Gazeta de Alagoas
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| LUÍS GUSTAVO MELO Estagiário
No grande supermercado das referências pop, é difícil imaginar qualquer outro movimento musical e comportamental que supere a energia seminal do punk. Da música ríspida que recuperava a urgência dos primeiros rocks à postura agressiva – um misto de raiva acumulada, tédio e hormônios em ebulição –, passando pelo visual e pela saudável postura iconoclasta de romper com o tradicional, o punk sempre se caracterizou por sua multiplicidade. No aspecto estritamente musical da coisa, talvez a grande contribuição do estilo esteja no fato de ter instaurado a máxima de que qualquer um poderia formar sua própria banda e dar aquela banana para o star system. Assim, seja num clube escuro da Finlândia, numa biboca grafitada dos Estados Unidos ou mesmo num modesto grupo escolar da periferia de Maceió, a motivação da garotada para subir num palco e tirar acordes rudimentares de um instrumento vagabundo qualquer é sempre a mesma. Ou, como disse o lendário baixista do Damned, Captain Sensible, numa de suas frases de efeito repetida de tantas formas ao longo dos anos, “enquanto houver um garoto pobre que pegue uma guitarra, aprenda dois acordes e monte um grupo, o punk não morreu para mim”. Desce o pano. No documentário Punk Attitude (2006), de Don Letts, figuras importantes do universo alternativo, como o cantor Henry Rollins, o cineasta Jim Jarmusch e músicos da vanguarda nova-iorquina como Glenn Branca e James Chance discutem o fenômeno, para chegar à origem do termo ‘punk’ a partir de uma genealogia que vai dar na postura agressiva e irreverente dos pioneiros do rock ‘n’ roll de meados dos anos 50 e na atitude desregrada de músicos de blues. Chegar à origem do punk, no entanto, talvez signifique percorrer um caminho obscuro que vai dar nos geniais grupos de garagem dos anos 60, seguindo uma linha evolutiva onde formações como Velvet Underground,
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The Stooges, MC5 e New York Dolls abrem caminho para que a cena underground de Manhattan (de Ramones, Television, Richard Hell & The Voidoids e Dead Boys, entre outros) aconteça e, por sua vez, forneça a base para que os ingleses dos Sex Pistols e do Clash detonem o fenômeno punk em escala mundial, quando em seguida bandas ainda mais radicais como The Exploited, Charged G.B.H. e Discharge viram a mesa e aceleram a batida do punk rock original, contribuindo para a criação do hardcore. Foi esse pessoal, aliás, que moldou a face com a qual o punk passou a ser percebido a partir de então – como um movimento de resistência e contestação política. Ou seja, o punk surgiu como uma bomba, e o impacto de seus múltiplos estágios reverbera até hoje. No ano de 1977, quando sair às ruas da velha ilha com alfinetes de segurança na bochecha é que era o canal, o movimento capitaneado pelos Sex Pistols atingiu em cheio uma juventude inglesa sem perspectivas e com pouquíssima paciência para o establishment do rock vigente. Num curto intervalo de tempo, houve um surto de bandas por toda a Grã-Bretanha. Para divulgar a nova onda, centenas de fanzines foram publicados e pequenos selos regionais lançavam heroicamente discos e compactos desses novos grupos. Toda essa movimentação durou pouco mais de um ano e meio, mas foi o suficiente para fazer um belo estrago. A partir de então, o rock, e a cultura pop como um todo, jamais seriam os mesmos. ENTRE MARES Do outro lado do Atlântico, na periferia do desenvolvimento mundial, o Brasil aderiu ao punk, tendo como foco inicial a cidade de São Paulo – afinal, se na Europa
