da TV Record. Hermeto também escreveu um capítulo à parte na história da música instrumental brasileira ao montar, em 1968, o projeto Brazilian Octopus, ao lado do herói da guitarra tropicalista Lanny Gordin, do bossanovista Cido Bianchi, do violonista Olmir Alemão Stocker e do jazzista Nilson da Matta. O único disco do grupo foi lançado em 1969 pelo selo Fermata, e ousou ao mesclar jazz, música latina, bossa, psicodelia e até pitadas de rock e funk. A convite dos amigos Airto Moreira e Flora Purim, Hermeto Pascoal foi para os EUA em 1969. Com eles, gravou alguns discos, atuando como compositor, arranjador e instrumentista, além de registrar seu primeiro álbum individual gravado com uma orquestra, intitulado simplesmente Hermeto, produzido e lançado nos EUA, em 1972. Foi nesse período na América do Norte que Hermeto Pascoal conheceu o jazzista Miles Davis, que gravou duas de suas músicas: Nem um Talvez e Igrejinha. De volta ao Brasil, o ‘crazy albino’, apelido que recebeu de Miles, produziu seu primeiro disco lançado no país, A Música Livre de Hermeto Pascoal (na capa impresso como “Paschoal”), álbum que sintetiza o aprendizado de anos e anos trocando informações com meio-mundo. “Para mim esse disco foi o começo do trabalho que estou fazendo até hoje. Foi o primeiro degrau com um grupo que existe até hoje e, graças a Deus, cada vez melhor. As ideias vieram justamente da experiência de ter tocado com o Som Quatro, o Sambrasa Trio,

Reverência Mas o mais impressionante e louco mesmo é a forma simples com que Hermeto explica o processo de feitura das peças musicais mais complexas e avançadas. Simplicidade que, aliás, humilharia a maioria dos malandrinhos com formação em conservatório. E é por causa da originalidade e da luminosa liberdade criativa que transbordam de seu trabalho que Hermeto se tornou um dos mais conceituados músicos do mundo, reverenciado como gênio onde quer que passe

o Quarteto Novo, ir para os Estados Unidos”, reconhece o compositor. Da belíssima introdução com o conhecido tema de abertura Bebê à apoteótica Gaio da Roseira, o ouvinte é aturdido por uma torrente de ideias jorrando em cascatas, fusões improváveis, andamentos alienígenas e harmonias complexas. Isso sem falar das louquíssimas desconstruções para clássicos da música popular como Carinhoso, de Pixinguinha, e Asa Branca, de Luiz Gonzaga. Enfim, tudo o que um jovem músico precisa para se empenhar para valer numa carreira séria ou se desesperar e assumir de vez que jamais será capaz de atingir tal nível de expressividade e tarimba.

INVENÇÃO Considerado um dos maiores discos da música popular brasileira, A Música Livre de Hermeto Pascoal é um monumento de criatividade e invenção, capaz de suscitar espanto até hoje. “Quando a gente tocou na época, quem fez aqueles sons todos foi o Anunciação, que era o per-

cussionista do grupo”, lembra o mestre numa conversa por telefone com a Gazeta. “Eu peguei uma bacia daquelas grandes, bacia de lavar roupa mesmo, aí a gente encheu d’água, peguei um berimbau sem aquela cuia dele, e quando o Anunciação pisava com o pé no berimbau, batendo na corda do instrumento, a água dava aquela acústica e fazia aquele som, uma vibração linda. Muitas coisas que eu faço são inspiradas nas coisas que eu via de criança na feira de Lagoa da Canoa e na feira de Arapiraca, que eram os lugares onde eu ia quando criança até os meus 14 anos de idade. E isso tudo, nossa senhora, é uma coisa que marca muito bem nesse disco, essa coisa percussiva que a gente faz – que é tudo lembrança, né? Eu lembro muito do meu avô, que era ferreiro e me lembro muito das coisas que eu pegava que ele deixava lá, os restos de ferro. Eu pegava aquelas coisas já naquele tempo para ficar tocando, e até assustava a minha mãe”. “Mamãe me viu uma vez batendo naqueles ferros e saiu correndo para chamar meu avô, dizendo que eu estava ficando louco, por estar batendo naquilo tudo no lugar de pendurar as roupas. Porque no varal assim ao lado eu enchi tudo de ferro; aquele restinho de ferro, pedaço de penico... E comecei a tirar som. Foi aí que ela viu que eu estava tocando, porque eu toquei um pedacinho de uma música – se não me engano, foi até um pedacinho de Asa Branca, uma música que eu sempre toco até hoje e nunca sai da minha cabeça”. Esse é o Hermeto. Dono de uma das poucas sintaxes reconhecíveis em nossa (con)fusionada área instrumental, o alagoano lapidou aqui sua pedra inicial, numa delirante profusão de inventividade e estilo. Até hoje, fôlego não lhe falta. ‡