as pessoas estavam gritando suas frustrações, por que não aqui, onde há bem mais razões para ser um revoltado? Durante a gestão do presidente Ernesto Geisel, o País caminhava em direção ao período da abertura política, mas mesmo assim o clima continuava pesado. No final dos anos 70, a censura ainda marcava em cima e não era nada fácil ser jovem naquela época – ainda mais morando nos bairros afastados das grandes metrópoles, a léguas dos sonhos de consumo da classe média. Em 1982, quando o movimento finalmente aconteceu em São Paulo, os garotos do subúrbio puderam dar seu recado para todo o País graças à repercussão midiática do histórico festival O Começo do Fim do Mundo (Cólera, Inocentes, Olho Seco, Ulster, Psykóze e Ratos de Porão eram algumas das bandas que incendiavam a brigada de negro no Sesc Pompeia, até o momento em que a polícia baixou, levando presos 25 punks) e ao lançamento de coletâneas importantes como Grito Suburbano (1982) e Sub (1983). Por volta de 1984, porém, o movimento começou a dar sinais de desgaste, com as constantes brigas entre os punks. A situação chegou a um ponto em que nenhuma casa noturna aceitava abrigar shows de punk rock. “Naquela época fiquei chateado porque estavam destruindo o movimento punk”, observa Clemente, líder dos Inocentes. “Tudo o que a gente levou anos para construir foi destruído em seis meses”. Mas o enfraquecimento da primeira leva do punk no Sudeste não significou necessariamente o fim do movimento: os ecos de toda essa agitação reverberaram em diversas regiões do Brasil e, em meados de 1984, 1985, as primeiras bandas do gênero começaram a surgir pelo Nordeste.
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Arte: Sandro Oliveira
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Imagens: reprodução/Arte: Sandro Oliveira
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Anarquia alimentou movimento s a o g a l A m e EU PENSO ASSIM...
Relatos dão conta de que no auge da
A trajetória do movimento punk em Alagoas segundo quem participou da história
‘cena’ havia cerca de 30 punks em Maceió, em sua maioria concentrados na Colina
“Para falar do movimento punk e como isso aconteceu, eu acho que em primeiro lugar é preciso que a gente veja isso não pela visão de hoje, mas pela visão da própria época, porque na década de 80 havia ainda aquela questão da ideologia, de ter a ideia de que valia a pena você lutar por alguma coisa. E eu percebo que com o tempo isso foi se apagando, eu não sei se pela multiplicidade de informação, de referências, a questão é que uma das coisas que fizeram esse movimento punk enfraquecer, além do consumo, foi a ausência desse ideal”. Marcus Punk, ex- integrante das bandas Ejaculação Precoce e Leprosário
dos Eucaliptos e nos bairros de Benedito Bentes, Eustáquio Gomes e Jacintinho. Engajada, a garotada lia autores como Mikhail Bakunin e Pierre Proudhon | LUÍS GUSTAVO MELO Estagiário
Contrariando a lógica de que aqui nada acontece, o punk e toda sua filosofia encontraram adeptos na então pacata Maceió da década de 80, construindo sua história, como não poderia deixar de ser, de baixo para cima, na periferia da capital. A primeira e, talvez, principal banda do cenário punk alagoano daquela época era a Leprosário, grupo formado em meados de 1986/1987 na Colina dos Eucaliptos. Em sua primeira formação estavam Helcias Leproso, Zé Mário (Mariola), Juniorcore e Cesar Mocó. Outras bandas desse período eram Ejaculação Precoce, HC3, Miséria e Acracia. “Nossas primeiras influências foram o punk de São Paulo, bandas como Cólera, Inocentes e Ratos de Porão, e o próprio movimento do Nordeste, com bandas como Karne Krua e Delinquentes”, explica, por e-mail, Luciano Albuquerque, ex-integrante da banda Acracia, atualmente morando em Fortaleza, onde trabalha na divisão de Segurança, Meio Ambiente e Saúde da Petrobras. Segundo relatos, existiam cerca de 30 punks em Maceió naquela época. A grande maioria se concentrava na Colina e nos bairros de Benedito Bentes, Eustáquio Gomes e Jacintinho. Era uma garotada realmente engajada. Gente que lia autores anarquistas como Mikhail Bakunin e Pierre Proudhon, que participava de encontros anarquistas em Riacho Doce e que se reunia em
locais como as praças Deodoro e Sinimbu para articular ações do MAP (Movimento Anarco-Punk). Produziam e distribuíam fanzines e panfletos, e agitavam os raros shows que aconteciam na cidade, em espaços como o Galpão da Uesa, no Farol e, principalmente, nos gigs que aconteciam nas praças, grupos escolares e em clubes como o Melão, na Colina dos Eucaliptos. Era, portanto, um movimento ativo e muito bem organizado, no qual contatos com bandas e grupos anarquistas de diversos estados do Nordeste eram estabelecidos – principalmente com o pessoal de Sergipe, da Paraíba e do Rio Grande do Norte. O curioso é que em Maceió o fenômeno punk não se restringiu à periferia. Na área que compreende os bairros da Pajuçara e Ponta Verde, alguns adolescentes de classe média também se identificaram com o lema do “faça você mesmo”. “Meu primeiro contato com o punk foi em 1985/1986, quando eu era surfista”, recorda Daniel Baboo, baixista de uma das primeiras formações da banda Living in The Shit. “Um amigo me apresentou ainda em cassete um som; era o primeiro disco do Cólera. Nessa mesma época conheci uma figura: Fernando Teixeira, o ‘Aranha’, que mais para frente fundaria uma banda comigo”. A banda em questão era a Amnésia, que, segundo Baboo, foi o grupo que introduziu o grindcore no Nordeste. “Esse nome (Amnésia) tinha o ‘N’ invertido, não me lembro o porquê”, diverte-se ele.
LINHA DO TEMPO PRIMÓRDIOS As bandas pioneiras da cena local ›› ›› ›› ›› ›› ›› ›› ››
Leprosário Ejaculação Precoce Amnésia Manicômio Acracia Diarreia Cerebral HC3 Miséria
DIAS DE HOJE Bandas em atividade no estado atualmente ›› ›› ›› ›› ›› ›› ›› ›› ››
Misantropia Reverter Sälädä Morra Tentando Power of Nóia Rosas Negras Kranko (Arapiraca) Resistir Ataque Cardíaco (Delmiro Gouveia)
Sandney Farias, vocalista da banda Misantropia: na ativa há 20 anos
“O movimento era marcado por um sentimento de respeito e de unidade”. Helcias Leproso, ex-vocalista da banda Leprosário
Marcus Punk no final dos anos 80: aproximação com a galera da periferia
As memórias de Baboo são intensas. “Foi uma época f***! A banda se resumia a duas pessoas (Aranha na guitarra e Baboo na bateria) e no nosso set list executávamos 90 títulos em uma hora! Fizemos várias viagens e participamos de vários encontros anarquistas. Era uma doideira do c*****... Muita droga, sexo e hardcore. Mas não era só isso... Tinha também o lado cultural e político. Alguns seguiam, outros não”, rememora ele. Em 1988, um garoto de Brasília chamado Marcus Vinicius (na época conhecido como ‘Marcus Punk’) organizou com um amigo um festival de música no colégio em que estudavam, o Objetivo. Foi a partir daí que o pessoal da Ponta Verde e da Colina começou a estabelecer contato. “O diretor pediu que a gente organizasse um festival de música, aí nós organizamos e fomos tocar na praça do Skate, e o pessoal punk da cidade, que a gente não conhecia até então, ficou sabendo e foi todo para lá. Eles ouviram a nossa música, e acabaram me convidando para fazer parte de uma banda, que na época era a Ejaculação Precoce, e depois fui tocar na Leprosário”, conta Marcus, hoje professor do curso de Letras da Universidade Federal de Alagoas (Ufal). “A Leprosário durou cinco anos e fizemos cerca de 30 apresentações; as mais marcantes em Maceió