Em depoimento exclusivo à Gazeta, o artista cuja musicalidade tem algo de sobrenatural comenta as faixas de um de seus mais importantes registros fonográficos

BEBÊ Bebê foi uma música que foi gravada com aquele... Você sabe com aquele jeito que a gente grava e faz, mete um arranjo... Bebê foi bem no meu comecinho de arranjador, você já pensou? Eu já escrever aquilo ali, né? Eu estava ‘penteando’, como se diz na gíria, né?, e Bebê a gente gravou primeiro só o grupo, e como tocávamos mesmo em show, em qualquer lugar, depois eu botei os instrumentos, as cordas, os violinos, botei as coisas em cima. E na época, o Nenê era o baterista, em algumas faixas ele tocou piano também – quando ele não tocava, eu tocava –, e tinha justamente o flautista e o saxofonista da época, que eram o Hamleto e o Bola, que tocava saxofone e flauta; e o Mazinho, o excelente Mazinho – grande saxofonista, sax alto, né?; e na percussão o [Antônio Ferreira da] Anunciação que, inclusive, mora em Salvador. No contrabaixo era o Alberto, que a gente falava bem assim na liberdade, de brincadeira, porque ele era gordinho, e chamava “Beto Gordo”. Então era uma família muito linda. E essa nossa parte com Bebê foi uma coisa linda porque a gente junto com as cordas – o grupo facilitou muito com as cordas, na época, para eles gravarem assimilando a parte rítmica e a parte harmônica. Sempre que eu me lembro dele, não sinto nada que não esteja atualizado. Se fosse para fazer hoje esse trabalho aí, acho que ainda estaria atualizado. Composição e arranjos ∫ Hermeto Pascoal Músicos ∫ Alberto (contrabaixo) ∫ Hermeto Pascoal (flauta) ∫ Hermeto Pascoal (piano) ∫ Mazinho (saxofone alto)


Caderno B 5 B

Domingo, 25 de novembro de 2012, GAZETA DE ALAGOAS

CONTINUAÇÃO DA PÁG. B1.

PLIN Plin é o seguinte: você lembra que tinha uma música do Luiz Gonzaga que na época estava fazendo muito sucesso, aquela do ovo de codorna? Você lembra? Então, o que aconteceu? Eu tinha feito um arranjo do nível de Carinhoso para essa música, mas meu amigo, quando eu ensaiei a música toda... Essa música Plin era só a introdução para daí a melodia [da música] do ‘ovo de codorna’. Mas ficou tão lindo, tão bonito – modéstia à parte –, tão lindo que eu digo, não né?, vou só mudar o nome. Aí gravei com o nome de Plin. Mas aí imaginei assim, num tom de brincadeira, porque continuo brincando – sou muito brincalhão. Pensei que se tivesse alguém com um prato de ovo, e ele fosse derrubado no chão, aí faria aquele som, e eu usei esse termo assim de brincadeira – foi ‘plin’. Plin é como se fosse uma pancada dos