foram as da praça da Colina e do clube chamado Melão”, rememora o vocalista do grupo, Helcias Leproso. “Tocamos três vezes em Aracaju e duas em Natal. Essas viagens eram marcadas por muita birita e zoação no ônibus. Outro episódio também foi em João Pessoa, quando tocamos dentro de uma boate gay, fechando a tour da Leprosário”, narra. “Eu ainda cheguei a assistir a um show da Leprosário, a principal banda punk alagoana da década de 80. Acredito que foi o último show deles e deve ter rolado em 1988 ou 1989”, lembra Sandney Farias, vocalista da Misantropia, uma das mais honestas e duradouras formações hardcore já surgidas em Alago-
as – 20 anos de estrada no próximo dia 08 de julho. “Antes de começar com a Misantropia, em 1991, os shows não eram muito frequentes. Mas sempre tinha alguma banda de fora vindo tocar aqui, e existia esse intercâmbio. Havia um grande número de fanzines sendo produzidos e nesses fanzines a gente sempre encontrava o endereço de contato das bandas ou de alguém que fazia parte do movimento. A partir daí era só mandar uma carta e o contato era estabelecido. Eu me correspondia com pessoas de todo o Brasil e dessa forma divulgava as ideias, o som da banda e também fazia novas amizades”. INTERIORES No interior do estado, onde as perspectivas são ainda menores e o tédio bate mais forte, o clamor punk do “faça você mesmo” arregimentou adeptos em cidades como Delmiro Gouveia, Palmeira dos Índios, Penedo e até no acampamento da Hidrelétrica de Xingó, onde no início dos anos 90 os garotos da banda O.D.N. invadiam garagens de casas desocupadas para fazer barulho no meio da tarde, em ensaios regados a destilados da pior espécie. Não muito longe dali, na cidade de Delmiro Gouveia, a banda Classe Suburbana agitava um show ou outro, ao custo da cara feia de muita gente. Em Palmeira dos Índios, era o Trio Ameba que promovia encontros em espaços improvisados. “Nunca consegui me enquadrar bem na cidade onde fui criado. Meus pais queriam um filho modelo, criar um cidadão de bem”, recorda Erivaldo Mattüs, um dos integrantes do Trio Ameba, atualmente à frente da banda Power of Nóia, em Maceió. “Tanta encheção de saco criou em mim uma aversão a fatores os quais eu era incentivado a aceitar de maneira positiva, como o militarismo, a religião, ser um bom cidadão, etc. Ser punk em Palmeira não era problema. O problema era ser punk dentro de casa, porque anarquia em casa geralmente acabava em porrada ou em ameaças com cabo de vassoura”, anota.
“O movimento punk aqui em Maceió era extremamente engajado. A gente lia Bakunin, lia Proudhon, que eram autores anarquistas, autores que retrataram grandes revoluções que ocorreram na França, na Espanha... Então não era uma coisa da gente assistir televisão, ver uma coisa legal e querer imitar só a estética. A estética tinha uma influência muito grande, mas não era só isso”. Marcus Punk, ex-Ejaculação Precoce e Leprosário “Lembro de uma vez em que estávamos em uma praça fazendo uma reunião para atividades como panfletagem e tivemos uma batida policial com várias pessoas, mas a batida só foi para nós mesmo, por causa do visual carregado”. Luciano Albuquerque, ex-integrante da banda Acracia “Problema com a polícia tivemos alguns, mas o mais engraçado foi em Natal, quando a banda e outros punks foram presos dentro de um shopping, e isso aconteceu porque os seguranças interpretaram que íamos assaltar o local; em seguida fomos para a delegacia e enjaulados. Depois de alguns minutos, fomos soltos”. Helcias Leproso, ex-Leprosário “Sinto realmente muita falta daquele tempo! Não houve assim um fim com data marcada, algumas pessoas foram deixando o movimento, outras aparecendo”. Luciano Albuquerque, ex-Acracia “A