SEREIAREI Sereiarei é justamente minha influência das matas. Quando eu era pequeno, era muito curioso e fazia coisas sem que se meus pais soubessem – minha Nossa Senhora... Eu ia lá pro meio do mato, mesmo sem enxergar direito – nem me lembrava que não enxergava direito – e isso ficou na minha cabeça. E você sabe muito bem que os pais faziam medo nos filhos, para eles não saírem. Na cidade grande é o trânsito, e no interiorzão é no mato – “Cuidado com o mato, cuidado com as cobras!”. Então tem aquela história que mamãe e papai diziam: “Olhe, meu filho, não vá pro meio do mato não, porque se der meio-dia e você estiver no mato, você sabe muito bem que a caipora te pega”. Só pra gente não ir lá pro meio do mato, né? E aí, o que é que eu fiz? Me lembrando disso já na época que eu escrevi; porque como eu lembro da minha vida toda, desde pequeno e tudo, eu trago isso para hoje. Eu vivo o hoje misturando com tudo que teve antes, a gente traz o passado para o presente. Então, o que é que eu fiz? Criei na minha cabeça o namoro, por exemplo, como se tivesse uma casinha lá no meio do mato. Quem estava morando naquela casa era justamente uma senhora, uma velhinha que você olhava pra ela, e ela estava lá falando sozinha. Como se fosse sozinha, mas espiritualmente ela estava falando com o marido dela que era nada mais, nada menos, que Deus. Então era Nossa Senhora falando com Deus. Só que tinha um caçador que chegou lá matando passarinho, e com muita gente no meio do mato correndo o perigo de uma bala perdida pegar em alguém que estivesse caçando. Aí, o que foi que aconteceu? Na letra diz assim: “Ai Alá falei...” Alá, claro, todo mundo já está vendo que é Deus, o nome. “Ai Alá falei ginemiuê Alá...” É Nossa Senhora falando com Alá, ela dizendo: “Ai Alá falei ginemiuê Alá, Balei ali ou lá,

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“Minha cabeça tá assim eternamente nos matos, que é justamente de onde vem as inspirações”, diz Hermeto sobre Sereiarei

ovos caindo no chão. Porque eu não usei o ovo de codorna, então foi como se os ovos de codorna tivessem se quebrado e eu não tivesse os usado, tivesse só usado a introdução. Isso eu nunca falei antes, estou falando agora aqui para vocês, como que saiu a ideia que eu tive. Como a introdução acabou ficando mais bonita que a música, então resolvi usar a introdução. Eu achei muito mais moderno, e sem perder o estilo – seria até o estilo de um xote, só que um xote mais moderninho. Essa foi a ideia que surgiu na época para a música Ovo de Codorna, que passou a ser Plin. Composição e arranjo ∫ Hermeto Pascoal Músicos

∫ Alberto (contrabaixo) ∫ Hermeto Pascoal (saxofone Soprano)

∫ Hermeto Pascoal (voz) ∫ Nenê (bateria) ali ou lá.” Ela está falando para o caçador matar passarinho longe, porque tinha muita gente ali. Ela estava falando também com Deus assim, e o cara [o caçador] não escutou nada, porque achava que ela estava doida. Mas quando ela disse assim: “Eita, eita, Ziramá; Ai Alá falei ginemiuê Alá, Balei ali ou lá, ali ou lá”, aí, claro, Deus apareceu como um velhinho, e quando ele avistou, na cabeça dele espiritualmente disse: “Eita, eita, Ziramá” – Ziramá é eita, eita graças a Deus – e disse essas palavras: “Ri di limeira ira sol di se Alá.” Ou seja, “eita, eita Ziramá, graças a Deus que ele veio pra me salvar”. Olha que bonito. É uma coisa que eu criei como se fosse uma letra e eu traduzo assim para muita gente, para contar história, assim como eu estou contando dessa música. Eu me lembrei justamente do mato e daquilo que eu cresci ouvindo falar, dos perigos que existiam, então misturei tudo e saiu essa música, Sereiarei. O que é Sereiarei? É que o cara estava caçando e aí ele se sentiu mal, justamente estava procurando quando Nossa Senhora mandou ele mudar de lugar. Ele então falou assim: “Sereiarei, arei, ginemiuê Alá; se não vier ninguém para me salvar, eu serei areia”. Quer dizer, eu vou virar areia. Ele vai morrer e vai virar areia – isso é coisa da cabeça que vem, né? Então naquela época ficou um negócio assim que quando eu falava as pessoas me diziam que isso dava até um filme, contar uma história dessa dava até um filme; contando direitinho e fazendo os personagens, e colocando junto dos personagens a Caipora... E Sereiarei é justamente isso... Ziramá na música é como um medo que eu inventei, que seria o medo da Caipora. Composição e arranjo ∫ Hermeto Pascoal Músicos