galera mais antiga do movimento no início era bem fechada para quem estava dando os primeiros passos e se interessando pelo punk. Era muito difícil se integrar ao pessoal mais antigo. Havia uma resistência muito grande. Conhecia muita gente de vista, ia aos shows, mas só consegui ter contato com o pessoal do começo do movimento daqui muito tempo depois, e não no período em que eles estavam na ativa”. Sandney Farias, vocalista da banda Misantropia “Para falar a verdade, nessa época a galera era muito cabeçuda. Não sei nem explicar direito, mas a gente não se entendia muito bem, era meio cada um na sua, tinha os momentos de união, mas era complicado, era uma época muito louca, muita informação nova, computador, CD, MTV, instrumentos importados, mulheres indo a shows, tudo isso gerava um nível de hormônio masculino muito alto e rolava sempre umas discussões – coisa pouca!”. Daniel Baboo, ex-integrante das bandas Amnésia e Living in The Shit
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Anos 2000: jovens tardes, tantas alegrias “Todo fim de semana a galera estava sempre se movimentando. Rolava show direto. Alguns deles foram memoráveis”, conta Leonardo Cabral, vocalista da banda de harcore/punk Retrocesso e um dos representantes da ‘cena’ que falaram à Gazeta | LUÍS GUSTAVO MELO Estagiário
Na virada dos anos 90 para o novo século 21, o cenário alternativo de Maceió presenciou o surgimento de uma geração de bandas que passou a atuar dentro de um circuito de shows relativamente movimentado, em espaços como o Jaraguá Art’Studo, o Marquês D’Latravéia, o Sururu de Capote e o Porãozinho. Entre os grupos do período, as já veteranas Misantropia e Mental Problems, General Zorg, Contra, Sleep Out, Febre, Caos Absoluto e Indignados. “Na época em que a gente frequentava os shows rolava muita coisa”, lembra com uma pontinha de nostalgia Leonardo Cabral, vocalista da banda Retrocesso, formação harcore/punk atuante nessa fase. “Todo fim de semana a galera estava sempre se movimentando. Rolava show direto. Alguns deles
foram memoráveis: Discarga, Mukeka di Rato, Point of No Return, Ratos de Porão, Macakongs, Garage Fuzz... Muita coisa mesmo!”. Um dos articuladores da atual cena hardcore, o estudante de Jornalismo José Luiz Rios, o Buzugo, é outro que começou a se interessar pelo punk nessa época – curiosamente, ainda por intermédio das antigas fitas K7. “Um amigo no colégio tinha muito material gravado em fita e foi me emprestando muita coisa... Passei a conhecer bandas como Ratos de Porão, Jason e D.F.C., regravei também algumas fitas de um amigo mais velho. Em uma delas, no lado A tinha Cólera e, no lado B, Replicantes”, lembra. “Logo mais eu estava frequentando os primeiros shows. O primeiro mesmo foi em 2001: o lançamento do CD da banda Full Line, no Maria Tequila, onde hoje é o Maikai. Junto com eles tocou mais um bocado de
banda de vários estilos. Foi aí que conheci a Misantropia”. “O punk sempre representou e ainda representa muito para mim. Por meio dele me interessei mais por música, com a ideia de produzir da maneira que eu quisesse, sem precisar me tornar um instrumentista virtuoso, a parte política do protesto como meio de tentar mudar algo... Passei a ler livros a partir dos que eram tidos como referência no meio, a conhecer filmes com uma linguagem libertária, passei a ler e colecionar centenas de fanzines que exploram os mais diversos aspectos e ideologias que compõem esse elemento da contracultura. Passei a vivenciar diretamente o punk e trazê-lo para tudo na minha vida. Desde que entrei na faculdade, senti a necessidade de trazê-lo também ao mundo acadêmico e atualmente estou finalizando o meu TCC com foco no movimento punk”, narra Buzugo.
MANUAL DE NAVEGAÇÃO Munição farta para entender o punk rock LIVROS O que é Punk De Antônio Bivar Editora Brasiliense
A Filosofia do Punk – Mais do que Barulho De Graig O’Hara Radical Livros
Punk: Anarquia Planetária e a Cena Brasileira De Silvio Essinger Editora 34
Não Devemos Nada a Você De Daniel Sinker Edições Ideal FILMES E DOCUMENTÁRIOS The Punk Rock Movie (1978) De Don Letts Rude Boy (1980) De Jack Hazan The Decline of Western Civilization (1981) De Penelope Spheeris
Mate-me Por Favor De Legs McNeil e Gilliam McCain L&PM
American Hardcore (2006) De Paul Rachman
Garotos do Subúrbio (1983) De Fernando Meirelles
Botinada – A Origem do Punk no Brasil (2006) De Gastão Moreira
Punk Molotov (1984) De João Carlos Rodrigues
Punk Attitude (2006) De Don Letts
POR ONDE ANDA? Nas várias conversas que tivemos com personagens de primeira hora do punk em Maceió, um dos principais pontos era sobre a questão do engajamento que existia antigamente. Hoje, no entanto, a garotada já não manifesta o mesmo interesse em levantar bandeiras. Fica então a pergunta: por onde anda o movimento anarco-punk de Alagoas? “Na época em que eu comecei, a sigla MAP (Movimento AnarcoPunk) era muito forte e disseminada em todo o Brasil, em todo estado existia um MAP”, afirma o vocalista da Misantropia, Sandney Farias. “Esses grupos sempre foram muito organizados e integrados. No entanto, não sei dizer como anda o nível de articulação e se efetivamente há um MAP atuante em Alagoas. Em um determinado momento da existência da banda passamos a ser perseguidos por algumas pessoas do MAP local e de outros estados, e optamos por nos distanciar desses grupos. Não significa que deixamos de acreditar na ideologia punk/anarquista, mas o radicalismo de muitas pessoas que faziam parte desses grupos dificultava a convivência amistosa que um dia já existiu. E, com certeza, para muitos estamos bem distantes do que uma banda punk/anarquista deve ser.
Atualmente há alguns coletivos que se organizam para produzir eventos, que possuem sua vertente ideológica e procuram disseminá-las aqui em Maceió, mas não há uma bandeira ideológica hasteada por eles ou que os torne extremistas. Há ideias que são defendidas e esses grupos/coletivos se mobilizam para movimentar a cena”, observa ele. “Na verdade, a cena anarcopunk se perdeu um pouco e hoje em Maceió não conheço nenhum grupo realmente engajado com a causa. Há, sim, algumas pessoas que alimentam uma afinidade com as práticas políticas e tentam se movimentar através dos seus valores distribuindo panfletos em gigs, nas ruas, colando lambelambe com mensagens de protesto e pixando a cidade com frases de efeito e algumas até clichês nesse meio de protesto”, diz Buzugo, ao ser inquirido pela reportagem sobre o mesmo tema. “Eu, pessoalmente, acredito que os valores libertários do punk não admitem regras, logo não valorizo muito os grupos e pessoas que se focam numa única forma de atuar e insistem em repetir valores há muito já ultrapassados. Poderia dizer que esse é um grande defeito da cena anarco-punk, mas ao mesmo tempo são inegáveis toda a importância con-
testadora e a postura radical tão bem difundida e explorada por seus grupos, para mim peças fundamentais na consolidação de uma proposta política mais consistente dentro do punk”, acredita Buzugo. HOJE, HOJE... Além da patrulha dos xiitas, uma característica também muito presente no cenário local é a dispersão. Então, com tantas bandas indo e vindo, espalhadas em focos isolados, poderíamos dizer que existe um movimento hoje? “Não diria que há um movimento na cidade, mas posso afirmar que pequenos grupos viabilizam muita coisa, se formos comparar a realidade local”, explica Buzugo. “Faço parte de um coletivo de produção independente e já fizemos muitos gigs aqui na cidade, boa parte deles com a presença também de bandas de fora do estado, e é válido ressaltar que nenhum desses eventos foi no bairro de Jaraguá ou em alguma casa de show. Não estamos produzindo mais por falta de um espaço financeiramente viável para nós, porque já que não somos profissionais do ramo, temos o pé no chão e fazemos os eventos com o que temos disponível, ao nosso alcance”, complementa o baterista da banda Morra Tentando.