∫ Antônio Ferreira da Anunciação (percussão)

∫ Nenê (bateria)

CARINHOSO Em Carinhoso participaram os mesmos músicos. Você vê que aquelas coisas, aqueles contrapontos, aquelas coisas que têm com o sax... Aqueles contrapontos, para a época, a turma achava, sabe, ficava todo mundo louco com o jeito, com a maneira... Na época o Pixinguinha estava vivo ainda – claro que foi há muitos anos atrás –, e ele ouviu e me elogiou. Me elogiou como arranjador, e na época, entre muitas coisas, eu mudei a harmonia – nunca a melodia, só a harmonia. Então a coisa própria de percussão, aquelas coisas, aqueles efeitos, tudo assim eu já me lembrando da minha terra aí [em Alagoas], lá do mato, eu só vivia mesmo

no mato, eu vim aprender as coisas depois do tempo que sai daí, na parte teórica, mas essa coisa da minha cabeça, minha cabeça tá assim eternamente nos matos, que é justamente de onde vêm as inspirações e agora junto com a metrópole, com tudo, né?, venho formando uma coisa que hoje eu chamo de música universal. Por ter justamente essa mistura toda do mundo inteiro, do Brasil e do mundo inteiro. Então, Carinhoso realmente ficou um peça bonita, ficou uma coisa que eu tenho o maior cuidado quando eu escrevo, quando faço os arranjos e não mexer com a essência da música. Eu sei fazer as coisas modernas, porém sem aquele negócio de ficar

uma coisa totalmente diferente do estilo da música. Não. É dentro mesmo do estilo da música, respeitando a essência. Compositores ∫ João de Barro (Braguinha) ∫ Pixinguinha Arranjos

∫ Hermeto Pascoal Músicos

∫ Alberto (contrabaixo) ∫ Antônio Ferreira da Anunciação (percussão)

∫ Antônio Ferreira da Anunciação (bateria)

∫ Bola (flauta) ∫ Hamleto (flauta) ∫ Hermeto Pascoal (flauta) ∫ Nenê – Realcino Lima Filho (piano)


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GAZETA DE ALAGOAS, 25 de novembro de 2012, Domingo

CONTINUAÇÃO DA PÁG. B1. ANDRÉ FOSSATI/DIVULGAÇÃO

ASA BRANCA

A ousada recriação de Hermeto para Asa Branca é até hoje lembrada

É outra coisa antológica feita na época com o grupo. O arranjo de Asa Branca com aqueles apitos, imitando os passarinhos de Lagoa da Canoa, que eu ficava lá escutando na beira da lagoa, na beira do rio, tomando banho, tocando flautinha debaixo das árvores – e os passarinhos vinham me escutar; porque eles se acostumaram comigo, me escutando... Na lagoa com os sapos, tocando para eles – os sapos vinham todos para a beiradinha. Vinha tudo: ganso... Então, com Asa Branca, nós fizemos um show no Rio de Janeiro com o grupo na época e, Nossa Senhora, foi um sucesso tão grande, e a apresentação abria justamente com Asa Branca. A gente emitindo uns sons, cada um fazendo com seu apito; nunca tentando imitar os passarinhos igualzinho, porque os passarinhos não gostam. Não gostam que imitem eles... Muita gente pensa que quando vai imitar o passarinho no mato, quando os passarinhos veem, eles aparecem para repreender. Não ficam, vão embora. Não

gostam, não. E isso eu descobri já de criança. Então, o que eu fazia? Pegava uma flautinha de bambu; quando eu tocava a flautinha, eles ficavam. Quando a pessoa imita um passarinho é a mesma coisa de quando alguém está arremedando o tempo todo. Você falando e a pessoa dizendo igual. E os passarinhos também não gostam, e eu descobri isso ainda criança. Então Asa Branca é uma coisa assim antológica, à maneira da Música Livre de Hermeto Pascoal, como a gente tocou. Muita gente ainda tem esse disco, outros mandaram copiar, porque gostou de tanta coisa, né? E o pessoal sempre fala dessas músicas, Asa Branca, Carinhoso, Plin – essas músicas o público lembra muito delas. Compositores ∫ Humberto Teixeira ∫ Luiz Gonzaga Arranjo ∫ Hermeto Pascoal Músicos ∫ Alberto (contrabaixo) ∫ Antônio Ferreira da Anunciação (bateria) ∫ Antônio Ferreira da Anunciação (percussão) ∫ Bola (flauta) ∫ Hamleto (flauta) ∫ Hermeto Pascoal (flauta) ∫ Mazinho (saxofone alto) ∫ Nenê – Realcino Lima Filho (piano)

GAIO DA ROSEIRA Gaio da Roseira, para quem é do interior, para quem se criou, como eu, na roça, são daquelas músicas de domínio popular. Meu pai não sabia nem o que era direito autoral, não sabia nada. Lá naquele tempo, que não tinha luz, não tinha nada – em Lagoa da Canoa não tinha nada, nada, nada. Pra mim foi muito bom, foi ótimo viver esse tempo assim na base do candeeiro, sabe? Aí, papai... O que acontecia? Eu ia vê-lo trabalhar na roça; ele com a turma dele, porque a vida toda ele foi agricultor... E ele trabalhando, e aquela chuvinha gostosa, você sabe quando chove aí é uma alegria muito grande para todo mundo, né?, por causa da seca. E aí, Gaio da Roseira, na época, era uma das músicas que papai cantava na roça com as pessoas. A música, quando eu era menino, era uma inspiração para a alegria do trabalho e a alegria das pessoas lá na plantação, aquele verdinho nascendo justamente na época do inverno. Aí papai, quando veio morar no Rio, me lembrou dessa música do gaio da roseira, e eu disse: “Nossa Senhora, pai, eu podia gravar essa música e tal e tal assim... De quem é essa música?” E ele, brincalhão como era, disse: “Meu filho, homi, minino, pode falar na minha frente se essa música não é minha”, brincando comigo, né? Aí eu disse: “Posso pôr então o nome do senhor?” “Põe o meu nome e o da minha véia, o meu e o da Divina”. A gente não sabia o que era direito autoral, e lá [no interior], como as pessoas que aprendiam as músicas nunca aprendiam nem dois compassos, porque não tinha rádio, não se escutava rádio, então as pessoas só aprendiam as coisas de pedaço em peda-

“Quando a pessoa imita um passarinho é a mesma coisa de quando alguém está arremedando o tempo todo. Você falando e a pessoa dizendo igual” “Lá, naquele tempo que não tinha luz, não tinha nada – em Lagoa da Canoa não tinha nada, nada, nada. Pra mim foi muito bom, foi ótimo viver esse tempo assim na base do candeeiro, sabe?”

ço. Um pedacinho você escutava, depois inventava o resto, entendeu? Creio que ele inventou algum pedaço dessa música também, e pronto. Quer dizer, então, virou música de Pascoal, que acho que era dele mesmo – tanto que esse tempo todo não apareceu dono nem nada. Então, era deles mesmo: Pascoal e Divina. Compositores ∫ Divina Eulália Oliveira ∫ Pascoal José da Costa Arranjo

∫ Hermeto Pascoal Músicos

∫ Alberto (contrabaixo) ∫ Alberto (baixo elétrico) ∫ Antônio Ferreira da Anunciação (berimbau baixo)

∫ Bola (flauta) ∫ Bola (saxofone tenor) ∫ Hamleto (saxofone tenor) ∫ Hamleto (flauta) ∫ Hermeto Pascoal (voz) ∫ Hermeto Pascoal (saxofone soprano)

∫ Hermeto Pascoal (flauta)


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